domingo, 14 de setembro de 2014

Etanol: justifica-se a imagem de "pária dos combustíveis"?

Em alguns momentos, há discussões até um tanto acaloradas em torno da possibilidade de se usar o etanol associado à ignição por compressão que nós tanto amamos, ao menos como uma alternativa para contornar as restrições burocráticas em função de capacidades de carga, passageiros ou tração que seguem inibindo o cidadão brasileiro que porventura deseje um motor do ciclo Diesel num veículo leve. No entanto, o temor quanto a uma volta das crises de desabastecimento que fizeram ruir o ProÁlcool e a imagem de improviso associada à atual geração de motores "flex" com ignição por faísca acirram desconfianças contra o etanol.

A adoção de uma mistura obrigatória de etanol à gasolina comercializada no Brasil também fomenta polêmicas, e eventuais oscilações ao bel-prazer dos políticos sem que haja uma redução dos preços ao consumidor final, evidenciam a incompetência da gestão pública tanto no tocante à economia quanto à segurança energética, ao manipular os preços dos combustíveis derivados de petróleo numa tentativa de mascarar a inflação. Tal fator também leva a uma percepção equivocada do etanol, que passa a ser execrado como um estorvo ao invés de devidamente reconhecido como uma alternativa prática e economicamente viável de combustível veicular, levando em conta ainda algumas prioridades mais recentes como a "performance ambiental" e a "sustentabilidade".

Há ainda, outros aspectos a ser considerados, como a necessidade de aditivos para manter corretamente lubrificado o sistema de injeção e também promover a ignição do etanol, caso do NTHF (nitrato de tetra-hidro furfurila) sintetizado a partir do bagaço da cana-de-açúcar e usado em motores Scania a partir da década de '80 conforme relatado pelo amigo Evandro Fullin, bem como a integração de soluções para o after-treatment dos gases de escape visando manter a conformidade com as atuais normas de emissões mas sem sacrificar o bom funcionamento com um espectro mais amplo de combustíveis, incluindo o óleo diesel convencional, o biodiesel, e com alguns cuidados até óleos vegetais puros, presumindo-se que o uso do etanol em motores do ciclo Diesel só se mostra adequado quando dotados de injeção direta.

Como a emissão de material particulado (fuligem) com o etanol vai a zero, o DPF (Diesel Particulate Filter - filtro de particulados) se torna redundante, e a ausência de enxofre faz com que o EGR (recirculador de gases de escape) e o coletor de admissão não sofram uma deposição de sedimentos carbonizados tão intensa como tem ocorrido em alguns motores operando com óleo diesel, a ponto de no Brasil a Scania preferir adotar o SCR (Selective Catalyst Reduction - o uso de um "catalisador líquido" para controlar os NOx) em toda a linha Diesel vendida no mercado local, mesmo exportando alguns modelos equipados com EGR para países com um controle maior da qualidade do óleo diesel como o Chile.

Em veículos leves com motores Diesel, bem como em alguns utilitários comercializados regularmente no mercado brasileiro, devido às maiores limitações de espaço para a montagem do reservatório e do reator que integram o sistema SCR, acaba prevalecendo o EGR. Logo, o etanol se mostra como uma alternativa plausível sob o ponto de vista logístico, ao dispensar o incômodo representado pela necessidade do reagente ARLA-32 (ARLOX-32/AdBlue/DEF). Convém salientar que a maior eficiência do processo de combustão no ciclo Diesel já constitui uma justificativa frente à atual geração de motores "flex", que acabam na grande maioria não sendo tão otimizados para tirar mais proveito das características do etanol, que se adapta melhor a taxas de compressão mais elevadas em comparação à gasolina.

Há, ainda, uma inegável competição com o gás natural (tanto o GNV/GNC já largamente usado no mercado brasileiro quanto o GNL, mais direcionado a aplicações comerciais pesadas como um eventual substitutivo ao óleo diesel) pela preferência tanto do usuário particular quanto dos gestores de frotas. Na verdade, pode-se ver tanto o etanol quanto o gás mais como alternativas complementares que como concorrentes diretos, considerando tanto os respectivos processos de logística e distribuição diferenciados quanto aspectos práticos como o impacto do volume e peso dos reservatórios de cada combustível sobre a capacidade de carga do veículo e um eventual incremento no desgaste de componentes, principalmente dos sistemas de freios e suspensão, como acontece em veículos convertidos para operar com GNV.

Por mais que outras opções se apresentem com suas respectivas vantagens em diferentes cenários operacionais, não é tão coerente sustentar uma visão do etanol como o "pária dos combustíveis".

3 comentários:

  1. Eu até já ando pensando em comprar uma S10 flex com o motor novo de injeção direta por causa principalmente do seguro mais barato que uma a diesel, e mesmo com a ignição por vela eu acho que já vai funcionar mais redondo que o 2.4 antigo por causa da injeção direta e de 16 válvulas.

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  2. Até hoje só tive carro a álcool, nunca cheguei a comprar nem flex ainda, mas a minha Palio Weekend ano 2003 com motor 1.5 eu já peguei com o kit de gás.

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  3. O problema do álcool é ter sido sempre um combustível mais viável num contexto exclusivamente regional, tanto que hoje só compensa encher o tanque com álcool nos estados onde é produzido.

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Nem sempre é viável manter as relações de marcha originais após converter um veículo para Diesel, em função dos regimes de rotação diferenciados. Portanto, uma alteração das relações de diferencial ou até a substituição do câmbio podem ser essenciais para manter um desempenho adequado a todas as condições de uso e a economia de combustível.

It's not always viable to retain the stock gear ratios after converting a vehicle to Diesel power, due to different revving patterns. Therefore, some differential ratio or even an entire transmission swap might eventually be essential to enjoy a suitable performance in all driving conditions and the fuel savings.

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