domingo, 21 de dezembro de 2014

Uma reflexão sobre o Diesel e perspectivas futuras

Apesar de terem vantagens práticas devidamente comprovadas, tanto para uso veicular quanto estacionário/industrial, motores do ciclo Diesel ainda enfrentam alguma resistência tanto por uma parte do público consumidor quanto por organizações governamentais e não-governamentais pelas mais diversas motivações, sobretudo em função de questionamentos acerca do impacto ambiental em comparação a um similar de ignição por faísca. O alto custo e complexidade que tem acompanhado os dispositivos de controle de emissões mais modernos, assim como alguns aperfeiçoamentos que começam a ganhar espaço em motores de ignição por faísca, chegam a fomentar até mesmo especulações em torno da viabilidade técnica do Diesel num futuro não muito distante...

Até mesmo a Europa, que permanece como o principal pólo de desenvolvimento e aperfeiçoamento dos motores Diesel, já começa a mostrar alguns cenários hostis, motivados principalmente por um viés falsamente ambientalista. Dentre os críticos mais ferrenhos, figura a atual prefeita de Paris, a socialista Anne Hidalgo, que já declarou um desejo de banir os carros com motor Diesel das ruas da capital francesa até 2020, embora tenha sinalizado com a possibilidade de abrir uma brecha para que "os pobres" ainda fossem permitidos a tê-los para um uso mais esporádico, apelando ao típico populismo barato da esquerda-caviar. Outra iniciativa anti-Diesel, dessa vez em Londres, é a proposta de duplicar o valor da "congestion charge" para veículos equipados com esse tipo de motor independentemente do ano de fabricação, como já acontece com veículos a gasolina não-híbridos com idade igual ou superior a 8 anos.

Pode-se afirmar categoricamente que tais medidas são, na prática, altamente questionáveis sob o ponto de vista ecológico: um motor Diesel emite, em média 20% menos gás carbônico (CO²) por quilômetro rodado em comparação a um similar com motor a gasolina de ignição por faísca, enquanto as emissões de óxidos de nitrogênio (NOx) que eram de fato um calcanhar-de-Aquiles vem alcançando níveis cada vez mais parelhos. Não se pode ignorar, ainda, que o ciclo Diesel permanece como uma plataforma facilmente adaptável a um amplo espectro de combustíveis alternativos, e o processo de combustão mais eficiente também leva a um consumo mais contido, reduzindo por extensão o impacto do etanol e do biodiesel na produção de gêneros alimentícios, bem como o saldo energético desde o cultivo e beneficiamento das matérias primas até os processos logísticos envolvidos na distribuição dos biocombustíveis ao consumidor final. Convém lembrar, ainda, que o domínio da tecnologia do Diesel tem servido como um forte argumento de vendas para alguns dos principais fabricantes de veículos de origem européia, como as alemãs Volksvagen e Mercedes-Benz, e da França o Grupo PSA Peugeot-Citroën, tanto nos mercados locais quanto para exportação. Há ainda um vínculo "cultural" de boa parte dos consumidores, a ponto de aproximadamente 80% da frota francesa usar motores Diesel, e a forte tradição agropastoril leva a uma grande aceitação do uso de combustíveis alternativos não apenas nas zonas rurais mas também em localidades mais urbanizadas.

Embora os motores Diesel habitualmente tenham alguns componentes internos superdimensionados, visando uma maior aptidão às elevadas pressões a que são submetidos, o menor desgaste que sofrem já leva a uma menor necessidade de intervenções mais complexas como uma retífica (total ou parcial) e reduz a demanda por peças de reposição, o que também concorre para um consumo mais contido de energia e matérias-primas, além de dispensar alguns componentes de difícil reciclabilidade como velas de ignição. Para quem não sabe (ou não se lembra), cada vela tem um isolador de porcelana, material que não costuma figurar entre os classificados como recicláveis. Na prática, as únicas grandes vantagens da ignição por faísca são a aptidão ao uso de combustíveis gasosos como o metano de origem fóssil (disponível comercialmente como gás natural veícular/gás natural comprimido ou gás natural liquefeito), o biogás/biometano e até o gás liquefeito de petróleo (GLP, popularmente conhecido como "gás de cozinha" e cujo emprego como combustível automotivo é atualmente proibido no Brasil) sem depender de uma injeção-piloto de algum combustível líquido que sofra a ignição por compressão, e uma maior tolerância a desligamentos e partidas frequentes como ocorre em modelos equipados com o sistema start-stop.

Entretanto, a ignição por faísca já vem reconquistando a confiança e o interesse até mesmo de segmentos que vinham estabelecendo o Diesel como padrão, até mesmo junto a forças militares. Um caso emblemático é o da tradicional fabricante de motores náuticos Evinrude, que fornece ao Departamento de Defesa dos Estados Unidos alguns motores de popa "multifuel" numa faixa entre 30 e 55hp para pequenas embarcações que, além de operar normalmente com gasolina, contam com um mapeamento de injeção e ignição direcionado ao uso de combustíveis pesados, com mais ênfase ao querosene embora também seja homologado para um uso eventual/emergencial de óleo diesel convencional. A injeção direta, amplamente usada junto ao ciclo Diesel desde os primórdios, tem uma grande importância nesse processo, visto que permite o uso de taxas de compressão mais elevadas minimizando a ocorrência da pré-ignição ("batida de pino" como se diz no Brasil ou "grilos" em Portugal) ao utilizar gasolina e, no caso dos motores Evinrude, baseados num ciclo 2-tempos, elimina-se a necessidade de um supercharger (compressor mecânico, popularmente conhecido por "blower"), elemento imprescindível a um Diesel 2-tempos autêntico como alguns Detroit Diesel antigos.

Devido à complexidade logística em campo de batalha, fazendo com que cada galão de combustível utilizado pelas forças armadas americanas tenha um custo final de 400 dólares para o Departamento de Defesa, não é incomum que prevaleça o uso do querosene de aviação tanto em veículos terrestres e aquáticos quanto aéreos numa operação militar, contando ainda com a vantagem do menor ponto de congelamento em comparação ao óleo diesel convencional, embora uma maior aceitação do uso de biodiesel e do chamado "Diesel verde" na aviação civil leva a entender que o meio militar possa seguir um rumo semelhante. Alguns fornecedores tradicionais, como a fabricante de turbinas Pratt & Whitney, já fazem um importante trabalho em prol da homologação para uso aeronáutico tanto do óleo diesel convencional quanto de substitutivos de origem renovável como o biodiesel, visando não apenas uma redução dos custos operacionais mas também valer-se da economia de escala ao se adotar um combustível comum a outras aplicações e que se encontra num estágio relativamente avançado da pesquisa e desenvolvimento.

Mesmo com toda a dificuldade técnica atribuída a sistemas de pós-tratamento de emissões como os filtros de material particulado (DPF) e redução catalítica seletiva (SCR, destinado a controlar os níveis de NOx por meio de uma reação química entre os gases de escape e um fluido aquoso com 32,5% de uréia industrial disponível comercialmente com denominações diversas como ARLA-32, ARNOx-32, AdBlue e Diesel Exhaust Fluid - DEF) que já se proliferam até na indústria naval por exigência de algumas autoridades portuárias que cobram sobretaxas para permitir o atracamento de navios considerados "poluidores", esse é outro setor que não dispensa o Diesel. A maior aptidão à severidade do ambiente marinho faz com que permaneça como a principal opção para operações profissionais, desde pequenos barcos de pesca até os grandes navios conteneiros, passando também por embarcações militares e de serviços especiais como as "ambulanchas" usadas em algumas localidades da Amazônia. Tem ocorrido ainda um crescimento no interesse pela integração em navios cargueiros entre o ciclo Diesel e o gás natural liquefeito (GNL), que quando associados promovem uma redução considerável nas emissões em comparação ao uso de óleo cru (HCO - heavy crude oil) puro, mas não se vislumbra uma substituição total pelo gás em motores a pistão.

Muitas especulações são feitas, e interesses escusos são levados à mesa em tentativas de se desacreditar o Diesel, que no entanto resiste e ainda é apresentável como uma proposta adequada a atender não apenas às necessidades atuais do consumidor nos principais mercados internacionais mas também como uma opção tecnicamente viável para atender às necessidades brasileiras. As restrições ao uso do Diesel em veículos leves em função da capacidade de carga, passageiros ou tração já fizeram com que se perdesse muito tempo, e oportunidades de fortalecer a imagem do Brasil como uma referência mundial no setor da agroenergia foram desperdiçadas. Ainda é possível rever alguns erros e correr atrás do tempo perdido, e os motores do ciclo Diesel ainda tem um importante espaço nesse contexto.

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Nem sempre é viável manter as relações de marcha originais após converter um veículo para Diesel, em função dos regimes de rotação diferenciados. Portanto, uma alteração das relações de diferencial ou até a substituição do câmbio podem ser essenciais para manter um desempenho adequado a todas as condições de uso e a economia de combustível.

It's not always viable to retain the stock gear ratios after converting a vehicle to Diesel power, due to different revving patterns. Therefore, some differential ratio or even an entire transmission swap might eventually be essential to enjoy a suitable performance in all driving conditions and the fuel savings.

Mais informação sobre relações de marcha / more info about gear ratios
http://dzulnutz.blogspot.com/2016/03/relacao-de-marcha-refletindo-sobre.html