sábado, 7 de março de 2015

"Disparos" de motor: uma ocorrência cada vez mais incomum

Houve uma época em que os motores Diesel apresentavam, apesar da superioridade técnica em muitos outros aspectos, um inconveniente muito peculiar que era a maior propensão a sofrer um "disparo". A própria natureza da ignição por compressão, associada a algumas especificações antigas de óleos lubrificantes que apresentavam ponto de fulgor (temperatura mínima para liberação de vapores inflamáveis) mais baixo e à ausência de uma borboleta de admissão (throttle-plate), acabavam por favorecer a ocorrência dessa situação que se mostra potencialmente perigosa não só para o operador mas também para a durabilidade do equipamento, principalmente se ocorrer sucção (e combustão) do óleo lubrificante.

A grosso modo, pode-se definir um "disparo" de motor como a aceleração descontrolada e mantida indefinidamente enquanto a admissão de ar e o fluxo de combustível permanecerem desimpedidos. A princípio o corte do fornecimento de combustível à bomba injetora já seria suficiente para conter um "disparo", mas alguns vapores do cárter que são admitidos através da válvula blow-by (também conhecida por "válvula anti-chama") presente na ventilação positiva do cárter (PCV - Positive Crankcase Ventilation - redirecionamento dos vapores do cárter para o coletor de admissão ao invés de serem lançados na atmosfera por um "respiro" simples) podem vir com gotículas de óleo lubrificante em suspensão se a filtragem não ocorrer de forma adequada devido a alguma falha na blow-by e sofrerem auto-ignição, principalmente se já estiver contaminado com combustível que tenha escorrido por folgas entre a camisa do cilindro e o pistão num motor mais desgastado. Uma recomendação até certo ponto óbvia, mas que influi diretamente na redução dos riscos de um "disparo", é nunca exceder a quantidade máxima de óleo recomendada, evitando um aumento na pressão do óleo e por conseguinte uma fissura em alguma junta de cabeçote abrindo passagem para uma quantidade de óleo esguichar dentro da câmara de combustão ou um fluxo excessivo de gotículas de óleo pela ventilação positiva do cárter.

Em caso de "disparo" não adiantaria nem tentar "matar" na embreagem no caso de um veículo com câmbio manual, e o melhor a se fazer é obstruir a admissão de ar com um material rígido para "afogar" o motor (até há quem o faça com um pano encharcado). Em alguns sistemas de propulsão naval e equipamentos estacionários com motor Diesel e acoplamento direto, há um "flap de emergência" que nada mais é do que uma borboleta de admissão regulada manualmente para restringir o fluxo de ar, permitindo a rápida parada do motor para análise das causas e eventuais reparos que venham a se fazer necessários após a ocorrência. O mesmo dispositivo também pode ser adaptado a veículos, valendo-se de uma alavanca ou de um botão semelhantes aos que eram usados para acionar o "afogador" em automóveis e motocicletas com motor do ciclo Otto equipados com carburador. Alguns motores Diesel veiculares mais recentes incorporam uma borboleta de admissão, diminuindo consideravelmente os riscos de um "disparo" além de proporcionar um efeito de freio-motor mais próximo do encontrado em motores do ciclo Otto.

A presença maciça do gerenciamento eletrônico na geração mais recente de motores Diesel veiculares influi até certo ponto numa menor incidência dos "disparos", pois com parâmetros cada vez mais precisos dos controles de injeção foi viabilizada uma redução na temperatura média do processo de combustão mediante taxas de compressão mais baixas, que acabam por depender de uma estratificação mais intensa do combustível de modo a ampliar a superfície de contato com o ar, bem como de uma fase de injeção mais complexa com a ocorrência de múltiplas injeções durante o mesmo ciclo de combustão. Basicamente, o uso de taxas de compressão mais baixas diminuem as pressões internas na câmara de combustão, levando a um menor aquecimento do ar admitido, e com uma pré-injeção uma parte do combustível ao ser queimada já libera uma quantidade mais intensa de calor de modo a facilitar a auto-ignição durante a injeção principal (que também pode ser dividida numa sequência de injeções), e a pós-injeção pode ser aplicada tanto para manter o funcionamento mais suave quanto manter a temperatura dos gases de escape em parâmetros adequados para manter a "regeneração" (auto-limpeza) do filtro de material particulado (DPF - Diesel Particulate Filter).

O processo de combustão mais frio em alguns motores Diesel modernos já se torna um empecilho para o uso de alguns combustíveis alternativos, mais notadamente óleos vegetais puros (que, não custa nada lembrar, não são o famoso biodiesel), e também dificulta uma auto-ignição de vestígios de óleo lubrificante eventualmente tragados para dentro da câmara de combustão, principalmente ao lembrarmos que muitos óleos modernos de base sintética ou semi-sintética apresentam ponto de fulgor mais alto. É importante frisar, ainda, que a atual geração de dispositivos de controle de emissões também é vulnerável a danos decorrentes de um "disparo" do motor, e portanto um motivo a mais para que sejam aplicadas medidas de segurança destinadas a impedir esse fenômeno. Resíduos de óleo lubrificante que eventualmente venham a se acumular no escapamento após serem admitidos durante um "disparo" e sofrerem uma combustão incompleta podem vir a não vaporizar adequadamente, e provocam um maior risco de entupimentos no DPF devido a uma maior aderência da fuligem dentro do núcleo do referido filtro, prejudicando o fluxo dos gases de escape e o próprio processo de "regeneração".

O crescente interesse pelo câmbio automático também pode ser apontado como uma razão a mais para se investir em controle e prevenção dos "disparos", visto que os resultados ainda mais imprevisíveis em função do menor controle que o operador tem do acoplamento entre motor e câmbio para tentar parar o veículo com o mínimo de segurança e controlar a situação. Inclusive, até alguns anos atrás muitos automóveis oferecidos no mercado europeu tinham a opção pelo câmbio automático restrita a versões com motor do ciclo Otto, mesmo que estes não estivessem totalmente livres da possibilidade de ocorrer um "disparo" no caso do cabeçote superaquecer o suficiente para manter a auto-ignição da mistura ar/combustível simplesmente pelo contato com a superfície que ainda retivesse calor residual do ciclo de combustão anterior e a borboleta de admissão permanecesse travada aberta por qualquer razão.

De qualquer modo, apesar de ainda ser apontada por alguns sensacionalistas de plantão visando provocar temores descabidos em uma parte do público ainda indecisa diante do debate acerca de uma eventual liberação do Diesel em veículos leves sem distinções por capacidade de carga, passageiros ou tração, a ocorrência de "disparos" de motor está caminhando a passos largos para se tornar cada vez mais incomum, e portanto o Diesel segue se firmando não apenas como uma alternativa econômica mas também perfeitamente segura para atender às necessidades não apenas de profissionais do volante mas também para o uso em veículos particulares.

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Nem sempre é viável manter as relações de marcha originais após converter um veículo para Diesel, em função dos regimes de rotação diferenciados. Portanto, uma alteração das relações de diferencial ou até a substituição do câmbio podem ser essenciais para manter um desempenho adequado a todas as condições de uso e a economia de combustível.

It's not always viable to retain the stock gear ratios after converting a vehicle to Diesel power, due to different revving patterns. Therefore, some differential ratio or even an entire transmission swap might eventually be essential to enjoy a suitable performance in all driving conditions and the fuel savings.

Mais informação sobre relações de marcha / more info about gear ratios
http://dzulnutz.blogspot.com/2016/03/relacao-de-marcha-refletindo-sobre.html