quinta-feira, 16 de abril de 2015

Motores 2-tempos de ignição por faísca: esclarecendo algumas dúvidas

Motores 2-tempos ainda são muito aclamados em alguns cenários operacionais pela simplicidade construtiva, relação peso/potência mais favorável e volume físico mais contido em comparação com um 4-tempos numa faixa de desempenho similar. Porém, um motor 2-tempos de ignição por faísca não é tão fácil de converter em um Diesel legítimo, de ignição por compressão, ao contrário do que ocorre num motor do ciclo Otto (4-tempos com ignição por faísca). Ainda assim, apesar da participação no mercado de veículos terrestres estar mais restrita a algumas motocicletas e equipamentos especiais como snowmobiles, tem ressurgido um interesse pelos motores 2-tempos de ignição por faísca devido a rumores quanto a uma eventual adaptabilidade ao uso de óleo diesel e respectivos substitutivos de origem renovável.

Para interessados numa conversão clandestina em um veículo leve para funcionar com óleo diesel, a hipótese de usar um motor 2-tempos de ignição por faísca se mostra particularmente convidativa por, teoricamente, não atrair uma atenção indesejada da parte da polícia ou das autoridades de trânsito. Apesar do ruído característico denotar que se trata de um motor "especial", a simples presença das velas de ignição já reduz consideravelmente o risco do operador ter o veículo apreendido e ser enquadrado por crime contra a economia popular, no entanto uma série de razões tornam tal plano muito mais difícil do que possa parecer inicialmente. A própria disponibilidade de motores 2-tempos de ignição por faísca em faixas de potência e torque adequadamente dimensionadas para aplicações automotivas já é muito limitada, e há ainda outros fatores que vão desde as próprias características do processo de combustão quanto ao controle de emissões de poluentes em localidades com uma inspeção veicular mais rigorosa.

Um possível empecilho à reintrodução dos motores 2-tempos de ignição por faísca em aplicações automotivas, e que também afeta os motores Diesel de um modo geral, é o controle das emissões de óxidos de nitrogênio. Pareceria simples usar o sistema EGR, que promove uma recirculação de parte dos gases de escapamento para que a presença de gases inertes de certo modo mantenha a temperatura do processo de combustão mais limitada, que tem predominado em motores de ignição por faísca e também amplamente usado em motores Diesel leves, porém o problema da carbonização que já é crítico ao atingir o coletor de admissão num motor 4-tempos de injeção direta (tanto Otto quanto Diesel) tomaria proporções caóticas no cárter e "janelas" de admissão dum 2-tempos com lubrificação por "perda total". A injeção suplementar de água com álcool no coletor de admissão, que num 4-tempos não só reduz as emissões de óxidos de nitrogênio mas também reduz a carbonização, prejudicaria a lubrificação num 2-tempos. Uma opção que resta, e tem sido predominante em aplicações rodoviárias pesadas (caminhões e ônibus), é o SCR, que promove a redução catalítica seletiva dos óxidos de nitrogênio por meio de uma reação entre os gases de escape e um fluido à base de uréia (32,5% de uréia industrial com 67,5% de água desmineralizada) disponível comercialmente com as nomenclaturas ARLA-32, ARNOx-32, AdBlue e DEF.

Em motores 2-tempos de ignição por faísca de concepção mais tradicional, ainda equipados com carburador, há operadores que de tempos em tempos usam querosene puro, sem adição do óleo, em pequenos percursos (ou num cavalete de manutenção) com o intuito de descarbonizar o motor por dentro. Pode parecer, à primeira vista, interessante usar óleo diesel convencional ou mesmo biodiesel devido à lubricidade mais intensa em comparação ao querosene, no entanto a volatilidade mais baixa não proporcionaria uma adequada vaporização. De qualquer maneira, tal procedimento não é possível num motor 2-tempos de ignição por faísca com injeção direta, visto que o óleo lubrificante ainda passa pela fase de transferência entre o cárter e os cilindros, junto ao ar da admissão, ao passo que o combustível é injetado separadamente já na câmara de combustão.

A injeção direta, um avanço que teve introdução relativamente recente nesse tipo de motor, de fato contribui para uma maior adaptabilidade aos combustíveis pesados, devido ao controle mais preciso do processo de combustão e principalmente à estratificação mais fina do combustível durante a injeção, e também contribui para um menor consumo de óleo lubrificante e carbonização menos intensa tanto ao redor dos eletrodos de vela quanto das "janelas" de escape e válvulas de potência (YPVS da Yamaha e similares - quando aplicáveis), mas o método de lubrificação mais comum ainda é por "perda total" do óleo durante a combustão. Atualmente a Evinrude já disponibiliza motores de popa com essa configuração para o Departamento de Defesa dos Estados Unidos, podendo operar tanto com gasolina quanto querosene (querosenes de aviação como o Jet A-1/JP-8 e outros de especificação estritamente militar como o JP-5 e até o "querosene iluminante") em caráter primário mas, ao contrário de alguns mitos que tem circulado amplamente, o uso de óleo diesel convencional deve ser mais limitado a casos de extrema necessidade quando não haja outro combustível à disposição.

Até não seria de todo impossível converter um motor 2-tempos de ignição por faísca para Diesel, mas um supercharger (compressor volumétrico de acionamento mecânico, também conhecido por "blower") se torna imprescindível para gerar pressão de admissão suficiente, tanto num motor com lubrificação por "perda total" quanto num com lubrificação por recirculação forçada do óleo. Considerando o crescimento no interesse pelo uso do gás natural como combustível para o transporte comercial em substituição ao óleo diesel que vem ocorrendo na Europa e nos Estados Unidos, e o uso do etanol em maquinário agrícola pelo setor sucroalcooleiro no Brasil, oferecem perspectivas mais adequadas aos motores 2-tempos de ignição por faísca, mas de fato ainda há precedentes para quem se disponha a fazer experiências com o óleo diesel e o amplo espectro de substitutivos de origem renovável economicamente viáveis.

4 comentários:

  1. Tuve contacto con el motor Evinrude MFE55 tras unos años, y lo aseguro que ese motor es el más cerca de perfección que hay. Me daria ganas de subir uno a mi Camry si lo hicieran una versión con unos 3 cilindros y al menos 100HP.

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  2. Meu avô tinha um barco com motor de popa a gasolina, mas de vez em quando fazia funcionar só com querosene sem misturar óleo para limpar por dentro do motor.

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  3. Já vi misturarem querosene até em motor 4 tempos, dizendo que tira aquela goma que forma no tanque de carro a álcool.

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    1. Eu fazia muito isso num Fusca que eu tive. Já cheguei até a rodar com querosene puro uma vez, e o bicho funcionou bem. Mas eu só fazia isso quando faltava pouco para a próxima troca de óleo.

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Nem sempre é viável manter as relações de marcha originais após converter um veículo para Diesel, em função dos regimes de rotação diferenciados. Portanto, uma alteração das relações de diferencial ou até a substituição do câmbio podem ser essenciais para manter um desempenho adequado a todas as condições de uso e a economia de combustível.

It's not always viable to retain the stock gear ratios after converting a vehicle to Diesel power, due to different revving patterns. Therefore, some differential ratio or even an entire transmission swap might eventually be essential to enjoy a suitable performance in all driving conditions and the fuel savings.

Mais informação sobre relações de marcha / more info about gear ratios
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