terça-feira, 2 de junho de 2015

Uma reflexão sobre os japoneses e o Diesel

Um país considerado como uma referência no desenvolvimento tecnológico, o Japão teve nos motores Diesel um importante aliado para a reconstrução do pós-guerra. Caminhões, ônibus e maquinário de construção pesada valiam-se da eficiência superior em comparação aos motores de ignição por faísca, além de embarcações pesqueiras e equipamentos agrícolas para fortalecer a segurança alimentar, e posteriormente começavam a ganhar espaço em aplicações automotivas leves não apenas para fins comerciais mas também em veículos particulares.

Ainda hoje, veículos leves de fabricantes japoneses equipados com motor Diesel ocupam posição de destaque em mercados internacionais, não apenas entre os 0km mas também importados já usados do Japão como é o caso da Toyota HiAce Regius da foto acima e do Toyota Land Cruiser Prado abaixo, ambos equipados com o motor Toyota 3L de 2.8L que foi usado na Hilux de 5ª geração até o facelift de 2000, embora o Diesel não goze mais do mesmo prestígio no mercado doméstico (JDM - Japanese Domestic Market) que tem dado preferência à ignição por faísca combinada a combustíveis gasosos (mais notadamente o gás liquefeito de petróleo - GLP ou "gás de cozinha" - e mais recentemente o gás natural já estabelecido no mercado brasileiro) principalmente em veículos comerciais ou nos híbridos movidos a gasolina com assistência elétrica.

Se por um lado o gás natural é uma opção relativamente segura, e proporcionaria uma transição fácil para o biogás/biometano, por outro tem limitações em função do volume que ocupa e do acréscimo de peso, fatores que proporcionam uma redução na capacidade de carga do veículo, e devem ser analisados com o devido critério antes de definir qual é a melhor alternativa para uma determinada aplicação. Já o gás liquefeito de petróleo, além da origem fóssil, não é tão seguro quanto os japoneses acreditam. No que tange aos híbridos, a composição química das baterias torna-se um contratempo devido à complexidade dos processos de descarte seguro e reciclagem. Portanto, fica evidente que as principais opções que vem sendo disponibilizadas ao consumidor japonês que deseje um automóvel mais eficiente estão longe de ser aquela 8ª maravilha...

A geografia japonesa, com alguma escassez de recursos naturais, já seria um pretexto mais do que suficiente para que a eficiência e a confiabilidade do Diesel prevalecessem diante de percepções equivocadas no tocante às emissões poluentes. Nem mesmo o comprometimento da maior parte da terra agricultável japonesa dedicada à produção de gêneros alimentícios deveria ser encarado como um empecilho ao desenvolvimento de biocombustíveis para substituir o óleo diesel convencional tido como "sujo", quando lembramos que a principal fonte de proteína animal consumida no Japão são os pescados: no caso de peixes brancos, como o linguado e a merluza, a maior parte da gordura corporal está concentrada no fígado, o que facilita a extração para ser aproveitado como matéria-prima na produção de biodiesel. Não se pode esquecer, também, da possibilidade de desenvolver o cultivo de algas oleaginosas em algumas porções do mar territorial japonês, podendo ser integrada à criação de peixes em tanques-rede. E para quem gosta de McFish sakaná-furai, tonkatsu, chicken-katsu, karaage ou pastel harumaki, também é possível usar o óleo de fritura saturado diretamente como combustível num Corolla velho como esse XLD de 6ª geração equipado com o motor 1C de 1.8L e injeção indireta que eu vi ano passado no Uruguai...

Em que pesem as diferenças entre os consumidores de diferentes raças e nacionalidades, a maior responsabilidade pelo decréscimo na participação de motores Diesel no mercado japonês a partir de fins da década de 80 até 2004 deveu-se principalmente à estratégia dos fabricantes que, ao invés de modernizar a oferta, mantiveram uma linha desatualizada que só interessava àquela parcela mais tradicional e apegada ao caráter essencialmente utilitário mas dificilmente atrairia um público cada vez mais exigente não apenas no tocante à economia de combustível mas também no desempenho. E se por um lado o europeu estava mais disposto a pagar por um motor turbodiesel com injeção direta do tipo common-rail em nome de um desempenho mais vigoroso, entre os japoneses ainda prevalecia um interesse em economizar não só no consumo e manutenção mas também no custo inicial, favorecendo a permanência da vetusta injeção indireta em veículos leves ao invés de arriscar um investimento elevado na modernização da oferta de motores Diesel para atender a um market-share que já vinha sofrendo um profundo declínio.

Exemplificando esse contexto de estagnação tecnológica, o último motor Diesel usado no Corolla japonês até 2004 para o mercado interno e até 2013 para exportação foi o vetusto 2C de 2.0L naturalmente aspirado e com injeção indireta. Embora tida pelo público em geral como antiquada, ainda apresentava vantagens que hoje são pouco reconhecidas em mercados desenvolvidos, entre as quais a maior resiliência diante de variações na qualidade do combustível, um funcionamento suave e relativamente silencioso, e ainda um processo de combustão mais completo apto a proporcionar uma menor emissão de material particulado, e também menos resíduos resultantes da polimerização da glicerina ao usar óleos vegetais e gorduras animais como combustível alternativo. Por mais que a injeção direta e o turbocompressor de geometria variável hoje onipresentes em motores Diesel veiculares destinados ao mercado europeu, o velho 2C ainda seria adequado às condições japonesas.

Ainda que a Mazda tenha nadado contra a correnteza com os motores SkyActiv-D que fizeram ressurgir algum interesse pelo Diesel junto ao público japonês, o cenário mostra-se difícil de entender. Considerando ainda a grande dependência do Japão em fontes de energia importadas, como o gás natural liquefeito importado da Malásia e o petróleo cujo preço acompanha a volatilidade do cenário geopolítico das principais regiões produtoras, é incoerente que o Diesel não tenha mais reconhecidas as vantagens no tocante à adaptabilidade a combustíveis alternativos de origem renovável que oferecem um bom potencial para fortalecer a segurança energética japonesa. Será que os japas estão esperando um ataque do Estado Islâmico para abrir os olhos?

13 comentários:

  1. Já trabalhei com um descendente de japonês e conheci a família dele, inclusive o falecido avô nascido no Japão e que sempre dizia que proibir carro a diesel ainda iria ter um custo muito alto para o país. Acho que a previsão do japonês está se materializando nesse exato momento.

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    1. Faz sentido. Afinal, com menos liberdade para fazer experiências com combustíveis alternativos como seria possível em motores do ciclo Diesel, fica mais difícil para o cidadão de bem esboçar alguma resistência ao uso político dos preços dos principais combustíveis veiculares e estacionários/industriais.

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  2. Nos meus tempos de dekassegui eu tive um Corolla a diesel, motor 3C-E, até hoje foi o melhor carro que eu já tive.

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  3. Sempre fui mais favorável ao ciclo Otto, mas vendo por outro lado os motores a diesel até fazem sentido para quem valoriza o lado meramente utilitário em um carro. Boa reflexão no aspecto da segurança nacional.

    P.S.: sou brasileiro.

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    1. Se eu dissesse que nunca gostei de motores do ciclo Otto, estaria mentindo. De vez em quando um V8 da Chevrolet ainda me deixa balançado, mas tendo a oportunidade de escolher eu provavelmente vá preferir o Diesel.

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  4. Mesmo um motor a diesel "velho" ainda é melhor que esses flex brasileiros.

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  5. Sou neto de japoneses (sansei), e a alguns anos atrás fui conhecer minha bisavó em Nagoya. Mesmo já bem idosa ela ainda dirigia, na época ela tinha um Corolla 99 a diesel e quando eu contei para ela que carro pequeno a diesel era proibido no Brasil ela ficou um pouco incrédula, já que nunca tinha dirigido nada que não fosse a diesel.

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  6. Sou filho de mãe japonesa e pai nissei, moro no Japão a mais de 15 anos e logo após tirar a carteira de motorista japonesa pensei em comprar um Corolla Diesel. Acabo de me arrepender de não ter feito isso quando tive a oportunidade.

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    1. Tive um Corolla Diesel, e o meu ainda era 4WD. De vez em quando bate o arrependimento por ter me desfeito dele, a essa altura já deve estar no Paraguai.

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  7. Agora só querem saber de gás, mas eu ainda torço por uma reviravolta e que o diesel volte com força total.

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  8. O pai de uma amiga minha foi dekassegui e trabalhou numa fábrica de carros na década de 90. Ele tomou gosto por motor a diesel naquela época e não pode ver um Corolla velho com placa do Paraguai que já fica todo saudosista, contando como eram bons aqueles carros e que montou muito motor de Corolla quando era novinho.

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  9. Japão usava mais turbo em motor a gasolina, e os motores a diesel atmosféricos tinham menos força que muito motor a gasolina igualmente atmosférico com tamanho menor. Como se paga imposto em proporção ao tamanho do motor no Japão, ficava difícil o diesel em carro antes, mesmo com motores Toyota e Nissan tendo feito algum pequeno sucesso até os anos 80 e 90.

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Nem sempre é viável manter as relações de marcha originais após converter um veículo para Diesel, em função dos regimes de rotação diferenciados. Portanto, uma alteração das relações de diferencial ou até a substituição do câmbio podem ser essenciais para manter um desempenho adequado a todas as condições de uso e a economia de combustível.

It's not always viable to retain the stock gear ratios after converting a vehicle to Diesel power, due to different revving patterns. Therefore, some differential ratio or even an entire transmission swap might eventually be essential to enjoy a suitable performance in all driving conditions and the fuel savings.

Mais informação sobre relações de marcha / more info about gear ratios
http://dzulnutz.blogspot.com/2016/03/relacao-de-marcha-refletindo-sobre.html