quinta-feira, 1 de outubro de 2015

[Polêmica] Seria justo flexibilizar as normas de emissões de acordo com especificidades regionais?

Em meio a todas as discussões acerca de uma eventual liberação do Diesel para veículos leves no mercado brasileiro, duas pautas que sempre vem à tona são o impacto na disponibilidade do óleo diesel para aplicações utilitárias/comerciais e a imagem de "poluidor" fortalecida no imaginário popular em torno desse combustível e dos motores que o utilizam. Tais fatores estão mais relacionados do que se possa inicialmente supor, sobretudo quando o uso de biocombustíveis é apontado como um contraponto aos mesmos. E tudo se torna mais complexo ao observarmos com a devida atenção as peculiaridades inerentes a cada região, e como a atual geração de dispositivos de controle de emissões pode se tornar conflituosa na operação com alguns combustíveis alternativos.

Um exemplo da regionalização das normas de emissões bastante conhecido ocorre nos Estados Unidos, onde a California se destaca pelo rigor e também influencia a legislação de outros estados como o Arizona, mas não é o único. Situações semelhantes ocorrem até mesmo em países terceiro-mundistas, como China e Índia, onde em algumas localidades ainda é possível licenciar veículos novos que se enquadrem na Euro-II enquanto outras já seguem a Euro-IV. Trazendo a discussão para um contexto mais brasileiro, é difícil justificar que características regionais continuem sendo solenemente ignoradas, e assim normas de emissões que exijam um controle mais rígidos das especificações de insumos como o combustível, lubrificantes e o fluido de tratamento de gases de escape (ARLA-32/DEF/AdBlue) e seriam mais assimiláveis num grande centro como São Paulo tornem-se um inconveniente em cidades do interior do Amazonas como Itacoatiara ou Manacapuru. Ao invés de manter a dependência a uma logística cara e demorada, não soaria muito mais racional viabilizar o uso direto de óleos vegetais que podem ser produzidos localmente (e eventualmente óleo de fígado de peixe também poderia ser usado) em substituição ao óleo diesel?

Fazendo uma observação restrita ao Rio Grande do Sul, além da capital Porto Alegre eu posso tomar por referência a cidade de Rosário do Sul, perto do Alegrete e de Santana do Livramento. Em junho de 2013 eu estive visitando uns parentes em Rosário, e naquela época a antiga usina de biodiesel da agroindústria Camera já havia se tornado apenas um terminal para recebimento de cargas de soja. Pois bem, mesmo que o entusiasmo pelo biodiesel acabasse esfriando por lá, ainda faria algum sentido investir no uso direto de óleos vegetais como combustível veicular ou também para fins estacionários/industriais. Porém, além de motores com injeção indireta serem mais favoráveis a esse recurso que os com injeção direta hoje predominantes, poderia se tornar um desastre caso fosse tentado num motor equipado com filtro de material particulado (DPF) pois um óleo vegetal puro chega a ter uma vaporização ainda mais difícil que a do biodiesel durante os ciclos de "regeneração" do filtro. Se formos mais adiante lembrando das baixas temperaturas durante o inverno, que podem provocar o congelamento do ARLA-32 em veículos equipados com o sistema SCR, temos outro inconveniente associado às normas Euro-V hoje em vigor. E mesmo o EGR, que não depende do ARLA-32, é constantemente apontado como um problema por usuários de veículos adaptados para usar óleos vegetais como combustível em outros países.

Num grande centro mais industrializado, além da disponibilidade de insumos químicos, é mais fácil destinar corretamente a glicerina residual do processo de transesterificação de óleos e gorduras para produção do biodiesel, e nessa situação devido às especificações do combustível obtido já faz algum sentido cogitar normas de emissões mais rigorosas. A glicerina é muito usada como umectante em alimentos industrializados, principalmente pães e bolos, e também em aplicações diversas nas indústrias química e farmacêutica. O biodiesel, por ter um índice de cetano (que quantifica a intensidade de propagação da chama na câmara de combustão) superior ao dos óleos vegetais brutos, causa menos conflitos com a atual geração de dispositivos de controle de emissões, e portanto pode ser articulado com normas de emissões mais avançadas. E mesmo que em algum vilarejo do interior existam tantos alambiques quanto forem necessários para suprir uma usina de biodiesel com etanol de microdestilarias elaborado a partir da "cabeça" e da "cauda" da coluna de destilação de cachaça, ainda seria necessário providenciar a soda cáustica (hidróxido de sódio) usada como catalisador da reação entre o óleo e o álcool.

Entrando num campo mais político, convém salientar a questão da certificação "Combustível Social" conferida a usinas de biodiesel que utilizem diferentes percentuais de matérias-primas provenientes da "agricultura familiar" de acordo com critérios regionais. Há de se levar em conta que um fomento ao uso direto tanto de óleos vegetais virgens quanto descartados de aplicações culinárias e industriais como combustível poderia se revelar até mais benéfica para alguns pequenos produtores rurais. Além da possibilidade de agregar valor à produção própria com uma menor dependência de intermediários, ficaria mais fácil ao agricultor aproveitar alguns subprodutos da extração do óleo de modo a reduzir os custos operacionais da propriedade. Caso alguma planta alimentícia como o amendoim, o girassol, a castanha do Pará, o pequi, ou até mesmo semente de uva, seja usada como matéria-prima do óleo, a torta (bagaço da semente prensada) pode ser usada como substrato de alto teor proteico tanto na alimentação humana quanto de animais, e no caso de espécies como a mamona ou o pinhão-manso que não servem de alimento a torta ainda pode ser usada como fertilizante.

Num país com tantos entraves logísticos como o Brasil, não faz o menor sentido fechar os olhos para os transtornos que as normas Euro-V acabam por representar para o desenvolvimento regional. Até mesmo sob o ponto de vista da sustentabilidade, apesar de um eventual incremento nas emissões veiculares que ocorreria em algumas regiões onde as normas fossem flexibilizadas, seria mais coerente refletir sobre o impacto ambiental de tantas operações de transporte rodoviário, aquaviário ou aéreo que poderiam ser evitadas com a substituição do óleo diesel convencional por biocombustíveis produzidos mais próximos aos respectivos mercados consumidores.

3 comentários:

  1. com tanto lugar onde nem se acha arla para vender fica difícil querer que os caminhoneiros andem 100 por cento dentro da lei, era melhor liberar a turma do trecho a rodar sem essa porcaria e fornecer algum diesel que preste

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  2. Não adianta o governo querer cagar regra para o país inteiro se não consegue respaldar a infraestrutura necessária para que sejam cumpridas.

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  3. essa legislação euro 5 só serviu para encher o bolso de corrupto

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Nem sempre é viável manter as relações de marcha originais após converter um veículo para Diesel, em função dos regimes de rotação diferenciados. Portanto, uma alteração das relações de diferencial ou até a substituição do câmbio podem ser essenciais para manter um desempenho adequado a todas as condições de uso e a economia de combustível.

It's not always viable to retain the stock gear ratios after converting a vehicle to Diesel power, due to different revving patterns. Therefore, some differential ratio or even an entire transmission swap might eventually be essential to enjoy a suitable performance in all driving conditions and the fuel savings.

Mais informação sobre relações de marcha / more info about gear ratios
http://dzulnutz.blogspot.com/2016/03/relacao-de-marcha-refletindo-sobre.html