sábado, 16 de janeiro de 2016

Reflexão: por quê é uma estupidez ser anti-Diesel?

Partindo da leitura de um artigo de opinião publicado em 28 de janeiro de 2014 pelo jornalista espanhol Diego Liarte no site Freno Motor, com uma crítica à compra "impulsiva" de veículos equipados com motor Diesel ao invés de um similar a gasolina na Espanha, cabe uma reflexão sobre até que ponto pode ser qualificada como uma "estupidez" a preferência de muitos espanhóis.

Mesmo que já tivesse uma participação marcante no mercado europeu de um modo geral, e quase onipresentes em algumas aplicações utilitárias como táxis, passou a ganhar mais espaço junto ao público espanhol por volta do ano 2000 com a definitiva popularização do turbo entre os motores Diesel automotivos, que também estavam "bastante melhorados" (por mais vaga que essa definição possa parecer) e ainda favorecidos pelo menor consumo de combustível. Somando-se ao preço mais baixo do óleo diesel comparado à gasolina, era um tanto previsível que o consumidor viesse a se sentir atraído. Ah, aqueles tempos em que uma válvula EGR travada pela fuligem não disparava códigos de erro ou cortava potência, e filtros de material particulado (DPF) ainda eram a exceção e não a regra...

Enquanto o custo do combustível era mais favorável, e os dispositivos de controle de emissões não afetavam tanto a eficiência geral do veículo, a diferença entre os preços de aquisição entre um modelo a gasolina e um Diesel eram amortizadas num prazo menor, mas nesse meio-tempo a diferença entre os preços do óleo diesel e da gasolina foram ficando mais estreitas, em alguns casos não passando de 10 centavos de euro por litro, além das recentes mudanças no cenário político europeu que tem feito a ignição por faísca recuperar algum prestígio. O modismo dos combustíveis gasosos, mais notadamente o gás liquefeito de petróleo (GLP - "gás de cozinha") com o gás natural em segundo plano e mais direcionado a aplicações comerciais, certamente tem um impacto na popularidade do Diesel em segmentos de entrada, enquanto os híbridos conquistam aqueles que se impressionam com as pretensões "ecologicamente-corretas" e futurísticas tão exaltadas pelos publicitários.

Um dos argumentos apresentados por Diego Liarte era uma suposta "perda de confiabilidade" quanto mais recentes os motores Diesel sejam. De fato, a massificação do turbo e do intercooler, bem como a imposição de dispositivos mais sofisticados para o controle das emissões, alteram as rotinas de manutenção e podem exigir alguns cuidados para ter a vida útil prolongada, mas em particular no caso do turbo não se pode ignorar a ampliação do uso também em motores de ignição por faísca em função do downsizing que vem se consolidando. A adoção do sistema start-stop, que promove o desligamento do motor em marcha-lenta com o veículo parado, também fez necessária uma melhoria na refrigeração e lubrificação do turbo para evitar acúmulo e carbonização de óleo ao redor do eixo que conecta os rotores de turbina e compressor.

O sistema EGR, que promove a recirculação de uma parte dos gases de escape para aumentar a concentração de gases inertes na câmara de combustão e reduzir a temperatura com o intuito de limitar a formação de óxidos de nitrogênio (NOx), é apontado como um problema nos motores Diesel devido ao material particulado que acaba por se aderir a vapores de óleo lubrificante provenientes da ventilação do cárter e acumular não apenas na carcaça da válvula EGR mas também no coletor de admissão. Seria incoerente ignorar que a origem desse sistema foi em motores de ignição por faísca, inicialmente para reduzir o consumo de combustível e as emissões de hidrocarbonetos crus admitidos em excesso apenas para refrigerar a cabeça do pistão antes que essa mesma função passasse a ser atribuída ao óleo, e nestes a passagem da mistura ar/combustível pelo coletor de admissão já é suficiente para solubilizar os vapores de óleo, mas quando a injeção direta começou a deixar de ser exclusividade do Diesel o mesmo problema de acúmulo de sedimentos no coletor de admissão também começou a ser observado em motores de ignição por faísca.
Outro ponto discutível é no tocante à quantidade de peças, que a bem da verdade não é necessariamente maior num motor Diesel como faz parecer o artigo do espanhol. Motores naturalmente aspirados e tidos como de manutenção mais simples já são menos frequentes mesmo entre os de ignição por faísca, visto que os sistemas tributários europeus beneficiam as faixas de cilindrada menores e portanto tendem a favorecer o downsizing, para não falar na presença cada vez mais irrisória dos cabeçotes de duas válvulas por cilindro nos motores a gasolina europeus mesmo entre modelos de baixo custo como o Dacia Sandero. Enquanto isso, alguns motores Diesel como os 1.5dCi e 1.9dCi da Renault e o 1.5TDCI da Ford permanecem com duas válvulas por cilindro e comando simples, enquanto o 1.6TDCI da Ford e o 1.6HDI da Peugeot/Citroën passaram a adotar essa configuração como padrão em 2011 em substituição às 4 válvulas por cilindro e comando duplo. E ao observarmos a presença mais significativa não só do turbo mas também da injeção direta em motores de ignição por faísca, bem como as similaridades comparada à injeção common-rail usada em motores Diesel, a quantidade de peças está longe de ser maior.

Antes de tecer críticas aos motores Diesel em função do DPF que hoje se disseminou para atender a níveis de controle de emissões cada vez mais restritivos, devemos observar as termodinâmicas distintas entre o ciclo Diesel e o ciclo Otto hoje predominante nos motores de ignição por faísca. A maior conservação de energia favorece o Diesel no tocante à eficiência, mas tal característica não deixa de ter algumas limitações no tocante ao uso em percursos mais curtos e condições de carga mais leves, visto que nessas situações fica mais difícil atingir as temperaturas que proporcionem uma maior eficiência em função à maior proporção de energia térmica conservada no sistema que acabaria por favorecer os ciclos de combustão subsequentes. Nesse contexto, sistemas de refrigeração e pré-aquecimento para partida a frio corretamente dimensionados tornam mais precisa a rejeição de calor onde seja mais benéfica, como na carcaça do DPF para promover a "regeneração" ao reduzir e eliminar o material particulado mais grosso que fique retido ou no sistema de aquecimento da cabine para proporcionar mais conforto ao condutor e passageiros num dia mais frio. A própria composição química do óleo diesel e eventuais substitutivos de origem renovável como o biodiesel ou mesmo óleos vegetais puros, com cadeias de carbono mais longas e difíceis de romper, além da vaporização menos intensa em comparação a combustíveis voláteis como a gasolina, o etanol, o gás natural e o GLP, também pode ser levada em consideração como parte do problema, mas não é exatamente um pretexto válido para desqualificar o ciclo Diesel.

Um tópico que de fato pode ser visto como passível a críticas é o sistema SCR, controverso até entre adeptos mais incondicionais do Diesel tanto por ser desagradável a necessidade de adicionar o fluido à base de uréia conhecido na Europa como AdBlue e no Brasil como ARLA-32 quanto por não proporcionar nenhuma real melhoria à eficiência do motor, ser passível a falhas e estas resultarem em diminuição do desempenho do motor visando manter os níveis de emissões dentro de parâmetros predeterminados. Em teoria, tem como "vantagens" não aumentar o consumo do combustível nem prejudicar o desempenho em comparação a uma carga maior de gases de escape recirculados através do EGR visando o mesmo efeito de redução das emissões de NOx. Faria muito mais sentido usar aspersão de água desmineralizada e/ou algum álcool no coletor de admissão, agindo como um "intercooler químico" e proporcionando uma combustão mais completa ou, considerando que a maior parte da uréia técnica (ou "uréia industrial") atualmente é sintetizada a partir do gás natural, este poderia ser usado diretamente ao invés da água e do álcool de modo a evitar o gasto de energia envolvido na produção da uréia técnica e da desmineralização da água usada na produção do AdBlue/ARLA-32.

Se alguns motores a gasolina já usam injeção dupla, tanto direta no cabeçote quanto indireta no coletor de admissão, por razões que vão desde a redução das emissões de NOx até um incremento no torque em baixas rotações, e poucos ousam criticar tal medida, não me parece que viria a ser demasiado complexo incorporar aos motores Diesel uma injeção suplementar de algum combustível volátil preferencialmente renovável ou de água desmineralizada em substituição ao polêmico SCR, podendo até aproveitar a água removida do ar da cabine pelo sistema de ar condicionado como já vem sendo testado pela BMW. Além de manter o coletor de admissão mais livre de obstruções, o processo de combustão ficaria mais completo e o consumo do combustível principal (tanto óleo diesel convencional quanto substitutivos) seria reduzido, por tabela proporcionando uma redução na formação de material particulado, e assim ocorreria também uma menor incidência de saturação do DPF com a necessidade de "regeneração" forçada.

Um equívoco do jornalista é afirmar que os motores Diesel "filtram" mais o combustível com a "sujeira" entrando, e que por isso estariam mais sujeitos a quebras, enquanto os motores a gasolina são apontados como mais simples de funcionamento e baratos para comprar e manter por dispensar tantos componentes complexos em função do combustível ser "mais puro e teoricamente menos poluente". A bem da verdade, tratar a gasolina como mais pura que o óleo diesel não faz nenhum sentido, visto que ambos são frações de uma mesma coluna de petróleo destilada, apesar de ser de fato mais leve, e solubilizar com alguma facilidade outros hidrocarbonetos como vestígios de óleo lubrificante. E quando consideramos a maior sofisticação da atual geração de motores a gasolina europeus fortemente influenciados pelo downsizing e que vem sendo apontados como um contraponto à hegemonia do Diesel em virtude da melhoria na eficiência energética, estes incorporam tecnologias cuja presença no mercado automotivo consolidou-se antes associada aos motores Diesel que foram o alvo da feroz crítica, com destaque para o turbo mas sem esquecer da injeção direta.

Alguns pontos que levam Diego Liarte a crer que já não seja uma boa idéia optar por um automóvel com motor Diesel atualmente. Rodar menos de 10.000km ao ano, de acordo com ele, tornaria "impossível" amortizar a diferença de custo com relação a um similar de ignição por faísca, além de "custos adicionais que pressupõe ter um Diesel" embora estes tais custos não sejam listados com a devida clareza, e que para um usuário dado a uma quilometragem anual baixa a economia estaria visível apenas na hora de pagar a conta do posto de combustível. Também parece ignorar alguns aspectos práticos como a maior autonomia, característica apreciável em circunstâncias onde os recursos energéticos estejam mais escassos ou com disponibilidade um tanto restrita. Não é à toa que as frotas militares dos países-membros da OTAN priorizam o Diesel, e que esta opção também seja popular entre habitantes de zonas rurais. Recordemos portanto a marcante influência da tradição agropastoril na consolidação da cultura européia e ocidental de um modo geral, e eventualmente uma possível contribuição do Diesel para redução na dependência por fontes de energia não-renováveis e provenientes de regiões conflagradas como ocorre hoje com o petróleo, não apenas em decorrência da maior eficiência térmica mas também da viabilidade em integrar a aplicação de combustíveis alternativos tão distintos quanto biodiesel, óleos vegetais brutos, etanol e biogás/biometano. Isso, nem mesmo aquele tal de Alá pode negar...

A questão dos NVH, do inglês Noise, Vibrations and Harshness, traduzidos como ruídos, vibrações e aspereza, ainda favorece os motores a gasolina, realmente, mas está longe de ser incontestável como tenta fazer parecer o articulista espanhol. A evolução nos sistemas de injeção, com uma atomização mais precisa do combustível de modo a ampliar a superfície de contato com o ar previamente comprimido contido dentro da câmara de combustão, e de múltiplas aspersões por ciclo de injeção nos sistemas common-rail atuais proporcionarem um gerenciamento térmico mais apurado e uma queima mais completa, permitiu a gerações mais recentes de motores Diesel operar com menos pressões internas, cuja dissipação normalmente se dá sobretudo através das vibrações e do som característico da detonação, além do turbo proporcionar também um certo grau de supressão de ruídos, da disponibilidade de materiais isolantes termoacústicos mais eficientes, e dos coxins hidráulicos que proporcionam um melhor amortecimento de vibrações em comparação aos maciços, e ainda da aplicação de volante bimassa em alguns motores. Há ainda aquela insistência um tanto imatura quanto à sensação de se levar o motor a regimes de rotação mais elevados mas, além de depender mais de outros fatores além do ciclo termodinâmico e do combustível, na prática não traz tanto benefício a um usuário comum que estaria melhor servido tanto no tocante à economia quanto à durabilidade com um motor mais vigoroso em baixas e médias rotações associado a uma transmissão com relação mais longa.

A diferença "quase nula" entre os preços da gasolina e do óleo diesel na Espanha à época da publicação do artigo podem no início pesar menos favoravelmente ao Diesel, mas não podemos esquecer que os preços dos combustíveis são um tanto voláteis e também podem sofrer interferências de cunho político, não apenas lá como em qualquer outro país. Quem pode assegurar que a gasolina não venha a sofrer reajustes mais pesados e se tornar significativamente mais cara que o óleo diesel numa virada de mesa? Quem acredita que o GLP em motores de ignição por faísca seja realmente uma alternativa mais válida para diminuir tanto futuras pressões sobre o preço da gasolina quanto a dependência por combustíveis fósseis em comparação ao ciclo Diesel que pode funcionar não apenas com biodiesel e óleos vegetais mas até com etanol no caso de motores de injeção direta?

Enfim, por mais que a atual geração de motores Diesel esteja longe da perfeição, e alguns componentes que vem sendo agregados aos mesmos com o intuito de reduzir as emissões de poluentes tenham alguns efeitos colaterais indesejáveis não apenas no tocante à eficiência energética mas também com relação à manutenção, estes ainda tem qualidades que os favorecem em cenários operacionais distintos. É, portanto, uma estupidez ser anti-Diesel.

6 comentários:

  1. Quando eu fui a uns anos atrás na Alemanha quase todo táxi era a diesel. Tem que ser muito tapado para dizer que carro a diesel é ruim, se fosse tão problemático os taxistas alemães já teriam todos trocado por híbrido ou pelo gás natural que eu cheguei a ver bastante por lá até em carros que já eram fabricados prontos para funcionar a gás.

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  2. Podendo escolher eu pegaria um carro a diesel, mas tem gente que tem tudo na mão e ainda fica procurando defeito.

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  3. Não dá para discutir com piloto de teclado, o negócio deles é dizer que pinta e borda, que sai cortando de giro, mas quando vê tem um manco 1.0 que só anda esgoelando mesmo.

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  4. Tem razão parça. Os europeus não teriam reconstruido tudo depois da guerra nem se mantido durante a crise do petróleo se não pudessem usar carro a diesel a vontade e agora aparece esse espanhol cuspindo no prato que os avós e os pais comeram.

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  5. Sou brasileiro mas atualmente moro na Bélgica, até já quis ter carro a diesel antes mas para mim foi mais fácil comprar um Dacia Sandero com motor 1.2 a gasolina e gás.

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  6. Cada vez que eu vejo falarem mal de motor a diesel, eu me convenço que estou cercado por idiotas. Procuram sempre por um bode expiatório para a própria incompetência, mas não se coçam para melhorar a qualidade do óleo diesel.

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Nem sempre é viável manter as relações de marcha originais após converter um veículo para Diesel, em função dos regimes de rotação diferenciados. Portanto, uma alteração das relações de diferencial ou até a substituição do câmbio podem ser essenciais para manter um desempenho adequado a todas as condições de uso e a economia de combustível.

It's not always viable to retain the stock gear ratios after converting a vehicle to Diesel power, due to different revving patterns. Therefore, some differential ratio or even an entire transmission swap might eventually be essential to enjoy a suitable performance in all driving conditions and the fuel savings.

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