segunda-feira, 5 de setembro de 2016

Reflexão: até que ponto as críticas do ministro Blairo Maggi ao setor sucroalcooleiro procedem?

Em meio a tentativas de se cobrir o rombo que o PT provocou nas contas da Petrobras, que teve prejuízos segurando artificialmente os preços da gasolina e do óleo diesel num momento de alta nas cotações do petróleo no mercado internacional antes da reeleição da Dilma, e que nem os aumentos de preço num momento de queda das cotações internacionais conseguiram estancar a contento, seria previsível que o etanol voltasse a ser enaltecido como uma alternativa para reduzir a dependência por combustíveis fósseis importados. No entanto, algumas divergências de opinião surgidas entre o ministro da Agricultura e a União da Indústria da Cana-de-Açúcar (Unica) quanto à necessidade de subsídios ao setor sucroalcooleiro dão a entender que o etanol está longe de ser uma prioridade.

O ministro Blairo Maggi, paranaense filho de gaúcho, tem uma experiência considerável na agroindústria mato-grossense. É um conhecido produtor de soja, que permanece como a principal matéria-prima para o biodiesel nacional e ainda uma das commodities agrícolas mais importantes da pauta brasileira de exportações. A princípio, seria de se esperar então uma maior receptividade a propostas de liberação do Diesel em veículos leves visando fomentar não apenas a produção do biodiesel mas também incentivos ao uso direto de óleos vegetais brutos como combustível veicular, que viriam a ser boas oportunidades para agregar valor à produção e de certa forma não teriam um impacto tão pesado sobre a segurança alimentar ao manter a disponibilidade de outros derivados da soja para elaboração de alimentos industrializados e rações pecuárias. Já teria sido um bom começo reabilitar o PLS 81/2008, que previa incentivos à substituição do óleo diesel convencional por óleos vegetais brutos em atividades agropecuárias e no transporte coletivo urbano de passageiros, mas ao menos num primeiro momento ainda não houve nenhuma ação concreta nesse sentido. Mas seria ingenuidade acreditar que o ministro tenha medo de desagradar ao setor canavieiro, rotulado por ele como "incompetente".

Não é possível afirmar que Blairo Maggi esteja errado em se opor ao que chama de "protecionismo permanente" com relação ao etanol. Embora a alegada melhoria na qualidade do ar mediante uso de combustíveis renováveis e menos poluentes seja atrativa, não é coerente correr o risco de se transformar as principais regiões produtoras de etanol de cana numa espécie de "Venezuela verde". A queima do bagaço da cana como combustível para caldeiras nas usinas, por exemplo, compromete uma matéria-prima que pode ser aproveitada na produção do etanol celulósico, ou "etanol de segunda geração" como também é conhecido, de modo a aumentar o rendimento em litros de combustível por hectare cultivado. Não se pode esquecer os problemas associados ao manejo do vinhoto, também conhecido como vinhaça, um resíduo líquido resultante da produção de etanol cujo descarte irregular em cursos d'água compromete recursos pesqueiros. De uns tempos para cá o vinhoto bruto passou a ser mais usado como adubo nas próprias lavouras de cana, mas isso não elimina o risco de percolação no solo e contaminação de lençóis freáticos subterrâneos, um problema que pode ser minimizado mediante o processamento desse resíduo em biodigestores junto a outros resíduos agropecuários diversos para geração de biogás/biometano e fertilizante agrícola.

De acordo com João Carlos Meirelles, secretário estadual de Energia e Mineração em São Paulo, o biometano além de constituir uma nova oportunidade de negócio para o setor sucroenergético, permite redução de custos ao ser utilizado não apenas nas caldeiras como também ao ser usado nas frotas de caminhões a serviço das usinas de modo a diminuir o consumo de óleo diesel. Tal proposta se revela coerente também para rebater argumentos quanto a uma dependência do transporte pesado pelo óleo diesel convencional como um pretexto para manter restrições ao uso desse combustível e de substitutivos como o biodiesel em veículos leves. Atualmente 166 usinas de etanol instaladas no estado de São Paulo já são signatárias do protocolo agroambiental, e 66 situam-se a um raio máximo de 20km de distância da rede de gás natural canalizada, e ainda há o Programa Paulista do Biogás (Decreto nº 58.659, de 4 de dezembro de 2012) que prevê a mistura de um percentual mínimo de biometano no gás natural comercializado no estado e enfatiza justamente o vinhoto da cana como uma das matérias-primas a serem priorizadas nesse processo.

A continuidade de um setor tão importante para o país depender de subsídios não é uma perspectiva segura. Também não se pode negar que o setor sucroenergético vem cometendo alguns erros, desdenhando por tanto tempo o potencial competitivo do biogás/biometano, além da dependência pela cana-de-açúcar em detrimento da possibilidade de usar o milho durante a entressafra da cana comprometer tanto os chamados "estoques reguladores" quanto a estabilidade dos preços do etanol no mercado interno em função das oscilações nas cotações do açúcar para exportação. Desde a produção artesanal por mendigos e presidiários de uma bebida alcoólica análoga à cachaça conhecida como "Maria louca" a partir de grãos e restos de frutas até a experiência centenária da Suécia com o etanol de celulose derivado de resíduos das indústrias madeireira e papeleira, há muitos exemplos que evidenciam uma certa incompetência do setor sucroalcooleiro em incorporar uma maior variedade de matérias-primas que possam não apenas agregar rentabilidade à operação como restaurar a confiança do consumidor comum, que só voltou a demonstrar algum interesse pelo carro "a álcool" a partir de 2003 quando o sistema "flexfuel" começou a ganhar espaço.

É previsível que, para um membro de um governo que tem o desafio de recuperar uma economia devastada pela gestão anterior, qualquer possibilidade de renúncia fiscal pareça aterrorizante. No entanto, convém avaliar com a necessária cautela a situação do setor agroenergético antes de se tomar uma decisão que venha a comprometer tantos postos de trabalho e também os impactos ambientais que uma política de combustíveis medíocre poderia acarretar. Não se deve ignorar as possibilidades de promover uma maior integração entre a produção de energias renováveis e a segurança alimentar, uma lição que a indústria canavieira tem se mostrado relutante em assimilar mas que viria a ser uma condição justa para negociar eventuais benefícios fiscais. Portanto, as críticas feitas pelo ministro Blairo Maggi ao setor sucroalcooleiro se mostram procedentes.

Um comentário:

  1. Eu até não sou tão contra o etanol, e uso regularmente no meu carro por causa do preço mais favorável aqui em São Paulo, mas só de peitar os usineiros desse jeito o ministro Maggi já me surpreendeu.

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Nem sempre é viável manter as relações de marcha originais após converter um veículo para Diesel, em função dos regimes de rotação diferenciados. Portanto, uma alteração das relações de diferencial ou até a substituição do câmbio podem ser essenciais para manter um desempenho adequado a todas as condições de uso e a economia de combustível.

It's not always viable to retain the stock gear ratios after converting a vehicle to Diesel power, due to different revving patterns. Therefore, some differential ratio or even an entire transmission swap might eventually be essential to enjoy a suitable performance in all driving conditions and the fuel savings.

Mais informação sobre relações de marcha / more info about gear ratios
http://dzulnutz.blogspot.com/2016/03/relacao-de-marcha-refletindo-sobre.html