quinta-feira, 13 de outubro de 2016

México: um mercado particularmente desafiador

Um dos principais mercados automobilísticos latino-americanos, o México reúne características um tanto peculiares até em função da geografia. Ainda que a proximidade dos Estados Unidos exerça uma considerável influência, motivada até mesmo pela escala de produção destinada a exportações, o acesso direto tanto ao Oceano Atlântico quanto ao Oceano Pacífico torna-se convidativo tanto a fabricantes europeus quanto asiáticos que tenham algum interesse em comercializar veículos no México. Normas de segurança e emissões mais flexíveis que as aplicadas nos Estados Unidos e no Canadá também atraem alguma competição para deixar o mercado mais agitado. No entanto, quando se trata de combustíveis alternativos e da oferta de automóveis com motor Diesel, o cenário se mostra um tanto menos diversificado e competitivo do que seria de se esperar...

O preço relativamente baixo dos combustíveis, cuja importação e comercialização estiveram por muito tempo monopolizadas pela estatal Pemex até a liberalização das importações em 2013 seguida pela entrada de outras bandeiras no downstream mexicano, ainda faz com que caminhonetes full-size tradicionais de concepção americana como as RAM 1500 e 2500 mantenham no México uma popularidade considerável, não apenas como veículo particular mas também em aplicações profissionais. Ainda que o estereotípico V8 americano não viesse experimentando uma evolução significativa desde a década de '50, e a variedade no México permanecido mais concentrada nos small-block, de certa forma a percepção da ignição por faísca como mais simples e barata também fomenta um interesse menor pelo Diesel entre os mexicanos. Ironicamente a massificação do turbocompressor em aplicações automotivas que se mostra tão útil para reduzir o decréscimo de potência sofrido em grandes altitudes como se encontra nas regiões centrais do México, começou pelo Diesel. Essa situação está se refletindo numa menor competitividade em alguns mercados de exportação, incluindo o Brasil que deixou de ser abastecido pela produção mexicana para não abrir mão do motor Cummins ISB6.7 que atualmente só é oferecido em versões das pick-ups RAM fabricadas nos Estados Unidos.

Naturalmente, coube a fabricantes de origem européia como a Volkswagen o pioneirismo nas tentativas de estabelecer o Diesel num mercado de certa forma ainda acomodado diante da manutenção de preços artificiais para os combustíveis. Até para aproveitar a escala de produção de modelos como o Jetta TDI destinado aos mercados americano e canadense antes que a eclosão do escândalo "Dieselgate" pusesse muito a perder, por algum tempo a Volkswagen pleiteou junto ao governo mexicano que os motores Clean Diesel fossem reconhecidos como uma estratégia para redução dos problemas associados à poluição do ar por veículos automotores e obtivessem vantagens hoje aplicadas aos híbridos, aos elétricos puros e aos combustíveis gasosos como a dispensa das restrições impostas pelo programa Hoy No Circula (equivalente ao rodízio de placas que se aplica em São Paulo) na Zona Metropolitana do Vale do México e adjacências. Hoje, a oferta da Volkswagen de modelos equipados com motor Diesel para o México se limita às caminhonetes, como a Amarok que por lá também é importada da Argentina.

Sem dúvida um dos destaques levantando a bandeira do Diesel no mercado mexicano é a Peugeot, que além de consolidar esse tipo de motorização como a única disponível para a linha de utilitários também oferece em modelos de entrada como o sedan 301 e o hatch 208. Ainda que o conforto do câmbio automático esteja reservado para quem opta pelo motor 1.6VTi a gasolina de aspiração natural com 115cv no 301 e 120cv no 208, a vantagem de quase 50% no torque do motor 1.6HDi turbodiesel de 92cv é convidativa. Por mais que desavisados acabem iludidos apenas pela potência, esquecendo também o impacto mais severo das variações de altitude sobre os motores naturalmente aspirados em comparação aos turbocomprimidos e a importância do correto escalonamento das relações de marcha para que o desempenho seja otimizado nas mais diversas situações, não custa recordar o que Carroll Shelby já dizia sobre a potência vender carros enquanto o torque vence as corridas...
Num primeiro momento a adaptabilidade do ciclo Diesel a combustíveis alternativos pode parecer uma vantagem incontestável, mas a experiência mexicana mais limitada ao gás liquefeito de petróleo (GLP - o nosso "gás de cozinha" que no Brasil é proibido para fins automotivos) e a recente introdução do gás natural promovida pela multinacional espanhola Gas Natural Fenosa a partir de Monterrey ainda garantem uma sobrevida para a ignição por faísca. A regulamentação de conversões bicombustível Diesel-GLP, mesmo que estejam aproximadamente 120% mais caras que a conversão de um veículo a gasolina, já pode ser considerada um avanço quando lembramos que no Brasil a combinação entre o óleo diesel e o gás natural permanece numa escala quase experimental. Em aspectos práticos, apesar do comprometimento da capacidade de carga dos veículos após a instalação do sistema de gás, a dispensa do esquema Hoy No Circula também serve de atrativo para as conversões. Ainda que o GLP atualmente seja encontrado com mais facilidade (ou melhor dizendo menos dificuldade) no México, o gás natural tem vantagens devido à maior segurança do sistema de combustível e à viabilidade de uma substituição pelo biometano que já é reconhecido pela EPA americana como um "combustível avançado" e pode ser produzido a partir de qualquer resíduo orgânico, incluindo subprodutos de baixo valor comercial resultantes do beneficiamento de gêneros alimentícios.
Outro aspecto que vai sempre merecer uma observação quando nos referimos ao México é o consumo intenso do milho e derivados e as possibilidades que tal hábito oferece para fomentar o desenvolvimento da agroenergia. Não se pode deixar de lembrar que a utilidade do cereal como matéria-prima para o etanol, por mais incrível que possa parecer inicialmente, tem um impacto até menor sobre a disponibilidade e o preço de alimentos em comparação à cana-de-açúcar, visto que o chamado "grão de destilaria" (DDG - distillation-dried grain) apresenta um teor proteico elevado e ainda pode servir como ingrediente na preparação de especialidades da cozinha mexicana como as tortillas nas quais se baseia o popular taco mexicano. A bem da verdade, por mais que o baixo rendimento em litros por hectare se mostre aceitável diante do impacto quase insignificante sobre a segurança alimentar, não deixa de surpreender que a pauta dos biocombustíveis permaneça um tabu nesses tempos em que até a Coca-Cola mexicana já é adoçada com xarope de glicose de milho ao invés do açúcar de cana. Além do etanol, o óleo de milho tanto virgem quanto reaproveitado de usos culinários oferece algum valor como recurso energético renovável para produção de biodiesel ou em aplicação direta como combustível não apenas para veículos mas também para fins estacionários e industriais.

Até certo ponto não surpreende que os biocombustíveis ainda não sejam levados muito a sério no México, embora as perspectivas para uma mudança nesse cenário se mostrem iminentes diante da liberalização dos preços da gasolina e do óleo diesel como reflexo do fim do monopólio da Pemex. Mais uma vez, a proximidade com os Estados Unidos pode ser crucial para definir as estratégias destinadas a promover um ou mais combustíveis alternativos, Não se pode portanto ignorar a ênfase que fabricantes como a General Motors dão ao etanol, como se observa na atual geração do Cadillac Escalade que é oferecida exclusivamente com um motor flexfuel apto a operar tanto com gasolina quanto com etanol E85 ou ambos os combustíveis misturados em qualquer proporção Nesse contexto, é de se esperar que a experiência americana com o uso do milho na produção do combustível acabe por influenciar os mexicanos apesar de todas as controvérsias.

Enfim, um mercado bastante complexo como o mexicano, cujo alto volume de vendas somado a uma posição geográfica se revelam convidativos a uma oferta tão diversificada, exige soluções igualmente complexas na busca por uma renovação da matriz energética. Mesmo nesses tempos pós-Dieselgate, há oportunidades tanto para o etanol e o biometano quanto para o biodiesel, podendo também retomar a competitividade da indústria automotiva mexicana em mercados de exportação. Portanto, ao invés de fazer uma mera cópia das políticas americanas de combustíveis alternativos que às vezes também se mostram equivocadas e em desacordo com as reais necessidades de proprietários, usuários e operadores de veículos, é importante que o México dê mais atenção às vantagens que uma maior presença do Diesel em aplicações automotivas leves podem agregar para a segurança energética.

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Nem sempre é viável manter as relações de marcha originais após converter um veículo para Diesel, em função dos regimes de rotação diferenciados. Portanto, uma alteração das relações de diferencial ou até a substituição do câmbio podem ser essenciais para manter um desempenho adequado a todas as condições de uso e a economia de combustível.

It's not always viable to retain the stock gear ratios after converting a vehicle to Diesel power, due to different revving patterns. Therefore, some differential ratio or even an entire transmission swap might eventually be essential to enjoy a suitable performance in all driving conditions and the fuel savings.

Mais informação sobre relações de marcha / more info about gear ratios
http://dzulnutz.blogspot.com/2016/03/relacao-de-marcha-refletindo-sobre.html