quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

Uma reflexão sobre a Coréia do Sul e o Diesel

Já não é de hoje que a Coréia do Sul deixou de ser encarada como motivo de chacota pela qualidade dos carros que produz para ser alçada à posição de um player respeitado em mercados de exportação, com modelos como o Hyundai Accent marcando presença tanto em mercados com um volume de vendas relativamente baixo como o Uruguai quanto em outros mais movimentados. Em que pesem um esforço que remonta aos maciços investimentos em educação logo após o fim da Guerra da Coréia e as políticas que fomentaram o desenvolvimento de indústrias automobilísticas que não se limitam mais a replicar projetos estrangeiros, não seria de todo equivocado apontar uma maior receptividade ao uso de motores Diesel em veículos leves no próprio mercado interno sul-coreano a partir de 2004 como um dos motivos para fabricantes como a Hyundai se tornarem um incômodo até para os japoneses que já tinham uma presença mais consolidada nos Estados Unidos e na Europa.

Por mais que as principais referências quando se mencionam veículos sul-coreanos com motor Diesel no mercado brasileiro ainda sejam utilitários com uma concepção mais antiga como a 1ª geração da Kia Sportage e a Hyundai H-100, que ainda seguiam mais fielmente a velha escola japonesa com destaque para o predomínio da injeção indireta nas aplicações leves, muitas mudanças aconteceram desde a década de '90. De certa forma, hoje não seria mais tão apurado reputar Kia e Hyundai como meros puxadinhos da Mazda e da Mitsubishi. E apesar da proximidade geográfica favorecer uma continuidade do intercâmbio tecnológico com o Japão, a busca por espaço no mercado europeu que ainda tem uma participação expressiva do Diesel motiva uma maior sofisticação para garantir a competitividade. Ainda que possa parecer uma opinião um tanto "racista", me parece que o foco em consolidar a posição do país como grande exportador de veículos levou a Coréia do Sul a "branquear" tanto a engenharia quanto as preferências do mercado local.

Um maior interesse pelos sport-utilities também influenciou a popularidade dos motores Diesel no mercado sul-coreano. Embora modelos como o Kia Sorento acabem tendo uma proposta que ao menos na teoria deva agradar mais ao público dos Estados Unidos, e por lá o Diesel ainda seja um tanto negligenciado principalmente por uma cultura automotiva que sempre valorizou motores de ignição por faísca com alta cilindrada e aspiração natural mas também pelas diferenças entre normas de emissões, em outros países as vantagens inerentes aos motores turbodiesel modernos levaram a oferta de motores a gasolina em caminhonetes a se tornar um tanto marginalizada ou mais restrita a modelos com uma proposta mais focada no luxo que em capacidades de carga ou aptidão off-road. Nesse contexto, pode-se dizer que a maior afinidade com a engenharia européia também podia ser exemplificado em modelos como o exótico Ssangyong Korando da geração produzida entre 1996 e 2006, cujos poucos exemplares remanescentes no Brasil foram equipados de fábrica com o motor Mercedes-Benz OM602 produzido sob licença.

A mesma influência européia pode ser observada também em modelos produzidos por fabricantes ocidentais, como a Ford, que na Coréia do Sul atualmente oferece alguns modelos como o Focus e o Fusion (lá conhecido como Mondeo) somente com um motor turbodiesel já homologado nas normas Euro-6. É até previsível que o alto grau de protecionismo no mercado automotivo sul-coreano torne mais justificável entre os importados a prevalência de modelos com um maior valor agregado, o que acaba favorecendo o Diesel com um volume de 70% de todos os carros importados vendidos na Coréia do Sul contando com esse tipo de motorização. O consumo mais contido em comparação a um similar movido a gasolina também merece destaque, principalmente ao salientarmos que a Coréia do Sul ainda permanece em estado de guerra com a Coréia do Norte e eventualmente um confronto militar poderia colocar em risco o fornecimento regular de combustíveis. A adaptabilidade do ciclo Diesel a combustíveis alternativos até tenderia a amenizar esse problema, apesar de existirem algumas incompatibilidades entre a atual geração de dispositivos de controle de emissões e biocombustíveis mais antigos como o biodiesel e o uso direto de óleos vegetais.

Como seria de se esperar, ao contrário de China e Japão onde a venda de automóveis com motorização Diesel é inexpressiva, no ano passado a Coréia do Sul também se viu afetada pelo escândalo de emissões da Volkswagen, forçando a uma suspensão da comercialização de modelos como o Tiguan que mesmo assim permaneceu como o importado mais vendido no mercado sul-coreano no acumulado de 2015. Além das medidas administrativas aplicadas pelo ministério do meio-ambiente e de uma multa de 17,8 bilhões de wons (equivalente a 16 milhões de dólares), a Coréia do Sul também chegou a ser o primeiro país a registrar a emissão de ao menos um mandado de prisão contra um executivo da subsidiária local da Volkswagen. Outras empresas como a Nissan também enfrentaram medidas um tanto enérgicas por parte das autoridades sul-coreanas, e a questão das emissões acabou por ganhar proporções de uma batalha judicial com importadores contestando as multas e ordens para suspensão da venda de certos modelos. Considerando que até alguns produtos do conglomerado Hyundai/Kia como a 4ª geração do Kia Sportage encontram-se sob suspeita de fraude na certificação de emissões, também começam a surgir suspeitas em torno de uma desproporcionalidade na aplicação de penalidades à concorrência.

A bem da verdade, o governo sul-coreano está cada vez mais rigoroso quanto às emissões, inclusive com um plano para restringir a partir de 2017 a circulação de utilitários com motor Diesel e peso superior a 2,5 toneladas e ano de fabricação anterior a 2005 em Seul, com a zona de restrição a ser expandida para Incheon e outras 17 cidades da província de Gyeonggi em 2018 até chegar a todas as regiões metropolitanas em 2020, no intuito de diminuir principalmente as emissões de óxidos de nitrogênio (NOx) e material particulado fino. Ainda que seja apontada a possibilidade de adaptar dispositivos de controle de emissões em caminhões e ônibus antigos, ou mesmo substituir os motores originais por outros mais modernos e "limpos", o mais provável é que o sucateamento ou a exportação para países subdesenvolvidos seja o destino reservado a tais veículos. Porém, ainda que sejam tratados hoje como um problema, motores Diesel com uma concepção mais primitiva como os usados no caminhão Kia K3500 e no microônibus Asia Motors AM825 ainda se mostram mais resilientes diante de variações nas especificações de combustíveis e outros insumos, viabilizando a aplicação de combustíveis alternativos que podem atender perfeitamente não apenas ao intuito de diminuir emissões como também a dependência por recursos energéticos importados como o petróleo e o gás natural.

Enfim, mesmo diante de uma aparente virada de mesa a favor dos combustíveis gasosos e sistemas de propulsão híbridos em âmbito mundial, ainda me parece pouco provável que a Coréia do Sul abra mão dos recentes sucessos no desenvolvimento de motores Diesel adequados às características de modelos tão diversos quanto o compacto Kia Rio até utilitários como o Hyundai Porter (comercializado no Brasil como Hyundai HR) que no acumulado de 2016 está figurando como o veículo mais vendido no mercado sul-coreano nesse ano. Até não parece tão improvável que nos próximos anos a indústria automobilística sul-coreana vá ocupando mais espaços deixados pelos japoneses, e talvez até por fabricantes europeus, de modo a consolidar-se não apenas como uma alternativa mais em conta a marcas mais tradicionais mas ser respeitada pelo desenvolvimento de soluções para motores Diesel.

2 comentários:

  1. Nunca mais vi foi aquela van Ssangyong Istana. Lembra dessa? Uma que tinha tração dianteira e só 2 bancos na frente separados por um capô de motor parecido com o dos ônibus cabrito.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Lembro. A última que eu vi, por volta de 2006 a 2007, era uma da Marinha.

      Excluir

Seja bem-vindo e entre na conversa. Por favor, comente apenas em português, espanhol ou inglês.

Welcome, and get into the talk. Please, comment only either in Portuguese, Spanish or English.


- - LEIA ANTES DE COMENTAR / READ BEFORE COMMENT - -

Nem sempre é viável manter as relações de marcha originais após converter um veículo para Diesel, em função dos regimes de rotação diferenciados. Portanto, uma alteração das relações de diferencial ou até a substituição do câmbio podem ser essenciais para manter um desempenho adequado a todas as condições de uso e a economia de combustível.

It's not always viable to retain the stock gear ratios after converting a vehicle to Diesel power, due to different revving patterns. Therefore, some differential ratio or even an entire transmission swap might eventually be essential to enjoy a suitable performance in all driving conditions and the fuel savings.

Mais informação sobre relações de marcha / more info about gear ratios
http://dzulnutz.blogspot.com/2016/03/relacao-de-marcha-refletindo-sobre.html