quinta-feira, 9 de fevereiro de 2017

Observações sobre uma possível volta da inspeção veicular em São Paulo

Um dos programas mais polêmicos instituídos durante o mandato de Gilberto Kassab como prefeito de São Paulo entre 2009 e 2012, e que se estendeu até o cancelamento do contrato com a empresa Controlar quando Fernando Haddad exercia o cargo de prefeito, a inspeção veicular com um viés mais direcionado às emissões pode voltar reformulada e com abrangência estadual a partir de 2018 sob os auspícios do atual governador Geraldo Alckmin. No entanto, um dos aspectos mais discutíveis é a possibilidade de ser restrita ao menos num primeiro momento a veículos movidos a óleo diesel.

Depois do fracasso a nível municipal, quem garante que o mesmo programa vá ser eficaz agora se vier a ser efetivamente implementado em todo o estado de São Paulo? Cabe refletir sobre o erro inicial do ex-prefeito Kassab, que concedeu um monopólio do serviço a uma única empresa que não adequou a estrutura para atender adequadamente à demanda de uma metrópole do porte de São Paulo. Embora uma terceirização futura não esteja descartada, a gestão Alckmin planeja iniciar a medida nos 46 postos da Cetesb espalhados pelo estado e tenha início pela Grande São Paulo e pelas regiões de Campinas, Ribeirão Preto e da Baixada Santista. A bem da verdade, seria mais sensato que as empresas de vistorias veiculares já credenciadas junto ao Detran e ao Inmetro também pudessem disponibilizar o mesmo serviço, considerando uma certa similaridade com alguns procedimentos realizados para regularizar alterações de características como mudanças do combustível do veículo, tomando como principais exemplos as conversões para gás natural ou para etanol.

Limitar a fiscalização para abranger exclusivamente veículos com motor Diesel é outro equívoco grave, tendo em vista que uma conservação mais precária não afeta exclusivamente caminhões, ônibus, pick-ups, furgões e sport-utilities nem faz distinção quanto ao tipo de combustível. Embora o material particulado em suspensão na fumaça preta visível a olho nu já leve um utilitário movido a óleo diesel que esteja fora das especificações de emissões a saltar mais aos olhos em comparação a um automóvel ou motocicleta com motor do ciclo Otto movido a gasolina, gás natural ou etanol que apresente irregularidades diversas como a remoção do conversor catalítico (o popular "catalisador") ou estejam queimando óleo lubrificante em quantidades excessivas, seria de se esperar que prevaleça a isonomia caso o aspecto ambiental venha a ser levado a sério. Como já está em tramitação na Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo ao menos um projeto de lei que prevê um programa de inspeção veicular abrangendo toda a frota, seria até mais coerente aprová-lo do que tentar incluir um destaque como o governador cogita que possa ser efetuado.

Outro ponto polêmico é a possibilidade de que veículos emplacados em outras unidades federativas estejam passíveis de autuação por técnicos da Cetesb caso seja constatada alguma irregularidade nas emissões, com os autos de infração a serem emitidos pelo Ibama, medida que em tese pode levar outros estados a também instituírem programas próprios de inspeção veicular. Considerando a enorme dependência do país inteiro pelo modal rodoviário no transporte de cargas e passageiros, não é de se descartar algum impacto em setores como o turismo. Por mais que o transporte aéreo se revele vantajoso em longas distâncias pela rapidez, e de fato venha ficando mais competitivo diante dos ônibus ao menos desde que a Gol Linhas Aéreas iniciou as operações em 2001, é oportuno frisar que alguns serviços fretados como as excursões de "sacoleiros" de certa forma são mais favoráveis à operação com ônibus devido a fatores que vão desde o grande volume de carga transportada pelos passageiros no retorno ao local de origem até a maior complexidade dos procedimentos de check-in, despacho de bagagens e embarque num aeroporto, passando pela redução de custos com hospedagem quando o passageiro aproveita para dormir a bordo do veículo. Certamente, tanto os coreanos do Bom Retiro quanto os árabes e chineses da 25 de Março não ficariam nada satisfeitos vendo uma parcela considerável dos fregueses habituais buscando por novos fornecedores em algum pólo têxtil no Nordeste ou indo buscar muamba diretamente no Paraguai.

Em meio a tantos pontos desfavoráveis a uma inspeção veicular mais restrita ao Diesel, há de se levar em conta alguns interesses que podem estar por trás dessa medida tão infeliz. Não se pode descartar que o setor sucroenergético, diante da perda de competitividade que o etanol vem sofrendo fora de São Paulo, possa ver em tal medida a esperança de assegurar uma reserva de mercado diante de experiências mal-sucedidas como a introdução de ônibus urbanos movidos a etanol na cidade de São Paulo que acabaram na maioria dos casos gradativamente sucateados para servir como "doadores" de peças ou então convertidos para operar com óleo diesel convencional, além da concorrência mais acirrada com o gás natural e mais recentemente o biometano. Ainda que exista a viabilidade para o setor sucroenergético participar mais ativamente da cadeia produtiva do biometano, tanto através do aproveitamento direto da vinhaça (ou "vinhoto") quanto indiretamente mediante o tratamento de dejetos pecuários após o bagaço da cana ser usado como "volumoso" na alimentação dos rebanhos, recuperar o prestígio do etanol ainda é uma prioridade, levando-se em consideração a maior concorrência diante de outras matérias-primas que começam a ganhar espaço na produção do etanol como o milho no Centro-Oeste.

A bem da verdade, é possível que ao menos num primeiro momento um programa de inspeção veicular configurado como uma mera caça às bruxas resulte numa maior procura pelas versões com motor "flex" de diversas pick-ups e sport-utilities que ainda contam com tal opção, eventualmente levando-a a ganhar espaço também em vans de passageiros e alguns VUCs (veículos urbanos de carga) atualmente oferecidos apenas com motores Diesel. Além da mentalidade medíocre que ainda predomina entre operadores e gestores de frota adeptos do imediatismo, não se pode descartar de antemão os custos menores de aquisição e do seguro de um veículo equipado com motor do ciclo Otto como uma possível justificativa para a eventual migração de uma parcela do público que hoje dá preferência ao Diesel caso a inspeção ambiental não tenha uma abrangência mais ampla. Nada garante, no entanto, a vitória que o setor sucroalcooleiro parece estar esperando. Os maiores esforços dedicados a nível mundial pela indústria automobilística ao desenvolvimento de sistemas para gás natural, bem como a diversificação de matérias-primas mais expressiva para o biometano, já vem os tornando mais promissores tanto de forma complementar quanto substitutiva ao óleo diesel convencional em aplicações utilitárias comerciais.

Não custa lembrar que brasileiro é um povo que adora fazer gambiarra, e certamente vá ter quem recorra à adaptação de alguns motores a gasolina (ou etanol) bastante populares para burlar a obrigatoriedade de uma eventual inspeção ambiental focada exclusivamente em veículos movidos a óleo diesel. O que poderia parecer lógico no âmbito de uma redução de emissões, no entanto, acabaria reforçando a incoerência da medida tendo em vista que possam vir a ser adaptados alguns motores com certificação de emissões defasada em relação à dos veículos que os recebam. Ou alguém em sã consciência consideraria racional, por exemplo, adaptar motor de Opala numa Nissan XTerra e logo em seguida instalar kit GNV? Além da exigência de gerenciamento eletrônico para os kits de conversão para gás natural a serem adaptados em veículos produzidos a partir de 1997, não convém esquecer que uma grande quantidade de motores de ignição por faísca recorriam a uma mistura ar/combustível excessivamente rica apenas para refrigerar os pistões e sedes de válvula, resultando numa emissão excessiva de hidrocarbonetos crus, ou seja, combustível que não foi corretamente queimado. No caso do metano, principal componente do gás natural, cabe recordar que é um dos gases-estufa com meia-vida mais longa que a do dióxido de carbono (CO² - "gás carbônico").

Em meio a tantos projetos engavetados tanto no âmbito da renovação de frota quanto da inspeção veicular, alguns erros já deveriam ter servido de lição justamente para não serem repetidos da forma que vem ocorrendo agora. Transformar a pauta do controle de emissões num palanque anti-Diesel é uma estupidez, não apenas por ser uma forma simplória e menos efetiva de tratar essa questão do que poderia parecer à primeira vista mas, principalmente, pelo desrespeito a tantos usuários que dependem da maior confiabilidade oferecida pelos motores do ciclo Diesel em condições operacionais extremas.

2 comentários:

  1. Bem a cara dos usineiros essa manobra. E justo agora que a Jeep estava partindo para cima com Renegade e Compass a diesel, aparece uma proposta tão absurda.

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  2. Não vai dar certo se não for uma coisa única para o país inteiro.

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Nem sempre é viável manter as relações de marcha originais após converter um veículo para Diesel, em função dos regimes de rotação diferenciados. Portanto, uma alteração das relações de diferencial ou até a substituição do câmbio podem ser essenciais para manter um desempenho adequado a todas as condições de uso e a economia de combustível.

It's not always viable to retain the stock gear ratios after converting a vehicle to Diesel power, due to different revving patterns. Therefore, some differential ratio or even an entire transmission swap might eventually be essential to enjoy a suitable performance in all driving conditions and the fuel savings.

Mais informação sobre relações de marcha / more info about gear ratios
http://dzulnutz.blogspot.com/2016/03/relacao-de-marcha-refletindo-sobre.html