quinta-feira, 29 de março de 2018

Turbo: herói ou vilão?

Num momento em que a presença do turbocompressor em motores Diesel veiculares é praticamente incontestável na maioria dos mercados, tanto em utilitários pesados quanto em automóveis, chega a soar estranho que o em alguns momentos o dispositivo torne-se alvo de alguns questionamentos em torno dos reais benefícios que proporciona. De aspectos práticos como a efetiva compensação de altitude que permite manter um desempenho mais semelhante ao encontrado na operação ao nível médio do mar, até outros que possam estar mais relacionados a questões que passam despercebidas para muitos consumidores como a maior facilidade para enquadrar-se nas normas ambientais cada vez mais rígidas, o bom e velho turbo ainda encontra quem o considere supérfluo. A necessidade de alguns cuidados a mais para garantir uma maior vida útil também acaba desagradando quem ainda se apegue à rusticidade como argumento a favor da facilidade de manutenção em automóveis mais simples e utilitários, apontada também como pretexto para que a oferta de veículos compactos com motor Diesel esteja se tornando escassa em alguns países.
Tomando por referência a 1ª geração do Fiat Fiorino, que foi produzida no Brasil até '88 e contava com a opção por um motor 1.3 Diesel de 45cv em mercados de exportação e ganhou sobrevida entre '89 e '96 com a fabricação transferida para a Argentina, a simplicidade revelava-se um argumento de vendas tão importante quanto o consumo de combustível modesto para uma parcela considerável dos compradores do modelo. O desempenho sensivelmente mais limitado que o de versões com motor de ignição por faísca era tratado como um sacrifício em nome da economia, embora não chegasse a ser de fato um impedimento à utilização normal tanto na cidade quanto na estrada. Quem já passou férias de verão em Florianópolis durante a década de '90 já deve ter se deparado com carros de fabricação brasileira equipados com motores Diesel de aspiração natural e eventualmente feito comparação com o desempenho dos carros "populares" brasileiros da época, cujos motores de 1.0L que também não eram nada espetaculares nesse mesmo aspecto nunca configuraram um impedimento para conquistar uma participação de mercado que chegou em alguns momentos a superar a faixa de 70% do volume de carros 0km vendidos no Brasil...
O predomínio da injeção indireta nas aplicações automotivas ao menos até a década de '90 acabou por contribuir para que os custos de produção e aquisição se mantivessem reduzidos, e a manutenção também era barateada. Portanto, a ausência do turbo passava longe de ser o único fator que levou ao surgimento de uma fama de "indestrutível" para os motores Diesel, embora não deixe de ser um tanto comum deparar-se com alegações de que a massificação do turbo paralelamente à obrigatoriedade do gerenciamento eletrônico compatível com OBD-2 no mercado europeu a partir do ano 2000 levaram a um declínio na predileção pelos mesmos em alguns países. embora modelos como a Citroën Xsara Break ainda persistissem enquanto as normas de emissões Euro-3 permitiam com a oferta de motores Diesel de aspiração natural e injeção indireta como uma opção inicialmente mais em conta aos então recentes turbodiesel de injeção direta do tipo common-rail que se encaminhavam para constituir o novo padrão. À primeira vista podia soar loucura que alguém ainda preferisse por exemplo o motor TUD5 naturalmente aspirado de 1.5L e 58cv num modelo do porte do Xsara, mas ao menos na Espanha, em Portugal e no Uruguai havia quem se desse por satisfeito com a inerente simplicidade. A bem da verdade, considerando que o TUD5 ainda contava com injeção indireta e portanto mais facilmente adaptável ao uso de óleos vegetais naturais como combustível alternativo, eu também ficaria tentado...
Mas até que ponto seria justificável abrir mão do turbo? Nesse aspecto, convém observar as críticas mais frequentes a uma sensibilidade mais exacerbada à qualidade do óleo lubrificante, visando evitar a formação de borra de óleo ao redor do eixo do conjunto rotor em função das altas temperaturas e da inércia que mantém a rotação mesmo quando são interrompidos o suprimento de gases de escape para a turbina e do lubrificante para os mancais. O uso de óleos abaixo da especificação recomendada já é problemático mesmo em motores naturalmente aspirados, de certa forma tornando menos justificável tratar tal situação como um pretexto para validar a rejeição ao turbo, embora também seja inegável o maior stress térmico ao qual o sistema de lubrificação acaba por ser submetido devido à importância do óleo também para refrigerar a carcaça central entre a turbina e o compressor em alguns turbos que ainda não contam com refrigeração a água. Eventuais falhas nos retentores de óleo também podem ter consequências catastróficas, e são eventualmente apontadas como um fator de risco para a ocorrência dos "disparos" de motor devido a uma possível ingestão de óleo em ponto de fulgor pela admissão e a combustão descontrolada do mesmo.
Outros tópicos que ainda podem levar a uma desconfiança quanto à conveniência de se contar com o turbo são eventuais interferências que um acúmulo de sedimentos carbonizados possam acarretar no funcionamento da válvula de prioridade (também conhecida como "válvula de alívio" ou "bllow-off") e causar desde um incremento excessivo da pressão de admissão (overboost) acima de limites seguros até o stall do compressor a partir do momento que a velocidade angular das palhetas torne-se sônica ou supersônica. Tendo em vista que a emissão de material particulado ainda costuma ser mais crítica nos motores Diesel, e também pode ser associada a desleixos com a manutenção preventiva, até não é de se estranhar que haja algum temor por parte de quem trata como "normal" um excesso de fuligem negra saindo pelo escapamento mesmo depois da partida a frio quando a temperatura operacional já tenha estabilizado. Nesse caso, ao invés de apontar a presença do turbo como um problema, parece mais racional fixar-se tanto numa manutenção deficiente quanto em outros recursos como o filtro de material particulado (DPF - Diesel Particulate Filter) presente nas gerações mais recentes de veículos com motor turbodiesel e que acaba dificultando a aferição correta da opacidade dos gases de escape após o processo de combustão.
Naturalmente, a maior complexidade agregada não apenas pelo turbocompressor pode assustar uma parcela dos consumidores que se mostra mais refratária a novas tecnologias que acarretem num custo mais elevado ou provoquem uma maior exigência durante as rotinas de manutenção. Por outro lado, a presença do turbo foi relevante para fazer com que o Diesel deixasse de ser tão estigmatizado como uma alternativa mais adequada a máquinas agrícolas e veículos pesados, e até viabilizando o uso de motores mais compactos e leves mesmo nessas aplicações com vantagens que podem ir desde uma menor compactação do solo até uma melhor distribuição de peso entre os eixos. Enfim, por mais que o turbo proporcione alguns desafios tanto no tocante a eventuais cuidados na operação do motor até a manutenção, requerendo também um redimensionamento do sistema de refrigeração, não deixa de ser injusto apontá-lo como um "vilão" no sentido de uma suposta diminuição da viabilidade econômica dos motores Diesel em veículos compactos e de segmentos de entrada.

segunda-feira, 26 de março de 2018

Breve observação sobre o Volkswagen Tiguan de 2ª geração, primeiro modelo a sair de fábrica com filtro de material particulado até nas versões a gasolina e a usar uma nova variação do ciclo Otto apresentada como "ciclo Budack"

Que o escândalo do "Dieselgate" teve repercussões pesadas não apenas para a Volkswagen, mas levou também outros fabricantes de automóveis a verem com mais ceticismo uma viabilidade dos motores do ciclo Diesel de médio a longo prazo, já não é mais novidade. Além do recrudescimento por parte de agências governamentais contra o uso desse tipo de motor em veículos particulares, e em alguns países até mesmo a prisão de representantes da Volkswagen, também tem havido uma maior dúvida quanto ao impacto de uma participação mais expressiva da injeção direta também em motores do ciclo Otto movidos a gasolina, etanol e/ou gás natural tanto isoladamente quanto combinada ao turbo como é o caso dos motores TSI usados em modelos da Volkswagen como o novo Tiguan Allspace. Lançado em 2017, foi o primeiro veículo a incorporar o filtro de material particulado não só nas versões equipadas com o motor 2.0 TDI mas também no 1.4 TSI a gasolina. De fato, por mais que se tivesse a impressão de que a gasolina por ser mais volátil não apresentasse um incremento na emissão de material particulado fino, acabou-se provando o contrário. Afinal, apesar do aquecimento aerodinâmico gerado durante a fase de compressão do ar admitido antes que se faça a injeção direta, é possível que algumas gotículas que ainda não tenham evaporado sofram uma queima mais superficial e cristalizem como um "carvãozinho", mesmo problema antes tratado como um calcanhar de Aquiles dos motores Diesel.
Outra estratégia adotada pela Volkswagen inicialmente nessa que é a 2ª geração do Tiguan foi o que a empresa optou por nomear "ciclo Budack", mas na prática é só mais uma variação do ciclo Otto tal qual o que a maioria dos fabricantes que oferecem modelos híbridos tratam equivocadamente como "ciclo Atkinson". Basicamente a diferença está na duração da abertura das válvulas de admissão, que no motor EA888 2.0 TSI oferecido como opcional no Tiguan Allspace no Uruguai em alternativa ao 1.4 TSI são fechadas antes do pistão atingir o ponto morto inferior ao fim do curso de admissão, fazendo com que o volume efetivo e a taxa de compressão dinâmica sejam reduzidos. A alegação em defesa da estratégia apresentada pelo engenheiro Ralf Budack seria que, apesar de uma eficiência volumétrica cerca de 10% inferior à de um motor similar operando normalmente no ciclo Otto padrão, a eficiência térmica teria um acréscimo de 30%, de modo que o motor 2.0 teria "desempenho de 1.8 com consumo de 1.4". Na prática, apesar do resultado ter alguma semelhança com o recurso de retardar o fechamento das válvulas de admissão nos motores usados em híbridos, pode-se alegar que a relativa descompressão gerada enquanto o curso de admissão se aproxima do fim tenderia a causar uma queda na temperatura e pressão da massa de ar e portanto reter uma maior quantidade de energia térmica que pudesse ser simplesmente dissipada pelo sistema de refrigeração. No entanto, a injeção direta torna-se imprescindível nesse caso para que não ocorra uma condensação de combustível que fosse misturado ao fluxo de ar de admissão num motor operando no ciclo Otto padrão ou no falso Atkinson.

quinta-feira, 22 de março de 2018

Downsizing e controle de emissões: alguns aspectos que podem passar despercebidos

Já não é nenhuma novidade que o downsizing pode ser uma boa opção para atender melhor a algumas condições operacionais mais sensíveis a um peso eventualmente excessivo do motor. O menor volume ocupado pela instalação pode ser também favorável a uma integração mais fácil com as gerações mais recentes de dispositivos de controle de emissões, mas pode não ser a única característica que traga um benefício nesse aspecto. Afinal, por mais que possa ser questionado um eventual comprometimento da durabilidade em função de fatores como os regimes de rotação mais elevados nos quais estejam situados os picos de potência e torque ou então excessos de pressão na indução forçada que o hoje quase onipresente turbo possa proporcionar, não convém ignorar as condições de carga às quais o motor vá ser submetido e como influencie na eficiência e durabilidade de itens como o filtro de material particulado (DPF) que necessita de temperaturas um tanto elevadas para promover a autolimpeza ou "regeneração".

Naturalmente, é importante considerar também eventuais desafios que venham a se impor no tocante aos óxidos de nitrogênio (NOx), cuja formação encontra condições mais propícias justamente nas altas temperaturas. Em veículos leves, alguns fabricantes tem até conseguido evitar o uso do SCR e portanto sem a necessidade de recorrer à solução-padrão AdBlue/ARLA-32/ARNOx-32 para manter-se de acordo com as normas em vigor nos países onde possam ser vendidos regularmente. Porém, à medida que motores mais compactos se façam presentes também em veículos de porte mais avantajado e por extensão mais pesados, torna-se mais crítico o controle de temperatura. Afinal, por mais que a grande vantagem atribuída ao ciclo Diesel no tocante à eficiência energética se deva a princípios de conservação de energia liberada durante o processo de combustão, excessos de calor gerados passam não só a denotar um possível subaproveitamento dessa energia que poderia ser convertida em movimento, mas também acabam tornando-se problemáticos em função do efeito sobre as emissões de NOx.

Também não deixa de ser relevante destacar a obsessão que se criou em torno da potência e do torque declarados pelos fabricantes, mais até a potência mesmo, servindo de chamariz para possíveis compradores interessados num uso meramente particular/recreacional duma caminhonete full-size em detrimento de parte do público mais focada em aspectos práticos como a robustez e a pura e simples aptidão para o serviço ao qual estejam destinados. Evidentemente, recorrer a um motor Diesel não é o problema em si, mas as normas de emissões cada vez mais rígidas trazem novos desafios que não tem sido necessariamente respondidos da forma que se apresente mais favorável ao operador do veículo. Logo, pode-se constatar uma clara inversão de prioridades que se reflete numa oferta de veículos cuja opção de motor Diesel quando disponível nem sempre seja efetivamente a mais adequada às condições operacionais, podendo até induzir o consumidor ao erro de crer que não lhe reste outra alternativa senão conformar-se a rodar na gasolina, eventualmente valer se do etanol ou depender da disponibilidade ainda um tanto limitada do gás natural.

Há uma onda de incertezas rondando o mercado automotivo a nível mundial no que concerne à percepção do Diesel como um problema ao invés de ser devidamente reconhecido como parte de uma série de soluções a serem integradas visando conciliar sustentabilidade e segurança energética. Portanto, é oportuno avaliar opções que demonstrem a viabilidade do Diesel diante de um cenário tão crítico, e nesse caso o downsizing pode ser bem aplicado também em condições operacionais nem tão sensíveis ao peso do motor. Enfim, por mais desafiadoras que as circunstâncias tem se revelado, seria precipitado demais descartar logo de antemão essa possibilidade de minimizar inconveniências apontadas por operadores na rotina de manutenção das novas gerações de motores Diesel que acompanharam a inclusão de certos dispositivos de controle de emissões.

terça-feira, 20 de março de 2018

5 pretextos para uma hegemonia da injeção direta se estender até aos motores de ignição por faísca

Hoje quase onipresente nos motores Diesel tanto para aplicações veiculares submetidas às regulações mais rígidas de emissões, mas também em aplicações estacionárias/industriais e outras, a injeção direta já tem se firmado também junto à ignição por faísca inicialmente nos mercados automobilístico e náutico, além de aplicações na aviação leve. Por mais que fatores como a qualidade da gasolina tenham suscitado dúvidas quanto à viabilidade dessa tecnologia no Brasil num primeiro momento, vale salientar 5 pretextos para que a injeção direta venha ganhando relevância nos motores de ignição por faísca nos mais diversos segmentos tanto agora quanto num futuro próximo.

Redução de perdas de combustível durante o cruzamento de válvulas nos motores 4-tempos ou durante a "lavagem" dos motores 2-tempos: motivo que levou a uma adesão relativamente rápida à injeção direta justamente para reabilitar o ciclo de 2 tempos nos motores de popa, fazendo com que a própria injeção eletrônica suplantasse o carburador mais rapidamente nestes que nos congêneres de ciclo Otto (4 tempos), atende a questionamentos quanto à economia de combustível e também à emissão de hidrocarbonetos crus que por tanto tempo permaneceu como um quebra-galho para auxiliar na refrigeração dos pistões e cabeçotes. Diante do problema da meia-vida mais longa do gás metano na atmosfera em comparação ao dióxido de carbono (CO² - "gás carbônico") pós-combustão, também se revela promissora para uso em sistemas de gás natural veicular de 6ª geração, ao reduzir esse problema que muitas vezes passa subestimado por instaladores, usuários e gestores públicos que veem no gás natural de origem fóssil e no biogás/biometano uma solução "perfeita" para conciliar metas de redução de emissões e uma menor dependência pelos derivados de petróleo. Nesse caso, a injeção direta pode fazer com que uma eventual integração do biometano a projetos de saneamento básico faça ainda mais sentido, por exemplo.

Facilitação da partida a frio ao usar etanol em veículos com motor "flex": tal característica já é evidente em modelos como o Peugeot 308, que em versões ainda dotadas da injeção sequencial no coletor de admissão recorriam a um pré-aquecimento elétrico do combustível para facilitar a vaporização em baixas temperaturas, mas tornou-se desnecessária na atual motorização THP Flex que recorre tanto à injeção direta quanto ao turbo. Especula-se que possa ter alguma aplicabilidade até mesmo em modelos híbridos, como o Toyota Prius, para os quais ainda não existem versões "flex" no mercado mas cujo regime de operação mais intermitente do motor a gasolina possa se mostrar um tanto problemático com o etanol.

Menor risco de pré-ignição associada a altas taxas de compressão: tanto em aplicações mais voltadas à economia de combustível como nas versões híbridas plug-in do Volvo XC90 quanto em outras com maior ênfase no desempenho como a atual geração da Ford F-150 Raptor, a injeção direta dá maior segurança para que se empobreça a proporção ar/combustível, tendo em vista que a injeção é feita ainda na fase líquida e mais próxima ao ponto de ignição, e portanto a vaporização da gasolina fica dependente do aquecimento aerodinâmico causado pelas taxas de compressão relativamente altas, e nos casos exemplificados também pela indução forçada ("twincharger" no Volvo que conta com um turbo e um compressor mecânico ou twin-turbo na Ford) que proporciona uma compressão dinâmica mais constante em diferentes condições de altitude, temperatura e pressão atmosférica.

Economia de escala proporcionada pelo desenvolvimento anterior de soluções para tratamento de emissões nos motores Diesel: à medida que alguns problemas antes associados de forma quase que exclusiva aos motores Diesel vão se revelando presentes também nas novas gerações de motores de ignição por faísca com injeção direta, como os índices de emissão de óxidos de nitrogênio (NOx) e até mesmo o material particulado, além do mais que em muitos mercados já se observa que alguns modelos como os Volkswagen Golf e Jetta já contam exclusivamente com os motores TSI, inclusive o Brasil, há de se considerar a integração de sistemas de controle dessas emissões inicialmente desenvolvidos para atender às deficiências dos motores Diesel nesse sentido. A própria Volkswagen, quando da época que eclodiu o tão comentado "Dieselgate", chegou a anunciar que passaria a equipar também os veículos dotados do motor TSI com o filtro de material particulado (DPF - Diesel Particulate Filter) visando reduzir a emissão de fuligem fina. Já no tocante aos NOx, no entanto, ainda soa pouco provável que se recorra ao sistema SCR cada vez mais comum nos veículos com motor Diesel, tendo em vista que a ignição por faísca ainda se adapta mais facilmente a volumes mais elevados de recirculação de gases de escape (EGR - Exhaust Gas Recirculation) para o mesmo fim.

Potencial para expansão junto a outros segmentos: nesse caso, cabe lançar um olhar sobre o mercado motociclístico, com peculiaridades que vão desde a defasagem nas normas de emissões que se aplicam às motos até a permanência de características hoje mais raras em aplicações automotivas como é o caso da refrigeração a ar em modelos mais simples, passando pelas limitações de espaço que exigem soluções para manter a autonomia apesar de uma menor capacidade de armazenar combustível em virtude do uso do cânister que se tornou necessário para conter as emissões evaporativas de combustível cru que evapora ainda dentro do tanque e antes seria lançado diretamente na atmosfera. Seja numa modesta Honda CG, seja numa sofisticada BMW K1600 GTL, a presença massificada da injeção eletrônica e a obrigatoriedade do catalisador podem levar a supor que a injeção direta tenha potencial para ser um próximo passo. Naturalmente, além das motos, há uma infinidade de dispositivos que possam fazer uso da injeção direta em conjunto à ignição por faísca num futuro não muito distante, desde motosserras até empilhadeiras.

Apesar da injeção direta ainda ter um potencial para expansão da presença de mercado junto à ignição por faísca, é importante frisar que pode não fazer com que os motores Diesel tornem-se de fato obsoletos. Logo, seria apenas mais uma estratégia para integrar-se a uma política energética abrangente e que contemple diferentes opções adequadas aos mais variados cenários operacionais. Enfim, considerando eventuais incrementos na eficiência ao operar com etanol e combustíveis gasosos, a injeção direta pode tornar-se uma aliada até mesmo na hora de apresentar um contraponto aos temores quanto à segurança alimentar em função de uma competição por terras agricultáveis entre a produção de commodities energéticas e a de alimentos.

domingo, 18 de março de 2018

Observações sobre motos, política, hipocrisia ecofascista e o cerco ao Diesel

Não posso negar que tenho algum fascínio por motocicletas desde pequeno, bem como que vejo nelas parte essencial de uma estratégia para reduzir o consumo de combustíveis. A leveza, o uso contido de espaço sobre o leito carroçável das vias urbanas e a relativa facilidade de manutenção são inegáveis, mas cabe salientar uma certa hipocrisia por parte de gestores públicos no que diz respeito à aplicação de normas de emissões às motos e aos automóveis. Por exemplo, se uma KTM Duke 200 conta com recursos como injeção eletrônica, catalisador e até refrigeração líquida como qualquer carro moderno, qual seria o sentido em permitir que as motos estejam enquadradas em normas já defasadas como é o caso na Europa com a classificação das mesmas pela Euro 4 enquanto os carros já devem estar dentro da Euro 6? No caso do Brasil, onde ainda reina absoluta a Honda CG com motor refrigerado a ar mas já enquadrado na fase 2 do Promot M4 que por sua vez é harmonizada com a Euro-4, persiste uma defasagem perante o mercado automobilístico que já atende a Euro 5.
Mas como seria de se esperar, a Abraciclo (Associação Brasileira de Fabricantes de Motocicletas, Ciclomotores, Motonetas, Bicicletas e Similares) contesta alegações de que as motos poluam mais que um carro, salientando uma redução "superior a 80%" nas emissões de monóxido de carbono (CO) desde a implementação do Promot 1 no ano de 2003. De fato, a introdução de tecnologias como a injeção eletrônica e o catalisador até em modelos mais simples como a Honda CG 125 não deixou de constituir um avanço nesse sentido, ao passo que outros fatores tão diversos quanto a saturação da malha viária nas principais regiões metropolitanas, o alto custo dos combustíveis e a precariedade do transporte público tenham levado a um aumento na procura por motocicletas que justificava uma maior isonomia no tocante à exigência de um cumprimento a normas de emissões mais rígidas já aplicáveis aos carros. Certamente ainda há muito a se fazer, mas é possível que haja um desinteresse até em função da moto haver deixado de ser vista no Brasil como um "brinquedo" de jovens de classe média-alta para se tornar uma opção atrativa a consumidores menos abastados em consequência dos choques do petróleo a partir da década de '70, justamente com a chegada da CG ao mercado nacional.
Logo, por mais que uma moto antiga não deixe de ter seu valor como artefato histórico, e talvez ainda possa desempenhar satisfatoriamente a função para a qual foi concebida, já abre espaço para observar outra grande discrepância na forma como são tratadas as emissões de diferentes classes de veículos. É possível que cause alguma estranheza que, em meio a argumentos que apontem uma moto como até 100 vezes mais poluente que um automóvel, alguns setores promovam uma verdadeira caça às bruxas em torno do Diesel tanto no exterior quanto no Brasil, seja em função de fatores mais objetivos como a idade e certificação de emissões da frota no caso da Alemanha quanto por mera esquerdice como no projeto apresentado por um petista em São Paulo atacando simplesmente o combustível e um ciclo termodinâmico aplicado a alguns motores. Convenhamos, tendo em vista que nem todas as motos antigas são preservadas num grau de originalidade tão elevado que justifique tratá-las como peça de colecionador e recebem alterações tão diversas quanto upgrades de freio e eventuais "venenos" no motor ou a substituição pelo de uma versão mais nova do mesmo modelo, até poderia soar menos absurdo que fossem submetidas a uma inspeção mais rigorosa quanto aos níveis de emissões e eventualmente incorporassem atualizações na parte interna do motor (como é o caso de jatos de óleo por baixo do pistão para refrigerar melhor e poder recorrer a uma mistura ar/combustível mais pobre de modo a reduzir emissões de hidrocarbonetos crus) e no escapamento (mediante uso de catalisadores).

Eventualmente, mediante o uso do side-car, até não seria impossível que uma moto pudesse suprir ao menos em parte a utilidade de um carro compacto como o bom e velho Fiat Uno tanto para aplicações particulares quanto comerciais, o que pode vir a ser ser útil inclusive num contexto de "renovação de frota" ao levarmos em consideração principalmente o custo de implementação da medida. Claro, há uma série de fatores que impedem a moto de tornar-se uma solução totalmente adequada a todas as condições operacionais, desde o menor conforto para condutor e passageiros até uma capacidade de carga que permanece inferior tanto em peso quanto em volume mesmo com o side-car. A questão das emissões tende a ganhar contornos ainda mais controversos quando deduzimos que viria a afetar com mais rigor quem possa efetivamente não dispor de uma liquidez para adquirir um veículo tido como tecnicamente superior a uma moto de pequena cilindrada e um side-car ou um carro "velho" como os que aparentemente os ecofascistas de plantão estariam querendo simplesmente varrer para baixo do tapete.

Apesar de parecer um tema muito distante da realidade brasileira devido à pouca disponibilidade de veículos leves com motor Diesel ocasionada pelas restrições baseadas tão somente na capacidade de carga e/ou passageiros e tração, não deixa de ser pertinente quando levamos em conta a popularidade que tal opção teve não só na Europa mas em países próximos ao Brasil como Uruguai e Argentina. Por muito tempo o Diesel chegou a ser tratado pelos hermanos como uma alternativa tanto para modelos compactos e meramente utilitários como o Citroën Visa quanto grandes e que já tiveram algum momento de prestígio como o Peugeot 504, recorrendo à simplicidade da injeção indireta que perdurou também até princípios desse século em modelos como o Fiat Siena e o Peugeot Partner de 1ª geração, ainda que no caso argentino o gás natural ainda se mostrasse suficientemente competitivo para levar alguns a crerem até mesmo na possibilidade de fazer dele um combustível para integração regional no Mercosul e adjacências. No entanto, mesmo que hoje os autoproclamados "ecologistas", "ambientalistas" e congêneres apliquem-lhes o rótulo de "poluidor" pelo combustível que usam e pelas normas de emissões nas quais estão enquadrados, vale lembrar que podem adaptar-se facilmente ao uso direto de óleos vegetais como combustível, podendo não apenas fomentar um descarte mais apropriado para óleos de cozinha saturados mas também fortalecer a segurança energética e as respectivas soberanias nacionais ao minimizar o impacto de oscilações nos custos dos combustíveis fósseis com cotações atreladas ao mercado internacional, além do menor impacto ambiental de uma extensão da vida útil dos veículos já existentes diante do gasto de energia e matérias-primas que seriam destinadas à produção de modelos modernos que viessem a substituí-los.

A incoerência na aplicação de normas de emissões ganha contornos ainda mais claros ao comparar a Honda XLR 125 brasileira produzida entre '97 e 2003 que chegou a ser exportada também à Europa e o Toyota Corolla E120 vendido por lá entre 2002 e 2007. Enquanto uma XLR ainda carburada e com ignição de ponto fixo poderia circular pelo centro de Madrid a qualquer horário, um Corolla estaria sujeito a restrições em função das condições da qualidade do ar em alguns períodos mesmo contando com recursos como gerenciamento eletrônico do motor compatível com OBD-2 tanto nas versões a gasolina (que seriam mais justo comparar com uma moto) quanto nas turbodiesel. Enfim, ainda que uma moto agilize deslocamentos e ocupe menos espaço na via em proporção ao motorista e eventual passageiro ou pequena carga a ser transportada, levando a crer que desperdice menos combustível ao manobrar para estacionar ou tentar passar por espaços estreitos, não faz sentido tratar um carro como "lixo" enquanto estaria submetido a normas de emissões mais rigorosas.

sexta-feira, 9 de março de 2018

Reflexão: poderiam as normas de emissões mais rigorosas causar uma maior concentração de mercado nos motores Diesel?

Recorrer a um mesmo fornecedor de motores Diesel não é incomum nos segmentos de utilitários e em máquinas e equipamentos especiais, como pode ser evidenciado pela antiga hegemonia da MWM durante a década de '80, em especial com a série 229 que com versões de 3, 4 e 6 cilindros equipou do "Agralinho" ao "Fordão". Outro caso que merece algum destaque foi o da Mercedes-Benz, que mesmo usando motores de fabricação própria ainda os fornecia para terceiros, como ocorreu com o OM314 usado nos caminhões 608 e no Toyota Bandeirante. Naturalmente, os desafios de hoje tem uma proporção diferente em comparação à década de '80, além de motivações que não se resumem à economia de escala...

O escândalo em função de irregularidades na aferição de emissões em veículos da Volkswagen, que foi deflagrado em 2015 e permanece como um pretexto para desconfianças às vezes exageradas em torno da efetiva viabilidade do Diesel, parecia não ser relevante no contexto brasileiro devido ao fato de automóveis como o Passat serem proibidos de recorrer ao óleo diesel convencional no país, mas o uso do mesmo motor na pick-up Amarok fez com que o caso ainda tivesse alguma repercussão local. Vale lembrar que a Volkswagen também chegou a fornecer motores Diesel para outros fabricantes que não dispunham de um para aplicação em automóveis - ou não queriam arcar com as despesas para desenvolvê-lo por conta própria para atender a uma quantidade aparentemente pequena de mercados - como foi o caso da Mitsubishi com o Lancer e da Jeep com a primeira geração do Compass. Logo, apesar da Mitsubishi ter posteriormente desenvolvido uma nova linha de motores Diesel leves inicialmente mais focada para os próprios utilitários mas também com uma versão adequada ao uso no Lancer, e da Jeep hoje usar motores de origem Fiat após a formação da FCA - Fiat Chrysler Automobiles, já não se pode ignorar um indício de que uma concentração de mercado nas mãos de uma quantidade menor de fornecedores de motores ainda teria fundamento.

Chama a atenção o caso da Toyota, que antes ainda devotava algum esforço ao desenvolvimento de motores Diesel leves modernos com maior ênfase em atender ao mercado europeu, e no caso de modelos como o Corolla acabava dispondo tanto de opções avançadas para atender a países com um maior rigor nas normas de emissões quanto de outras mais rústicas que permaneciam fiéis à injeção indireta e aspiração natural em países onde o custo inicial fosse mais relevante. Hoje alguns modelos como o Rav4 já nem contam mais com opção pelo Diesel mesmo em alguns mercados europeus, com a Toyota preferindo "empurrar" o consumidor comum para a linha híbrida, mas chegou a recorrer a motores Diesel fornecidos pela BMW e pela Peugeot em outros modelos apenas para manter como uma alternativa para frotistas que não abrem mão do Diesel tão facilmente pelas mais variadas razões. Portanto, apesar de dispor dos recursos necessários para desenvolvê-los, a estratégia da Toyota tem dado espaço para a consolidação de outros fabricantes como fornecedores de motores Diesel e até certo ponto contribuindo para fomentar uma maior concentração de mercado para esse tipo de propulsor nas mãos dos mesmos.



O crescimento da Cummins junto a fabricantes chineses que buscam se firmar em mercados com uma demanda mais rígida no tocante às emissões, como não deixa de ser o caso do Brasil, também merece algum destaque. O grande volume de produção e a mão de obra barata fizeram com que a China fosse uma opção até um tanto óbvia para iniciar a produção da série de motores ISF, além do ISF2.8 ter caído como uma luva para fabricantes locais como a Foton dispensarem imitações do excelente porém já defasado motor Isuzu 4JB1 usadas à exaustão tanto em caminhões em faixas de peso bruto total até 7 toneladas quanto em pick-ups médias como a Foton Tunland. Não se pode negar que o atual cerco às emissões, associado à percepção do alto custo tanto de desenvolvimento e produção para os fabricantes de veículos e equipamentos especiais quanto de aquisição para os proprietários, também faz com que recorrer a um fornecedor independente seja uma alternativa economicamente viável para conciliar todos os interesses envolvidos.


Diga-se de passagem, o mesmo motor já é usado desde 2014 na F-350 e na F-4000 brasileiras, cuja produção havia sido interrompida ao final de 2011 sob a alegação de que a adoção de um motor já em conformidade com as normas Euro-5 a partir de 2012 poderia ser economicamente inviável para um modelo já defasado diante de similares estrangeiros e cuja configuração de cabine convencional (ou "bicuda") é cada vez menos requisitada por operadores urbanos que preferem a cabine avançada (ou "cara chata") devido ao melhor aproveitamento da extensão da plataforma de carga. A bem da verdade, e considerando também o dilema entre downsizing e downrevving, o recurso a um motor menor em comparação ao Cummins B3.9 usado anteriormente até se mostra válido, tendo em vista que o menor peso do motor até auxilia a compensar o que foi acrescentado pela presença do sistema SCR e do filtro de material particulado (DPF). Nesse contexto, levando em consideração a aplicabilidade tanto em um modelo com menos restrições de espaço no compartimento do motor como é o caso da F-350 quanto em outros mais limitados como as inúmeras imitações chinesas da Isuzu Rodeo, fica ainda mais fácil justificar uma aparente consolidação do mercado global de motores Diesel em torno de uma quantidade menor de fabricantes que ainda se dispõem a bater de frente com os ecofascistas.

Enfim, por mais que ditaduras terceiromundistas já venham efetivamente privando seus escravos cidadãos de usar motores mais adequados às aplicações que venham a destinar algum veículo, como é o caso da Bolívia com restrições à importação de motores Diesel com cilindrada igual ou inferior a 4.000cc, e na União Européia o conformismo dos grandes fabricantes locais só esteja sendo contrariado pelo presidente da PSA Peugeot/Citroën, o futuro permanece reservando algum espaço para o Diesel, ainda que ocorra uma maior concentração nas mãos de poucos fornecedores.