quinta-feira, 28 de junho de 2018

Mais uma raridade do YouTube: Fusca com motor de ignição por bulbo quente

O desejo de fazer um Fusca rodar com óleo diesel convencional ou algum outro combustível pesado não é novidade mesmo, e o exemplar mostrado no vídeo abaixo que teve a carroceria modificada e a adaptação de um rústico motor monocilíndrico com ignição por bulbo quente deixa bastante claro esse objetivo.
Apesar do resultado final estar longe do ideal para um uso normal, tendo em vista não apenas a estreita faixa útil de rotação desse tipo de motor dificultando que se alcancem velocidades compatíveis com diferentes condições de tráfego mas também um volante de motor (esse tem 2, sendo o outro acoplado ao câmbio) totalmente exposto e abaixo da linha do assoalho, e da modificação feita na carroceria ser questionável tanto no aspecto estético quanto por um eventual sacrifício da praticidade, essa adaptação muito excêntrica não deixa de merecer alguma atenção.

Poucas informações circulam acerca desse Fusca e do motor que o equipa, mas a princípio teria sido filmado na Suécia durante alguma exposição de motores estacionários e marítimos antigos que é um hobby até bem difundido em alguns países estrangeiros. O motor também deve ser de fabricação sueca, tendo em vista que a última fábrica a oferecer motores de ignição por bulbo quente em escala comercial foi a sueca Pythagoras que os produziu por 71 anos entre 1908 e 1979 com as marcas Fram para venda na própria Suécia e Drott mais voltada à exportação. E mesmo beirando os 40 anos do fim da produção em massa, apesar de não ser tão adequado para aplicações automotivas, ainda se encontram exemplares dos mais diversos fabricantes usados em barcos de pesca e reputados por usuários como mais adequados que alguns motores Diesel propriamente ditos.

quarta-feira, 27 de junho de 2018

Venda direta de etanol das usinas para os postos: uma alternativa com potencial para proporcionar mais estabilidade nos custos de combustíveis

Pode não parecer muito relevante para o transporte pesado uma venda direta de etanol das usinas para os postos sem passar pelas distribuidoras, e provavelmente também não vá despertar muita esperança junto ao agribusiness, mas não deixa de ser uma pauta relevante. Consolidar pelo interior do país um combustível hoje desacreditado não apenas pelas deficiências logísticas, mas principalmente por uma burocracia asfixiante, faz algum sentido com o objetivo de integrar diferentes soluções que possam se mostrar adequadas a operadores com preferências ou necessidades distintas, bem como favorecer a independência energética do produtor rural e iniciar uma oposição ao monopólio da Petrobras. Apesar da eficácia dessa medida na contenção dos preços do etanol no varejo permanecer desconhecida, e da previsível oposição tanto das distribuidoras quanto de algumas usinas sucroalcooleiras, o consumidor teria mais a ganhar do que a perder.

Considerando regiões onde o uso do milho como matéria-prima para o etanol tem crescido, tomando por exemplo o Mato Grosso, a venda direta das usinas para os postos já se justifica simplesmente com a possibilidade de dispensar a complexa operação logística de enviar o combustível produzido localmente para bases operacionais das distribuidoras em outras localidades e depois ter que fazer a viagem de volta. Naturalmente, a integração com a pecuária também seria um bom incentivo para que o etanol de milho encontrasse um mercado promissor na própria região produtora, salientando que o "grão de destilaria" tem bom valor nutricional para a alimentação animal e a digestibilidade superior à do grão de milho ao natural proporciona um ganho de peso mais rápido ao gado de corte. Mas como nem tudo são flores, um motivo que acaba levando alguns compradores a optar por uma pick-up com motor "flex" em detrimento do Diesel seria a proximidade com a Bolívia e o Paraguai onde ainda é uma prática bastante comum "esquentar" veículos roubados no Brasil, e no fim das contas até aquela proibição à importação de veículos com motor Diesel de cilindrada igual ou inferior a 4.000cc na Bolívia acaba fomentando a procura pelo mercado negro.

Dentre motivos de ordem técnica que poderiam reacender um interesse pelo etanol junto a uma parte considerável de consumidores que hoje depositam esperanças no Diesel ou se veem obrigados a usar o gás natural e assim sacrificar parte da capacidade de carga, há de se considerar sobretudo a atual discrepância na complexidade dos sistemas de controle de emissões que hoje tem beneficiado aos motores de ignição por faísca. A recente implementação das normas MAR-I, que estabelecem limites de emissões para máquinas agrícolas, poderia até influenciar alguns operadores a aderir ao etanol para tratores como uma opção tanto ao óleo diesel e/ou biodiesel quanto ao gás liquefeito de petróleo (GLP - "gás de cozinha") que já é usado em algumas atividades onde as emissões de ruído e fuligem sejam mais críticas. Apesar de já estar em implementação no exterior o uso de filtros de material particulado em veículos com motor de ignição por faísca com injeção direta, tomando como principal exemplo o Volkswagen Tiguan Allspace que foi o primeiro a recorrer a esse expediente, e justamente a injeção direta apesar das dificuldades que acarretou no controle de emissões proporcionar uma partida a frio mais fácil com o etanol, ainda não chegou ao mesmo nível de inconveniência observado em alguns motores Diesel modernos que já dependem do pós-tratamento dos gases de escape com o sistema SCR de redução catalítica seletiva com o fluido-padrão ARLA-32/ARNOx-32/AdBlue para manter os óxidos de nitrogênio (NOx) sob controle. A bem da verdade, considerando uma eventual integração com o óleo diesel convencional e/ou o biodiesel, ainda convém recordar benefícios de uma injeção suplementar de água com algum álcool (geralmente metanol) em aplicações de alto desempenho e que pode proporcionar não só um melhor desempenho e economia de combustível mas também reduzir tanto a formação dos NOx quanto de material particulado.

No tocante à integração regional e ao turismo, uma oferta do etanol a preços mais estáveis por todo o país também não deixa de ser benéfica tanto para o consumidor que deseje usar esse combustível em viagens quanto para produtores rurais e indústrias alimentícias agregarem valor a resíduos agrícolas com algum teor de açúcares e/ou celulose, minimizando a dependência pela cana de açúcar e de certa forma evitando que venha a ocorrer um problema parecido com o milho. A exemplo da Itália que usa a uva como principal matéria-prima para o etanol, ou da Finlândia que recorre a resíduos da produção de pães e de cerveja para a mesma finalidade, com uma liberação da venda direta do etanol das usinas para os postos a princípio nada mais deveria impedir ocorrências semelhantes em regiões tão distintas quanto o Vale dos Vinhedos no Rio Grande do Sul ou algumas localidades no Nordeste onde o cultivo irrigado de frutas tem se fortalecido em função da logística para exportar para a Europa por via áerea como Mossoró-RN e Petrolina-PE, servindo também como pretexto para fomentar o beneficiamento de alguns cultivares e agregando mais valor às exportações brasileiras. Mesmo considerando o mercado interno, uma possibilidade a mais os produtores rurais alcançarem uma independência energética também viria a contribuir para a redução nos custos de escoamento da produção.

Por mais que possa parecer perigoso devido a que tal medida possa ser apontada em âmbito político como um eventual pretexto para manter as restrições ao Diesel em veículos leves hoje em vigor, ou para medidas mais estúpidas como o projeto de um petista visando uma proibição mais estrita à circulação de veículos com motor Diesel na cidade de São Paulo, a venda direta do etanol das usinas para os postos teria benefícios para o cidadão hoje espoliado por um oligopólio que só beneficiou aos corruptos que dilapidaram a Petrobras. Há um enorme potencial energético atualmente inexplorado no Brasil, que não é melhor aproveitado justamente por conta da excessiva burocratização do mercado de biocombustíveis. Enfim, é necessário que se dê um primeiro passo rumo à renovação da matriz energética do transporte, e o nosso país tem condições de retomar o protagonismo tecnológico nessa área, e que foi conquistado justamente com o etanol...

sexta-feira, 15 de junho de 2018

Fusca, Kombi e motores de trator: a história poderia ter sido outra?

A idéia para abordar esse tema foi levantada após ler um artigo de autoria do Alexander Gromow, que já foi presidente do Fusca Clube do Brasil, publicado no site AUTOentusiastas abordando o tema de um motor Diesel que chegou a ser cogitado para aplicação no Fusca e na Kombi, e a previsão nos projetos dos tratores Allgaier-Porsche como o modelo AP17 para que os motores usados em alguns deles pudessem ser adaptados no compartimento do motor do Fusca sem modificações muito mirabolantes.

Não há dúvidas quanto à importância histórica do Fusca, bem como de outros modelos Volkswagen de motor refrigerado a ar, num contexto de maior difusão do automóvel pelo Brasil a partir da década de '50, definindo novos conceitos e preferências num mercado anteriormente mais sujeito à influência da indústria automobilística dos Estados Unidos e aos custos de aquisição, operação e manutenção inerentemente mais altos com as "banheiras". Motor e tração traseiros proporcionam uma capacidade de incursão fora de estrada ainda difíceis de ser igualadas por outros carros "populares" que surgiriam depois. Tudo parecia perfeito até que começaram a eclodir as crises do petróleo durante a década de '70, quando se procurou por alternativas para atenuar a dependência por esse recurso energético ainda hoje tão precioso, e naturalmente havia quem apostasse no Diesel como uma opção. Porém, de certa forma a excessiva concentração de mercado nas mãos da Volkswagen que ainda não havia se tornado referência no desenvolvimento de motores Diesel leves e muito menos ser assombrada pelo escândalo de emissões de 2015, restrições ao uso desse tipo de motor em "carros de passeio" começavam a ser aplicadas ainda na década de '70 sob a suposição de que teriam um impacto negligenciável, mas que contribuíram para o isolamento tecnológico do país.
A bem da verdade, o regime militar obteve algum sucesso com o ProÁlcool às custas de uma pesada política de subsídios que mantinha o etanol a um preço de mercado inferior ao da gasolina de modo a compensar em parte a menor densidade energética do combustível de origem vegetal numa época que a produtividade por hectare cultivado com cana de açúcar era inferior à observada atualmente. Porém, nem sempre os motores originalmente desenvolvidos para operar com a gasolina e combustíveis gasosos apresentavam um funcionamento tão satisfatório, sendo observada especialmente no motor Volkswagen boxer refrigerado a ar uma maior dificuldade na estabilização da marcha lenta. Com um único carburador podia ocorrer também a formação de gelo no coletor de admissão enquanto o etanol vaporiza pelos longos dutos, problema que viria a ser atenuado posteriormente com dupla carburação e coletores mais curtos para cada bancada de cilindros, às custas de uma regulagem mais trabalhosa e a lenta continuava menos suave que no similar a gasolina ao menos imediatamente após a partida. Logo, fazia algum sentido um projeto-piloto que a Agrale desenvolvia ao menos a partir de '76 com a intenção de oferecer versões automotivas do motor Agrale M-790 de 1.3L com 2 cilindros refrigerado a ar e derivado de um projeto da empresa alemã Hatz, tendo como principais alvos justamente o Fusca e a Kombi. Visando a princípio atender principalmente a taxistas e frotas de empresas, mas que certamente soaria atrativo até mesmo para adaptar num "Pé de Boi" tendo em vista a ênfase que se dava ao uso dessa versão em zonas rurais, a possibilidade de adaptar motor Diesel num Fusca ainda soa plausível...
Se por um lado a refrigeração a ar se mostrou deficiente nos motores de ignição por faísca, por outro não era tão problemática no Diesel, e guardadas as devidas proporções até replicar o sucesso dos motores Deutz 913 ainda muito usados para adaptações em pick-ups full-size e caminhões leves na Argentina. Mas como se não bastasse o Fusca ter ficado de fora da definição arbitrária de veículos "utilitários" aptos a usar motor Diesel em função de uma capacidade de carga nominal inferior a 1000kg, tração simples ao invés de recorrer a um sistema 4X4 com reduzida, e acomodação para menos de 9 passageiros sem contar o motorista, as Kombi Standard e Luxo caíram nesse mesmo balaio de gato, apesar das Pick-Up e das Furgão serem tratadas como utilitário exatamente pela capacidade de carga. Vale salientar que na década de '80 a Volkswagen chegou a oferecer como opcional na Kombi das versões Pick-Up e Furgão o mesmo motor EA827 1.6D já usado em versões exclusivas para exportação de modelos como o Passat. No entanto, a Kombi Diesel original de fábrica foi um fiasco no mercado por causa de problemas na refrigeração, apesar de dispensar a elevação do assoalho do compartimento de carga que se fazia necessária para o motor Agrale M-790 caber no compartimento do motor da Kombi.

Cabe lembrar que o motor M-790 permanece em uso nos tratores Agrale 4230 e 4230.4 (tanto na versão normal quanto na Cargo), e para deixar ainda mais tentadora a hipótese de adaptar esse motor num Fusca ou Kombi é conveniente observar que, na atualidade em que se discute quando a mistura obrigatória de biodiesel vá chegar a 20% (B20), a linha de tratores e motores estacionários da Agrale já está homologada para usar até 25% de biodiesel (B25). Talvez se tivesse sido tomado o caminho mais acertado e o Diesel tivesse conseguido ganhar alguma relevância no mercado brasileiro de veículos leves mesmo que fosse através de adaptações como a que a Agrale propôs, e chegou a testar até em táxis de Porto Alegre na época, provavelmente hoje o Brasil não estaria vendo a única experiência bem-sucedida na substituição de combustíveis fósseis a nível mundial ser dilapidada por conchavos político-partidários ao mesmo tempo que outras alternativas são solenemente ignoradas. Enfim, ainda que ironicamente o sucesso da Volkswagen que até pouco tempo atrás era referência no desenvolvimento de motores Diesel veiculares tenha servido de pretexto para manter o Brasil alheio às novas tecnologias, alguns motores "de trator" poderiam ter virado o jogo...

terça-feira, 5 de junho de 2018

Mais uma pérola do YouTube: reportagem de 2013 do SBT sobre um aditivo à base de casca de laranja e resina de pinheiro para o biodiesel

Por mais que o biodiesel tenha vantagens comparado ao óleo diesel convencional por ser renovável, não se pode ignorar algumas dificuldades como o aumento da viscosidade em climas frios e uma vaporização menos intensa durante os ciclos de "regeneração" do filtro de material particulado quando aplicável. Tentando minimizar essas desvantagens, pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas desenvolveram um aditivo à base do óleo de casca de laranja e de resina de pinheiro.
Embora os pesquisadores não tenham sido tão diretos na entrevista ao mencionar as vantagens do uso dessas matérias-primas, a alta volatilidade do óleo de casca de laranja proporciona um aumento do índice de cetano, que mensura a intensidade de propagação da chama nas câmaras de combustão. Basta lembrar do uso tradicional de casca de laranja ressecada como mecha para acender lareiras e fogões a lenha. Ao que tudo indica, não apenas proporciona uma queima mais limpa e sem resíduos como também favorece a redução do material particulado retido pelo filtro no sistema de escapamento quando aplicável.

Já a resina de pinheiro, ao ser destilada, libera um composto denominado terebentina, que é um solvente muito forte e usado como base da aguarrás (também conhecida popularmente como thinner), podendo soar improvável de trazer alguma melhoria ao processo de combustão mas quando acrescentado em pequenas quantidades torna seguro até mesmo o uso direto de óleos vegetais como combustível alternativo ao proporcionar uma maior estabilidade na viscosidade em diferentes temperaturas.

segunda-feira, 4 de junho de 2018

Caso para reflexão: Peugeot Expert de 3ª geração e Peugeot 5008 de 2ª geração

À primeira vista pode parecer descabido fazer a comparação entre um furgão de carga e um soft-roader, mas uma observação sobre o Peugeot Expert de 3ª geração e o Peugeot 5008 de 2ª geração serve para reforçar o quão incoerentes podem ser as restrições ao uso do óleo diesel convencional no mercado brasileiro definidas arbitrariamente com referência às capacidades de carga ou passageiros e tração de um determinado veículo. Ambos os modelos são dotados de tração somente dianteira e compartilham a plataforma PSA EMP2, sendo que no Expert a capacidade de carga de 1500kg já o credencia ao uso de um motor Diesel, enquanto o 5008 está homologado para uma carga útil de 795kg e portanto faltando 205kg para gozar do mesmo direito no Brasil.

De fato, seria pouco provável supor que alguém que priorizasse a capacidade de carga fosse deixar de considerar um Expert para tentar a sorte num 5008, cuja capacidade volumétrica também é menor, mas a modularidade de uma plataforma que no exterior atende não só a esses modelos e é usada na atual geração do 308 europeu (diferente do modelo argentino reestilizado que é vendido no Brasil) até poderia pressupor que não fosse tão difícil a Peugeot tentar homologar capacidade de carga nominal de 1000kg caso tivesse a intenção de importar uma versão BlueHDi do 5008 para fazer frente a outros soft-roaders. Enquanto alguns concorrentes recorrem à tração integral com algum recurso para suprir a falta de uma "reduzida" e se manter de acordo com a regulamentação em vigor mas que no fim das contas agrega mais complexidade técnica e proporciona uma ligeira piora no consumo de combustível, eventualmente o modelo da Peugeot não seria tão prejudicado mantendo a tração simples.

Naturalmente, valer-se de qualquer exceção prevista na atual regulamentação para que um modelo específico como o Peugeot 5008 fosse beneficiado não é de todo má idéia, mas estaria longe de resolver efetivamente o problema que é a restrição ao uso de motores Diesel em veículos leves no mercado brasileiro. Valer-se da demanda por óleo diesel convencional no transporte comercial de cargas e passageiros para impedir o acesso de consumidores a uma motorização mais eficiente e que possa ser beneficiada por uma maior aptidão ao uso de combustíveis alternativos como o biodiesel é na verdade desastroso a longo prazo tanto no tocante à segurança energética quanto à economia.

domingo, 3 de junho de 2018

Flexibilização da venda de biocombustíveis: uma pauta imprescindível

A recente greve dos caminhoneiros, que teve dentre os principais motivos o preço abusivo do óleo diesel convencional, expôs não apenas a fragilidade da logística brasileira que tem uma relação de dependência pelo modal rodoviário, mas também evidencia a falência do monopólio estatal dos hidrocarbonetos que vem sufocando o Brasil desde a última passagem de Getúlio Vargas pelo Palácio do Catete. E os biocombustíveis que poderiam reverter essa situação, com destaque para o etanol que tanto iludiu os militares como uma tábua de salvação diante dos choques do petróleo na década de 70 até ser desacreditado nos últimos 12 anos mesmo com a ascensão dos carros "flex", estão sufocados por regulamentações da ANP (Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis) que vão contra os reais interesses do consumidor final e do livre mercado. Deixando de lado a demagogia dos ecofascistas de plantão, o Brasil tem condições de promover uma efetiva renovação da matriz energética do transporte rodoviário a custos competitivos diante do petróleo e do gás natural, mas não avança nessa área por conta de um modelo de comercialização de combustíveis que na prática impede a implementação de soluções realistas e a preços mais coerentes.

Se por um lado a euforia em torno dos campos petrolíferos do "pré-sal" e o alinhamento da ditadura lulopetista com o chavismo e seus petrodólares levaram à ilusão de que o etanol estaria com os dias contados, por outro a falta de liberdade para as usinas sucroalcooleiras o comercializarem diretamente aos postos sem passar pelas distribuidoras hoje se revela mais crítico no tocante à perda de competitividade desse que foi uma referência a nível mundial de sucesso na substituição em escala comercial de um combustível fóssil por um renovável. O artigo 6º da Resolução nº 43 de 2009 da ANP acabou portanto entrando na mira do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e também de alguns deputados federais que classificam o referido instrumento regulatório como ilegal e acusam a concentração de mercado em menos fornecedores como a principal causa da perda de competitividade em preços diante da gasolina. Ainda que o Cade tenha apresentado uma flexibilização da venda de etanol junto a um pacote com outras 8 medidas para reduzir os preços dos combustíveis no varejo que incluía uma liberdade para as distribuidoras importarem combustível por conta própria, o que possivelmente iria fomentar algum desinteresse quanto ao etanol caso algum país exportador de derivados de petróleo estivesse apostando no dumping para inibir um aumento da participação dos biocombustíveis na matriz energética e que já ocorreu algumas vezes por ação da Arábia Saudita, uma maior liberdade de comercialização do etanol se tornaria convidativa para projetos visando o uso de matérias-primas mais diversificadas como o milho que já está ganhando espaço no Centro-Oeste ou até mesmo o bagaço de uva que poderia ser aproveitado em regiões com tradição na produção de uva e vinho como o Vale dos Vinhedos no Rio Grande do Sul ou no município pernambucano de Petrolina que se tornou destaque a nível nacional e até na exportação.

E apesar do etanol não ser de todo ruim, além do mais com uma maior presença da injeção direta em motores de ignição por faísca não apenas minimizando a desvantagem na eficiência em comparação à gasolina nos motores "flex" mas também facilitando a partida a frio, é natural que não deve ser visto como uma solução única que pudesse atender a todos os cenários operacionais. De fato, a relativa simplicidade dos dispositivos de controle de emissões aplicados aos motores do ciclo Otto contrasta com os sistemas mais complexos incorporados aos motores turbodiesel veiculares mais recentes e pode fazer com que uma pick-up ou sport-utility "flex" e eventualmente convertida para gás natural soe mais convidativo para usuários particulares e com um perfil mais urbano, mas não parece muito realista supor que tomasse tão facilmente o espaço do Diesel em veículos comerciais pesados de curto a médio prazo. Nesse caso, não seria inoportuno incluir também o biodiesel e eventualmente o uso direto de óleos vegetais como combustível veicular na pauta de uma flexibilização da venda dos biocombustíveis, embora haja a necessidade de liberar a venda varejista de biodiesel puro (B100) para que se torne viável por exemplo para caminhoneiros autônomos que não contam com a facilidade de um local próprio para abastecimento e armazenamento de combustível fornecido pelos chamados "transportadores revendedores retalhistas" a grandes consumidores como transportadoras e produtores rurais.

A concentração das refinarias de petróleo nas garras da Petrobras, bem como a presença das mesmas quase sempre estar numa faixa mais próxima do litoral como é o caso das refinarias de Cubatão e de Manguinhos, também expõe uma certa fragilidade em comparação a uma eventual regionalização da produção de biocombustíveis em unidades menores e mais próximas das áreas consumidoras. Na pior das hipóteses, além de ser mais difícil que forças hostis ataquem com sucesso uma maior quantidade de instalações estratégicas como são as refinarias de petróleo e também podem ser consideradas as usinas de etanol ou biodiesel, também se tornaria mais fácil estabelecer planos de contingência entre diferentes unidades produtivas visando manter mais próximo da normalidade o fornecimento de combustível a uma região afetada por algum problema de ordem técnica ou uma quebra de safra da matéria-prima predominante em uma delas. Mas deixando um pouco de lado o risco de ocorrências inoportunas em âmbito operacional, também não é de se desconsiderar o menor custo das operações de transporte tanto da matéria-prima quanto de um biocombustível que pudesse ser comercializado diretamente da usina até o posto sem passar pelas distribuidoras, e portanto o impacto na composição de preços ao consumidor final também poderia ser reduzido.

Embora o biodiesel e principalmente o uso direto de óleos vegetais tenham caído em descrédito não só pela disponibilidade mais limitada mas também por eventuais incompatibilidades com dispositivos de controle de emissões como o filtro de material particulado (DPF - Diesel Particulate Filter) e numa menor proporção o EGR (Exhaust Gas Recirculation - recirculação de gases de escape), e que o biogás/biometano seja mais suscetível aos monopólios por ser mais barato de se transportar através de gasodutos, é imprescindível uma flexibilização nas regulamentações da venda de biocombustíveis. O cidadão de bem já paga um preço alto demais pela incompetência que tomou conta da Petrobras e não pode aceitar essa "venezuelização" às avessas que tem se imposto com a extorsão assegurada pelo monopólio estatal dos hidrocarbonetos e o sufocamento da competição a ser representada pelos biocombustíveis. Enfim, mesmo sendo tratada com alguma desconfiança por uma parcela cada vez mais alienada da população que recentemente só lançou um novo olhar sobre o "álcool de farmácia" quando faltou gasolina nos postos, esta ainda é uma pauta que ainda pode ser decisiva para evitar um colapso da economia nacional.