sexta-feira, 15 de junho de 2018

Fusca, Kombi e motores de trator: a história poderia ter sido outra?

A idéia para abordar esse tema foi levantada após ler um artigo de autoria do Alexander Gromow, que já foi presidente do Fusca Clube do Brasil, publicado no site AUTOentusiastas abordando o tema de um motor Diesel que chegou a ser cogitado para aplicação no Fusca e na Kombi, e a previsão nos projetos dos tratores Allgaier-Porsche como o modelo AP17 para que os motores usados em alguns deles pudessem ser adaptados no compartimento do motor do Fusca sem modificações muito mirabolantes.

Não há dúvidas quanto à importância histórica do Fusca, bem como de outros modelos Volkswagen de motor refrigerado a ar, num contexto de maior difusão do automóvel pelo Brasil a partir da década de '50, definindo novos conceitos e preferências num mercado anteriormente mais sujeito à influência da indústria automobilística dos Estados Unidos e aos custos de aquisição, operação e manutenção inerentemente mais altos com as "banheiras". Motor e tração traseiros proporcionam uma capacidade de incursão fora de estrada ainda difíceis de ser igualadas por outros carros "populares" que surgiriam depois. Tudo parecia perfeito até que começaram a eclodir as crises do petróleo durante a década de '70, quando se procurou por alternativas para atenuar a dependência por esse recurso energético ainda hoje tão precioso, e naturalmente havia quem apostasse no Diesel como uma opção. Porém, de certa forma a excessiva concentração de mercado nas mãos da Volkswagen que ainda não havia se tornado referência no desenvolvimento de motores Diesel leves e muito menos ser assombrada pelo escândalo de emissões de 2015, restrições ao uso desse tipo de motor em "carros de passeio" começavam a ser aplicadas ainda na década de '70 sob a suposição de que teriam um impacto negligenciável, mas que contribuíram para o isolamento tecnológico do país.
A bem da verdade, o regime militar obteve algum sucesso com o ProÁlcool às custas de uma pesada política de subsídios que mantinha o etanol a um preço de mercado inferior ao da gasolina de modo a compensar em parte a menor densidade energética do combustível de origem vegetal numa época que a produtividade por hectare cultivado com cana de açúcar era inferior à observada atualmente. Porém, nem sempre os motores originalmente desenvolvidos para operar com a gasolina e combustíveis gasosos apresentavam um funcionamento tão satisfatório, sendo observada especialmente no motor Volkswagen boxer refrigerado a ar uma maior dificuldade na estabilização da marcha lenta. Com um único carburador podia ocorrer também a formação de gelo no coletor de admissão enquanto o etanol vaporiza pelos longos dutos, problema que viria a ser atenuado posteriormente com dupla carburação e coletores mais curtos para cada bancada de cilindros, às custas de uma regulagem mais trabalhosa e a lenta continuava menos suave que no similar a gasolina ao menos imediatamente após a partida. Logo, fazia algum sentido um projeto-piloto que a Agrale desenvolvia ao menos a partir de '76 com a intenção de oferecer versões automotivas do motor Agrale M-790 de 1.3L com 2 cilindros refrigerado a ar e derivado de um projeto da empresa alemã Hatz, tendo como principais alvos justamente o Fusca e a Kombi. Visando a princípio atender principalmente a taxistas e frotas de empresas, mas que certamente soaria atrativo até mesmo para adaptar num "Pé de Boi" tendo em vista a ênfase que se dava ao uso dessa versão em zonas rurais, a possibilidade de adaptar motor Diesel num Fusca ainda soa plausível...
Se por um lado a refrigeração a ar se mostrou deficiente nos motores de ignição por faísca, por outro não era tão problemática no Diesel, e guardadas as devidas proporções até replicar o sucesso dos motores Deutz 913 ainda muito usados para adaptações em pick-ups full-size e caminhões leves na Argentina. Mas como se não bastasse o Fusca ter ficado de fora da definição arbitrária de veículos "utilitários" aptos a usar motor Diesel em função de uma capacidade de carga nominal inferior a 1000kg, tração simples ao invés de recorrer a um sistema 4X4 com reduzida, e acomodação para menos de 9 passageiros sem contar o motorista, as Kombi Standard e Luxo caíram nesse mesmo balaio de gato, apesar das Pick-Up e das Furgão serem tratadas como utilitário exatamente pela capacidade de carga. Vale salientar que na década de '80 a Volkswagen chegou a oferecer como opcional na Kombi das versões Pick-Up e Furgão o mesmo motor EA827 1.6D já usado em versões exclusivas para exportação de modelos como o Passat. No entanto, a Kombi Diesel original de fábrica foi um fiasco no mercado por causa de problemas na refrigeração, apesar de dispensar a elevação do assoalho do compartimento de carga que se fazia necessária para o motor Agrale M-790 caber no compartimento do motor da Kombi.

Cabe lembrar que o motor M-790 permanece em uso nos tratores Agrale 4230 e 4230.4 (tanto na versão normal quanto na Cargo), e para deixar ainda mais tentadora a hipótese de adaptar esse motor num Fusca ou Kombi é conveniente observar que, na atualidade em que se discute quando a mistura obrigatória de biodiesel vá chegar a 20% (B20), a linha de tratores e motores estacionários da Agrale já está homologada para usar até 25% de biodiesel (B25). Talvez se tivesse sido tomado o caminho mais acertado e o Diesel tivesse conseguido ganhar alguma relevância no mercado brasileiro de veículos leves mesmo que fosse através de adaptações como a que a Agrale propôs, e chegou a testar até em táxis de Porto Alegre na época, provavelmente hoje o Brasil não estaria vendo a única experiência bem-sucedida na substituição de combustíveis fósseis a nível mundial ser dilapidada por conchavos político-partidários ao mesmo tempo que outras alternativas são solenemente ignoradas. Enfim, ainda que ironicamente o sucesso da Volkswagen que até pouco tempo atrás era referência no desenvolvimento de motores Diesel veiculares tenha servido de pretexto para manter o Brasil alheio às novas tecnologias, alguns motores "de trator" poderiam ter virado o jogo...

18 comentários:

  1. Como o motor de fusca é feito de uma liga de alumínio e magnésio, talvez não fosse ficar muito mais caro usar um motor desses que é de ferro mesmo. E por ser só de 2 cilindros também deveria ajudar a deixar o preço mais palpável.

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  2. Pode ser que desse certo no fusca que pelo menos é pequeno e não vai carregar tanto peso, mas será que daria tão certo na kombi? Eu tenho minhas dúvidas.

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    1. Não teria como esperar por um milagre. Iria ser comparável na melhor das hipóteses com o motor 1200 original a gasolina.

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  3. Meu irmão disse que já viu um fusquinha a diesel mas não soube dizer que motor era. As únicas coisas que ele lembrou é que o motor estava conectado ao câmbio por uma correia e que usava uma caixa d'água em vez de radiador.

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    1. Deve ser algum motor Yanmar de 1 cilindro horizontal, ou um Kubota que era usado na Tobatta.

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    2. Aí já não sei, mas pelo que ele me disse o motor era diferente de um outro que eu vi a uns anos atrás que não tinha correia.

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  4. Quizás si Volkswagen hubiera recurrido a motores de otras empresas, iba a tener suerte desde el principio hazta quedarse listo el desarollo de los motores EA827. A mi ya suenaba asombroso que han usado motores MWM hechos en Brasil para la 2da generación de los utilitarios LT y el camión ligero L80 en vez de otros que ya tenia listos en Alemania. Aún que se pueda decir que el costo de desarollo de una linea de motores con versiones benzineras y diesel suele ser más económica, los franceses lo han hecho con más maestria.

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    1. Realmente, se tivesse usado um motor já pronto e com escala de produção, teria poupado tempo e já entrado feito uma certa reputação quando ainda nem se falava muito em motor Diesel para aplicações veiculares leves. Tirando a Mercedes-Benz e a Perkins, praticamente não se fazia nada voltado ao uso automotivo, menos ainda refrigerado a ar para se manter de acordo com a estratégia então usada pela Volkswagen.

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    2. E qual seria a solução? Usar motor de trator mesmo? Se fosse assim, eu não duvidaria que fossem preferir fazer gambiarra naqueles carros americanos mais antigos que se usava antes do Fusca mesmo.

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  5. Se deixasse por conta da gauchada já não duvido que fosse mais comum carro a diesel. E apesar das primeiras restrições terem sido feitas na época do presidente Geisel que era gaúcho, foi coisa de um ministro paulista que por sinal morreu no mesmo acidente do Ulisses Guimarães.

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    1. E como no Rio Grande do Sul se tem uma maior proximidade com a Argentina e o Uruguai onde o Diesel teve uma aceitação boa, além da tradição agropecuária muito forte que levaria a crer num interesse em aproveitar matérias-primas regionais para fazer biodiesel ou usar o óleo vegetal puro diretamente como combustível, teria feito muito mais sentido. Se ainda fosse na época do general Médici ao invés do general Geisel, talvez tivesse sido diferente mesmo...

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    2. Deve ter algum gaúcho que não goste de motor a diesel, mas eu não conheço. É incrível que todo gaúcho que eu conheço gosta de motor a diesel e alguns até torcem mesmo pela Argentina nos jogos de futebol.

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    3. Tem até vegetariano no Rio Grande do Sul, por incrível que pareça.

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  6. No puedo decir que no me encanten esas Kombi Diesel brasileñas, aunque iba a ser interesante ver lo que se podría hacer con un motor enfriado por aire.

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  7. Pode não ser de todo errado tratar de um eventual comodismo por causa da popularidade dos motores a gasolina enquanto quase não se via carro a diesel que não fosse um ou outro Mercedes-Benz, mas eu tenho lá minhas dúvidas que o povo fosse aceitar bem um motor com só 2 cilindros num carro. Pode ver pela demora que se teve para os motores 1.0 de 3 cilindrs começarem a superar os velhos de 4 cilindros.

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  8. Só mesmo no Brasil para ficar nessa de cancelar projetos em andamento que ainda pudessem servir para alguma coisa que preste para o povo. Meu avô por parte de mãe chegou a ter um Citroën daqueles de tração dianteira reformado com motor de Fusca e de vez em quando ficava com vontade de trocar pelo da Kombi a diesel mas desistia por medo de ou ferver o motor ou ter o carro apreendido.

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Nem sempre é viável manter as relações de marcha originais após converter um veículo para Diesel, em função dos regimes de rotação diferenciados. Portanto, uma alteração das relações de diferencial ou até a substituição do câmbio podem ser essenciais para manter um desempenho adequado a todas as condições de uso e a economia de combustível.

It's not always viable to retain the stock gear ratios after converting a vehicle to Diesel power, due to different revving patterns. Therefore, some differential ratio or even an entire transmission swap might eventually be essential to enjoy a suitable performance in all driving conditions and the fuel savings.

Mais informação sobre relações de marcha / more info about gear ratios
http://dzulnutz.blogspot.com/2016/03/relacao-de-marcha-refletindo-sobre.html