sexta-feira, 18 de novembro de 2016

A eleição de Donald Trump pode favorecer o Diesel?

Que as eleições presidenciais americanas tem um impacto mundial já é algo notório, tendo em vista os diferentes rumos que as interações econômicas, políticas e estratégico-militares dos Estados Unidos com países tão diversos quanto o Brasil ou o Japão possam tomar de acordo com as convicções pessoais de quem estiver residindo na Casa Branca. Semana passada, Donald Trump venceu não somente a disputa contra Hillary Clinton, mas principalmente o ceticismo de setores da imprensa que subestimaram a capacidade dos eleitores americanos em tomar uma decisão em benefício do próprio país ao invés de tentar agradar aos socialistas da União Européia. E a partir de 20 de janeiro, quando tomar posse do cargo, Trump pode tomar medidas que direta ou indiretamente favoreçam uma maior participação do Diesel no mercado automobilístico americano e ainda exerçam influência a nível mundial.

Deixando um pouco de lado as polêmicas no tocante às políticas para controle de imigração e deportações de ilegais em massa, uma das metas apontadas por Trump como prioritárias para fazer a América grandiosa novamente (make America great again) é aumentar a competitividade da indústria americana em diversos setores tanto no mercado interno quanto para exportação. A chamada "maioria silenciosa", prejudicada pela recessão econômica agravada pela incompetência do governo Obama, teve um peso significativo na eleição de Trump, depositando esperanças não apenas na questão da segurança nacional mas também na recuperação de postos de trabalho em áreas afetadas pela "desindustrialização". E hoje, um dos maiores desafios está na indústria automobilística, que vem tentando recuperar o prestígio em segmentos superiores ao mesmo tempo que sofre para oferecer produtos com um custo/benefício razoável entre os modelos de entrada. Naturalmente, a oferta ainda um tanto restrita de motores Diesel em veículos leves nos Estados Unidos acaba refletida numa menor presença de modelos tipicamente americanos em mercados de exportação.

Ao contrário do que ocorreu em outros países onde a configuração dos motores acaba por balizar a carga tributária imposta aos veículos, a menor importância dada à capacidade volumétrica nesse sentido também acabou por tornar a indústria automobilística americana menos competitiva em mercados internacionais desde o pós-guerra, mas não é o único motivo. A falta de uma harmonização entre as normas de emissões veiculares americanas e as que são aplicadas a outros mercados tão diversos quanto a Europa, a Austrália ou o Japão pode ser apontada como uma dificuldade para o fortalecimento da participação de mercado do Diesel entre os veículos leves nos Estados Unidos, tendo em vista o custo elevado para a aplicação de sistemas de tratamento de emissões eventualmente mais sofisticados com o intuito de atender às exigências para homologação. Por mais que se tenha chegado a uma maior similaridade técnica entre os sistemas, principalmente com a ampliação do uso do sistema SCR na Europa também em veículos leves numa resposta à introdução das normas Euro-6, ainda há um descrédito em torno das oportunidades que o mercado americano teria a oferecer.

Além do transporte comercial pesado permanecer muito dependente do óleo diesel convencional e outros óleos combustíveis pesados nos Estados Unidos, mesmo com um uso mais intenso do modal ferroviário em comparação ao Brasil, a tradição agropecuária reforçada por elementos como a figura do cowboy e do redneck também soam promissoras para o desenvolvimento de soluções voltadas ao biodiesel, podendo também vencer resistências entre consumidores com um perfil mais urbano que tratam esse combustível como uma mera excentricidade de neo-hippies. É possível que, ao menos num primeiro momento, não pareça tão fácil convencer alguns consumidores mais apegados ao tradicional V8 sedento por gasolina e outros tantos que perpetuam estereótipos e frases de efeito, mas aspectos tão diversos quanto a maior suavidade no funcionamento de motores Diesel mais modernos e até o patriotismo um tanto exacerbado de grande parte da população americana podem fazer a diferença. A maior valorização da livre iniciativa na cultura americana também é um bom pretexto para uma adesão de produtores rurais, que seriam potencialmente atraídos pela perspectiva de uma autonomia energética e as possibilidades de agregar valor a sobras e resíduos tanto da produção quanto do beneficiamento industrial dos cultivares.

Um indício de possível mudança na política energética no governo Trump é a escolha de Myron Ebell, um crítico das teorias do aquecimento global antropogênico, para supervisionar a atuação da controversa EPA (Environment Protection Agency - agência de proteção ambiental). Enquanto alguns que se dizem "ecologistas" lamentam a medida e alegam que haverá um maior alinhamento com a indústria petrolífera, não falta quem contra-argumente que a questão ambiental vinha sendo usada por Barack Obama como um pretexto para aumentar em demasia o tamanho do governo e afetar não apenas as atividades produtivas mas também representar uma ameaça às liberdades individuais tão valorizadas pelos cidadãos americanos. É possível que algumas regulações que afetaram o setor energético sejam flexibilizadas, o que num primeiro momento chega a parecer uma continuidade do cenário de elevada dependência por fontes de energia fósseis que não se resumem ao petróleo e ao gás natural e incluem também o carvão mineral, mas não se deve subestimar o potencial que um fomento aos biocombustíveis tem não apenas para recuperar postos de trabalho como também promover uma maior estabilidade na balança comercial americana ao reduzir a dependência por petróleo importado principalmente de áreas conflagradas.

Há de se levar em consideração a insatisfação de alguns americanos com as misturas de etanol que vão se tornando obrigatórias na gasolina por ação da EPA, vistas como prejudiciais ao funcionamento de alguns equipamentos tão diversos quanto cortadores de grama e pequenos aviões. Mesmo que a adoção em larga escala do etanol, que nos Estados Unidos tem o milho como principal matéria-prima, também envolva questões como os subsídios agrícolas, o engajamento de uma parte do eleitorado americano mais interiorana e vinculada ao agribusiness na campanha de Trump torna arriscado estabelecer previsões quanto a uma improvável anulação dessa medida. Também é oportuno destacar que um eventual impacto sobre o custo dos alimentos atrelado à produção do etanol a partir do milho é muitas vezes superestimado por críticos, ignorando a utilidade do chamado "grão de destilaria" (DDG - distillation-dried grain) como substrato proteico tanto na formulação de rações pecuárias quanto em alimentos industrializados destinados ao consumo humano. É mais fácil crer que a habilidade de Donald Trump como gestor de negócios viabilize uma maior integração entre diferentes agências e departamentos na busca por soluções técnicas que não proporcionem tanto prejuízo ao consumidor final como algumas decisões da EPA que chegam a contrariar decisões da Suprema Corte e leis já em vigor.

Em meio a críticas quanto à nomeação de Myron Ebell, vale destacar algumas incoerências na atuação da EPA como a liberação de técnicas de extração do gás natural não-convencional a partir do xisto betuminoso que acabam por contaminar lençóis freáticos subterrâneos com solventes e resíduos de explosivos usados para promover o fracking (fraturação) das rochas. A mesma agência que tem criado entraves para o encerramento do escândalo de emissões da Volkswagen (popularmente conhecido como "Dieselgate") e persegue adeptos de modificações no sistema de controle de emissões de veículos não parece ser uma reserva moral, tampouco efetivamente comprometida com a proteção ambiental como seria de se esperar. Levando em consideração tanto a anuência dada à exploração do gás de xisto quanto a forma como normas de emissões para motores e veículos são implementadas, a atual gestão da EPA chega a parecer mais comprometida com os interesses da indústria de petróleo e gás. O atual cenário de comodismo em torno de combustíveis gasosos com uma aplicabilidade mais efetiva em motores de ignição por faísca, dotados de uma eficiência térmica inferior à oferecida pelo ciclo Diesel, é portanto apenas parte do problema.

Outro ponto que pode fomentar discussões é o envolvimento de forças militares americanas em guerras e, por extensão, o suporte técnico e logístico às atividades de combate. Deixando de lado as discussões ideológicas e eventuais benefícios que as intervenções militares no Iraque e Afeganistão poderiam trazer à ExxonMobil (proprietária da marca Esso), à Chevron ou outras petrolíferas, é evidente que a escala de produção mais limitada de motores Diesel para aplicações veiculares leves pode em algumas circunstâncias se revelar prejudicial ao desempenho de algumas viaturas militares americanas que, por incrível que pareça, até poderiam eventualmente estar melhor servidas com propulsores mais compactos e eficientes. Indo um pouco além das motivações para a escolha dos motores Diesel como padrão na "frota verde" de países signatários do Tratado do Atlântico Norte, não se deve ignorar outros aspectos como a influência do próprio motor sobre a distribuição de peso entre os eixos e por extensão a aptidão do veículo na transposição de certos tipos de terreno. Por mais que as normas de emissões sejam menos restritivas para viaturas militares, o que também acaba por facilitar a adaptabilidade dos motores a uma maior variação na qualidade dos combustíveis que possam ser usados, é evidente que o compartilhamento de componentes e sistemas com motores de especificação civil podem reduzir os custos de desenvolvimento e agilizar o suprimento de peças de reposição.

Criou-se uma grande expectativa em torno das políticas a serem implementadas por Donald Trump nos mais diversos campos da economia americana e dos impactos que virão a ter tanto a nível local quanto mundial, e é natural que os setores energético e automobilístico possam guardar algumas surpresas. Enfim, mesmo diante da ênfase frequentemente dada aos automóveis híbridos como uma alternativa para redução na dependência americana por gasolina, e também os combustíveis gasosos sejam tratados como mais uma zona de conforto para quem insiste na ignição por faísca, não se deve subestimar o quanto a eleição de Donald Trump para presidente dos Estados Unidos pode representar como uma esperança pela liberdade do consumidor americano em escolher o tipo de motor e combustíveis que mais lhe convir.

6 comentários:

  1. Até pode dar certo, mas é possível a mídia jogar contra da mesma forma que jogou contra a própria eleição dele.

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  2. A peãozada xucra e os cowboys de posto não iam se empolgar tanto, mas para empresas com frota grande que faz mais serviço dentro da cidade mesmo ficaria bom umas vans como as Toyota Hiace que tem no Japão. Se fosse mais liberada a questão nas normas de impacto, mesmo que os americanos não tivessem motor a diesel, já teria como aproveitar motor e câmbio da Tacoma para economizar e racionalizar a produção.

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    1. Realmente, de uns tempos para cá o mercado americano tem estado mais aberto para vans de projeto estrangeiro em substituição às tradicionais que costumam compartilhar muitos elementos com as pick-ups full-size locais.

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  3. Achei até estranho o Trump não ter se posicionado mais a favor dos carros a diesel, se bem que como ele parece estar recuando com relação ao etanol é provável que não esteja tão ciente dos benefícios que o biodiesel poderiam proporcionar aos americanos.

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    1. Infelizmente ele não é o único que tem se demonstrado cético quanto a vantagens operacionais que os biocombustíveis possam vir a oferecer em algumas circunstâncias, deixando de lado qualquer viés esquerdista que ainda possa causar descontentamento com o etanol.

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  4. Solo ahora se van a empiezar una revisión de los estándares CAFE de economia de combustible, pero no se puede asegurar tan temprano que haya ninguna flexibilización de las normativas de emisiones que beneficíe al diesel.

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Nem sempre é viável manter as relações de marcha originais após converter um veículo para Diesel, em função dos regimes de rotação diferenciados. Portanto, uma alteração das relações de diferencial ou até a substituição do câmbio podem ser essenciais para manter um desempenho adequado a todas as condições de uso e a economia de combustível.

It's not always viable to retain the stock gear ratios after converting a vehicle to Diesel power, due to different revving patterns. Therefore, some differential ratio or even an entire transmission swap might eventually be essential to enjoy a suitable performance in all driving conditions and the fuel savings.

Mais informação sobre relações de marcha / more info about gear ratios
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