sexta-feira, 29 de março de 2019

Reflexão: até que ponto a eletrônica realmente se tornou um empecilho à durabilidade das novas gerações de motores Diesel?

Já não é nenhuma novidade que o gerenciamento eletrônico auxiliou o alto grau de evolução na linha de motores Diesel veiculares, tanto no controle de emissões cada vez mais sujeito a regulamentações eventualmente exageradas quanto no alcance de níveis de potência e torque antes inimagináveis sem comprometer excessivamente a eficiência e a durabilidade. Naturalmente, persistem alguns temores em torno da adequação de sistemas eletrônicos às condições operacionais que possam ser encontradas em aplicações extremas, como é o caso de viaturas de bombeiros. Apesar de também ser importante observar a massificação do turbocompressor e considerar também as curvas de potência e torque em motores de diferentes faixas de cilindrada operando em faixas de rotação igualmente distintas, não é nenhum erro ponderar que a o gerenciamento eletrônico passa longe de constituir efetivamente uma desvantagem ao compararmos o motor Cummins ISF2.8 usado na 2ª geração do Agrale Marruá e o Perkins 4.236 que chegou a ser oferecido para o Engesa.

É previsível que a imagem de facilidade de manutenção inerente a um motor mais rústico, que possa ser revisado e eventualmente consertado sem recursos técnicos muito avançados, agrade a quem não compartilha da obsessão por um desempenho mais próximo ao de similares de ignição por faísca que tem balizado o desenvolvimento das gerações mais modernas de motores Diesel. A percepção de uma maior resistência a condições ambientais severas frequentemente associada ao estereótipo de motores "de trator" também é frequentemente apontada como um pretexto para que motores de frotas militares permanecessem defasados em comparação aos oferecidos em modelos civis, tomando por exemplo o caso de quando a Land Rover mantinha o motor 300Tdi em linha até 2006 para atender à demanda de forças armadas de diversos países que o preferiam ao invés do então moderno porém mais complexo Td5, antes que ambos fossem substituídos pelos motores Ford "Puma" à época usados na Transit e posteriormente na Ranger. E por mais que a suscetibilidade a danos provocados por umidade pudesse soar assustadora, a correta vedação de conectores elétricos e a ausência de um sistema de ignição de alta tensão que seria efetivamente mais vulnerável aos efeitos da umidade afastam maior preocupação nesse sentido.
No meio militar também havia o temor quanto aos pulsos eletromagnéticos afetarem o funcionamento de dispositivos eletrônicos, que tornou-se um dos pretextos para o Diesel tornar-se desejável para uso nas viaturas tático-operacionais, de modo que uma invulnerabilidade dos motores sem gerenciamento eletrônico ao eventual uso de interferências eletrônicas para desativar equipamentos de forças hostis em campo de batalha assegurou uma espécie de reserva de mercado nesse segmento. Mas antes de se desesperar por medo de um hecatombe nuclear desabilitar qualquer circuito eletrônico, é importante destacar que até elementos aparentemente banais e outros mais sofisticados já emitem interferências eletromagnéticas. Desde um rádio-comunicador até um GPS, passando por equipamentos médicos em uma ambulância, todo circuito tanto elétrico quanto eletrônico em operação está sujeito à formação de campos magnéticos, e portanto não só módulos mas também a cablagem deve ser adequadamente dimensionados para que esses campos fiquem mais contidos, até para dificultar a detecção através de radares inimigos. A necessidade de equipamentos mais sofisticados para detecção de avarias e uma maior dificuldade para fazer reparos emergenciais provisórios com recursos improvisados quando a logística de reposição de peças estivesse mais desafiadora era outro ponto especialmente crítico para operadores militares.

Outro ponto a se destacar no tocante aos desafios que o gerenciamento eletrônico enfrentou para se fazer presente até nas frotas operacionais militares é o impacto que as variações nas especificações do combustível disponível em zonas conflagradas teriam, especialmente sobre os sistemas de injeção direta de alta pressão do tipo common-rail. Desde uma viscosidade mais elevada até teores de enxofre absurdamente altos e um índice de cetano (que quantifica a propagação da chama) baixo, passando pela eventual presença de impurezas que viessem a causar entupimento nos orifícios calibrados dos bicos injetores e que são mais finos para permitir uma melhor atomização do combustível, e em casos mais extremos fazer necessário até mesmo usar combustíveis que um operador civil às vezes nem se dê conta de que seriam compatíveis com alguns motores Diesel como o querosene (tanto o de aviação quanto o iluminante) ou mesmo o uso direto de óleos vegetais brutos, motores como o 1KD-FTV que a geração anterior da Toyota Hilux usou no Brasil ainda suscitavam dúvidas em outros países onde até o antigo 5L-E de injeção indireta se mantinha firme mesmo já incorporando acelerador eletrônico drive-by-wire à bomba injetora do tipo distributiva (ou rotativa). No fim das contas o Exército Brasileiro, mesmo estando isento da obrigatoriedade de enquadrar as viaturas operacionais às mesmas normas de emissões aplicáveis a veículos civis em função de eventuais prejuízos que o uso de combustíveis de especificação diferente pudessem causar a dispositivos de controle de emissões, não se mantém alheio à evolução tecnológica dos motores Diesel e à importância que ainda terão no âmbito da segurança e defesa.

Não surpreende que a lembrança de casos como o da Volkswagen com os primeiros Gol GTi, cuja injeção eletrônica era suscetível a interferências ao trafegar em áreas com uma elevada concentração de antenas transmissoras de rádio e televisão, tivesse inspirado algum receio quando o gerenciamento eletrônico de motores permanecia em estágios mais primitivos, fizesse a tecnologia enfrentasse mais resistência junto a um público mais conservador e tenha se mantido por mais tempo um tanto restrita à ignição por faísca. Já não se observa esse problema em veículos mais modernos, e à medida que a injeção eletrônica se tornava hegemônica nos principais mercados automobilísticos desde a década de '90 para a ignição por faísca surgia o interesse em levá-la também para modelos dotados de motores Diesel, com alguns fabricantes como a PSA já aproveitando para dar um passo além com a transição da injeção indireta para direta simultaneamente à introdução de motores Diesel com gerenciamento eletrônico em modelos como o Citroën Xsara, ainda que alguns motores mais simples mantivessem a injeção indireta e o controle eletrônico só da bomba injetora e do acelerador a partir do ano 2000 para serem enquadrados nas normas Euro-3.

Já em modelos mais recentes que no Brasil não contam com a opção pelo Diesel ainda em função das restrições por capacidades de carga e passageiros ou tração como o C4 Cactus e outros que já podem beneficiar-se do progresso das gerações mais modernas de motores turbodiesel como acontece com o furgão Jumpy, diante do recrudescimento das normas de emissões é imprescindível salientar que o gerenciamento eletrônico precedeu a massificação de dispositivos diversos como o filtro de material particulado (DPF - Diesel Particulate Filter) e o SCR. A bem da verdade, por mais que a presença de uma quantidade cada vez maior de sensores eletrônicos não deixe de aterrorizar gestores de frota e os encarregados de manutenção, um controle mais apurado do processo de combustão permite diminuir o impacto de algumas condições adversas sobre a durabilidade tanto do motor quanto desses sistemas em comparação ao que seria possível em motores à moda antiga 100% mecânicos que dependiam só da pressão atmosférica quando aspirados ou da pressão absoluta (MAP) no coletor de admissão para os turbodiesel para dosar o combustível. A simples aferição da temperatura dos gases de escapamento permite eventualmente recalibrar em tempo real o volume de injeção de óleo diesel convencional ou substitutivos como o biodiesel quando forem detectadas alterações que indiquem uma proporção mais rica de combustível em proporção à carga de ar de admissão, podendo no entanto se tornar uma faca de dois gumes ao considerarmos que pode disfarçar um problema mais sério que seria mais evidente caso ocorresse num "pau véio".
Tomando por exemplo uma eventual queda na compressão em decorrência de desgaste natural dos pistões, anéis de segmento e camisas de cilindro, possivelmente o condutor de um Citroën Jumpy não se desse conta do problema tão rapidamente, tendo em vista que o ajuste da injeção com base também na análise dos gases de escapamento atenuaria um incremento na formação de material particulado e poderia não resultar numa necessidade de mais ciclos de autolimpeza (ou "regeneração") do DPF ao tentar forçar as temperaturas de gases de escapamento (EGT) a permanecerem numa faixa padrão por meio de um empobrecimento da proporção ar/combustível. Já num veículo mais antigo e com motor sem gerenciamento eletrônico como o Mercedes-Benz MB-180D, a combustão incompleta decorrente de uma situação análoga seria mais facilmente perceptível e evidenciaria a necessidade de retificar o motor antes que o problema se agravasse. Portanto, diante da possibilidade de que em algumas circunstâncias tanto dispositivos de controle de emissões quanto do próprio gerenciamento eletrônico dificultem a detecção precoce de alguma irregularidade mais séria no funcionamento dos motores, seria equivocado pressupor que a eletrônica pura e simplesmente constitua um empecilho à durabilidade.

domingo, 17 de março de 2019

Táxis: novos desafios não descredenciariam o Diesel

A crescente sofisticação dos veículos, refletida até mesmo em parcelas do público tradicionalmente refratárias a grandes inovações como é o caso de taxistas e outros motoristas profissionais, leva a um nível de exigência maior por conforto. Além de equipamentos como o ar condicionado, cada vez mais requisitado por particulares e já obrigatório em táxis nas principais cidades brasileiras, outros como o câmbio automático também tem atingido uma participação de mercado mais expressiva justamente em função do menor esgotamento físico que proporcionaria ao condutor em longas jornadas de trabalho em meio ao trânsito congestionado. Outro ponto a se destacar é a integração entre diversos sistemas eletrônicos embarcados, tanto no gerenciamento do motor e câmbio automático quanto em acessórios e dispositivos de segurança como freios ABS e controles de tração e estabilidade, que se tornaram padrão em modelos da classe do Chevrolet Cruze desde a 1ª geração e refletem no custo do veículo.
O uso de veículos com maior valor agregado poderia levar a crer que até o custo inicial de modelos equipados com motor Diesel pudesse ser assimilado mais facilmente, e no caso do Cruze algumas versões disponibilizadas no exterior chegaram a usar um motor de 1.7L que era basicamente o Isuzu 4EE2 já oferecido para exportação também em modelos mais simples como o Corsa Classic, ainda que modernizado em alguns elementos e portanto com boa parte dos custos de desenvolvimento já amortizados, apesar de eventuais atualizações que se fizessem necessárias diante do recrudescimento das normas de emissões. E mesmo que se abrisse mão do conforto do câmbio automático em nome da simplicidade do câmbio manual, o torque abundante em baixas rotações favorece o desempenho em situações como partida em rampa e ainda possibilitando que se façam menos reduções de marcha, de modo a prolongar a vida útil do conjunto de embreagem e também reduzir a fadiga do operador. E mesmo num veículo mais simples, que seria de pressupor uma maior dificuldade em assimilar o custo inicial mais alto proporcionado pelo motor Diesel, a alta quilometragem rodada e a maior autonomia ainda seriam boas justificativas.

Convém destacar que os motores Diesel, mesmo com a revolução no desempenho e na suavidade proporcionadas pela massificação do turbo e mais recentemente pelos sistemas de gerenciamento eletrônico, ainda tende a apresentar respostas diferentes comparados a similares de ignição por faísca. Com picos de potência e torque a faixas de rotação mais baixas, se por um lado a aceleração poderia ser mais vigorosa usando relações de marcha idênticas, por outro resultaria numa velocidade máxima mais restrita, podendo vir a desencorajar por exemplo taxistas argentinos ou paulistas que não disponham de outro veículo para uso particular que servisse para ir às férias em Florianópolis. Naturalmente, as relações de diferencial costumam ser distintas entre versões a gasolina e/ou flex e similares Diesel, visando proporcionar um desempenho mais adequado não só ao anda-e-para nos engarrafamentos mas também na estrada. Há de se levar em conta também a presença expressiva do gás natural na Argentina, bem como o início do uso desse combustível no Brasil ter sido focado em táxis e outros veículos comerciais nos estados do Rio de Janeiro e São Paulo que estão mais próximos dos principais campos petrolíferos nacionais, para não entrar no mérito da percepção de uma maior facilidade para se fazer tanto uma manutenção preventiva quanto reparos num motor de ignição por faísca. No caso da Chevrolet Spin, atualmente um dos modelos mais populares junto aos taxistas, além da diferença nos graus de sofisticação entre o motor turbodiesel de 1.3L fornecido pela Fiat que era oferecido na Argentina antes do facelift e o 1.8L de ignição por faísca disponível em versões só a gasolina para exportação ou flex no Brasil, há de se destacar que com o Diesel nem sequer foi disponibilizada a opção pelo câmbio automático, que pode até não ser tão requisitado na Argentina mas tornou-se indispensável aos olhos de uma parcela cada vez mais expressiva dos taxistas brasileiros.
No caso dos paulistas, convém recordar o comodismo em torno do etanol, ainda expressivo por lá em meio à perda de competitividade em outros estados onde o gás predomina junto às frotas de táxi. Até não faria tanto sentido desacreditar uma eventual expansão do etanol de milho e do biometano, que já seriam relevantes também num contexto da importância que o motor de combustão interna ainda tem para promover a estabilização do ciclo do carbono na atmosfera, tanto puros em motores de ignição por faísca quanto integrados ao Diesel como uma opção mais sustentável a alguns métodos hoje mais comuns para o controle das emissões de material particulado e óxidos de nitrogênio (NOx). Porém, é no mínimo estúpido supor que tão somente uma liberação do Diesel venha a se tornar um percalço ao processo de qualificação que os serviços de táxi tem passado para melhor se adequarem à realidade de um mercado mais concorrido diante da concorrência com os aplicativos de transporte e de condições de tráfego mais estressantes para os condutores.

sábado, 16 de março de 2019

Caso para reflexão: Ford Transit Connect, Ford Kuga/Escape e a incoerência do modismo dos SUVs

Veículos bastante próximos em tamanho e dotados de propostas utilitárias, cada um à sua maneira, os Ford Transit Connect e Kuga nas respectivas segundas gerações são bastante convidativos à reflexão em torno de características que interferem significativamente na eficiência geral de um veículo, indo além do conjunto motriz. Ambos estão fora da norma que os credenciaria ao uso do Diesel no Brasil em função da capacidade de carga inferior a uma tonelada e acomodação para menos de 9 passageiros além do motorista, e no caso do Kuga o sistema de tração 4X4 opcional não tendo a "reduzida" torna mais difícil uma eventual homologação se viesse a ser oferecido regularmente no país. Já no tocante a tipos de carroceria, a configuração de furgoneta da Transit Connect proporciona melhor capacidade volumétrica em comparação ao Kuga, que nos Estados Unidos é comercializado como a 3ª geração do Escape, e segue a linha dos SUVs "crossover" priorizando forma em detrimento da funcionalidade e sacrificando uma parte da aptidão off-road em nome de uma maior adequação a condições de rodagem urbanas e rodoviárias. Recordando também como as pick-ups se distanciaram da origem como veículos essencialmente de trabalho, muito semelhante à de furgonetas como a Transit Connect, torna-se ainda mais questionável a consolidação de SUVs como o Kuga/Escape como eventualmente a única opção de veículo disponível com alguma característica desejável para uma parte do público, como por exemplo acomodação para 7 pessoas.
A preferência artificialmente inflada pelos SUVs mundo afora reflete não apenas a conveniência para os fabricantes de origem americana que tinham mais facilidade para homologá-los como "caminhão leve" de modo a permitir o enquadramento em normas de emissões menos restritivas e metas menos audaciosas de redução de consumo de combustível no mercado doméstico, mas também de oferecer um produto com imagem mais prestigiosa em comparação a furgonetas preferidas pelos europeus ou às minivans indissociáveis do estereótipo da "soccer-mom" americana. A imagem de pretensões mais "aventureiras" inerente a um SUV certamente facilita o trabalho dos departamentos de marketing para tentar convencer o público generalista que valha mais a pena pagar caro por um veículo numa faixa de tamanho próxima mas que no fim das contas não tenha tantas funcionalidades a mais que possam justificar um preço maior considerando versões com uma concepção mecânica similar quando não se observa a tração 4X4 mais difundida nos SUVs como um pretexto para permitir o uso do Diesel em veículos particulares. Enfim, por mais que veículos com um tamanho bastante parecido acabem tendo diferenças mais substanciais quanto à praticidade e tipos de carroceria do que no tocante à mecânica, o conformismo de uma parte considerável dos consumidores em torno de uma única categoria que nem sempre é tão perfeita quanto a publicidade leva a crer se torna um tiro no pé...

terça-feira, 12 de março de 2019

Caso para reflexão: Ford Mondeo Mk.4 e o cabeçote de duas válvulas por cilindro

Durante épocas em que oferecer ao menos uma opção de motor Diesel ainda era crucial para garantir o sucesso comercial de um automóvel na Argentina, a Ford mantinha a oferta do Mondeo europeu por lá ao invés de fazer a substituição pelo Fusion mexicano (que diga-se de passagem manteve o nome Mondeo quando passou a ser oferecido no mercado argentino, a exemplo do que ocorreu na Europa com a unificação dos modelos). No caso da 3ª geração oferecida de 2007 a 2014, além de motores turbodiesel co-projetados entre Ford e Peugeot nas faixas de cilindrada de 1.6L em versões inicialmente com 4 válvulas por cilindro até 2011 e posteriormente com apenas duas, e de 2.0L sempre com 4 válvulas por cilindro, manteve-se o motor de 1.8L de duas válvulas por cilindro de projeto próprio da Ford cujas origens remontam ao Lynx/Endura-D que foi muito popular nas décadas de '80 e '90. Não foi o único caso em que motores turbodiesel de duas válvulas por cilindro se mantinham em linha, mas o fato de um motor mais moderno ter passado a adotar essa mesma configuração durante uma transição entre as normas de emissões Euro-4 e Euro-5 como uma das estratégias para manter-se de acordo com as normativas ambientais. É comum associar os motores de duas válvulas por cilindro a um desempenho mais otimizado em faixas de baixa a média rotação, enquanto outro com 4 válvulas por cilindro tende a desenvolver melhor em regimes mais altos, então no fim das contas não chega a ser tão absurda a configuração mais simples tendo em vista condições normais de uso e a possibilidade de manter uma velocidade de cruzeiro com rotações mais moderadas e uma relação de marcha mais longa. No âmbito das emissões, é de se esperar uma leve diminuição nas condições propícias à formação de óxidos de nitrogênio, em decorrência da maior restrição no fluxo de admissão acabar resultando numa menor compressão dinâmica e portanto num aquecimento aerodinâmico menos intenso. Naturalmente, com menos calor latente de vaporização após a fase de compressão, o volume de combustível a ser injetado para cada ciclo de combustão também diminui, refletindo-se num consumo mais moderado.

quinta-feira, 7 de março de 2019

Reflexão: estaria o controle de emissões comprometendo a versatilidade dos motores Diesel?

O recrudescimento das normas de emissões vem sendo cada vez mais desafiador não somente para os fabricantes de veículos, mas também para fornecedores independentes de motores Diesel em busca de soluções que atendam às normativas ambientais com o mínimo de inconvenientes para os operadores. Tomando como referência a linha atual dos caminhões Volkswagen Delivery equipados com motores Cummins, com algumas versões teoricamente menos "especializadas" para uso estritamente urbano já recorrendo ao sistema SCR ao invés do EGR e de certa forma proporcionando uma maior resiliência ao uso do óleo diesel S-500 ainda facilmente encontrado em postos de beira de estrada ou cidades do interior, ainda sobra margem para questionar até que ponto o controle de emissões pode estar sendo feito de forma equivocada. Afinal de contas, além da qualidade do óleo diesel, outro fator relevante é a disponibilidade de outros insumos como o AdBlue/ARLA-32 essencial para o funcionamento do SCR, que talvez ainda possa ser prejudicada pelas restrições ao uso de motores Diesel nos veículos leves.
Naturalmente, os motores Diesel tem algumas peculiaridades que tornam cada vez mais desafiador o controle de emissões sem sacrificar o desempenho e a eficiência geral, principalmente no tocante aos óxidos de nitrogênio (NOx) e ao material particulado, que vem sendo o calcanhar de Aquiles do ciclo Diesel. Depender de uma alta taxa de compressão combinada à injeção durante a fase de compressão pouco antes de chegar ao ponto morto superior e inflamar o combustível deixa um intervalo de tempo muito estreito para ocorrer a vaporização completa antes do início da queima, impactando a formação de fuligem, problema que poderia ser agravado caso o volume de combustível a ser injetado em cada ciclo fosse incrementado visando absorver mais calor latente de vaporização antes que o nitrogênio reagisse com uma parte do oxigênio que excedesse as proporções estequiométricas teóricas que se vê nas aulas de química do ensino médio. Tentar formar uma mistura ar/combustível para a admissão como ocorre na maioria dos motores de ignição por faísca, e que poderia atenuar as condições que levam à formação dos NOx, se torna impraticável devido à baixa volatilidade do óleo diesel e dos principais substitutivos, bem como do risco de pré-ignição que poderia ocorrer se fosse tentada uma injeção suplementar de gasolina para essa finalidade. No entanto, o anterior sucesso brasileiro com o etanol e o já bastante difundido uso da injeção suplementar de água com algum álcool (usualmente metanol) como aditivo anticongelante em aplicações especiais de alto desempenho leva a crer que não seja má idéia para proporcionar bons resultados no controle de emissões em veículos de serviço ao mesmo tempo que a eficiência do processo de combustão já se veria beneficiada.
Enquanto o pós-tratamento químico dos gases de escape acaba figurando como uma última opção que pudesse ser aplicável, tendo em vista algumas peculiaridades inerentes ao processo de combustão do ciclo Diesel, convém recordar que uma parte considerável da uréia industrial utilizada na formulação do AdBlue/ARLA-32 é sintetizada a partir do gás natural. Apesar de ser muito popular para uso como combustível em veículos leves, armazenado sob pressão numa faixa entre 200 e 240 bar (3000 a 3600 libras/pol²) em cilindros instalados em modelos convertidos ou assim configurados direto de fábrica, o gás natural não faz o mesmo sucesso em utilitários pesados, tendo em vista a densidade energética e o impacto sobre a capacidade de carga em função do peso e volume dos componentes do kit GNV. A possibilidade de se usar o gás natural liquefeito, que apesar da maior densidade energética envolve o uso de fluidos criogênicos (geralmente nitrogênio líquido) e um grau de periculosidade maior tanto no reabastecimento quanto na própria operação do veículo, esbarra também na maior facilidade para se implementar a distribuição do gás natural comprimido. E mesmo com eventuais prejuízos a serem observados na capacidade de carga e/ou passageiros, o gás natural apresenta alta compressibilidade e inflama a temperaturas mais altas que os vapores de outros combustíveis voláteis, sendo portanto uma opção segura para injeção suplementar visando reduzir a temperatura da carga de admissão e diminuir a concentração de oxigênio e nitrogênio livres para reagir formando NOx.

Enquanto numa aplicação civil não há muito para onde escapar no tocante ao controle de emissões, e eventuais prejuízos na resiliência ao uso de combustíveis de especificação inferior sejam deixados em segundo plano, esse comodismo não pode ser compartilhado em frotas operacionais militares. Apesar da massificação do gerenciamento eletrônico ter alcançado também uma parte das viaturas das Forças Armadas, mesmo um bom suporte logístico durante eventuais guerras dificilmente viria a justificar o impedimento ao uso de óleo diesel com teor de enxofre mais elevado ainda disponível pelo interior e em alguns países vizinhos, mas que é especialmente nocivo aos veículos equipados com EGR devido à presença de compostos de enxofre nos gases de escapamento a serem recirculados no motor. Ainda é relevante destacar que a adaptabilidade de motores Diesel ao uso tanto de biodiesel quanto de óleos vegetais brutos como combustíveis alternativos também foi comprometida pela presença do filtro de material particulado (DPF) devido a dificuldades para vaporizar esses combustíveis durante os ciclos de autolimpeza (ou "regeneração") forçada que possam se fazer necessários para manter a eficiência do dispositivo. Vale destacar que o uso de provisões capturadas das forças hostis pode não só poupar um esforço de guerra brasileiro mas também dificultar uma reação inimiga.
Além da especificação dos combustíveis, outro ponto que requer alguma atenção no tocante ao uso de motores Diesel em aplicações especiais é a aptidão a condições peculiares que se encontram tanto em campos de batalha quanto no segmento náutico. Mesmo que motores mais modernos tenham no gerenciamento eletrônico uma vantagem na economia de combustível, podendo fazer a diferença para se vencer uma batalha ou evitar que uma embarcação fique sem propulsão em alto mar, convém recordar que a manutenção se torna menos tolerante a reparos emergenciais com recursos precários, e se faz necessária a proteção contra as interferências eletromagnéticas, que também podem ocasionar problemas a equipamentos de comunicação e navegação a bordo. Metas de redução de emissões no transporte marítimo propostas no ano passado pela Organização Marítima Internacional podem levar a crer que a hegemonia do Diesel em embarcações pesadas venha a ser posta em xeque, sobretudo em função da infraestrutura portuária em muitos hubs logísticos de extrema importância para o comércio internacional já estar preparada para operações com gás natural liquefeito importado principalmente da Malásia, e partindo desse ponto uma transição para o biogás/biometano ainda poderia soar menos improvável, apesar de que o mais provável seja o uso suplementar como já se observa em navios de transporte de gás natural liquefeito para evitar que as perdas de parte da carga por evaporação sejam um desperdício completo. Já para qualquer outra embarcação, tendo em vista não só a complexidade de um sistema de combustível para gás natural liquefeito, a operação constante do motor por períodos prolongados fornece uma quantidade de calor residual eventualmente útil para diminuir a viscosidade de óleos vegetais brutos caso venham a ser usados como combustível alternativo de baixo custo, a exemplo do que se já faz com alguns óleos combustíveis pesados amplamente usados na navegação.

Por mais que eventualmente se possa creditar uma boa intenção por trás do controle de emissões, não há justificativa para ignorar eventuais prejuízos em âmbito operacional que acarretam num aumento de custos, e numa complexidade técnica que pudesse favorecer a ignição por faísca diante da aparente facilidade para fazer gambiarras. Mas se anteriormente normas de emissões não penalizavam tanto as versões Diesel em caminhonetes como a 2ª geração da Dodge Dakota (que foi a única comercializada oficialmente no Brasil), hoje se observa uma caça às bruxas contra os motores de combustão interna de um modo geral mas que tem se revelado incoerente ao penalizar excessivamente o Diesel. Cabe recordar que motores de ignição por faísca também podem ter índices de emissões altos. No caso do gás natural, mesmo que já entre no motor em estado de vapor e portanto seja mais difícil intensificar a formação de material particulado, por outro a alta compressibilidade leva alguns usuários a recorrer a uma mistura ar/combustível mais pobre e favorecendo um incremento nas emissões de NOx. Enfim, apesar da versatilidade ser mantida, o controle de emissões tem efetivamente prejudicado o Diesel.

terça-feira, 5 de março de 2019

Traçando um paralelo entre a obsolescência do motor 2-tempos de ignição por faísca e o atual cerco ao Diesel

Houve uma época que motores 2-tempos de ignição por faísca viviam dias de glória, e modelos como o DKW-Vemag Belcar marcavam presença até mesmo no Brasil, com a distinção de exemplares na cor cinza terem sido escolhidos como o modelo padrão para uso como táxi em Brasília na época que a então nova capital federal foi inaugurada em 21 de abril de 1960. A simplicidade técnica desse tipo de motor, notabilizado pela ausência de um mecanismo de sincronização de válvulas e de uma bomba de óleo, era convidativa para fabricantes menores como a antiga Vemag, licenciada pela Auto Union para produzir a linha DKW no Brasil. No entanto, acabaram sucumbindo a fatores que incluíram um recrudescimento das normas de emissões em mercados com alto volume de vendas, a exemplo do que se vem tentando levar a cabo contra os motores Diesel.
A ausência de válvulas de admissão e escape, valendo-se da posição dos pistões para fechar janelas de transferência entre o cárter e os cilindros e de escape entre os cilindros e o coletor de escape, leva à limitação de uma geometria fixa dessas janelas que acaba por interferir nas curvas de potência e torque e no consumo de combustível. É natural que numa aplicação automotiva faça sentido priorizar o torque em baixa rotação, valendo-se de janelas menores às custas de uma faixa útil mais estreita em comparação a uma motocicleta como a antiga Yamaha RD 135 que tinha uma faixa útil mais ampla e janelas proporcionalmente maiores em relação à cilindrada. Como a transferência se inicia antes que a janela de escape esteja completamente fechada, valendo-se da pressão de admissão para expelir mais rapidamente os gases de escapamento, ocorre também uma perda de mistura ar/combustível crua e por conseguinte se tem um impacto sobre o consumo de combustível e a emissão de hidrocarbonetos crus. A câmara de reflexão que costuma ser incorporada à tubulação de escapamento em alguns modelos tem a função de gerar uma contrapressão e retornar parte da carga de admissão que seria perdida para que possa ser corretamente queimada, mas não é possível garantir eficiência de 100% por ser também otimizada para uma porção mais estreita da faixa de rotação.
Uma peculiaridade dos motores 2-tempos de ignição por faísca que justifica comparação aos motores Diesel é a fumaça visível provocada pela necessidade de adição de óleo à gasolina devido à ausência de um sistema de lubrificação por recirculação. Normalmente com uma coloração azulada, pode ser diminuída com o uso de óleos sintéticos que podem ser usados numa proporção menor ou então os de base vegetal ainda muito populares para uso em karts e outras aplicações de alto desempenho e que tem uma maior solubilidade no etanol. De certa forma, atualmente a busca por opções para diminuir a dependência por derivados de petróleo já poderia levar a crer que os motores 2-tempos de ignição por faísca estariam numa condição favorável ao menos diante dos similares 4-tempos (ciclo Otto) para os quais um lubrificante de base renovável ainda não é disponibilizado em escala comercial mesmo com o sucesso em testes conduzidos pela Petronas na Malásia com o óleo de palma (basicamente o mesmo azeite de dendê tão apreciado na culinária baiana). Uma proporção excessiva de óleo acarreta também na carbonização ao redor do eletrodo da vela de ignição, podendo agravar o problema em função do impacto que possa acarretar sobre a eficiência do processo de combustão.
Outra característica que pode ser observada para traçar um paralelo é a insuficiência de freio-motor, que pode ser atribuída à falta de uma restrição ajustável aos fluxos internos. Enquanto num Diesel é comum que não exista uma borboleta de aceleração para limitar a carga de admissão, nos 2-tempos a ausência das válvulas de escape faz com que não se possa reter tão facilmente uma parte dos gases de exaustão para gerar uma pressão maior no cilindro e forçar a desaceleração. Para os motores Diesel é até bastante comum o uso de dispositivos auxiliares de freio-motor por meio de válvula-borboleta na tubulação de escapamento, além de eventualmente um turbocompressor de geometria variável poder também intensificar esse efeito. Já nos motores 2-tempos com ignição por faísca, a presença de um flap retrátil cobrindo parte da janela de admissão em faixas de rotação mais baixas como o YPVS que equipou entre outros modelos a Yamaha DT 200R, a finalidade era melhorar o torque em baixos regimes. No entanto, para não eliminar uma tomada de força que serviria originalmente para a bomba do sistema de lubrificação automática (Autolube) com reservatório separado para o óleo, se recorria a um acionamento eletrônico para o YPVS.
A princípio pode-se deduzir que o fator mais preponderante para o fim precoce dos motores 2-tempos de ignição por faísca em aplicações veiculares seja ironicamente a simplicidade construtiva, fazendo com que a busca por soluções mais complexas para o controle de emissões eventualmente acabe por se tornar muito onerosa, pesada e volumosa a ponto de eliminar as vantagens de um custo moderado e instalação compacta em aplicações com restrição de espaço que o priorizavam. São motores que não deixa de merecer algum respeito e admiração, mas essa percepção como uma opção "barata" em contraponto ao preço geralmente mais elevado de um motor Diesel faz com que pareça mais difícil seguir os apresentando com uma imagem de competitividade diante do ciclo Otto. Enfim, por mais que também tenha uma legião de entusiastas, o motor 2-tempos de ignição por faísca parece ter a obsolescência mais fácil de assimilar.