quinta-feira, 27 de agosto de 2020

Nissan Qashqai de 2ª geração: um bom exemplo de como um motor turbodiesel pode se manter competitivo diante da ignição por faísca

Em meio a tantas discussões em torno do quão difícil pode parecer a absorção de aumentos no custo de aquisição para veículos equipados com motores turbodiesel modernos e associados a toda aquela parafernália para o controle de emissões, há momentos em que pode parecer impossível justificar tal opção diante de um similar a gasolina. Naturalmente, no caso de um SUV como o Nissan Qashqai de 2ª geração o próprio segmento no qual está inserido torna mais fácil assimilar essa situação, ainda que se façam necessárias algumas ressalvas. Em alguns mercados como os Estados Unidos, o Canadá e o Uruguai, só é oferecido o motor Nissan MR20DE a gasolina de 2.0L com aspiração natural e injeção nos pórticos de válvula, que acaba sendo favorecido no tocante ao custo inicial apesar da concepção mais antiga comparado ao motor Nissan HR13DDT de 1.3L com turbo e injeção direta oferecido no mercado europeu e que já requer um filtro de material particulado análogo ao DPF usado em motores Diesel. A injeção direta ao viabilizar o uso dum menor volume de combustível em proporção à carga de ar de admissão, que se por um lado favorece a economia de gasolina por outro tem inconvenientes devido ao intervalo mais curto entre a injeção e a vaporização do combustível fazer com que não seja completa e também ocorra uma elevação da temperatura de combustão que acaba intensificando a formação dos óxidos de nitrogênio (NOx) que de uns tempos para cá tem sido o calcanhar de Aquiles dos motores Diesel.

Se no caso dos motores a gasolina com injeção direta pode-se aumentar a dosagem de combustível para tentar diminuir a temperatura das cargas de admissão e do processo de combustão, às custas de uma maior formação de material particulado, nos turbodiesel os recursos possíveis para atender às faixas menores de cilindrada e/ou potência vão desde o catalisador LNT (Lean NOx Trap) até o SCR que tornou-se padrão em utilitários pesados antes de ser mais difundido em veículos leves apesar de ter a inconveniência de requerer o fluido-padrão AdBlue/ARLA-32/ARNOx-32. Dentre os motores turbodiesel oferecidos para o Qashqai no mercado europeu, o Renault K9K 1.5 dCi destaca-se por ser o mais simples e não aumentar em mais de 5% os preços nas versões básicas na Espanha, e diga-se de passagem mantém algumas características construtivas antigas que ainda o favorecem mesmo diante de toda a sofisticação aplicada ao motor HR13DDT. Em que pesem as críticas que a sincronização do comando de válvulas por correia dentada do K9K pode receber em meio à idolatria que se criou sobre motores com sincronização por corrente selada "de longa duração" como é o caso do HR13DDT, vale destacar o fato do turbodiesel manter o bloco de ferro enquanto o cabeçote mesmo sendo de alumínio tem eixo único de comando de válvulas (SOHC) e somente duas válvulas por cilindro, contrastando com o bloco e cabeçote de alumínio com comando de válvulas de duplo eixo (DOHC) e 4 válvulas por cilindro que o motor a gasolina lança mão.

terça-feira, 25 de agosto de 2020

Algumas observações sobre o novo motor Cummins ACE de pistões opostos

Há alguns anos atrás, parecia improvável que a Cummins viesse a desenvolver um motor Diesel 2-tempos por uma questão de tradição, tendo em vista o desapontamento do fundador Clessie Cummins quando um protótipo desenvolvido para as 500 Milhas de Indianápolis teve solda fria (ou "fundiu" como se diz mais vulgarmente) em 1934. Por mais que não se aborde tanto a experiência do uso de motores Diesel para fins esportivos quando a tecnologia ainda despertava algum ceticismo em aplicações veiculares, a Cummins já podia ser considerada uma pioneira na área mesmo que a partir de 1938 a concorrência da Detroit Diesel com motores 2-tempos sob os auspícios da General Motors fosse também essencial para fazer com que os veículos comerciais aderissem mais maciçamente ao Diesel. E mesmo já não sendo uma configuração tão comum em veículos, os motores Diesel 2-tempos começaram a recuperar algum interesse à medida que as vantagens no tocante à relação peso/potência e de forma um tanto surpreendente também quanto à redução de emissões tornaram-se ainda mais relevantes, e em 2004 foi fundada a empresa Achates Power que tem como objetivo o desenvolvimento de tecnologias para motores Diesel 2-tempos de pistões opostos, que foi a configuração adotada desde alguns motores Fairbanks-Morse que ainda equipam navios e outros tipos de embarcações militares até os Junkers Jumo-205 que equiparam alguns aviões da Luftwaffe na época da II Guerra Mundial.

Para veículos e máquinas terrestres, a configuração de pistões opostos destacou-se nos motores Rootes TS3 britânico que era mais conhecido pelo uso em caminhões Commer numa posição horizontal, e ainda no Napier Deltic também britânico que serviu a locomotivas além das aplicações navais além do Leyland L60 que serviu aos tanques ingleses Chieftain e Vickers MBT e ao indiano Vijayanta. No caso do TS3, é comum que seja confundido com um motor de cilindros opostos devido à posição horizontal, "deitado" como um motor Volkswagen ou Subaru "boxer" de cilindros opostos mas, além do TS3 ser 2-tempos e os boxers mais conhecidos serem 4-tempos, num motor de pistões opostos cada cilindro conta com 2 pistões que em ponto morto inferior estão mais próximos das extremidades enquanto ao atingir o ponto morto superior atingem posições mais próximas do centro do cilindro, enquanto num boxer cada pistão tem somente 1 cilindro e para 2 cilindros dispostos cada um num lado do motor os respectivos pistões aproximam-se durante o ponto morto inferior quando um se encontra na admissão e o outro no tempo motor, e afastam-se em direção às extremidades no ponto morto superior quando um está na fase de compressão e o outro no escape. E por mais que todo motor Diesel 2-tempos dependa do compressor mecânico ou "blower" para gerar pressão de admissão, ao ponto de ser comum referir-se a um que tenha só o blower mas sem turbo como sendo de aspiração natural ao contrário do que ocorre com motores de ignição por faísca ou com os Diesel 4-tempos, podem quando dotados de um acoplamento que permita uma velocidade variável que reduza a pressão de aspiração proporcionar um efeito semelhante ao de um "EGR interno" que nos motores 4-tempos ocorre quando a variação de fase no comando de válvulas proporciona um cruzamento de válvulas de modo que uma parte do fluxo de gases de escape retorne ao cilindro.

Naturalmente para um motor destinado a aplicações militares, que além de não serem sujeitas à mesma regulamentação de emissões aplicável a veículos e equipamentos de uso civil também são submetidos a condições operacionais extremas nas quais o risco de ruptura da correia de acessórios que acione um blower representaria a diferença entre a vida e a morte, é preferível que o blower tenha um acionamento por engrenagens mesmo que a sincronização com a rotação do motor permaneça invariável. Portanto, é perfeitamente compreensível que o motor Cummins ACE (Advanced Combat Engine) co-projetado pela Achates Power abra mão do acionamento do blower por correia que tem sido usado em alguns protótipos de motores destinados a aplicações civis como os que foram testados em pick-ups Ford F-150 e caminhões de grande porte. Não se pode ignorar que alguns operadores de veículos comerciais ainda poderiam preferir um blower com o acionamento somente por engrenagens, mesmo que tal característica se refletisse numa complexidade maior para o sistema de controle de emissões como eventualmente incorporar um sistema EGR externo ou o uso de um volume maior de AdBlue/ARLA-32/ARNOx-32/DEF em proporção ao combustível se fosse o caso de se recorrer ao sistema SCR de pós-tratamento dos gases de escape para redução dos óxidos de nitrogênio (NOx), tendo em vista que aos olhos de alguns gestores de frota trocar uma correia de vez em quando não valha a diminuição de um acúmulo de sedimentos carbonizados no coletor de admissão através de um EGR externo ou os custos de AdBlue a ser usado entre as paradas para manutenção do motor.

Mas voltando a mencionar o motor Cummins ACE especificamente, a configuração com 4 cilindros em linha dispostos horizontalmente e a cilindrada de 14.3L causa alguma surpresa diante de uma aposta da Achates Power na configuração de 3 cilindros como sendo a que proporcionaria uma maior eficiência, e com 1000hp soa competitivo diante do motor 4-tempos Cummins VTA 903-T660 de 10.8L com 8 cilindros em V ao qual visa substituir tanto na próxima geração de tanques quanto no repotenciamento de unidades já em operação. E em que pese o ACE ter 2 virabrequins, estes ao serem acoplados por engrenagens junto a um eixo central para transmitirem força a um único volante de motor proporcionam um acoplamento mais parecido com o que se observa em motores com uma concepção mais tradicional e já consolidados junto aos operadores, não só o VTA 903 mas também o Continental AVDS 1790 que na configuração de 12 cilindros em V e com 29.3L tem mais do dobro da cilindrada do ACE, de modo que uma maior eficiência geral mantendo um desempenho compatível se reflita numa maior autonomia operacional de um tanque de guerra ou outro veículo de combate ou mesmo logística que venha a ser equipado com o Cummins ACE. Talvez o fato do já conhecido AVDS contar com a simplicidade da refrigeração a ar ainda possa parecer tentador, mas não dá para negar que o peso e volume reduzidos e a "assinatura térmica" menos intensa visando dificultar a detecção por radares inimigos favorecem o ACE mesmo com a refrigeração líquida.

Por mais que a tradição da Cummins no desenvolvimento de motores Diesel 4-tempos a princípio não vá perder espaço de curto a médio prazo, nem mesmo diante de recentes desenvolvimentos no âmbito da propulsão elétrica para veículos comerciais, de fato chama a atenção que tenha levado adiante essa cooperação técnica com a Achates Power para o desenvolvimento de um motor 2-tempos, além do mais com pistões opostos que nos Estados Unidos se via mais em motores Fairbanks-Morse gigantescos que eram mais comuns na geração de energia elétrica, propulsão naval e outras aplicações extremamente pesadas. Talvez mesmo diante do cerco ao Diesel em nome de um falso ambientalismo possa receber um contundente contraponto à medida que o processo de combustão mais limpo e eficiente passível de ser alcançado na configuração de pistões opostos venha a se refletir em aplicações civis, até porque nos Estados Unidos a cultura de valorização dos militares e um maior apreço pela experiência em situações de combate no desenvolvimento de alguns produtos fomentam o interesse do público generalista como foi o caso do Jeep que até hoje permanece como um ícone cultural. Enfim, mesmo que ainda seja cedo para considerar que uma exposição proporcionada através do uso por parte de uma das maiores forças militares seja suficiente para que motores Diesel 2-tempos de pistões opostos voltem a conquistar um público mais amplo, não é possível negar que o Cummins ACE é um importante passo nesse sentido.

quarta-feira, 19 de agosto de 2020

Breve reflexão: Toyota Hilux, um bom exemplo de como um motor mais pé-duro pode se manter relevante

Já não é novidade que as pick-ups tem sofrido um "desvio de função" à medida que tornaram-se mais aceitas pelo público generalista que não as vê exclusivamente como uma ferramenta de trabalho. Um dos casos que melhor destaca essa situação é o da Toyota Hilux que, além de ser de fato tratada como "um equivalente automotivo ao AK-47" em zonas conflagradas e também servir para uma infinidade de atividades profissionais para fins pacíficos pelos 4 cantos do mundo, é o veículo líder de vendas na maior quantidade de países ainda que em muitos o volume total de carros novos comercializados seja muito baixo e concentrado em torno de utilitários até em função de condições de rodagem severas. É até natural que uma resiliência diante da má conservação de alguns trechos da malha viária brasileira também soe convidativa para alguns consumidores quando optam por uma Toyota Hilux GR Sport, e a reputação de "inquebrável" muitas vezes atribuída à linha da Toyota de um modo geral constitua um argumento de vendas muito conhecido a nível mundial, mas cabe levantar a dúvida em torno de até que ponto é realmente necessário o atual estágio de sofisticação nos motores oferecidos nas pick-ups médias e se algum motor mais rústico ainda poderia satisfazer até mais a uma parte considerável do público.
A atual geração da Hilux tem a opção por um motor de 2.7L e 4 cilindros "flex" e um V6 de 4.0L só a gasolina exclusivo para a versão GR Sport, que também pode ser equipada com o mesmo turbodiesel 1GD-FTV de 2.8L que é disponível também em outras versões, embora em outros países a seleção de motores sofra alterações em função de diferentes regulamentações e eventuais problemas referentes à qualidade do combustível afetando principalmente os motores Diesel. Até mesmo o motor 1KD-FTV de 3.0L que fez sucesso na geração anterior, e passou a equipar também as versões de cabine simples a partir do ano-modelo 2012 substituindo uma versão sem intercooler do 2KD-FTV de 2.5L que não se enquadrava nas normas Euro-5, ainda há mercados onde ao menos um dentre os motores já antigos permanece em linha favorecido por normas de emissões menos estritas. Outro motor que estaria ainda mais "defasado", porém permanece relevante em algumas regiões tanto diante da maior familiaridade da rede de assistência técnica independente quanto pela qualidade do óleo diesel convencional, o 5L-E de 3.0L com injeção indireta e aspiração natural acaba sendo um bom pretexto para refletir sobre a viabilidade que um motor mais pé-duro ainda poderia ser desejável para uma parte do público que dá prioridade ao aspecto essencialmente utilitário e poderia beneficiar-se tanto de um custo de aquisição menor quanto da percepção de uma facilidade de manutenção.

Se por um lado é fácil justificar a eventual preferência por um motor mais rústico em usos a trabalho, por outro também é perfeitamente possível expor bons motivos para que usuários particulares tenham a mesma opinião, e não seria nem o caso de questionar especificamente a presença do gerenciamento eletrônico que transcende a questão do controle de emissões e permite a integração com dispositivos de segurança cada vez mais presentes em veículos modernos. Ainda que um usuário com perfil mais essencialmente urbano que use uma Hilux como se fosse um "Corolla com caçamba" não dê a mesma importância para uma maior resiliência a condições adversas e simplificação da manutenção, outros que façam até usos recreacionais como num motorhome "overlander" para o qual a tração 4X4 chega a ser item de primeira necessidade certamente iriam ser mais beneficiados por um motor de projeto mais rústico, podendo até ir além do que se observava no 5L-E que veio ao Brasil na Hilux quadrada e partir para algo mais parecido com um motor de trator que o filho de algum peão da fazenda mais próxima do local onde ocorresse uma avaria consiga ajudar a fazer um reparo emergencial provisório. Enfim, por mais que o público generalista brasileiro às vezes não se dê conta quando vê uma Toyota Hilux, ainda é eventualmente o melhor exemplo de como um motor mais pé-duro é necessário.

sexta-feira, 14 de agosto de 2020

Caso para reflexão: Volkswagen Voyage de 2ª geração e a serventia que um motor Diesel teria num sedan para mercados emergentes

Lançado em 2008 marcando o retorno do Voyage na linha brasileira da Volkswagen após um hiato de 13 anos desde a geração original, o modelo conhecido informalmente como "G5" numa referência à renovação do Gol lançada no mesmo ano como se fosse uma 5ª geração quanto sob uma perspectiva estritamente técnica seria considerada a 3ª geração, chama a atenção como o Voyage de 2ª geração foi de certa forma desfavorecido pela ausência de ao menos uma opção de motor Diesel ainda que viesse a ser exclusiva para exportação. Oferecidos exclusivamente com motores "flex" de 1.0L e 1.6L para o mercado nacional, dispondo de uma versão somente a gasolina para o 1.6 visando atender a mercados de exportação regional onde o etanol desperta no máximo alguma curiosidade, tanto o Voyage quanto o Gol certamente poderiam ter mantido o apelo junto a uma parcela mais expressiva do público com um perfil conservador. E a bem da verdade, considerando a compatibilidade que a plataforma usada em ambos os modelos tem com uma ampla variedade de motores Diesel da própria Volkswagen que vai desde o 1.9 SDI de aspiração natural e 4 cilindros até os 1.9 e 2.0 TDI, passando pelo 1.4 TDI de 3 cilindros que poderia ser uma boa opção para conciliar custo e volume da instalação à medida que o controle de emissões passava a exigir dispositivos mais sofisticados e portanto onerosos.
Ainda que no Gol possa parecer inegavelmente mais fácil justificar um motor de ignição por faísca, considerando tanto fatores de ordem técnica como a maior limitação de espaço utilizável para instalar componentes como um filtro de material particulado (DPF) e futuramente até mesmo o sistema SCR que requer um tanque para armazenar o fluido-padrão AdBlue/ARLA-32/ARNOx-32 necessário para promover uma redução catalítica seletiva de óxidos de nitrogênio (NOx) quanto fatores que são mais subjetivos como a percepção de uma "inferioridade" atribuída pelo público generalista a um hatch no Brasil dificultar que se justifique o preço inicial mais alto de um motor Diesel, para um sedan ainda é mais fácil apontar motivos para seguir o caminho inverso. O porta-malas com maior capacidade, que às vezes acaba desfavorecido pelo vão de abertura mais restrito, ainda pode denotar um viés utilitário que faz esse tipo de carroceria permanecer relevante em modelos compactos destinados aos mercados "emergentes" como é o caso de países como o Brasil e a Argentina ou até outros mais distantes como a Turquia e a China. A bem da verdade, como o ciclo de produção de Gol e Voyage G5 teve início em meio à abortada transição entre as normas Euro-3 e Euro-4 no Brasil que seria efetivada em 2009 mas acabou por dar lugar a uma antecipação da Euro-5 para 2012, não faltou a oportunidade para oferecer o 1.9 SDI já consolidado em mercados regionais que não se limitavam à Argentina e ao Uruguai antes que a transição para um turbodiesel fosse inevitável.
Enquanto a capacidade de usar etanol poderia parecer inicialmente irrelevante fora do Brasil, apesar do Paraguai recentemente estar mais receptivo aos motores "flex" a ponto de algum turista boliguayo que venha aproveitar o verão que coincide com a safra da cana de açúcar possa encontrar preços mais favoráveis ao etanol, outro combustível frequentemente apontado como um pretexto para permanecer o conformismo com a ignição por faísca é o gás natural. O fato da Argentina ainda ser líder no uso do gás natural veicular e desenvolvimento de tecnologias tanto de conversão de veículos quanto sistemas de manejo e fornecimento do combustível é outro ponto que eventualmente soa muito desfavorável à opção por um turbodiesel, à medida que vem se tornando excessivamente onerosa aos olhos de uma parte do público generalista diante da percepção de simplicidade inerente aos motores de ignição por faísca cujo custo inicial menor e o preço do gás natural em comparação tanto à gasolina quanto ao óleo diesel comum aparente justificar inconvenientes como uma redução da capacidade volumétrica do porta-malas devido ao acondicionamento de um ou mais cilindros de gás. Portanto, para quem prefira não sacrificar demasiadamente o aspecto utilitário normalmente associado a sedans compactos em alguns países, já seria mais fácil justificar um motor Diesel antes de entrar no mérito do biodiesel e do uso direto de óleos vegetais como combustível alternativo que pode ser implementado em alguns motores sem acarretar em incompatibilidades com algum dispositivo de controle de emissões que não tenha sido implementado em função de uma eventual defasagem das normas de emissões comparadas às em vigor na Europa e outros mercados desenvolvidos.

Cabe lançar um olhar também sobre o uso do Voyage como táxi, forte também no Brasil onde além da tradição da Volkswagen no segmento convém destacar a recente introdução do câmbio automático como opção para o modelo já com a remodelação conhecida como "G7". Naturalmente, pode parecer difícil esboçar um paralelo entre o custo inicial mais alto de um câmbio automático e o de um motor turbodiesel com toda a parafernália que tem sido requerida para manter o enquadramento nas normas de emissões mais recentes, mas ainda faz algum sentido especialmente para quem vá explorar o viés utilitário inerente ao sedan e assim justificar um investimento inicial mais alto. Enfim, por mais que eventuais discussões em torno de uma eventual liberação do Diesel sem distinção por capacidades de carga e passageiros ou tração no Brasil e vantagens práticas que teria a oferecer ao público generalista possam não ser levadas adiante tomando como exemplo a falta dessa opção no Voyage, ainda é fácil deduzir que um bom turbodiesel ou dependendo das normas de emissões aplicáveis até mesmo um Diesel de aspiração natural não deixam de ter serventia num sedan destinado a mercados emergentes.

terça-feira, 11 de agosto de 2020

Algumas observações sobre a importância da Índia numa cena dieselhead pós-coronavírus

Em meio à maior crise sanitária deflagrada com a propagação do coronavírus chinês a nível mundial, uma questão até mais estratégica do que comercial torna necessário rever até que ponto o mundo está disposto a insistir na desumanidade de um equivalente moderno ao antigo "coolie trade" e abrir mão de propriedade intelectual para beneficiar uma ditadura comunista em nome de uma economia porca. A baixa qualidade historicamente associada aos produtos chineses, para a qual muitas vezes se faz vista grossa em nome do uso de mão-de-obra praticamente escrava a exemplo do que ocorria na época em que trabalhadores braçais de origem asiática eram escravizados por endividamento visando substituir o negro nas "plantations" das colônias inglesas e holandesas no Caribe e, mais especificamente no caso de chineses, ser como jumentos de garimpeiro durante a Corrida do Ouro e na abertura de ferrovias na costa oeste dos Estados Unidos, não é benéfica nem para quem se ilude pelo preço de alguma bugiganga como uma central multimídia ou até de alguma peça de reposição para um motor que vá comprometer a segurança e a eficiência e nem para os funcionários de fábricas nas quais o partido comunista chinês viola sistematicamente os mesmos direitos trabalhistas que os sindicatos alinhados à esquerda alegam defender no Ocidente. Mas numa reação contra o bioterrorismo chinês que paralisou as principais economias mundiais, e que foi pretexto para violações de direitos básicos até mesmo no Brasil onde prefeitos e governadores cercearam a liberdade de ir e vir em nome de um suposto "achatamento da curva de contágio" que se mostrou mais próximo de matar o povo de fome do que prevenir uma doença, é importante observar como a Índia pode se tornar um parceiro mais interessante sob o ponto de vista comercial e também técnico.

A colaboração entre o presidente brasileiro Jair Bolsonaro e o primeiro-ministro indiano Narendra Modi para o suprimento de insumos necessários à produção do antimalárico hidroxicloroquina, que tem sido uma das principais alternativas de baixo custo para o tratamento do novo coronavírus chinês, tem uma importância em aproximar Brasil e Índia sem aquele viés esquerdista de tornar os ditos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) um bloco de oposição a outros que contam com a participação de países desenvolvidos, e naturalmente uma cooperação que vem a servir para efetivamente buscar por soluções para alguns problemas comuns tanto ao Brasil quanto à Índia pode ainda revelar-se proveitosa para outras finalidades. É interessante observar que a Índia após a descolonização teve algum progresso em importantes áreas da engenharia, a ponto de já ter conseguido exportar viaturas militares até mesmo para Israel e atualmente ser um hub de desenvolvimento de motos de pequena cilindrada com um alto grau de sofisticação, ao invés de se limitar a fazer cópias não-autorizadas de motores Honda CG 125 e fazer algumas gambiarras em cima dessa mesma plataforma como a maioria das fabricantes de motos chinesas se habituaram a fazer. Naturalmente também ocorre na Índia o aproveitamento de alguns projetos de motores já considerados obsoletos na Inglaterra e no Japão que no entanto se mantenham adequados às condições ambientais severas e à economia indiana que também se enquadra no conceito de "emergente" aplicável ao Brasil, mas nesse caso prevalecendo o respeito à propriedade intelectual de uma forma que não encontra similaridade na China, e pode-se atribuir ao fato da Índia contar com uma população de mais de 1 bilhão de pessoas a possibilidade de desenvolver-se um mercado consumidor tão amplo como o chinês ainda que com demandas mais conservadoras.

Não se pode negar que a colonização inglesa deixou marcas profundas no desenvolvimento industrial indiano, com empresas tão britânicas como a fabricante de motos Royal Enfield passando a ser indianas enquanto a marca Leyland permanece viva na fabricante de utilitários e motores Ashok Leyland ou no fato da Jaguar e da Land Rover terem se tornado uma divisão da Tata Motors que é uma das principais fabricantes de veículos indiana, ou ainda observando-se a sobrevida que alguns motores mais antigos da Perkins serem atualmente produzidos pela Simpson e serem usados pela Massey-Ferguson em tratores fabricados "logo ali do lado" na Argentina. E por mais que seja vendida no Ocidente a imagem da Índia como um destino turístico exótico com toda sorte de incensos e comida exageradamente condimentada, e fomentando a ilusão de que seria basicamente uma espécie de zoológico humano repleto de miséria, é importante destacar que alguns aspectos culturais ingleses permanecem ainda refletidos nas indústrias indianas onde a qualificação da mão-de-obra não deixa tanto a desejar em comparação a outros países periféricos e sendo claramente superior à chinesa. No caso específico de motores Diesel, cabe destacar não apenas a Simpson mas também outros fornecedores independentes de origem local como a Greaves Cotton que já equipa versões modernas do triciclo utilitário Piaggio Ape vendidas na Europa onde são homologados nas normas de emissões Euro-4 aplicadas às motocicletas enquanto na Índia já se aplicam as normas Bharat Stage VI equivalentes à Euro-6 que exigiram o desenvolvimento de uma solução para conciliar custo moderado e fácil manutenção que são essenciais nesse tipo de aplicação. E por mais que no segmento automobilístico a BS-VI esteja superada pela Euro-6d TEMP em vigor na Europa, talvez a procura de fabricantes ocidentais por fornecedores de componentes e sistemas fora da China torne-se uma boa oportunidade para a Índia como um mercado com larga margem para expansão dos volumes de vendas destacar-se também no desenvolvimento de motores veiculares com tecnologia autóctone em meio à reticência que vem sendo generalizada na Europa quanto à viabilidade futura de novos projetos voltados ao Diesel.

Mesmo que a recente entrada em vigor da BS-VI tenha levado a uma maior procura por veículos com motor de ignição por faísca em função da menor complexidade dos sistemas de pós-tratamento, bem como do custo de aquisição inicial menor e da possibilidade de mantê-los licenciados na capital Nova Délhi por até 15 anos enquanto um veículo com motor Diesel já enfrenta restrições por lá após 10 anos, não deixa de se manter relevante o potencial dos biocombustíveis como o biodiesel e também o etanol para conciliar o desenvolvimento das regiões rurais, além da aplicabilidade não se restringir a veículos e a amortização de investimentos em novos projetos ter espaço em tratores e embarcações por exemplo. E por mais que a rusticidade ainda observada em motores agrícolas e marítimos de trabalho pareça um retrocesso ao considerar uma eventual intercambialidade com automóveis e utilitários comerciais, não se pode negar tanto uma similaridade entre alguns métodos de controle de emissões como os filtros de material particulado (DPF) e catalisadores tanto em veículos quanto equipamentos especiais, enquanto a melhor relação peso/potência que já se observa em alguns motores turbodiesel veiculares desenvolvidos localmente na Índia como os Greaves da série Leap em versões de 2 a 4 cilindros que vão de 1.0L até 2.0L contando também com opções de 3 cilindros e 1.5L pode servir satisfatoriamente também como uma alternativa aos motores de projeto ocidental como o Renault K9K e o Fiat 1.3 Multijet II que foram tirados de linha na Índia em resposta à Bharat Stage VI ao invés de seguir adiante com dispositivos para controle de emissões já conhecidos na Europa quando da implementação da Euro-6. Poderia-se traçar um paralelo com a antiga hegemonia da MWM no Brasil como fornecedora de motores para pick-ups e caminhões antes da reabertura das importações na década de '90 ter favorecido a aceitação de motores de alta rotação à medida que as pick-ups médias de origem japonesa ganharam espaço, mas no caso de empresas como a Greaves Cotton ou até a Ashok Leyland que dispõe de um motor turbodiesel próprio de 1.5L não seriam de se descartar novas oportunidades à medida que o outsourcing possa reaver uma importância como alternativa para favorecer a economia de escala em novos desenvolvimentos no âmbito do controle de emissões e proporcionar um retorno mais rápido dos investimentos.

Ainda que a mão-de-obra barata em comparação a países ocidentais possa fazer a Índia parecer com um imenso complexo prisional a exemplo do que ocorre na China, e estereótipos associados ao hinduísmo e ao sistema de "castas" fomentarem uma ignorância quanto à diversidade religiosa indiana na qual estão inseridas também o sikhismo, o jainismo e o budismo, o desenvolvimento industrial que levou algumas empresas indianas a promoverem um "colonialismo às avessas" e manter a tradição de antigas potências industriais britânicas leva a crer não só na busca por um aperfeiçoamento técnico mas também por uma melhor compreensão das características culturais dos mercados de exportação ao invés de simplesmente fazer como a China adepta do dumping e da venda de falsas soluções para problemas que ela mesma propaga. Com uma longa história de cooperações técnicas não só com empresas inglesas e japonesas no campo do Diesel mas também com a Navistar/International e a Peugeot no caso da Mahindra. e uma confiabilidade que se fez presente até em operações militares israelenses nas quais um mínimo detalhe pode ser decisivo, a Índia está longe de ser um ovo de serpente como a China tem se revelado à medida que o dumping sustentado por mão-de-obra análoga à escravidão sufoca o desenvolvimento industrial de outros países periféricos e já ameaça também mercados mais desenvolvidos em segmentos com um maior valor agregado como na eletrônica de precisão. Enfim, por mais que não seja possível negar que algumas peculiaridades culturais causem alguma controvérsia, e no âmbito político o fato da Índia ser um dos maiores mercados para o gás natural parecerem gerar um fogo amigo, seria precipitado negar que a Índia possa destacar-se numa cena dieselhead pós-coronavírus em que o aspecto essencialmente utilitário permaneça relevante em mercados emergentes e seja revigorado na Europa diante de uma falta de interesse de fabricantes locais em atender a uma demanda que vem sendo reprimida mais por política que por dificuldades estritamente técnicas.

sexta-feira, 7 de agosto de 2020

Por quê o Chevrolet Tracker argentino de 2001 a 2009 pode ser uma boa base para adaptar o motor Perkins 404?

Basicamente um Suzuki Grand Vitara de 1ª geração rebatizado como Chevrolet, o Tracker argentino do modelo de 2001 a 2009 chegou a ser vendido numa primeira fase no Brasil de 2001 a 2004 usando motores turbodiesel inicialmente fornecidos pela Mazda e em seguida pela Peugeot, e durante o breve retorno entre 2007 e 2009 vinha movido a gasolina com o motor Suzuki J20A enquadrando-se numa faixa de preço mais competitiva diante da intensificação que o segmento de SUVs compactos já tinha experimentado. Mas no tocante aos motores turbodiesel, não convinha negar que tanto o Mazda RF já estava defasado diante das normas de emissões Euro-3 em vigor à época da volta do modelo ao Brasil quanto o motor Peugeot DW10 mesmo sendo viável atualizá-lo para cumprir normas atuais tinha um impacto alto no custo de aquisição. Agora que a idade vai avançando e mostrando seus sinais, e uma manutenção mais complexa como uma retífica pode se tornar desejável para os motores originais, não é de se descartar a possibilidade de substituir por outro, eventualmente podendo ser um turbodiesel como versões de 4 cilindros dos motores Perkins série 400.
O fato do bloco de alumínio do motor J20A a gasolina já dificulta a retificação em alguns casos, logo um motor com bloco e cabeçote de ferro como os Perkins 404 já é mais vantajoso nesse aspecto. Até não seria tão sofrível com uma versão naturalmente aspirada como o 404D-22 embora seja preferível o 404D-22T com turbo, ou o 404D-22TA que agrega também o intercooler e portanto fica mais perto do Mazda RF que só equipou o Tracker com turbo e intercooler. Em comparação ao motor Peugeot DW10 fica mais justa a comparação com o motor Perkins 404J-E22TA, lembrando também que o controle eletrônico do Perkins é mais simples mas sem sacrificar a eficiência. Outro aspecto em que um motor Perkins pode se destacar é a sincronização do comando de válvulas e da bomba injetora por engrenagens, enquanto o RF e o DW10 recorrem à correia dentada que se arrebentar pode dar um prejuízo maior... E lembrando que a Mazda teve cooperação técnica com a Perkins para a produção de motores Diesel, não soaria tão absurdo substituir diretamente um motor Mazda por um Perkins numa faixa próxima de cilindrada (2.0L para o RF e 2.2L para o 404D) e com os picos de torque também muito parecidos, tendo em vista um volume da instalação bastante próximo ao original. E mesmo que a potência seja sensivelmente menor, e com pico em regimes mais baixos, o torque do 404J-E22TA não deixa a desejar diante do DW10.

quarta-feira, 5 de agosto de 2020

Caso para reflexão: Royal Enfield Classic 500 e o cânister

OK, num primeiro momento pode parecer loucura tomar como referência para a discussão em torno da acomodação de dispositivos de controle de emissões numa plataforma com algumas restrições de espaço uma moto cujas origens remontam a praticamente 90 anos atrás, mas não deixa de ser um bom parâmetro. A tradicional fabricante originalmente britânica e atualmente indiana Royal Enfield tem se destacado junto a um público até mais apegado a glórias do passado que os fãs da Harley-Davidson, e na prática o impacto visual de certas atualizações necessárias para cumprir regulamentações atuais de segurança e emissões não deixam sombra de dúvidas quanto à antiguidade de técnicas aplicadas a um modelo como a Royal Enfield Classic 500. Embora o motor atual adote uma configuração monobloco incorporando o câmbio na mesma carcaça como qualquer moto "genérica" das grandes fabricantes de origem japonesa, o aspecto visual é muito semelhante a outros mais antigos que tinham a carcaça do câmbio separada, além da presença da injeção eletrônica cada vez mais comum em motocicletas.
Além da presença do catalisador, facilmente dissimulada no conjunto do escapamento, salta aos olhos a presença do cânister que é exigido para restringir as emissões evaporativas em motos homologadas nas normas Euro-4 e equivalentes como a Bharat Stage IV indiana e a fase 2 da Promot 4 brasileira. É um daqueles componentes que soariam quase como ficção científica em épocas mais gloriosas para a indústria motociclística inglesa antes do Japão se consolidar como principal pólo de desenvolvimento tecnológico para as motos, e a bem da verdade não é possível negar que de certa forma a aplicação do cânister na Royal Enfield Classic 500 surpreende tanto por uma posição que o deixa dispositivo mais exposto que em motos de projeto mais moderno quanto o fato de não ter sucumbido a uma norma que pôs um fim à produção de alguns modelos de fabricantes generalistas nas mais diversas categorias no mínimo 50 anos mais modernos. Naturalmente alguns nostálgicos incuráveis iriam preferir dissimular mais o cânister, ou até mesmo suprimir o dispositivo ainda que incorrendo em não-conformidade com as normas aplicáveis nos mercados onde está inserida.
É impossível não tentar fazer uma analogia entre a instalação do cânister, e também da sonda Lambda também extremamente fácil de identificar no tubo de escape, com algumas das dificuldades alegadas por fabricantes de automóveis para continuar a oferecer opções Diesel em segmentos cujo tamanho e o preço inicial se revelam particularmente sensíveis para assegurar um posicionamento confortável de mercado. Não se pode ignorar o impacto que a eventual presença de um sistema de pós-tratamento de emissões teria tanto sobre a aerodinâmica quanto à capacidade volumétrica de carga num carro básico caso seja oferecido com um motor turbodiesel das gerações mais recentes, mas a concepção não só de plataformas modernas que se adaptem melhor aos motores a gasolina e/ou "flex" quando seguem uma filosofia de "downsizing" quanto a maior aceitação de motores de ignição por faísca com 3 cilindros deixam margem a especulações em torno do quão realmente difícil seria aplicar uma estratégia mais próxima para conciliar algumas modernidades inevitáveis e limitações inerentes a novas plataformas que precisam atender também a normas de segurança naturalmente mais rígidas para automóveis. Até seria possível por exemplo comprometer um pouco da capacidade de combustível para encaixar um cânister por baixo do tanque de gasolina numa moto, ou num carro compacto um menor consumo de combustível inerente a motores turbodiesel levaria alguns usuários a tolerarem um tanque menor para acomodar no mesmo espaço um reservatório para o AdBlue/ARLA-32/ARNOx-32 quando aplicável.

segunda-feira, 3 de agosto de 2020

Até que ponto a política do "carro popular" foi contraproducente no contexto de um fomento à liberação do Diesel para veículos leves?

É um tanto comum que se atribua ao programa do "carro popular" brasileiro algumas incoerências, e de fato a restrição a uma faixa de cilindrada até 1.0L acaba soando especialmente estúpida ao se levar em conta casos como o do Fiat Palio Fire que para exportação usava o motor de 1.3L e depois 1.4L ao invés de seguir a especificação nacional. Naturalmente é importante ressaltar que o "carro 1.0" não é exatamente uma excentricidade brasileira, embora historicamente venha jogando contra a economia de escala num contexto latino-americano dada a prevalência dessa faixa de cilindrada ter se mantido mais restrita ao Brasil. Porém, oferece uma boa perspectiva para observar outra incoerência que se dá na ênfase à potência para fins de marketing em detrimento do torque, que se evidenciava no caso do Palio ao ter o motor Fiasa substituído pelo Fire indo de 61cv a 6000 RPM e 8,1kgfm a 3000 RPM para 55cv a 5500 RPM e 8,5kgfm a 2500 RPM considerando sempre versões movidas só a gasolina.
A bem da verdade, mesmo que os motores de 1.0L sejam frequentemente reputados como sofríveis por uma parte do público generalista que vê qualquer faixa de cilindrada mais alta como uma forma de ascensão, não se pode ignorar que trata-se de uma meia-verdade a suposição de que simplesmente recorrer a um motor maior vá melhorar o desempenho, e o mesmo se aplicava a gerações anteriores de motores Diesel leves que ainda encontravam refúgio na América Latina dadas as regulamentações de emissões mais permissivas que as da União Européia. É oportuno lembrar especificamente no caso do Fiat Palio a predominância de um motor Diesel de 1.7L oferecido tanto em versões de aspiração natural quanto turbo cuja vantagem no torque para o aspirado com 10,2kgfm a 2900 RPM era muito mais estreita do que a diferença de cilindrada pode sugerir, além de alguns exemplares anteriores ao facelift que marcou a transição do motor Fiasa para o Fire terem chegado ao Uruguai com um motor Diesel de 1.3L desfavorecido não somente na potência de 45cv a 5700 RPM mas também no torque de 7,54kgfm a 3000 RPM. Como um motor aparentemente tão limitado ainda tinha quem o preferisse pode parecer loucura hoje, entretanto além da rusticidade que se esperava facilitar manutenções com menos acesso a equipamentos sofisticados convém lembrar que um motor Diesel de injeção indireta como era o caso tanto do 1.7 quanto do 1.3 favorece experiências com o uso direto de óleos vegetais como combustível alternativo que atenderia bem às especificidades de países essencialmente agrários como Argentina, Uruguai e Brasil onde qualquer industrialização mais complexa tinha sempre o viés de substituição a importações que se revelou tão decisivo no período entre-guerras e se refletia até ao menos as décadas de '80 e '90 com algumas reaberturas de mercado especialmente notáveis no Brasil.
Enquanto as dificuldades tanto de ordem técnica quanto política em torno do etanol após o desmonte do ProÁlcool desencorajavam uma retomada desse combustível alternativo em momentos que parecia um devaneio apostar que a tecnologia "flex" conquistaria uma hegemonia no Brasil, bem como o fato do gás natural ter sido regulamentado para uso particular em '96 ainda esbarrar numa disponibilidade limitada de postos que o suprem, por incrível que pareça a relativa precariedade do óleo diesel teve a particularidade de proporcionar alguma estabilidade nos mercados regionais que fomentou uma maior aceitação de motores Diesel que já ficariam defasados na Europa num prazo mais curto. Como seria de se esperar, um enfoque maior no aspecto essencialmente utilitário e na simplicidade técnica digna de um trator que ficasse ao relento na frente de algum celeiro que até o peão mais inexperiente duma fazenda conseguisse fazer alguns reparos podia ser mal interpretado por consumidores com um perfil mais urbano e pretensamente sofisticado por mais que permanecesse direcionado ao segmento dos "populares". Destacando no caso específico do Fiat Palio o fato de ser um projeto orientado desde o início a mercados "emergentes", para os quais antes se priorizava mais um aspecto essencialmente utilitário em detrimento de uma aparência mais próxima das preferências de mercados desenvolvidos, o estereótipo do hatch "popular" distanciava-se de qualquer pretensão para pleitear eventuais brechas na regulamentação ainda em vigor no Brasil que limita o uso de motores Diesel a veículos definidos como "utilitário" de uma forma arbitrária com base nas capacidades de carga e passageiros ou tração.

Contrariando e muito a questão dos "utilitários", além da ascensão da moda dos SUVs junto à classe média urbana, convém destacar a grande presença dos "populares" junto aos públicos de zonas rurais e nas periferias dos centros urbanos onde as condições de rodagem mais severas de certa forma levam à busca por uma redução nos custos de manutenção além do motor de modo que um hatch com tração dianteira como o Fiat Uno Mille Way acabassem encontrando outras finalidades que inicialmente não estavam de acordo com a proposta de "carro popular" aplicada pelo ex-presidente Fernando Collor de Mello e priorizavam mais ao consumidor urbano e suburbano. Portanto, já não se pode negar que as restrições ao uso de motores Diesel em veículos leves aliadas a um limite de cilindrada estabelecido sem tanta observância a critérios técnicos revelavam-se um dilema frente à necessidade de conciliar os custos de aquisição e manutenção e até mesmo possibilidades que se perderam para promover uma maior diversificação do mercado de combustíveis alternativos. Enfim, não se pode negar que um foco muito fechado em torno do público urbano sem considerar as reais necessidades de quem vê um carro econômico e versátil como uma ferramenta comparável a "utilitários" mais caros levou a política do "carro popular" a sustentar algumas incoerências, e tornar-se contraproducente no tocante à liberação do Diesel.