quinta-feira, 28 de outubro de 2021

Kombi: teria o fim de produção sido ditado realmente só pela questão da segurança?

Alçada da condição de utilitário para ser reconhecida como um ícone histórico e cultural, a Kombi tem ainda muitos apreciadores tanto pela austeridade no uso comercial quanto por uma versatilidade para os momentos de lazer, destacando-se o espaço interno conveniente até para acampar. Favorecida aos olhos do público generalista pela simplicidade do motor Volkswagen boxer refrigerado a ar e que chegou a ser oferecido tanto movido a gasolina quanto a etanol, em contraste com outros utilitários com capacidades semelhantes de carga ou passageiros mais frequentemente dotados de motores com mais cilindrada e de complexidade técnica maior, também apresenta em função do motor e tração traseiros uma desenvoltura para enfrentar condições de rodagem severas que muito SUV da moda está longe de equiparar. E apesar de permanecer apreciável para atender à efetiva necessidade de alguns operadores profissionais com um projeto essencialmente inalterado desde a década de '50, algumas questões que foram além das normas de emissões culminaram com o fim da produção em 2013, mas a Kombi ainda é presença constante nas ruas e estradas brasileiras.
Com a substituição do motor boxer então com cilindrada de 1.6L por uma versão de 1.4L e flex do EA-111 na transição para o ano/modelo 2005-2006, o aumento do peso em 47kg foi refletido na capacidade de carga nominal, que só permaneceu acima do mínimo de uma tonelada requerido para a homologação como "utilitário" de acordo com a regulamentação para autorizar um eventual uso de motor Diesel para a versão furgão. Nesse caso, além de uma parte do público ainda preferir a versão Standard envidraçada e homologada com 9 assentos porque o valor de revenda parecia mais atrativo que uma cargueira pura e simples, a Volkswagen do Brasil ter mantido o peso bruto total técnico no mesmo patamar de antes da substituição do motor parecia mais próximo de inviabilizar a continuidade da produção da Kombi após 2013 que a exigência de airbag para motorista e passageiro dianteiro e freios ABS implementada no Brasil em 2014 que no caso específico do airbag chegou a dispensar modelos considerados "utilitários" com base nos mesmos critérios de capacidade de carga e passageiros ou tração aplicados no tocante aos motores Diesel. Para um modelo que seguia em produção somente no Brasil, basicamente por causa de algumas peculiaridades do país que justificavam à Volkswagen manter essa operação mas inibiriam um investimento mais significativo em atualizações, o destino da Kombi estava selado.
Até podia fazer sentido simplesmente aumentar o PBT para acomodar alguns motores mais pesados que o boxer, incluindo do EA-111 flex a um eventual turbodiesel, que já havia se tornado uma característica essencial aos olhos de muitos operadores comerciais que já aderiam a outros utilitários mais modernos e com capacidades de carga maiores antes do fim da produção da Kombi. Vale destacar que o mercado de acessórios já fornecia reforços para a suspensão, mais direcionados aos adeptos de conversões para gás natural que podiam ser um quebra-galho em algumas aplicações mas permanece longe do ideal em uma campervan por exemplo, bem como a Volkswagen ter feito discretas alterações estruturais na Kombi em diferentes momentos durante o ciclo de produção do modelo no Brasil, portanto era tecnicamente viável levar adiante uma tentativa de "salvar" esse utilitário tão icônico. E mesmo que instalar airbags fosse na prática como enxugar gelo, além de requerer um investimento proporcionalmente mais alto, a presença dos freios ABS hoje até em motos de pequena cilindrada como a Yamaha XTZ 150 Crosser que desde 2019 usa esse sistema na roda dianteira é um indício suficientemente claro que mesmo um projeto mais antigo como o da Kombi poderia justificar a instalação mesmo diante de uma alegação que seria difícil acomodar os sensores.
Por mais que algumas regulamentações de segurança veicular sejam coerentes, e uma presença de freios ABS já alcançando motos utilitárias levasse a crer numa relativa facilidade para que até a Kombi viesse a permanecer viável no mercado brasileiro por mais alguns anos, aparentemente uma oferta de motores muito restrita e a indisponibilidade de conveniências como ar condicionado e direção hidráulica podem ter sido até mais determinantes que a exigência de airbag em veículos sem tração 4X4 com capacidade de carga inferior a uma tonelada e acomodação para menos de 9 passageiros além do motorista. Como o público cativo da Kombi muitas vezes priorizava a possibilidade de conduzir com habilitação categoria B, essa condição inviabilizava aumentar a quantidade de assentos para classificar como microônibus e burlar a obrigatoriedade do airbag ao mesmo tempo que teria assegurado o direito de usar motor Diesel. Enfim, observando desde uma aptidão ao uso severo até algumas características hoje ganhando espaço numa classe de veículos como a das motos que é tão alheia à proposta da Kombi, fica claro que o fim da produção pode não ter se dado exclusivamente pela questão da segurança

segunda-feira, 25 de outubro de 2021

Reflexão: poderia uma maior prevalência do Jeep "flatfender" em proporção ao CJ-5 ter favorecido esse tipo de veículo em uso particular?

Uma linha marcada pelo batismo de fogo dos Willys MB na II Guerra Mundial, que no fim do conflito daria origem ao CJ-2A como primeiro Jeep para o mercado civil ainda equipado com o motor Go Devil de válvulas laterais e culminando no CJ-3B que adotava um compartimento de motor mais alto visando acomodar o motor Hurricane que tinha uma altura maior trazendo as válvulas de admissão no cabeçote, a linha conhecida como "flatfender" entre entusiastas norteou o desenvolvimento de derivativos do Jeep Willys em países tão diversos quanto Índia, Filipinas, Japão e até Espanha. Mais curtos e estreitos que gerações subsequentes da linha CJ, se revelavam convenientes tanto em manobras militares quanto para uma infinidade de usos em tempos de paz, conciliando uma capacidade de tração especialmente útil nas atividades agropecuárias e tamanho prático para trafegar por ruínas do pós-guerra em meio aos esforços de reconstrução. Trazidos ao Brasil somente com os motores originais a gasolina, em outros países uma procura mais imediata por economia de combustível fomentava adaptações de motores Diesel desde os modelos com capô baixo nas Filipinas, e o desenvolvimento de versões regionais do CJ-3B já contando com essa opção na Índia pelas mãos da Mahindra, no Japão onde a Mitsubishi desenvolveu uma linha de motores Diesel por conta própria a partir do Hurricane, e na Espanha onde o motor Perkins 4-108 foi tão requisitado que rapidamente prevaleceu.

Com a produção da linha Jeep CJ no Brasil concentrando-se no modelo CJ-5 entre as décadas de '50 e '80, iniciada com uma versão de 6 cilindros do motor Hurricane e posteriormente usando o motor Ford OHC 2.3 com 4 cilindros que equipou o Maverick, permaneceu a concepção austera e essencialmente utilitária da qual as gerações mais recentes de SUVs estão cada vez mais distanciadas. E se hoje apesar da altura ainda causar uma impressão de ser maior para quem observa de fora, algo que de certa forma é desejável aos olhos de uma parte do público em busca de um veículo com aparência mais robusta com o intuito de "impor respeito" aos outros motoristas e também a pedestres e ciclistas mais relapsos, largura e comprimento se mantiveram em patamares que até podem ser considerados mais razoáveis que os de algumas gerações de carros compactos e "populares" com projetos muitos mais recente, em que pese a configuração com motor longitudinal no Jeep requerer um espaço melhor aproveitado nos automóveis generalistas da atualidade que incorporaram o motor transversal e a tração dianteira como padrão. Vale lembrar que no exterior o CJ-5 foi oferecido com uma grande variedade de motores, desde uma versão do Go Devil com a cilindrada aumentada de 2.2L para 2.5L mas ainda com válvulas laterais somente na Argentina até um V8 da AMC, e dispôs até mesmo do Perkins 4-192 de 3.1L como uma opção Diesel que chega a soar especialmente peculiar sob uma perspectiva brasileira, tendo em vista que no Brasil o CJ-5 nunca foi oferecido em versões Diesel mesmo tendo sido a principal referência para a inclusão dos jipes entre os veículos reconhecidos como "utilitários" para fins de homologação à medida que surgiam as restrições ao uso de motores Diesel em automóveis e alguns utilitários leves com base na capacidade de carga e passageiros ou tração.

Considerando uma consolidação do mercado brasileiro em torno de automóveis compactos que ganhou força com a chegada da Volkswagen e o sucesso do Fusca, levando até fabricantes americanos como a General Motors a buscarem uma receita mais européia com o Chevrolet Chevette que foi o equivalente nacional do Opel Kadett C, é bastante fácil deduzir que os "flatfenders" poderiam ter proporcionado um ambiente mais favorável ao desenvolvimento de uma cultura análoga à do que se conhecia nas Filipinas como "owner-type Jeep" geralmente baseados em reproduções da carroceria do Willys MB e um chassi artesanal. No tocante a motores, enquanto os Isuzu C240 de 2.4L e 4BA1 de 2.8L faziam sucesso junto ao público filipino, é conveniente recordar que carrocerias feitas em aço inox nas Filipinas com base no Willys MB chegaram a ser usadas nos Estados Unidos para a montagem do que se conhece por "Veep", associando a mecânica Volkswagen ao estilo característico do Jeep que começava a ser mais apreciado como veículo de lazer entre as décadas de '70 e '80 quando "caminhões leves" eram uma boa opção para os fabricantes instalados nos Estados Unidos serem menos impactados pelas normas de emissões e por metas de redução de consumo de combustível aplicáveis aos automóveis. Tendo em vista que seria mais fácil adaptar a "flatfenders" um conjunto mecânico de automóvel compacto mantendo um desempenho satisfatório, e valendo-se da mesma licença poética que levou ao predomínio da tração somente traseira no "owner-type Jeep", eventualmente um motor como o Isuzu 4FB1 de 1.8L que chegou a equipar em mercados de exportação o Chevette brasileiro teria caído como uma luva.

Por mais inegável que seja a importância histórica do Jeep CJ-5 também num contexto brasileiro, e até a distinção de ter sido o primeiro veículo produzido em série no Nordeste quando a Willys-Overland do Brasil chegou a operar uma linha de montagem na cidade pernambucana de Jaboatão dos Guararapes, o eventual descaso com relação aos antecessores desse modelo junto a uma parte do público generalista é absolutamente injustificado e resulta de alguma ignorância. Com uma configuração básica que serviu às mais diversas necessidades mundo afora, a linha Jeep CJ de um modo geral ainda é uma referência para o segmento de utilitários por ter inaugurado a categoria que viria a ser denominada "jipe" e influenciou em parte até a obsessão por SUVs que hoje se observa nas mais distintas regiões. E por mais que num primeiro momento possa soar improvável, além do mais que em alguns momentos o Jeep CJ-5 chegou a ser o veículo 0km mais barato à venda no Brasil, a princípio uma maior prevalência dos "flatfenders" poderia ter favorecido essa categoria de veículo junto a usuários particulares.

sexta-feira, 22 de outubro de 2021

5 utilitários que poderiam justificar um motor turbodiesel de 3 cilindros numa faixa ao redor de 3.0L de cilindrada

Uma série de circunstâncias tem levado a especulações quanto à viabilidade de motores turbodiesel de médio a longo prazo, embora permaneçam adequados a uma série de condições operacionais que ainda são a regra especialmente no tocante a veículos utilitários comerciais. Diferentes abordagens que vão de propostas um tanto infundadas de simplesmente empurrar o gás natural ou até mesmo uma eletrificação total são constantemente alardeadas como uma hipotética "salvação", ignorando algumas oportunidades que um motor moderno e eficiente poderia proporcionar também no âmbito de uma "sustentabilidade" alçada à condição de um mantra repetido à exaustão por marqueteiros e outros encenadores de virtude. Portanto, considerando um contexto que vá desde a economia de escala e simplificação da logística de reposição de peças até uma efetiva aptidão a determinadas aplicações, já poderia ser o caso de avaliar a hipótese de recorrer a motores de 3 cilindros em novas gerações ou atualizações de alguns utilitários, e vale destacar ao menos 5 modelos que seriam bons exemplos da adequação que essa abordagem teria numa faixa em torno de 3.0L de cilindrada:

1 - Iveco Daily: equipado com motores entre 2.3L e 3.0L e 4 cilindros de acordo com as versões, só ser produzido por um grupo industrial que também é muito forte no setor de maquinário agrícola seria mais convidativo a um motor de 3 cilindros como já se usa em alguns tratores New Holland. Naturalmente, a regulamentação de emissões aplicável a uma caminhonete é mais rígida quando comparada às normas MAR-I que um trator hoje precisa cumprir para ser vendido no Brasil, e nesse caso a semelhança entre um motor agrícola e os que costumam ser usados em caminhões e chassis para ônibus já simplificaria a implementação de instalações de filtro de material particulado (DPF) e do sistema SCR compartilhadas com utilitários mais pesados já equipados com motores entre 4 e 6 cilindros com uma concepção mais modularizada para abranger às diferentes faixas de cilindrada e potência;

2 - Toyota Hilux: mesmo sendo mais lembrada no Brasil como um ícone dos agroboys, a Hilux ainda é apreciada também pela aptidão a diversos trabalhos. Embora hoje a única opção turbodiesel disponível no Brasil seja o 1GD-FTV de 2.8L e 4 cilindros, é importante destacar como a Toyota oferece diferentes motores mundo afora, desde o 5L-E de 3.0L aspirado e ainda com injeção indireta até o 2GD-FTV com cilindrada de 2.4L que é basicamente como se fosse o 1GD-FTV com um curso de pistões mais curto. A princípio, a eventual inclusão de um hipotético motor de 3 cilindros por volta de 3.0L que viesse a ser direcionado mais especificamente a usos profissionais que viesse a compartilhar algumas características de projeto com motores entre 4 e 6 cilindros já oferecidos nos caminhões Hino produzidos pela Toyota e oferecidos em outros mercados seria viável tanto tecnicamente quanto no tocante à logística;

3 - Ford Ranger: a atual geração do modelo é oferecida somente com motores produzidos pela própria Ford, com destaque para os Duratorq "Puma" de 2.2L com 4 cilindros ou 3.2L de 5 cilindros de acordo com a versão ainda oferecidos no Brasil e para o EcoBlue de 2.0L e 4 cilindros que passou a ser o único motor usado na Europa nas configurações turbo ou biturbo em substituição aos anteriores e já oferecido em versões mais sofisticadas também em outras regiões. Precedentes do outsourcing de motores Diesel na categoria das pick-ups médias, bem como a boa relação que a Ford mantinha com a Cummins até o encerramento da produção de caminhões no Brasil, levariam a crer que um motor com 3 cilindros entre 2.9L e 3.4L operando numa faixa de rotações mais modesta e com picos de torque mais vigorosos que o 2.2 usado em versões mais austeras da Ranger fabricada na Argentina de onde é importada para o Brasil cairia como uma luva para operadores profissionais, enquanto ao menos um motor com 4 ou 5 cilindros daria conta de atender a um público que ficou mais atraído pela sofisticação das gerações mais recentes de motores turbodiesel de alta rotação nas caminhonetes para uso como veículo particular;

4 - Mercedes-Benz Sprinter: embora os motores turbodiesel de alta rotação com 4 cilindros usados na Sprinter nunca tenham sido um empecilho para o sucesso comercial, é inegável que o recrudescimento de algumas políticas supostamente "ecológicas" e uma insistência em apresentar a hibridização como se fosse inerentemente antagônica aos motores turbodiesel em veículos leves acabariam por dificultar uma economia de escala que viesse a ser alcançada por um compartilhamento de motores mais sofisticados com automóveis e SUVs. No caso específico da Mercedes-Benz, com a Sprinter sendo comercializada através da mesma rede de concessionários destinada aos caminhões e chassis para ônibus, seria o caso de considerar também uma eventual simplificação da logística de reposição de peças se fosse oferecido um motor de 3 cilindros compartilhando um mesmo projeto modular com motores entre 4 e 6 cilindros que são usados nos caminhões e ônibus. Considerando também uma negociação recente entre a Daimler (detentora da marca Mercedes-Benz) e a Cummins, cujo objetivo é exatamente a diminuição nos custos de desenvolvimento de motores para caminhões e os dispositivos de controle de emissões que venham a ser associados aos mesmos, expandir um aproveitamento dessa cooperação estratégica para uma linha de utilitários mais leve até pode fazer algum sentido;

5 - Troller T4 de 1ª geração: dentre as 3 opções de motor turbodiesel oferecidas nesse modelo, todas com 4 cilindros, foram entre 2.8L para o MWM Sprint 3.07 TCA de injeção mecânica usado em versões Euro-2 até 3.2L no MWM MaxxForce 3.2 que equipou os exemplares homologados nas normas Euro-5, e cada progressão entre as regulamentações de emissões acabou sendo um tanto traumática aos olhos de uma parte do público. Se o motor MWM-International 3.0 NGD usado nas versões Euro-3 do Troller e da Ford Ranger suscitou alguma dúvida quanto à aptidão para enfrentar condições ambientais extremas por já ter gerenciamento eletrônico, além do mais que esse motor usava um sistema da Siemens que é mais difícil para encontrar assistência técnica independente em comparação aos da Bosch, o MaxxForce foi ainda mais questionado por ter sido usado somente no Troller de 2012 a 2014 anteriormente a uma mudança de geração. Considerando que os 3 motores eram produzidos pelo mesmo fornecedor, e diga-se de passagem ainda produz algumas linhas de motores modulares para aplicações tão diversas quanto caminhões e maquinários especializados, a princípio um eventual desenvolvimento de ao menos uma versão de 3 cilindros dentro da mesma faixa de cilindrada dos motores que equipavam originalmente o T4 de 1ª geração cairia como uma luva e novamente vale destacar um aproveitamento dos sistemas de controle de emissões com os já aplicados a caminhões e ônibus com motor MWM/MaxxForce entre 4 e 6 cilindros. Um hipotético motor MWM entre 2.9L e 3.2L com 3 cilindros abrangendo especificações desde Euro-2 a Euro-5 também acabaria caindo como uma luva para reposição e adaptações em modelos de outros fabricantes.

quinta-feira, 14 de outubro de 2021

Breves observações sobre a influência do Toyota Land Cruiser J40

Mais conhecido no Brasil pela denominação regional Toyota Bandeirante, o Land Cruiser da série J40 é um dos utilitários mais icônicos a nível mundial, destacado tanto para aplicações particulares quanto em uso efetivamente profissional nas condições mais severas. Embora oficialmente a Toyota considere que a série 40 foi lançada em 1960, na prática as origens podem ser remontadas a 5 anos antes quando ainda se usava a designação de série 20, mas invariavelmente teve grande importância para uma consolidação da indústria automobilística japonesa como competitiva nos principais mercados à época e desbravar os mais desafiadores terrenos em regiões onde os fabricantes ocidentais falharam em "popularizar" o carro. Entre jipes mais curtos e estreitos que a grande maioria dos carros "populares" brasileiros da atualidade, e pick-ups austeras que fogem ao estereótipo dos "cowboys de posto", a grosso modo uma influência do Toyota Land Cruiser J40 pode fomentar até uma inusitada comparação com o Ford Modelo T.

Levando em consideração que tanto o Modelo T quanto o Land Cruiser J40 tiveram ciclos de produção relativamente longos sem alterações drásticas nas respectivas concepções originais, e com uma aptidão para trafegar por trechos rústicos como prioridade, uma massificação do automóvel nos Estados Unidos com o "Ford Bigode" ter alcance relativamente limitado proporcionou condições semelhantes quando a Toyota iniciou uma expansão mundo afora. De um calhambeque com pretensões mais generalistas a um jipe austero, ambos chegaram a países como o Brasil em épocas que só rico conseguia comprar veículos novos, e também é conveniente frisar como se destacam por apresentar uma configuração mais "bruta" em comparação a sucessores tanto diretos quanto indiretos nas mais diferentes regiões. O caso do Ford Modelo T em algumas localidades brasileiras ter sido o primeiro carro a trafegar acabou sendo repetido pelo Land Cruiser em outros países, e foi fundamental para a Toyota até abrir espaço para a influência japonesa que permanece bastante sólida nos segmentos generalistas pelos mercados automobilísticos da África e do Oriente Médio onde até hoje utilitários Toyota lideram com folga os rankings das vendas de automóveis novos, contrastando com a imagem muito mais prestigiosa atribuída aos carros "japoneses" no Brasil extensiva aos utilitários.

Destacando também a classificação como utilitário tendo viabilizado o uso de motores Diesel por todo o ciclo de produção estendido de '58 a 2001 no Brasil, desde o outsourcing junto à Mercedes-Benz até o motor Toyota 14B que foi aplicado aos últimos anos-modelo, o Toyota Bandeirante ter usado uma caixa de transferência com velocidade simples chegou a servir de parâmetro para o Exército definir entre os Requisitos Operacionais Básicos (ROBs) uma equivalência entre a 1ª marcha tipo crawler e uma dupla velocidade conhecida como "reduzida" na caixa de transferência dos veículos 4X4 com capacidade de carga nominal inferior a uma tonelada como era o caso do jipe. Tal norma permanece em vigor, mesmo que o próprio Bandeirante tenha chegado a contar com "reduzida" na década de '90. Mesmo que fosse visto pelo público generalista como um tanto "especializado", e portanto a demanda tenha ficado muito mais concentrada junto a usuários que buscavam exatamente por um veículo 4X4 abrangendo desde os adeptos do off-road recreativo quanto as forças militares, essa situação só reforça como o Toyota Land Cruiser J40 exerceu uma influência significativa também no Brasil com o Bandeirante.

Naturalmente a complexidade técnica inerente à tração nas 4 rodas e um custo proporcionalmente mais alto fomentaram uma imagem mais "especializada" ao Toyota Land Cruiser J40/Bandeirante no Brasil, enquanto uma parte considerável do público generalista se dava por satisfeita com a configuração vista como mais despretensiosa de motor e tração traseiros aplicada pela Volkswagen ao Fusca. Enquanto um utilitário parecia longe de alcançar o prestígio hoje observado em meio à moda de SUVs, de certa forma poderia parecer exagero atribuir à Toyota uma influência tão significativa no mercado brasileiro quanto a da Volkswagen, tendo em vista que é comum atribuir a antiga preferência por carros de duas portas ao sucesso do Fusca, embora a diferenciação entre Bandeirante e Fusca seja muito mais clara comparada à que se possa observar junto ao "Ford Bigode". Portanto, ainda que num primeiro momento soe um tanto confuso, é inegável que um utilitário como o Toyota Land Cruiser J40 foi tão relevante quanto alguns carros declaradamente "populares".

sexta-feira, 8 de outubro de 2021

Uma perspectiva sobre o Suzuki Vitara de 1ª geração e como um SUV de concepção tradicional ainda pode fazer sentido

Um daqueles modelos mais destacados em meio à reabertura do mercado brasileiro às importações na primeira metade da década de '90, o Suzuki Vitara (incluindo algumas versões denominadas Sidekick e destinadas ao mercado americano trazidas ao Brasil por importação independente) pode ser considerado um precursor da atual obsessão por SUVs tanto a nível nacional quanto mundial. Apresentado já no fim da década de '80 em outras regiões, enfrentou medidas protecionistas contra os veículos de fabricação japonesa tanto nos Estados Unidos quanto na União Européia, tendo contado também com produção no Canadá para contornar a Chicken Tax americana (com o mercado canadense recebendo o Vitara feito no Japão mesmo) através do NAFTA e na Espanha para contornar as cotas de importação na Europa. Com um porte compacto para os padrões entre os SUVs de um modo geral à época do lançamento, além de ser mais curto e estreito que muitos hatches "populares" de hoje, certamente pode-se atribuir ao Suzuki Vitara de 1ª geração até mesmo uma influência sobre a atual moda de SUVs apesar de apresentar uma concepção técnica mais condizente com a classificação americana de "caminhão leve".
Embora as versões 4X4 tenham contado com um maior destaque no Brasil, o Vitara até chegou a dispor de configurações mais modestas com tração somente traseira praticamente impossíveis de encontrar um remanescente, e de certa forma eram um precedente ainda mais próximo para o enfoque mais urbanóide que vem sendo dado a gerações mais recentes de SUVs. Se por um lado as proporções até hoje bastante compactas podem induzir desavisados ao erro de crer que seja um "carrinho da Barbie" mais adequado a marcar presença em estacionamentos de shoppings, por outro a concepção tradicional com um chassi separado da carroceria e o motor dianteiro longitudinal com o eixo traseiro rígido sempre tracionado já é mais frequentemente associada a caminhões e calhambeques aos olhos de quem se acostumou à idéia dos "crossovers" derivados de automóveis com estrutura monobloco e o predomínio da tração dianteira. Portanto, fica mais difícil negar que ainda se tratasse de um utilitário de respeito, cujo projeto inicial foi suavizado em alguns aspectos como a suspensão dianteira independente sem abdicar de uma prioridade dada à capacidade de incursão off-road mesmo que essa característica viesse a ser pouco explorada por uma parte do público.
Enquanto hoje a categoria de SUVs acaba sendo vista como sinônimo de tamanho e peso excessivos em detrimento de uma melhor capacidade de carga e passageiros hoje ainda mais facilmente encontrada em outros tipos de carroceria que acabam sendo negligenciadas pelos principais fabricantes tanto no Brasil a troco de nada quanto nos Estados Unidos por causa da classificação de emissões mais favorável a um "caminhão leve" que a um carro mais "normal" na mesma faixa de tamanho, na prática o Suzuki Vitara de 1ª geração mantinha uma certa coerência a uma proposta utilitária também considerando as infelizes restrições ainda hoje em vigor ao uso de motores Diesel no mercado brasileiro. Pequeno o bastante para atender bem a um público essencialmente urbano e encantado mais pela imagem de robustez, já desafia as incoerências da classificação arbitrária de "utilitários" que viabiliza no âmbito burocrático eventuais adaptações de motor Diesel. Enfim, por mais que a indústria automobilística e os cenários regulatórios em alguns dos principais mercados mundiais venham tomando rumos incoerentes, o Suzuki Vitara de 1ª geração demonstra como um SUV de concepção tradicional ainda pode fazer sentido.

segunda-feira, 4 de outubro de 2021

Caminhão mexicano Dina D9400

Com uma concepção facilmente reconhecível como americana, esse caminhão Dina D9400 derivado do International 9400 chama a atenção, e contrasta com a predominância de caminhões de origem européia no Brasil. Fabricado no México pela Diesel Nacional S.A. (Dina) sob licença da Navistar International, correspondia ao International 9400 americano e foi equipado com uma versão mexicana produzida sob licença do motor Cummins da série N, de 14 litros e 6 cilindros em linha. Adornos metálicos na grade e nas laterais do capô adicionados no Brasil mesmo até fazem referência à International, mas os logotipos da Dina na grade indicam a peculiar origem desse clássico americano, que por ser do ano-modelo '95 é ainda mais surpreendente de ser visto no Brasil, tanto por ser anterior aos acordos bilaterais referentes à comercialização de veículos com benefícios fiscais quanto por ter menos que os 30 anos de antiguidade necessários para ser oficialmente reconhecido como colecionável.
Embora as placas correspondam à categoria de veículos para uso comercial, mas já no padrão Mercosul, esse exemplar aparentemente já foi alçado à condição de xodó de algum entusiasta de veículos pesados, e um pneu sobressalente montado junto à quinta-roda recoberto por uma capa leva a crer que tenha sido "aposentado" dos serviços pesados para o qual foi desenvolvido, e diga-se de passagem ainda seria apto a executar com maestria. Naturalmente a cabine convencional "bicuda", com um leito maior que o usual nos caminhões de origem européia, tende a proporcionar mais conforto ao operador, chegando até a ser convidativa para um uso em viagens de lazer, mesmo sem chegar ao extremo de descaracterizações que uma transformação para motorhome avançando mais sobre a extensão do chassi a ponto de impedir que se acoplasse um semi-reboque poderia acarretar. A presença de um climatizador evaporativo, acessório tão comum em caminhões brasileiros mas pouco difundida nos Estados Unidos e no México, também já proporciona um melhor conforto para dormir dentro da cabine sem a necessidade de manter o motor em funcionamento somente para que o compressor do ar condicionado pudesse funcionar durante as pausas para descanso.
Embora a Dina tenha se retirado do mercado de caminhões em 2001, logo após o rompimento unilateral pela Daimler (mais conhecida no Brasil como detentora da marca Mercedes-Benz) de um contrato que havia sido firmado com a Western Star Trucks antes que fosse vendida à Daimler, a empresa permanece operando no México concentrada na produção de ônibus, e antes desse episódio chegou até mesmo a se associar à tradicional fabricante gaúcha de ônibus Marcopolo para a produção de ônibus rodoviários das linhas Viaggio e Paradiso que eram montados sobre chassis de alumínio feitos pela própria Dina. Ainda que seja pouco provável uma utilização de ligas de alumínio na fabricação dos chassis dos caminhões, é mais uma curiosidade na história dessa fábrica fundada em '51 pelo governo mexicano, privatizada em '89. Enfim, em meio a todo o destaque que os caminhões americanos tem no imaginário de uma parte do público brasileiro, a presença de um exemplar mexicano ganha contornos ainda mais curiosos.

sexta-feira, 1 de outubro de 2021

Caso para uma reflexão improvável: Fusca rat-look

Um daqueles casos particularmente improváveis, mas que fomenta uma reflexão, é como um veículo de proposta originalmente austera a exemplo do Fusca foi alçado a uma condição de ícone cultural dentro e fora do Brasil, tendo originado diversas vertentes entre os entusiastas abrangendo até o estilo que viria a ser conhecido como HoodRide ou RatVolks. Com uma origem de certa forma análoga à dos hot-rods de concepção essencialmente americanizada, mas seguindo mais especificamente a estética dos rat-rods que dão uma ênfase à aparência de um desgaste acentuado, tornou-se relativamente fácil se deparar com algum Fusca ou outros modelos antigos da Volkswagen com motor e tração traseiros enquadrados nessa idéia que foi mais divulgada no Brasil à medida que a internet ganhava espaço e facilitava a difusão dos mais variados tipos de preparação ou personalização de automóveis. Naturalmente houve estranheza na época que o rat-look começou a ser mais visto no Brasil, a ponto de alguns veículos chegarem até a ser confundidos com carcaças abandonadas em vias públicas, mesmo estando em condições operacionais melhores que a sugerida pelo aspecto visual mais "largado".

A estética é um fator extremamente subjetivo, e dificilmente uma abordagem única tenderia a agradar a todos os grupos dentre os apreciadores de veículos antigos, valendo acrescentar alguns questionamentos também no tocante à própria continuidade do motor de combustão interna ameaçada mundo afora pelas mais baixas politicagens travestidas de "consciência ambiental" e eventualmente ignorando uma maior adaptabilidade que alguns veículos antigos possam ter para operar com combustíveis alternativos. Uma extensão da vida útil operacional de um carro antigo pode fazer sentido ao considerarmos todo o gasto de energia nem sempre "limpa" que seria destinada tanto ao beneficiamento de matérias-primas quanto às operações inerentes mais especificamente à produção de um veículo novo, mesmo considerando até a diferença entre regulamentações de emissões aplicáveis a cada período e também o inevitável consumo de peças de reposição. Até no tocante a motores, fica impossível assegurar que algumas "verdades" tão repetidas à exaustão pela mídia sejam realmente condizentes com a realidade, e no hipotético caso de se fazer necessária a substituição de um motor antigo por outro fora da especificação original nada impede que um motor Diesel proporcione um resultado satisfatório e já consiga se manter enquadrado a normas de emissões mais severas que as da época de fabricação do veículo original, embora uma adaptação de motor Diesel para o Fusca seja proibida no Brasil com base na soma entre a capacidade de carga abaixo de uma tonelada com acomodação para menos de 10 ocupantes e da tração somente traseira escapando à definição arbitrária quanto aos requisitos para homologar um veículo como "utilitário".

Além da já conhecida adaptabilidade para operar com gás natural e etanol, em que pesem as limitações da refrigeração a ar para a estabilização da marcha-lenta e da temperatura dos gases de escape que é um fator determinante para a eficiência tanto do motor quanto de sistemas de controle de emissões como o catalisador que esteve ausente do Fusca brasileiro ao longo do primeiro ciclo de produção do modelo, é relevante observar que mesmo o constante alarmismo midiático em torno da gasolina permanece longe de ser suficiente para inviabilizar o motor de combustão interna de um modo geral. Por mais que alguns adeptos da imagem "asséptica" e politicamente-correta de veículos elétricos ignorem diversas condições operacionais fora de uma bolha hi-tech e prefiram simplesmente demonizar a gasolina e o óleo diesel ao invés de apoiar a busca por soluções passíveis de uma implementação segura e até "sustentável", ver a sobrevida de um carro clássico em uso normal ainda fomenta uma reflexão quanto à maior coerência de se cogitar até a hipotética adaptação de motores "de trator" ao invés do imediatismo alarmista que já dá como certa uma extinção gradual do motor de combustão interna a partir de 2025. Até a antiguidade do Fusca contrastando com a quantidade de gadgets eletrônicos a bordo de veículos novos, e a presença da injeção eletrônica hoje indispensável tanto em motores de ignição por faísca quanto nos mais modernos turbodiesel, na prática mantiveram inalterada a relevância dos ciclos termodinâmicos Otto e Diesel.