quinta-feira, 23 de fevereiro de 2023

Clássico nacional: GMC 3500 HD

Um dos modelos que mais marcaram a conturbada última etapa da produção de caminhões e pick-ups full-size da General Motors do Brasil, quando o ano 2000 foi marcado pela transferência da produção da Chevrolet Silverado da Argentina para o Brasil, e pelo lançamento de um modelo semelhante com a marca GMC mais focada em aplicações comerciais. O mais lógico seria usar o nome GMC Sierra como nos congêneres americanos, mas foi usada a nomenclatura 3500 HD que nos Estados Unidos era usada por modelos maiores e de proposta semelhante à dos modelos 6-100 e 6-150 que foram importados de '96 a '98 da Argentina e posteriormente fabricados no Brasil até o final de 2001. Com uma mudança que havia sido implementada em '96 reservando a marca Chevrolet para veículos leves e reposicionando os caminhões sob a marca GMC, para a qual foi implementada uma rede de concessionárias independente da que servia aos automóveis e caminhonetes Chevrolet, já era uma estratégia um tanto equivocada, e a aposta em veículos importados somada a uma nacionalização progressiva que se revelaria demasiado lenta e pouco efetiva abreviou o ciclo de modelos como o GMC 3500 HD especificamente brasileiro.

Uma curiosidade específica com relação ao GMC 3500 HD era o fato de ser considerado caminhão, em função do peso bruto total de 3520kg que excedia por meros 20kg o limite máximo que permitiria a um motorista habilitado na categoria B dirigir legalmente, sendo necessária a categoria C ou superior, mais até em função de uma redução de impostos em comparação à Chevrolet Silverado que era tecnicamente idêntica. Com ambos os modelos pesando 2190kg, a capacidade de carga nominal do 3500 HD chegava a 1330kg, enquanto a Silverado ficava limitada a 1110kg no mesmo parâmetro e tinha o PBT de apenas 3300kg que se mantinha com pequena folga dentro do limite que possibilitava a condução com carteira de habilitação categoria B sem problemas, mantendo-se rigorosamente indênticos em outros parâmetros técnicos. O motor MWM Sprint 6.07T de 6 cilindros em linha e 4.2L com turbo porém sem intercooler, com a potência de 150cv a 3400 RPM e torque de 37kgfm a 2000 RPM, até proporcionava desempenho satisfatório para os padrões do Brasil à época, embora a falta de um intercooler fosse uma desvantagem em comparação à versão com intercooler desse mesmo motor que rendia 180cv a 3400 RPM e 51kgfm a 1600 RPM na principal concorrente (e única sem considerar as importações independentes).

Além do ciclo mais curto no Brasil em comparação com a Silverado que já havia chegado oficialmente em '97 ainda importada da Argentina, naturalmente a exigência de CNH categoria C e a rede autorizada com menos pontos de vendas e assistência técnica oficial certamente influenciaram para um GMC 3500 HD haver se tornado relativamente raro, bem como as mudanças no perfil do mercado de caminhonetes a partir da chegada de modelos mid-size na década de '90 canibalizando com as full-size principalmente junto a um público mais urbano, além da ausência de opções como cabine dupla e tração 4X4 de fábrica que começavam a ser mais demandadas pelo grande público em meio à transição para as mid-size. Uma peculiaridade a ser destacada também é o fato do modelo ser na prática análogo à GMC Sierra C2500, e manter a configuração de cabine simples com carroceria curta que nos similares feitos fora do Mercosul ter sido usada só nos modelos C1500 de tração traseira ou K1500 com tração 4X4 conforme os nomes usados nos modelos americanos e mexicanos. O exemplar das fotos ainda é digno de destaque por ser do ano-modelo 2001-2002, último da linha de caminhões e pick-ups full-size em São José dos Campos.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2023

Caso improvável para reflexão: Honda CR-V de 2ª geração e a configuração de 10 assentos para as Filipinas

Primeiro modelo da linha a ter oferecido em algumas regiões um motor turbodiesel, o Honda C-RV de 2ª geração usou principalmente na Europa mas também em partes da Ásia e da África o motor Honda N22A de 2.2L a partir de 2004, mas somente com tração 4X4 e câmbio manual nessa geração que teve o ciclo de produção entre 2002 e 2006. Situação semelhante à de outros SUVs que eram vendidos no Brasil à época, que reservavam a conveniência do câmbio automático apenas para versões com motor a gasolina, embora o Honda CR-V nunca tenha disposto de motores turbodiesel por aqui, cabe destacar as possibilidades que o fabricante deixou de explorar para eventualmente ter conseguido homologar até no Brasil as versões turbodiesel. Uma delas seria bastante óbvia, escalonar as relações de marcha para que a primeira pudesse ser considerada análoga à reduzida de um veículo 4X4 com caixa de transferência de dupla velocidade, hoje bastante explorada até em SUVs mais recentes e oferecidos nas versões 4X4 só com câmbio automático, já a outra pode surpreender uma parte do público brasileiro...

Lembrando que no Brasil os veículos com acomodação para 9 ou mais passageiros além do motorista são documentados como microônibus sem distinção quanto ao tipo de carroceria, e até vans chegaram ao país com a opção por motor Diesel nas versões de passageiros com a capacidade de carga nominal inferior ao mínimo de uma tonelada exigido das versões de carga considerando os modelos com tração simples, o exemplo da versão conhecida como "10-cheater" nas Filipinas em alusão à classificação por capacidade de passageiros e tração para uma menor incidência de impostos em modelos homologados como "10-seater" é digna de nota. Embora a princípio pudesse haver uma maior resistência por parte do público da Honda no mercado brasileiro, e a exigência de CNH categoria D para conduzir (ao menos legalmente) veículos com 10 ou mais assentos eventualmente desencorajasse uma maior procura pela configuração caso fosse oferecida para tentar escapar às restrições ao uso de motores Diesel em veículos leves de tração simples e capacidade de carga inferior a uma tonelada no Brasil, é inegável a criatividade que a filial filipina da Honda teve enquanto produziu o CR-V em Santa Rosa, província de Laguna, na única geração do modelo que chegou a ser produzida lá exatamente em função da percebida facilidade de enquadrá-lo na normativa que regulamentou os AUVs (Asian Utility Vehicles) com uma concepção mais austera e destinados essencialmente a utilizações comerciais. Tal configuração só foi oferecida com a configuração de tração dianteira, tendo em vista que veículos de tração 4X4 recolhiam mais imposto nas Filipinas, e portanto há de se considerar que ainda poderia ser tentado o mesmo artifício no Brasil em caso de impossibilidade de classificar a primeira marcha no câmbio manual como sendo análoga a uma reduzida em modelos 4X4.

Embora tenha sido oferecido nas Filipinas exclusivamente com motor a gasolina, tal qual aconteceu no Brasil, o Honda CR-V de 2ª geração não deixa de chamar a atenção por conta da exploração de brechas em um regulamento que de um jeito ou de outro poderia ter alguma serventia em países tão distantes e a princípio mais parecidos do que se podia supor em alguns aspectos. Ambos são os países mais católicos das respectivas regiões, têm tradições culinárias bastante diversificadas, e em algum momento tiveram o mercado automobilístico afetado por alguma burocracia estúpida que mais atrapalhou que ajudou, e apesar das motivações serem distintas uma mesma solução surgida nas Filipinas ainda poderia ter caído como uma luva ao menos para uma parte do público que já se interessava por SUVs no Brasil à época. E assim como outros utilitários japoneses e coreanos recorriam ao mesmo expediente para poder dispor de motores Diesel no mercado brasileiro, tendo atraído até uma parte do público mais voltada a um uso particular/recreativo, até fazia sentido...

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2023

Utilitários chineses e a insistência em motores de ignição por faísca: uma estratégia a ser lamentada

É fácil perceber que a imensa maioria daquelas caminhonetes de fabricação chinesa, como as Effa V21 que ainda fazem relativo sucesso no mercado brasileiro dada a atual escassez de pick-ups compactas e efetivamente direcionadas ao uso profissional, seguem bem de perto a concepção básica de utilitários de origem japonesa com uma faixa de tamanho e cilindrada similares. No caso específico dos modelos que a Effa monta em Manaus, uma particularidade é o fato de ainda usarem somente o motor 1.3 a gasolina copiado da Suzuki pela Dongfeng Sokon, homologado no Brasil para usar gasolina com 22% de adição de etanol embora o mais usual seja encontrar gasolina com 25 ou 27% a depender do resultado da safra da cana e das cotações tanto do etanol quanto do açúcar no mercado internacional das commodities. Só a ausência de uma opção flex, que ainda poderia ter uma receptividade maior ao menos em São Paulo e outros poucos estados onde o etanol mantém uma demanda estável mesmo fora da safra que se estende de novembro a março, já é algo que chama a atenção, além do mais diante do recente recrudescimento das normas de emissões em vigor no Brasil que passaram a estar mais equiparadas às americanas que às européias especialmente no tocante a veículos com motor de ignição por faísca.
Tendo em vista ainda que as pick-ups Effa já estão apresentando capacidades de carga acima do mínimo de uma tonelada exigido para homologação de veículos de tração simples com acomodações para até 9 pessoas já incluindo o motorista serem considerados utilitários aptos ao uso de motor Diesel no Brasil, e portanto já fosse justificável oferecer tal opção e se fosse o caso valer-se do outsourcing junto a algum fornecedor de motores com fábrica no Brasil mesmo, também é curioso lembrar que até no segmento de pick-ups médias para as quais os fabricantes tradicionais passaram a deixar de lado a ignição por faísca no mercado brasileiro, os chineses que comercializam também pick-ups médias nos países vizinhos a exemplo da GAC Gonow que chegou a vender no Uruguai lançavam mão de motores muitas vezes já tidos como obsoletos mas ainda copiados à exaustão na China como o 4G64 da Mitsubishi ou o 4Y da Toyota para as versões a gasolina. Naturalmente é uma estratégia favorecida pela economia de escala ao usar motores cujo projeto já é bastante conhecido e a assistência técnica vá requerer pouca ou nenhuma formação continuada para atender nos mercados de exportação, e algo parecido pode ser observado com relação às versões Diesel mais frequentemente equipadas com cópias dos motores Isuzu 4JA1 e 4JB1 às vezes ainda com injeção mecânica mas em outros casos já incorporando injeção eletrônica common-rail e até dispositivos de controle de emissões modernos como filtro de material particulado (DPF) e SCR a depender das regulamentações de cada país onde sejam vendidas. Porém, por mais que num primeiro momento seja possível alegar que uma caminhonete pequena como uma Effa V21 disponha de menos espaço no compartimento do motor que uma GAC Gonow Fan, e tal fator pudesse atrapalhar também a integração de componentes como o turbocompressor e do sistema de pós-tratamento de gases de escape, vale destacar que alguns fabricantes chineses menos conhecidos que a Dongfeng e a GAC conseguiram instalar em caminhonetes compactas de cabine semi-avançada alguns motores que a princípio pareciam viáveis só em modelos de porte médio...
A insistência de fabricantes chineses nos motores de ignição por faísca pode até ser compreendida tanto pelo menor custo de implementação favorecer o dumping em mercados de exportação como aconteceu no Uruguai e outros tantos países onde a fabricação propriamente dita de automóveis fica mais ofuscada pela montagem no regime CKD quanto por eventuais politicagens favorecendo o uso de combustíveis gasosos, tanto na China onde o gás natual e o gás liquefeito de petróleo (GLP - "gás de cozinha") já são amplamente usados e até obrigatórios para algumas categorias de veículos em cidades muito poluídas como Pequim e Xangai quanto em países hoje fortemente dependentes do dumping chinês no mercado automobilístico a exemplo do Irã. Mesmo com fabricantes de motores Diesel renomados a exemplo da Cummins tendo oferecido soluções inicialmente específicas para o mercado chinês, e que podiam ainda ser uma resposta mais séria às alegações de violação da propriedade intelectual que costumam ser mais respeitadas em mercados de exportação que na própria China, a insistência dos fabricantes chineses em usar motores de ignição por faísca copiados de projetos "velhos" de fabricantes tradicionais também tem o agravante de inibir a busca por soluções mais eficientes para o progresso tecnológico no tocante aos motores de combustão interna como um todo. Enfim, essa insistência chinesa na ignição por faísca é algo a se lamentar.

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2023

5 carros brasileiros das décadas de '80 e '90 que teriam possivelmente uma sobrevida mais longa caso as versões Diesel tivessem sido oferecidas no mercado interno

O mercado brasileiro tem algumas peculiaridades, eventualmente difíceis de explicar como a restrição a motores Diesel em algumas categorias de veículo, especialmente diante da posição do Brasil como um dos maiores pólos de produção de veículos e também de engenharia automobilística. E como alguns dos veículos feitos no Brasil e afetados por essa regulamentação ainda chegaram a oferecer versões Diesel especificamente para exportação, uma ausência dessa opção pode até eventualmente justificar em parte o "sumiço" de alguns modelos anteriormente muito comuns de avistar pelas ruas brasileiras e hoje mais escassos. Ao menos 5 exemplos podem ser destacados:

1 - Fiat Elba: modelo que chegou até a ser exportado para a Europa, embora tenha sido produzido só no Brasil e na Argentina, a station-wagon derivada do Uno se destacava pelo grande espaço interno em proporção às dimensões externas ainda convenientemente compactas. Já está ficando mais incomum de se avistar uma Elba em bom estado, tendo em vista que station-wagons antigas em geral costumavam ser usadas até para serviços relativamente pesados à medida que iam chegando ao mercado de usados, e a princípio se os motores Diesel 1.3 de 45cv e 1.7 de 59cv tivessem sido disponibilizados no Brasil até seriam um pretexto para antigos proprietários terem mais motivação para preservar exemplares, tanto pela praticidade quanto pela economia de combustível que ficaria favorecida;

2 - Parati "bola": a 2ª geração da station-wagon derivada do Gol oportunizou à Volkswagen oferecer até uma opção de apelo mais familiar dentro do segmento dos "populares" quando o motor Hi-Tork 1.0 de 16 válvulas a gasolina foi apresentado a partir do final de '96, e a chegada da carroceria com 4 portas em '98 foi outro fator que ressaltou esse viés do modelo. O motor 1.0 pegou má fama por causa da borra de óleo causada pelo uso de lubrificantes fora do especificado pelo fabricante, embora o motor EA827 "AP" nas versões 1.6 e 1.8 ainda seja mais fácil de ser visto em exemplares remanescentes enquanto o 2.0 praticamente sumiu do mapa, e a bem da verdade motores Volkswagen Diesel ainda valorizados para fazer adaptações como o 1.6 de injeção indireta e o 1.9 SDI já com injeção direta que chegaram a ser oferecidos na Parati em países como a Argentina e o Uruguai certamente permaneceriam agradando a usuários com os mais variados perfis;

3 - Santana "Robocop"/Ford Versailles: modelo compartilhado entre Ford e Volkswagen no contexto da joint-venture AutoLatina no Brasil e na Argentina, tendo a primazia de ser o primeiro automóvel de produção em série brasileiro a contar com freios ABS como opcional a partir de '91, oferecia a proposta de luxo com um certo conservadorismo em meio à ascensão de concorrentes importados. Ainda que um motor Diesel como o 1.6 de injeção indireta da Volkswagen certamente parecesse patético aos olhos de uma parte do público generalista, o fato de ser originário de um projeto modular e compartilhar muitos elementos com o AP 1.8 nas versões a gasolina ou álcool teria favorecido a implementação desse motor, e certamente agradaria tanto a uma parte expressiva daquele público "tiozão" que mantinha o fanatismo por carros de duas portas no Brasil quanto por taxistas. E a bem da verdade, por mais que ficasse com um desempenho bastante modesto, na prática andaria ao mesmo passo de alguns sedãs Mercedes-Benz que vinham através de frotas diplomáticas com motores como o OM615 em versões 2.0 e 2.2 com 55cv e eram revendidos com ágio nas décadas de '70 e '80;

4 - Fiat Palio Adventure de 1ª geração: chegou em '99 com a proposta de comer pelas beiradas junto a uma ascensão dos SUVs, que já naquela época se firmavam como sonhos de consumo da classe média. A tração simples era mantida em nome da simplicidade, em contraste com o peso e a complexidade que eram apontadas como desvantagens dos sistemas de tração 4X4 em SUVs que acabavam circulando por trechos urbanos e rodoviários às vezes sem nem terem a tração suplementar efetivamente aproveitada. O motor 1.6 argentino a gasolina, ainda com 8 válvulas, foi o único usado no Brasil antes do ano 2000 e das remodelações da Palio Adventure, e certamente o torque melhor distribuído entre baixas e médias rotações favoreceu a escolha ao invés da versão de 16 válvulas do mesmo motor que também era usada na Fiat Palio Weekend. No exterior, o motor 1.7 TD70 chegou a ser oferecido, e a princípio como um dos motivos para a ascensão dos SUVs no Brasil foi o fato de modelos 4X4 terem sido autorizados a usar motores Diesel, certamente essa mesma opção se tivesse sido aplicada ao mercado local seria mais favorável, além do mais que posteriormente esse mesmo motor chegou a ser testado por volta de 2007 com o uso de óleos vegetais como combustível alternativo;

5 - Monza tubarão: foi oferecido no Brasil somente com motores 1.8 e 2.0 a gasolina, embora tenha sido um dos modelos usados para o projeto-piloto que culminaria na liberação do uso de gás natural em veículos particulares no Brasil a partir de '96. Para países vizinhos, onde também chegou a usar o nome Chevrolet Mega a exemplo do Uruguai, dispôs de interessantes opções de motores Diesel provenientes da Isuzu como o 4EC1 de 1.5L em versão turbo e o 4EE1 de 1.7L mantendo a aspiração natural. Vale lembrar que com essa remodelação apresentada em '91, o Chevrolet Monza durou apenas até '96 e foi descontinuado basicamente porque a General Motors do Brasil rejeitou a idéia de aplicar catalisador ao modelo nas versões a álcool e gasolina, enquanto para motores Diesel o recurso a esse dispositivo de controle de emissões tenha demorado mais a ser implementado.