sábado, 22 de junho de 2019

Veículos originalmente equipados com motor boxer: maior dificuldade para escolher um motor substituto

Embora a presença de motores com cilindros contrapostos no segmento automotivo esteja mais restrita atualmente, com os modelos mais "normais" recorrendo a esse expediente sendo da Subaru, essa questão acaba se tornando crucial no caso de algum proprietário desejar (ou efetivamente necessitar) substituir o motor original por um com outra disposição dos cilindros. Considerando o fracasso comercial do motor EE Boxer Diesel no exterior, bem como eventuais dificuldades para importar um com o intuito de substituir motores originais a gasolina como o EJ20 que equipou gerações anteriores do Subaru Impreza, já seria de se esperar que algum motor com os cilindros em linha possa soar como a opção mais simples de se aplicar, em que pesem o comprimento e a altura menores em proporção à quantidade de cilindros tornar desafiadora a substituição do boxer original.

No caso de motores da Subaru, o fato de já ter a refrigeração líquida e poderem usar o radiador com a ventoinha elétrica ao invés de uma "capelinha" como a do Fusca já facilita muito o repotenciamento de veículos originalmente equipados com motores boxer da Volkswagen com a ventoinha axial para viabilizar o uso de um assoalho de bagageiro mais baixo, a exemplo do que ocorria com a Transporter T3 (a "Kombi quadrada" nunca trazida oficialmente para o mercado brasileiro) antes que começasse a usar o polêmico Wasserboxer que já incorporava refrigeração líquida. Mas na falta das versões Diesel no Brasil, para não mencionar a rede de assistência técnica com uma abrangência menor comparada a outras marcas, é uma opção pouco atrativa a não ser para aplicações muito específicas onde se deseje conciliar alto desempenho sem sacrificar o pouco espaço que esteja disponível para o motor e para os periféricos.
Dentre tantas opções que incluíam também a tração 4X4 integral Syncro, a 3ª geração da Transporter chegou a ser oferecida com motores Diesel de 1.6L e 1.7L aspirados, ou o 1.6L com turbo. No caso, a montagem desses motores mantendo a altura original do assoalho do bagageiro exigia alterações para que ficasse cerca de 50° mais inclinado, principalmente no sistema de lubrificação e nos coletores de admissão e escape. Como o motor de 1.6L tem dimensões externas bastante semelhantes à versão a gasolina e 1.8L da mesma série EA827, popularmente conhecida como AP no Brasil, não foi tão difícil para a Volkswagen na África do Sul se preparar para o fim da produção do Wasserboxer em '91 quando a T3 teve a fabricação na Alemanha cessada. Levando em consideração também que muitas características básicas da linha de motores da Volkswagen se mantém inalteradas por um longo tempo, com os atuais TDI de 1.6L ainda usados em alguns modelos no exterior e de 2.0L que também pode ser encontrado no Brasil mantendo a mesma distância entre centros de cilindro do AP, não seria tão difícil replicar as alterações em motores mais recentes. Até há alguns kits comercializados no exterior para fazer essa adaptação, mas o custo é um empecilho que leva alguns potenciais interessados a preferirem lidar com uma elevação do assoalho do bagageiro para acomodar um motor mais alto como se fazia nas versões de 5 cilindros em linha a gasolina na África do Sul.
Considerando essa mesma modularidade que permite adaptar motores com 4 cilindros em linha mais modernos na T3, e o fato do motor 1.4TDI de 3 cilindros que chegou a ser oferecido para exportação no Fox ser baseado num de 1.9L com 4 cilindros, chegaria-se facilmente à conclusão de que recorrer às mesmas alterações para que o motor menor pudesse atender de forma totalmente satisfatória a uma imensa maioria das aplicações para as quais os motores boxer com 4 cilindros foram oferecidas, não só da Volkswagen e fabricantes fora-de-série que usavam a mecânica da marca mas também modelos de outros fabricantes que recorreram em algum momento a essa disposição de cilindros. A questão da altura já estaria facilmente resolvida, ao passo que um motor de 3 cilindros em linha ficaria com uma diferença menos exacerbada no comprimento diante de um boxer com 4 cilindros e assim influiria de forma mais discreta não só no tocante ao espaço mas também eventualmente na concentração de peso entre os eixos.

Naturalmente em algumas aplicações nas quais o espaço interno seja valioso como em motorhomes, e intrusões do conjunto motriz no habitáculo se tornam menos desejáveis, ficaria mais difícil justificar um motor excessivamente alto. No caso da Kombi, que também fazia uso da "capelinha" do Fusca, apesar da restrição maior de altura sob o assoalho do bagageiro, até se justificaria mais facilmente a instalação de um motor em linha. Até chegou a ser proposto na Argentina o uso do motor turbodiesel VM Motori HR 392 de 3 cilindros 1.8L feito sob licença pela Borgward Argentina com o objetivo de atender ao mercado de reposição, mas o projeto bateu na trave devido à hiperinflação que se agravou por lá após a Guerra das Malvinas e dificuldades no fornecimento do motor HR 492 com 4 cilindros e 2.4L para a Ford. O mais próximo nesse sentido que chegou a ser tentado no Brasil se deu quando a Agrale conduziu um projeto-piloto visando oferecer o motor M-790 de 2 cilindros em linha e 1.3L refrigerado a ar para adaptações no Fusca e na Kombi, cancelado tanto em função da queda prevista na possível demanda quando se deram as primeiras restrições ao uso de óleo diesel em veículos leves quanto pela necessidade de se aumentar a altura do compartimento do motor na Kombi.

Às vezes pode parecer que o comprimento do motor substituto vá atrapalhar mais o resultado estético numa adaptação ao exigir alterações para não ter interferência com o capô original do compartimento do motor, mas pode ser que o maior problema esteja na altura total da instalação caso não tenha como inclinar mais o bloco para minimizar a altura. Portanto, acaba sendo muito mais comum ver no Fusca alguma protuberância adicionada à tampa traseira do que ocorreria num Zé do Caixão caso tenham os motores de ambos sido substituídos por um com 4 cilindros em linha, por exemplo.

Mesmo que às vezes uma quantidade de cilindros aparentemente exagerada, como nas motos BMW K1600 cujo motor tem 6 em linha, possa soar como uma fonte de dificuldades na hora de selecionar um motor para adaptações, está longe de ser uma verdade absoluta e também envolve outros fatores como a própria disposição do motor e o layout de transmissão. Nesse caso, uma boa base para fazer a comparação é a moto nacional Amazonas, que usava o motor boxer de 4 cilindros e também 1.6L da Volkswagen. Guardadas as devidas proporções entre sistemas de refrigeração (líquido na BMW), já é importante destacar que motores em linha são muito mais fáceis de ser encontrados numa disposição transversal, ao passo que os boxer costumam ser longitudinais. Em casos onde a disponibilidade tanto de tempo quanto de recursos materiais para desenvolver novos pontos de fixação de motor, câmbio e componentes diversos de transmissão não seja problema, uma mudança tão drástica pode não ser de todo tecnicamente inviável, apesar de não ser exatamente a solução mais prática em todos os cenários...
Naturalmente, além do espaço a ser ocupado pelos componentes mecânicos, é relevante considerar a distribuição de peso e como poderia afetar numa moto após o motor ser substituído, mesmo que não se recorra a extremos como uma alteração de longitudinal para transversal, que se tornaria muito mais difícil de compensar os efeitos sobre o equilíbrio sem recorrer a expedientes um tanto quanto exóticos como o que se usava na Vespa que tinha as rodas um pouco desalinhadas com relação à largura.

Casos bastante peculiares foram do Citroën Visa e dos Alfa Romeo 145 e 146, que figuraram entre os poucos modelos a oferecer motores boxer longitudinais e em linha transversais. No tocante ao Visa, o motor boxer de 2 cilindros refrigerado a ar com 652cc foi oferecido simultaneamente com uma linha de motores de 4 cilindros em linha e refrigeração líquida que incluía o XUD7 como única opção para quem não abrisse mão do Diesel nesse modelo, e devido ao comprimento reduzido da instalação do motor boxer não se nota muita diferença na aparência comparado aos com motor em linha. Com os Alfa Romeo, usando um motor boxer com 4 cilindros e refrigeração líquida e sempre a gasolina em versões de 1.4L até 1.7L enquanto a única opção turbodiesel era sempre algum motor de 1.9L com 4 cilindros em linha de origem Fiat numa versão mais antiga ainda com injeção indireta que foi oferecida em simultâneo aos boxer e ao Twin Spark de 2.0L que foi o primeiro motor a gasolina com os 4 cilindros em linha, e após ser concluída a transição para uma oferta só de motores em linha foi usado o JTD já da primeira geração dotada de injeção common-rail e baseado na série de motores modulares Pratola Serra. Surpreendentemente, o balanço dianteiro que servia para acomodar o motor boxer à frente do eixo por formar um conjunto mais longo comparado aos motores transversais em linha foi mantido no 145 e no 146.

Por mais que às vezes pareça muito difícil achar uma opção adequada às necessidades do usuário e às especificidades do projeto, como por exemplo no Gurgel BR-800 que se valia dessa disposição dos cilindros entre outros motivos para conciliar o equilíbrio de peso entre os eixos e um comprimento menor numa plataforma de tração traseira visando manter uma capacidade de tração em trechos mais rústicos comparável à do Fusca, apesar de que os layouts de transmissão diferentes também faziam com que a susceptibilidade a alterações na concentração de peso e capacidade de tração a serem proporcionadas por outras configurações de motor, não é tarefa simples escolher um substituto para o original do veículo. No caso dum boxer, apesar de ter vantagens em alguns aspectos, a falta de opções Diesel pode tornar ainda mais difícil conciliar algumas peculiaridades de cada projeto com o desejo de uma melhor economia de combustível. Enfim, apesar de eventualmente outras modificações mais substanciais em outros sistemas do veículo como a transmissão possam ser necessárias para compensar alguma desvantagem ao se trocar um motor boxer por um com os cilindros em linha, não é impossível que o resultado final se torne satisfatório.

segunda-feira, 17 de junho de 2019

[Opinião] Motores "misto-quente", General Motors e oportunidades perdidas

As duas gerações de motores de 6 cilindros em linha da Chevrolet que chegaram a ser efetivamente produzidas no Brasil, mais especificamente o motor "261" de 4.3L (261pol³) que correspondia à 2ª geração americana enquanto os "230" de 3.8L (230pol³) e "250"/"250-S" de 4.1L (250pol³) já são da 3ª geração, marcaram época em modelos como a C-10, que até '81 usava o 261 sempre a gasolina até passar a usar o 250 tanto em versões a etanol quanto gasolina. Diante do custo relativamente alto de um motor originalmente Diesel, ambas as gerações do motor Chevrolet acabaram sendo usadas como base para conversões rudimentares do tipo "misto-quente" recorrendo-se ao cabeçote e ao sistema de injeção de motores Mercedes-Benz OM321 de 5.1L com injeção indireta ou OM352 de 5.7L já com injeção direta. Tendo em vista a modularidade que permitiu muito do projeto básico do 230 também ter balizado o desenvolvimento do motor "153" com 4 cilindros, ambos oferecidos no Opala desde o início até que o 230 fosse substituído pelo 250, chega a causar alguma surpresa que as experiências independentes de conversão se mantendo mais concentradas nos motores de 6 cilindros pelo visto não terem motivado que a General Motors do Brasil se articulasse no sentido de eventualmente também desenvolver soluções voltadas ao Diesel.
Em que pesem as restrições ao uso do Diesel em veículos leves terem inviabilizado a possibilidade de eventualmente oferecer essa opção para o Opala no mercado brasileiro, é conveniente salientar que o período imediatamente após os primeiros choques do petróleo fomentou não só uma "dieselização" às pressas no transporte comercial em âmbito nacional mas também para automóveis em outros países onde não havia nenhuma proibição baseada nas capacidades de carga e passageiros ou tração, como é bem explicitado pela discreta porém marcante presença de modelos da Mercedes-Benz que chegaram ao Brasil importados por representações diplomáticas. Naturalmente, pode haver quem considere um tanto pretensioso comparar uma readequação de um projeto europeu às condições de rodagem severas do Brasil e da África do Sul representada pelo Opala e equivalentes sul-africanos que também usaram os motores 153, 230 e 250 a um puro-sangue como os Mercedes-Benz da série W123, mas não deixa de ser um bom exemplo de que um alto grau de intercambialidade entre motores de ignição por faísca e os Diesel é perfeitamente viável na produção em série, não só reduzindo custos de desenvolvimento mas também proporcionando uma logística mais eficiente durante os ciclos de produção dos motores, sendo muito bem explorada tanto pela Mercedes-Benz quanto por outros fabricantes tanto alemães quanto de outras nacionalidades.
Um exemplo que costuma vir à mente é do 240-D, equipado com o praticamente indestrutível motor OM616 de 2.4L ainda muito apreciado também pela resiliência para operar até usando óleos vegetais como combustível alternativo. Apesar desse motor especificamente não ter compartilhado o projeto com um similar de ignição por faísca, o antecessor OM615 usado nos 200-D e 220-D era basicamente uma espécie de "misto-quente" derivado do M115 a gasolina, e devido não só à robustez comparável à do OM616 mas também à tributação escalonada por faixas de cilindrada que já vigorava na Europa e alguns mercados de exportação regular permaneceu disponível paralelamente ao motor que em tese deveria substituí-lo. Há de se recordar, no entanto, a cultura da gambiarra no Brasil e dificuldades na obtenção de peças de reposição durante o período em que vigorou a restrição às importações levarem alguns exemplares de modelos Mercedes-Benz antigos a terem o motor original substituído por um dos que equipavam o Opala, tendo essa medida infeliz atingido até alguns originalmente Diesel mas que depois de repotenciados e com o novo combustível já constando no certificado de registro não podem mais voltar atrás nem para repor o motor original. Certamente as conversões "misto-quente" para Diesel na linha de motores Chevrolet terem se concentrado nos de 6 cilindros dificultaria uma tentativa de preservar o direito adquirido de usar óleo diesel num veículo trazido por importação diplomática para o qual estivesse difícil encontrar as peças de reposição caso fosse adaptado o motor 153, de modo que poderia ser considerado desejável um eventual desenvolvimento de cabeçotes específicos para uso com os blocos dos motores Chevrolet por parte da própria GM ou de algum fornecedor terceirizado. Apesar de soar um tanto absurda a idéia de que um fabricante de veículos pudesse desenvolver um motor já aventando uma possibilidade de ser adaptado em modelos de outros fabricantes, e a prevalência da ignição por faísca no Brasil fazer com que o outsourcing seja visto como um desprestígio, ainda havia uma série de oportunidades que desde o princípio soariam mais justificáveis no tocante à produção em série.

A pauta das exportações regionais também foi historicamente importante para fabricantes instalados no Brasil, e no caso da General Motors também acabava ocorrendo o envio de kits CKD para países como o Uruguai onde acontecia a montagem final de modelos da Chevrolet como o Chevette visando atender ao mercado do lado de lá da fronteira. Nesse caso específico, além de prevalecer a carroceria com 4 portas junto ao público cisplatino, a General Motors Uruguaya recorria a motores Isuzu 4FB1 de 1.8L para quem não abrisse mão do Diesel e portanto dispensasse os motores Isuzu G140 e G160 respectivamente de 1.4L e 1.6L feitos no Brasil que eram usados no Uruguai em versões a gasolina. Tendo em vista que não só o motor Chevrolet 153 nacional é adaptável no Chevette com uma relativa facilidade, mas também que um derivado argentino (Opel K-180) usou o motor Chevrolet "110" de 1.8L (110pol³) que nada mais era do que uma versão do 153 com a cilindrada reduzida, bem como versões do 153 entre 1.9L e 2.3L feitas na África do Sul, já seria de se esperar que soasse como um pretexto válido para explorar mais a fundo a idéia por trás dos motores "misto-quente", e ainda como poderiam ser adequados a um propósito de expandir a competitividade da operação brasileira da GM junto aos mercados estrangeiros. Não que os motores Isuzu sejam ruins mas, em se tratando tanto de logística de reposição de peças quanto dos uruguaios fazerem uso severo dos veículos, uma maior proximidade geográfica do local de produção do motor e o fato do 153 e dos motores Chevrolet de 6 cilindros em linha feitos no Brasil terem o comando de válvulas sincronizado diretamente por engrenagens ao invés de recorrer à correia dentada como o 4FB1, não teria sido tão inoportuno que fosse aplicado um esforço maior no desenvolvimento de uma solução que viesse a ser eventualmente mais adequada às necessidades regionais.
Considerando ainda que na época dos motores Isuzu 4FB1 do Chevette e 4FC1 de 2.0L que foi oferecido no Monza para exportação ainda era mais comum a injeção indireta, que apesar de ser ainda reputada a melhor para uso direto de óleos vegetais como combustível alternativo é mais problemática na partida a frio, já se pode deduzir que as experiências com os motores "misto-quente" poderiam ter constituído um valioso argumento para fomentar a iniciativa de produzir motores Diesel de injeção direta nas faixas de cilindrada abrangidas pelo motor Isuzu F, e conquistar uma primazia que ficou nas mãos da Fiat como a primeira a oferecer um motor Diesel de injeção direta para uso em veículos leves. Naturalmente, poderia haver na própria GM uma divergência entre quem visse na injeção indireta uma maior suavidade e menos pressões internas que sobrecarreguem um bloco originalmente desenvolvido para operar com ignição por faísca e baixas taxas de compressão, e quem preferisse apostar na injeção direta inspirados pelo uso do cabeçote do motor Mercedes-Benz OM352 nos motores Chevrolet de 6 cilindros em linha. Ainda teria que ser desenvolvido um cabeçote específico para aplicação em eventuais derivativos Diesel do 153, tendo em vista que não há relatos de sucesso num uso do cabeçote do motor OM314 da Mercedes-Benz que guarda semelhanças com o OM352 na mesma proporção observada na linha Chevrolet, mas a princípio o projeto teria boas perspectivas de retorno do investimento.

Embora na linha das pick-ups e caminhões não houvesse nenhum grande empecilho para usar motores "de trator", em contraponto à forma como a transição da hegemonia da gasolina para uma presença mais expressiva do Diesel teria sido conduzida nos Estados Unidos, de modo que no Brasil as pick-ups como a D-10 tenham recorrido ao motor Perkins 4.236 e os caminhões médios tenham usado os Perkins 6.357 e 6.358 com resultados satisfatórios, não se pode negar que eventualmente ter oferecido motores de fabricação própria pudesse haver contribuído até para alterar a percepção de motores Diesel como meramente rudimentares e mais adequados para usos estritamente profissionais, fomentando alguma rejeição por parte do público generalista até a década de '90 quando a reabertura das importações deu aos fabricantes japoneses a chance de tornar os motores Diesel de alta rotação relevantes no segmento das pick-ups no Brasil e até fomentar o debate entre vantagens do downsizing e do downrevving. No caso específico dos motores Perkins, é bastante comum se deparar com críticas especialmente a eventuais dificuldades na partida a frio, a ponto de um dispositivo de pré-aquecimento denominado Thermostart montado junto à entrada de ar de admissão e que queimava uma pequena quantidade adicional de óleo diesel durante a partida ter sido muito usado (e quando dá problema há quem recorra até a tochas para fazer o motor literalmente "engolir fogo" quando a temperatura ambiente esteja muito baixa).
Lembrando que nos caminhões médios ainda chegou a ser oferecido o motor Chevrolet "292" da 3ª geração de 6 cilindros em linha, com cilindrada de 4.8L (292pol³) em versões a gasolina ou a etanol (e que por ter sido a mais comum nessa faixa de cilindrada no Brasil rendeu o apelido de "canavieiro" a esse motor) e um bloco mais alto (tall-deck) que na teoria poderia dificultar o compartilhamento com a linha de automóveis, continua oportuno considerar aquele aspecto da modularidade que balizou o desenvolvimento do 153, de modo que eventualmente fosse justificável ter sido feito algo análogo mais direcionado às demais linhas de utilitários da General Motors no Brasil e América Latina e também integrando-se à proposta da "dieselização" que viesse a ser inspirada pelas experiências feitas de forma independente com as conversões um tanto precárias do tipo "misto-quente". Indo um pouco além da possibilidade de ter dado origem a motores com 4 cilindros na faixa de 3.2L que poderiam ter equipado uma caminhonete como a D-20, não é de se ignorar que no exterior a GM Powertrain ainda tem tradição muito forte no fornecimento de motores para aplicações fora do segmento veicular, como o uso náutico em parceria com a Mercruiser e a Volvo Penta, e levando em conta especificidades do Brasil onde motores Diesel de 1 a 2 cilindros numa faixa até 1.5L com uma relação peso/potência nitidamente precária diante de motores com 4 cilindros para veículos leves ainda são muito comuns para uso em embarcações de trabalho, não teria sido tão fora de contexto dar um passo adiante e aproveitar para fazer uma versão de 2 cilindros que poderia atender bem em aplicações estacionárias/industriais e marítimas.

Naturalmente, como o brasileiro desconhece limites, caso tivessem saído versões de 2 cilindros com o projeto básico mesclando elementos do motor de 6 cilindros a uma inspiração nas conversões para Diesel "misto-quente", não seria de se duvidar que se pudesse até surgir algum interesse também com foco em aplicações automotivas. Embora por muito tempo a potência tenha servido para classificar os veículos de acordo com faixas de incidência de imposto ao invés de usar a cilindrada como base para essa finalidade, de modo que eventuais versões "dieselizadas" dos motores 110 argentino e 153 talvez já fossem suficientes para atender a uma demanda que surgisse em modelos como a Chevy 500 de forma análoga ao ocorrido com a Saveiro quando a Volkswagen chegou a vender no mercado interno alguns exemplares Diesel originais de fábrica e outras tantas foram convertidas de forma artesanal, bem como a breve oferta de versões Diesel do Gurgel Carajás usando o mesmo motor Volkswagen 1.6D apesar da tração simples e capacidade de carga inferior a uma tonelada, convém destacar que muitos usuários principalmente em aplicações utilitárias ou comerciais comerciais ainda consideram não só a cilindrada mas também a própria quantidade de cilindros como decisivos para a economia de combustível. Considerando ainda que entre as versões marítimas e estacionárias/industriais do motor 153 oferecidas no exterior chegou-se à cilindrada de 3.0L (181pol³), não seria de se duvidar que um hipotético derivado com somente 2 cilindros e 1.5L ao ser "dieselizado" pudesse até atrair operadores comerciais com mais facilidade que o motor de 4 cilindros e 1.6L oferecido pela Volkswagen, sem mencionar a preferência de alguns usuários profissionais não só pelo comando de válvulas no bloco mas também pela sincronização por engrenagens...
No caso específico da Gurgel, cuja relação com a Volkswagen havia ficado estremecida em função da disputa por mercados de exportação para os jipes na América Central e Caribe, ainda convém lembrar que a GM costumava ser muito mais destacada como provedora de motores e câmbios para terceiros, e poderia ter proporcionado uma relação mais amigável em função da Gurgel ter se concentrado mais a atender segmentos em que não havia nenhum concorrente direto na linha Chevrolet brasileira. Até os modelos de proposta popular que a Gurgel chegou a oferecer como o BR-800 e o Supermini, que não seriam atendidos de forma satisfatória por hipotéticos motores Chevrolet de 2 cilindros em linha derivados da linha de 4 a 6 cilindros nem em versões de ignição por faísca nem Diesel em função de como influenciariam a concentração de peso entre os eixos e prejudicariam a aptidão off-road devido ao peso maior proporcionado por bloco e cabeçote de ferro e mais concentrado para a frente por conta do maior comprimento do motor, estavam longe de constituir qualquer ameaça à operação brasileira da GM de médio a longo prazo, apesar da histeria que causaram na Volkswagen e terem entornado o caldo entre Amaral Gurgel e os alemães apavorados de ver o então cliente tentando deixar de ser um dependente do fornecimento de conjuntos mecânicos para emergir como um efetivo concorrente. Não é possível ter certeza absoluta se a Gurgel teria conseguido obter uma sobrevida mais longa se tivesse buscado parcerias com a GM ao invés da Volkswagen, principalmente quando lembramos que a fibra de vidro encantou Amaral Gurgel durante um estágio feito por ele no General Motors Institute após se formar na Escola Politécnica de São Paulo (atualmente mais conhecida como Poli-USP).
Ainda que uma sabotagem institucionalizada tenha impedido a Gurgel de dar continuidade ao programa de carros populares, que poderia desmistificar o uso de motores de 2 cilindros no segmento automotivo junto ao consumidor brasileiro, mesmo que permanecesse focado na ignição por faísca devido às restrições aos motores Diesel em automóveis tão somente em função das capacidades de carga e passageiros ou tração, ainda convém considerar que em outros mercados regionais como a Argentina e o Uruguai não havia esse inconveniente, devido à força da Citroën não só com o 2CV mas também com derivados como o Méhari. Em que pese o fato de, assim como a Gurgel, a Citroën ter recorrido a esse expediente apenas com a ignição por faísca e na configuração de cilindros contrapostos (boxer/flat-twin), seria de se esperar que uma abordagem parecida no âmbito do Diesel seria facilmente justificável, mesmo com outra disposição dos cilindros, e se duvidar permanecendo mais relevante para o público generalista em comparação ao layout do motor Citroën que só atendia bem modelos com o motor na posição longitudinal como era o caso dos populares da Gurgel e dos Citroën 2CV e Méhari. Não seria impossível, portanto, que a quantidade de cilindros constituísse um empecilho para a aceitação nos mercados de exportação regional para um hipotético motor Diesel que se valesse dessa estratégia para conter custos e facilitar a acomodação até em veículos que o tivessem instalado em outra posição.

Num carro compacto e relativamente estreito, como o Chevrolet Classic cuja popularidade o fez permanecer em produção tanto no Brasil quanto na Argentina até pouco tempo atrás, e na reta final somente com motores Powertech "Família 1" sempre com 4 cilindros em linha e comando de válvulas no cabeçote sincronizado por correia dentada mas numa versão flex de 1.0L do lado de cá da fronteira enquanto para os argentinos e uruguaios era oferecido como 1.4L e movido somente a gasolina, a posição transversal do motor seria mais convidativa a uma derivação de somente 2 cilindros que se originasse de uma maior compreensão na GM sobre a técnica de conversão "misto-quente". O reposicionamento do Classic na linha regional da Chevrolet certamente desencorajava o uso de motores Isuzu 4EE1 e 4EE2 de 1.7L feitos na Polônia e oferecidos no modelo em períodos distintos devido ao impacto sobre o preço, mas a princípio ainda havia uma possível demanda que foi atendida ao menos parcialmente pela alternativa da conversão dos motores originais para gás natural, que acabou muito difundida especialmente junto aos taxistas. Não seria de se duvidar que alguns argentinos, motivados não só por condições operacionais favoráveis a alguma vantagem prática proporcionada pelo Diesel mas também graças à desmistificação de uma menor quantidade de cilindros, pudessem ver numa gambiarra brasileira a esperança de não terem tolhida a liberdade de escolher um motor mais adequado à própria necessidade, ou mesmo a alguma preferência mais subjetiva.

Outro aspecto que convém lembrar, bem ou mal, envolve desde a dependência excessiva pela Fiat no fornecimento de motores Diesel pequenos que se criou recentemente não apenas nos em mercados de exportação regional atendidos pela GMB quanto em outras regiões. Casos nesse sentido foram os do Cobalt nacional antes do facelift e da 2ª geração do Chevrolet Sail chinês, ambos tendo oferecido em algum momento o motor Fiat Multijet de 1.3L e configuração mais normal de 4 cilindros sendo o Cobalt na Argentina e o Sail na Índia. Apesar de parecer que eventuais derivações da 3ª geração mundial dos motores Chevrolet de 6 cilindros em linha requentadas à exaustão não fizessem tanto sentido nessa era de hegemonia da injeção eletrônica common-rail e do turbo de geometria variável, mas considerando que na conversão "misto-quente" se dispunha da opção pela primitiva injeção indireta do motor OM321 ou pela injeção direta do OM352 que apesar de também não ser hoje nenhum exponencial de modernidade, um projeto básico que teria já amortizado o próprio custo inúmeras vezes não deixa de ser interessante nesse momento em meio à massificação de tecnologias que não deixam de trazer um acréscimo ao preço de motores turbodiesel e os tornam menos competitivos nos segmentos de entrada. De fato, caso a General Motors do Brasil tivesse levado mais adiante a pesquisa e desenvolvimento em torno dos motores "misto-quente", que diga-se de passagem não eram desconhecidos para o engenheiro Francisco Satkunas quando chefiava a operação de motores da empresa no país, pudesse ter feito de uma série de estratégias subestimadas como gambiarra uma carta na manga que eventualmente proporcionasse não só uma saída imediatista para atender à "dieselização" das frotas comerciais brasileiras que ganhou relevância na década de '60 e foi impulsionada pelos choques do petróleo a partir da década de '70 mas também uma base para ter se mantido mais independente do uso de motores fornecidos por terceiros e assegurado custos menos exorbitantes para atender a quem não abrisse mão do Diesel em segmentos mais modestos.
Lembrando que o Chevrolet Sail chinês chegou a ser vendido no Uruguai, país onde recentemente foi implementada pelas mãos de Tabaré Vázquez e José "Pepe" Mujica uma incoerente caça às bruxas contra motores Diesel em veículos leves mediante uma tributação extorsiva, não seria de se duvidar que uma operação consolidada de fabricação desse tipo de motor no Brasil, ao invés de depender do suprimento de motores importados que no caso da Fiat passou a ter a produção do Multijet de 1.3L consolidada na Polônia e na Índia, pudesse ter servido de pretexto para que a diplomacia brasileira se encarregasse de promover negociações em prol de mais uma oportunidade para a pauta de exportação do Brasil, e por extensão a manutenção da liberdade de escolha para uruguaios compradores de carros compactos não ficarem reféns dos motores de ignição por faísca. E se por um lado a hipótese de usar motores de 2 cilindros num modelo mais básico já pudesse soar suficientemente polêmica, por outro num modelo apresentado de forma mais pretensiosa no Mercosul como é o caso da 2ª geração do Cruze atualmente feita na Argentina não se evitaria alguma polêmica mesmo que se mantivesse a configuração de 4 cilindros num hipotético motor turbodiesel específico para a região e outros mercados emergentes que viesse a ter o projeto baseado no "misto-quente" ao invés do moderno motor MDE de 1.6L que chegou a ser usado no Cruze de especificação americana, mas a bem da verdade ainda seria melhor que não contar com nenhuma opção Diesel...

Se até versões originais com ignição por faísca já são subestimadas, não chega a ser surpresa o desinteresse que a General Motors reservou à técnica de conversão "misto-quente". Em que pese uma das principais críticas atuais feitas aos motores Chevrolet de 6 cilindros em linha, e por extensão ao motor 153 com 4 cilindros, ser relacionada às faixas de rotação modestas e às vezes referidas de forma depreciativa como "de caminhão", tal característica está longe de ser efetivamente um defeito, e diga-se de passagem soaria até coerente a propostas de usá-los como base para desenvolver motores Diesel automotivos. A favor de uma linha de motores retratada mais frequentemente como defasada, vale lembrar também mesmo considerando as versões a gasolina que o 250 atualizado na década de '90 com injeção eletrônica multiponto que durou até o ano 2000 na Silverado GMT400 argentina enquanto a S10 brasileira usava o V6 de 4.3L (262pol³) que era oferecido também na Silverado americana, já seria suficiente para denotar que o motor de 6 cilindros em linha de 3ª geração da Chevrolet permanecia competitivo, e eventuais melhorias que pudessem ser extensivas a outros motores derivados do mesmo projeto básico também seriam beneficiados.