quinta-feira, 29 de dezembro de 2022

5 motivos pelos quais uma caminhonete cabinada à moda antiga ainda tem seus méritos

Uma tradição quase extinta, a "duplagem" de cabines de caminhonetes já foi muito apreciada sobretudo na região Sul e alguns estados tanto do Centro-Oeste quanto do Norte que tiveram muita colonização de paranaenses, e teve entre os expoentes mais destacados a antiga Tropical Cabines que manteve vínculos estreitos com a Ford nos últimos anos de operação mas também já havia modificado veículos de outros fabricantes como Chevrolet. E mesmo quando o mercado brasileiro já havia voltado a receber carros e utilitários importados, ainda havia uma demanda pelas transformações, em parte até para suprir a falta de opções de cabine dupla original de fábrica no segmento das caminhonetes full-size como era o caso da Chevrolet Silverado que só contava com essa opção em modelos de importação independente. Uma configuração muito específica, e que atrai principalmente a curiosidade de estrangeiros, era a adaptação com a parte traseira semelhante à de um sedan, e há quem pareça ter esquecido delas agora que tanto se fala em SUVs tomando o espaço das station-wagons. Por mais que fatores tão diversos como a questão da homologação e normas de segurança acabem inviabilizando a economia de escala de transformações mais específicas, e agora o mais comum é caminhonetes novas terem como maior destaque as versões de cabine dupla além de enfrentar o fogo amigo dos SUVs, ainda convém destacar 5 motivos para uma caminhonete cabinada à moda antiga ainda ter admiradores.

1 - capacidade de tração: uma caminhonete de concepção tradicional, por mais que tenha a carroceria extensamente modificada, vai preservar uma parte considerável das aptidões para condições de uso que um carro comum possa se revelar insuficiente ou no mínimo pouco recomendável. Até pode ser que um sedan médio consiga tracionar satisfatoriamente um trailer, mas o conjunto ficaria mais sobrecarregado que em um veículo corretamente dimensionado para uso mais intenso com cargas pesadas;

2 - flexibilidade para fazer adaptações mais específicas: enquanto um veículo original de fábrica fica mais restrito no tocante a opções, ao menos sem alterar em demasia o andamento da produção regular, a "duplagem" tradicional facilitava atender demandas mais específicas, tanto no tocante à estética quanto à funcionalidade da caminhonete modificada. Até o tamanho da parte posterior da cabine, muitas vezes ficava consideravelmente maior que o de similares com cabine dupla original de fábrica;

3 - conforto: ainda que utilitários antigos fossem bem mais austeros, tendo em vista que caminhonetes costumavam ser vistas tão somente como veículos de trabalho até algumas décadas atrás e portanto as opções de acessórios para melhorar a vida a bordo eram mais escassas, com uma "duplagem" à moda antiga também eram comuns melhorias nesse tocante. E além da adição um tanto previsível do banco traseiro, outro ponto que às vezes recebia uma atenção especial era a substituição dos bancos dianteiros por outros com alguma característica diferenciada. Desde aqueles bancos com uma suspensão própria e normalmente instalados para o motorista em caminhões e ônibus urbanos, até os anatômicos similares aos Recaro, quase tudo era possível adaptar;

4 - liberdade de poder usar motores Diesel: embora alguns até rejeitassem essa importante opção, foi sem sombra de dúvidas um dos principais motivos que levaram a uma maior demanda por esse tipo de adaptação entre as décadas de '70 e '90 junto a um público com perfil mais generalista. Nesse caso, em que pese muitos SUVs modernos também oferecerem essa característica por causa da tração 4X4 que os crecencia como utilitários para fins de homologação e as pick-ups médias mais conhecidas hoje terem a demanda pela cabine dupla de fábrica até maior que pela cabine simples, é inegável que as restrições ao uso de óleo diesel em automóveis intensificadas a partir da década de '70 possivelmente pesassem mais a favor das "duplagens" em comparação a medidas que inviabilizaram a importação de veículos entre '76 e '90;

5 - relevância cultural: pode ser que um Enzo ou uma Valentina encontrem chifre em cabeça de cavalo para "problematizar" esse tipo de transformação, assim como tantas tradições são hoje questionadas por pretextos nem sempre pertinentes. Ainda lembro de ter visto em edições do jornal A Crítica em Manaus propagandas da antiga loja Tony Car, que ficava em Biguaçu-SC mas vendia caminhonetes para todo o Brasil com transformação feita pela Tropical Cabines no Paraná, e certamente muitos aspectos culturais brasileiros terem algum vínculo com o campo também influenciaram uma maior receptividade por parte do público generalista a utilitários desde a época áurea das caminhonetes cabinadas. Quem hoje anda de SUV crossover da moda com mais estrelas que céu de brigadeiro em algum NCAP desses da vida, mas esquece como de certa forma uma adaptação feita em caminhonetes de concepção tradicional abriu as portas para esse fenômeno, certamente vive naquela bolha "politicamente correta" que quer reinventar a história sem ao menos a conhecer...

sexta-feira, 23 de dezembro de 2022

Clássico nacional: Ford F-600 Bumpside 4X4

Caminhões Ford já tiveram a popularidade maior em diferentes momentos históricos, e a geração da Série F conhecida no exterior como Bumpside teve um ciclo de produção mais longo no Brasil mesmo tendo iniciado tardiamente em relação aos análogos feitos em outros países. Um exemplar interessante é esse F-600, ano de fabricação 1973, ao que tudo indica militarizado pela antiga Engesa e com o famoso Kit Tração Total de conversão para 4X4 desenvolvido para atender a uma demanda do Exército Brasileiro em meio à necessidade de modernizar e nacionalizar uma frota na qual predominavam viaturas de origem americana da II Guerra Mundial. No tocante às motorizações originalmente disponíveis à época, figuravam o V8 Y-Block de 292 polegadas cúbicas ou 4.8L a gasolina e como opção Diesel o Perkins 6-354 de 354 polegadas cúbicas ou 5.8L e 6 cilindros em linha com injeção direta.

Ao menos nos modelos originais de tração simples traseira é mais comum adaptar um motor diferente, e os Mercedes-Benz sendo a opção mais comum em repotenciamentos, mas nas versões 4X4 militarizadas pela gloriosa Engesa uma manutenção bem mais criteriosa quando ainda eram usados pelos militares favorece ao menos em teoria que exemplares remanescentes preservem o motor original quando vão a leilão. No caso desse exemplar específico, que passou muito brevemente e sem tempo suficiente para uma análise mais minuciosa, além do eixo dianteiro com o alojamento do diferencial deixando óbvio tratar-se de uma versão 4X4, também é curioso ter a carroceria do tipo beavertail normalmente usada para carregar maquinário pesado. Certamente a tração nas 4 rodas é uma boa ajuda para fazer alguns serviços pesados em terrenos bravios...

sexta-feira, 16 de dezembro de 2022

Mais uma preciosidade do YouTube: motor Cerlist de 3 cilindros em funcionamento

Um motor extremamente raro, que teve uso mais mais difundido em embarcações leves e diversos equipamentos especializados, tendo como única aplicação de destaque em algum veículo uma versão militarizada do Jeep FC, o motor Cerlist de 3 cilindros funcionava no ciclo Diesel 2-tempos com loop-scavenging, sem válvulas de admissão nem de escape. Desenvolvido pelo engenheiro austríaco Hans List, que foi o fundador da empresa de consultoria AVL, teve produção nos Estados Unidos inicialmente pela empresa Cerlist fundada por Peter Cerf em 1956, e vendida à Waukesha em 1963 que manteve em linha os motores Cerlist de 2 e 3 cilindros em linha e 4 e 6 em V até 1973 principalmente para atender a embarcações e maquinário especializado.
O exemplar que aparece no vídeo, montado no chassi de uma caminhonete Jeep M-677 de cabine avançada aparentemente sendo restaurada, aparenta funcionar à perfeição durante o teste. Infelizmente aparece só o lado esquerdo do motor, e o compressor que é essencial para gerar pressão de admissão fica do lado direito sem poder ser observado. Algumas peculiaridades são o compressor ter acionamento por correia, ao contrário dos motores Detroit Diesel que são os mais conhecidos quando se menciona motores Diesel 2-tempos de fabricação americana e usam acionamento por engrenagens para o compressor, e também o fato de ser um tanto pesado mesmo com bloco e cabeçote feitos em liga de alumínio. Era usado em substituição ao motor Super Hurricane de 3.7L com 6 cilindros em linha e válvulas laterais movido a gasolina previsto no projeto original do Jeep FC-170 que havia dado origem ao M-677. Com potência de 85hp e torque máximo de 23,5kgfm em comparação aos 115hp e 26,2kgfm do Super Hurricane, a maior vantagem oferecida pelo motor Cerlist de 3 cilindros era a economia de combustível, fazendo mais de 6,8km/l num Jeep M-677 com peso bruto total pouco acima de 3600kg enquanto o motor a gasolina não passava de 3,4km/l.

quinta-feira, 8 de dezembro de 2022

5 modelos que seriam tentadores para testar um motor aos moldes do antigo "Commer knocker"

Um motor bastante peculiar, e que muito se destacou quando surgiu na Inglaterra por facilitar o uso da cabine avançada em caminhões, o Rootes-Lister TS3 tornou-se conhecido informalmente por "Commer knocker" em alusão ao intenso uso em caminhões Commer e o som característico que emitia. Apesar de ter sido muito subestimado como praticamente todos os motores Diesel 2-tempos de um modo geral, foi sem sombra de dúvidas um dos mais geniais já desenvolvidos, e ainda poderia muito bem continuar ao menos inspirando novos projetos para as mais diferentes necessidades em veículos utilitários. E dentre tantos modelos que poderiam ter se beneficiado de um motor aos moldes do glorioso Commer knocker, originalmente produzido para uso veicular entre 1954 e 1958, ao menos 5 podem ser mencionados...

1 - Humvee/Hummer H1: tendo em vista a posição do motor para a distribuição de peso no Humvee original, a princípio a disposição horizontal de um motor como o Commer Knocker poderia atender até melhor que os V8 Detroit Diesel entre 6.2L e 6.5L que o equipavam originalmente. Uma quantidade de peças menor também teria sido algo a considerar na aplicação militar, com menos possíveis pontos de falha e uma manutenção mais simples;

2 - Ram 2500: pode soar como loucura sugerir qualquer motor Diesel diferente de um Cummins série B para esse modelo, mas vale lembrar da verdadeira bagunça que foi a história da Chrysler/Dodge no mercado de caminhões mundo afora, até mesmo na Inglaterra onde o motor Rootes-Lister TS3 surgiu. E a situação fica ainda mais interessante de analisar tendo em conta que a marca Ram emergiu da Dodge, e após a Chrysler ter vendido o Rootes Group para a Peugeot ambas as empresas posteriormente viriam a estar amalgamadas na gigante Stellantis atualmente. Pouco se comenta sobre a propriedade intelectual referente aos projetos de motores antigos do Rootes Group, que a princípio teriam ficado com a Peugeot desde a compra de antigas divisões européias da Chrysler;

3 - Nissan Frontier da geração D22: primeira a chegar a ser fabricada no Brasil, só o fato de ter usado motor MWM Sprint ao invés do YD25 de algumas versões similares estrangeiras já leva a crer que um motor "de fora" estaria longe de ser uma heresia. Também é interessante observar fatores históricos em outras regiões, envolvendo tanto experiências da antiga divisão Nissan Diesel com motores 2-tempos, quanto uma influência inglesa sobre a parte técnica da Datsun como uma antecessora direta do que viria a se tornar a Nissan, bem como de alguns motores usados em outros modelos da Nissan na Espanha que foram desenvolvidos a partir de projetos reaproveitados de quando a Motor Ibérica produzia motores Perkins ingleses sob licença;

4 - Land Rover Discovery de 1ª geração: embora já fosse equipado com motores turbodiesel entre as opções de fábrica, certamente uma parte considerável do público do modelo ainda pudesse apreciar uma configuração mais peculiar e a maior aptidão para fatores de carga mais pesados. E novamente seria o caso de destacar a simplicidade, e o fato da única parte a requerer a remoção do motor para substituição ser os bronzinamentos do virabrequim facilitaria a manutenção e eventuais reparos mesmo durante uma expedição de longa distância;

5 - Mitsubishi Pajero Full da década de '90: só de lembrar que o motor 4M40 tem fama de queimar juntas de cabeçote, a configuração de pistões opostos aplicada ao motor Commer knocker simplesmente eliminar essa vulnerabilidade já é algo a salientar. O crescimento da Mitsubishi em partes da África, Ásia e Oceania exatamente na sombra da Chrysler, também pode ser considerando um interessante precedente histórico, especialmente no caso da Austrália e da Nova Zelândia que já foram mercados bastante receptivos a caminhões Commer e Karrier.

sexta-feira, 2 de dezembro de 2022

Clássico: Toyota Bandeirante com capota de lona

Um daqueles utilitários que marcaram época, o Toyota Bandeirante ainda tem uma legião de entusiastas por esse Brasil afora, tanto naqueles mais longínquos rincões do interior quanto nas grandes capitais, de certa forma ainda sendo relativamente comum ver exemplares ainda em atividade. E embora ainda seja mais comum avistar um Bandeirante com capota de aço, até porque foi disponível tanto nos modelos de chassi curto quanto longo do jipe, vez por outra aparece algum com capota de lona. A bem da verdade, essa configuração acaba sendo rara em parte pela atribuição de uma imagem mais "séria" a veículos de capota rígida nos primórdios da fabricação de automóveis no Brasil, e mesmo tratando-se de utilitários com uma concepção austera a maior parte de consumidores com perfil generalista ficava condicionada a compactuar com essa preferência.

Se antes era comum que fosse subestimada e vista com desdém por falsos intelectuais urbanóides que parecem acreditar que um pé de alface simplesmente brota em algum balcão do supermercado, agora a capota de lona acaba encontrando apreciadores que fazem um uso mais recreativo, com a possibilidade de ter mais contato com a natureza ao trafegar com a capota abaixada e em alguns casos até o parabrisa rebatido em alguma trilha ou outro atrativo turístico. No caso desse exemplar das fotos, ainda de faróis redondos, chama a atenção o conjunto moderno com projetores que substituiu os sealed-beams originais na frente, além dos faróis auxiliares com um aspecto igualmente mais arrojado. Uma modificação até de muito bom gosto, sem alterar demasiadamente e desnecessariamente a estética que se espera do Toyota Bandeirante até '89 que foi o ano da mudança para os faróis quadrados e também substituição do motor Mercedes-Benz OM-314 pelo OM-364 que acompanhou o modelo até '94 dando lugar ao motor Toyota 14B que seguiria até 2001.

E embora seja mais desafiador conseguir uma boa vedação com capota e portas de lona em comparação às de aço, de modo que uma eventual transposição por trechos alagadiços favorecida pelo snorkel para a captação de ar para a admissão pudesse acarretar na entrada de água a bordo, me chamou a atenção que as portas desse pareciam bem mais ajustadas à carroceria comparando às que eu via em exemplares de uso operacional militar. O guincho na frente, e um recipiente "Jerry can" para armazenar combustível extra montado atrás junto ao estepe, são outros detalhes que me chamaram a atenção nesse Bandeirante, bem como o estado de conservação geral para um veículo com mais de 30 anos e originalmente criado para enfrentar condições de rodagem das mais severas possíveis. Enfim, o Toyota Bandeirante de um modo geral já se destaca, mas esse com capota de lona se sobressai um pouco a mais nos dias de hoje, além do mais no Brasil onde carro conversível nunca foi tão apreciado como seria de se supor...

sexta-feira, 25 de novembro de 2022

Ford F-250: o quão equivocada foi a estratégia de oferecer um motor com 4 cilindros?

Última pick-up full-size destinada ao público generalista a ter fabricação brasileira, a Ford F-250 ainda acabaria notabilizada pela divergência entre adeptos de diferentes configurações de motor. Na chegada ao mercado com o ano-modelo "98-'99 a única opção turbodiesel era o motor Cummins B3.9 em versão de 141cv compartilhada com a linha de caminhões leves da Ford no Brasil à época, sendo substituído já para o ano-modelo '99 pelo MWM Sprint 6.07 TCA de 180cv que seguiu até o final de 2005 quando um retorno do Cummins em versão gerenciada eletronicamente passou a acompanhar a F-250 brasileira até deixar de ser produzida no final de 2011. E naturalmente, peculiaridades apresentadas pelo Cummins de 3.9L com 4 cilindros e comando de válvulas no bloco em contraste com o MWM de 6 cilindros e 4.2L e comando de válvulas no cabeçote fomentavam discussões quanto a qual motor seria efetivamente mais desejável para o modelo, e marcando também o fim daquela regionalização da opção de motor Diesel.

Se antes uma pick-up full-size era o carro do agricultor que podia até apreciar o imediatismo aplicado à oferta de motores mais rústicos praticamente idênticos aos que já equipavam máquinas agrícolas, com o custo presumívelmente menor de incorporar aos modelos nacionais uma opção já disponível na região e com a qual os mecânicos estariam bem familiarizados ao invés dos fabricantes tentarem a sorte usando motores semelhantes aos dos congêneres americanos, o final da década de '90 encerrava essa fase. Com a ascensão de pick-ups e outros utilitários como símbolo de status também junto a um público urbano, e uma dinâmica de mercado mais acirrada que na época de restrição às importações entre '76 e '90, ficava evidente a necessidade de conciliar o atendimento a necessidades de usuários estritamente profissionais sem desagradar a um segmento mais recreativo do público por assim dizer. Portanto, embora o uso de um motor MWM continuasse aquela aposta na regionalização e uma austeridade comparado aos V8 de 7.3L originalmente usados no congênere americano e até em versões brasileiras destinadas à exportação para a Austrália, é pertinente salientar que o motor Sprint seguia a filosofia de downsizing favorecendo o deslocamento dos picos de potência e torque para faixas de rotação mais altas que concorrentes com regimes de rotação mais moderados.

Forçando um pouco a barra, até seria possível fazer uma comparação entre o MWM Sprint 6.07 TCA e alguma versão de 6 cilindros dos motores Cummins série B como o B5.9/ISB5.9 que alguns caminhões Ford da mesma época usaram, trazendo à discussão a importância das relações de marcha e diferencial para tentar compensar um pico de torque mais modesto que era atingido a faixas de rotação mais altas. A percepção de maior prestígio inerente à quantidade de cilindros também cabe levar em consideração, e parece embasar uma oposição mais ferrenha que o retorno do Cummins com 4 cilindros enfrentava de uma parte do público recreativo, em proporção até maior que as eventuais objeções ao gerenciamento eletrônico que eventualmente dificultariam a manutenção em locais com infra-estrutura mais precária. Enfim, considerando que o timing para a Ford selecionar a melhor motorização para a F-250 foi ruim em função de movimentos das concorrentes tanto nacionais quanto importadas a favor de motores de 6 cilindros, o erro de persistir na austeridade dos 4 cilindros foi mais burocrático que estritamente técnico.

sexta-feira, 18 de novembro de 2022

Chassis com longarinas de seção aberta: ainda perfeitamente justificáveis

Característica ainda predominante em veículos pesados como caminhões, facilitando sem dúvidas tanto o processo de fabricação quanto implementações especializadas, a exemplo da Scania que apostou forte nos "bitrucados" 8X2 que tem se mostrado uma boa opção para os caminhões-tanque, um chassi com as longarinas de seção aberta já foram regra também em caminhonetes. Favorecida por um custo menor de produção e flexibilidade que viabiliza desde alterações na distância entre-eixos e comprimento total dos chassis de modelos substancialmente diferentes, bem como maior aproveitamento de ferramentais mais simples, chegou a ser defendida à exaustão pelos fabricantes americanos como a Ford para utilização na linha de caminhonetes quando ainda predominavam a austeridade e usos estritamente profissionais. Por vários motivos que podem ser tecnicamente bem embasados, ou melhor explorados por departamentos de marketing, o chassi de seção aberta em pick-ups passou a ser visto com um ceticismo até exagerado.
Embora colecionadores que prezem pela originalidade dispensem os argumentos da turma dos hot-rods para adaptar uma "boxed frame" com as longarinas de seção quadrada, ou muito menos soldar "boxing plates" para fechar as originais, convém observar que o chassi é sujeito a forças de tração, compressão, flexão, torção e cisalhamento. A forma como tais forças são aplicadas ao chassi, distribuídas ou mesmo anuladas varia muito, mas uma eventual confusão entre torção e flexão é constantemente tratada como a maior razão para o chassi de seção aberta de uma Ford F-100 da década de '60 seja considerado pior em comparação a modelos modernos, embora também seja justo destacar vantagens como a facilidade para alguns reparos e prevenir ou tratar a corrosão. Naturalmente houve uma notável evolução nos processos de tratamento anticorrosivo originais de fábrica, mas o uso severo e uma eventual exposição a diversos materiais contaminantes na lida campeira ou em canteiros de obra nas mãos dos usuários profissionais podem ser implacáveis.

Um caso curioso é o da Toyota, que costuma enfatizar os chassis com longarinas de seção quadrada dos utilitários como uma vantagem para condições de uso severas, e fizeram a Hilux quadrada ter uma fama de durabilidade e resistência a toda prova, embora tenha sido exatamente essa configuração de chassi o calcanhar de Aquiles do modelo nos Estados Unidos e levado a um grande distanciamento técnico entre a Hilux e a Toyota Tacoma desenvolvida especificamente para lá, bem como o Canadá e o México. Vale destacar que o uso de sal para derreter neve em ruas e estradas nos Estados Unidos favorece a corrosão, sendo mais fácil lavar para descontaminar um veículo com o chassi de seção aberta e, apesar da Tacoma ter seção quadrada das longarinas na área do compartimento do motor, passam a ser abertas na cabine e carroceria. Outro ponto a destacar é que a maior flexibilidade das seções abertas costumava ser tratada como uma vantagem no tocante ao conforto, complementando a ação da suspensão e absorvendo mais as irregularidades da superfície tanto de trechos pavimentados quanto sem pavimentação.

Uma comparação bastante improvável em função dos tamanhos, mas até pertinente considerando tanto a permanência simultânea de ambos os modelos no mercado brasileiro quando já se aproximava o fim do ciclo de produção do Toyota Bandeirante e iniciava o da Ford F-250, proporciona uma oportunidade para analisar eventuais vantagens e desvantagens inerentes a um "fully-boxed frame" e a um chassi de seção mista que restringia um perfil fechado das longarinas ao compartimento do motor preservando a seção aberta sob a cabine e a carroceria. O esforço de compressão é observado em ambos os casos, sem necessariamente ser o mais crítico isoladamente ou ao trafegar por trechos com pavimentação em bom estado, enquanto algumas condições de rodagem mais severas fomentam a reflexão quanto à relevância da flexão e de uma eventual torção, suscitando dúvidas em torno da alegada superioridade da "boxed frame" do Toyota Bandeirante em contraste com a configuração que se usava na F-250 durante o ciclo de produção nacional. Lembrando que ambos os modelos usavam suspensões por eixo rígido e feixes de molas tanto na frente quanto atrás, no caso da F-250 somente nas versões 4X4 feitas no Brasil inicialmente para exportação até serem introduzidas no mercado local quando o Bandeirante já havia saído de linha, enquanto versões 4X2 da F-250 usavam suspensão dianteira independente do tipo Twin-I-Beam, a diferença mais acentuada no tocante à rigidez torcional fica evidente ao trafegar por trechos com irregularidades na superfície, sendo mais fácil o Bandeirante perder o contato de uma das rodas com o terreno enquanto a flexão do chassi da F-250 às vezes confundida com uma pura e simples torção acaba mantendo todas as rodas no chão por mais tempo durante o mesmo trajeto.
Um chassi de seção aberta tende a ser mais pesado que um "fully-boxed" em proporção a uma rigidez torcional idêntica ou bastante parelha entre veículos de uma mesma categoria, mas eliminar totalmente a torção fica difícil até considerando o uso de aços especiais na fabricação das longarinas, e em algum momento um impacto extremamente forte poderia ocasionar um amolgamento mais difícil de reparar e eventualmente até formar uma trinca que progrida rapidamente até tornar-se um ponto de cisalhamento levando à ruptura do chassi com condições potencialmente desastrosas. Numa situação semelhante, em que pese um chassi de seção aberta também poder sofrer danos que requeiram um reparo complexo, já é mais fácil e menos oneroso solucionar o problema, sem no entanto ignorar que a flexibilidade inerente ao projeto do chassi acaba proporcionando uma certa margem de segurança para trafegar em condições de terreno mais severas. Portanto, a forma que esforço de flexão ao qual uma longarina é inicialmente submetida e parcialmente convertido em torção quando uma ou mais travessas acabam transmitindo à outra longarina pode ser na prática um mal menor, tendo em vista a distribuição dessas forças com uma intensidade menor a diferentes pontos do chassi e facilitando a dissipação das mesmas tão logo cesse a perturbação que as tenha imposto.

A favor dos chassis tipo escada com longarinas de perfil aberto, uma facilidade para reposicionar vários componentes de modo a facilitar a adaptação da carroceria mais adequada a cada operação como é visto em caminhões e chassis para ônibus (principalmente os com motor dianteiro) praticamente inviabiliza a transição para longarinas de seção totalmente quadrada em veículos pesados. Destacando-se as posições do motor e do cockpit com relação ao eixo dianteiro, tomando por referência um caminhão Volkswagen Constellation e um ônibus, fica evidente a flexibilidade nos processos de produção que viabiliza usar o mesmo ferramental para os chassis de ambos os veículos, e até modificar posteriormente os respectivos chassis se fosse o caso de reconfigurar para terem a vida útil operacional estendida em outras aplicações diferentes das quais foram originalmente direcionados a atender. Talvez essa mesma característica ainda possibilite que os dispositivos de controle de emissões associados aos motores turbodiesel como o filtro de material particulado (DPF) e o SCR, entre outros periféricos do motor e sistemas diversos, tenham a instalação em posições mais convenientes para as manutenções e inspeções de rotina que viessem a ser necessárias.

Uma consideração frequentemente levantada ao se falar de adaptações de motores Diesel é quanto a um chassi com longarinas de seção quadrada suportar melhor os esforços adicionais, sendo portanto o caso de destacar tanto as versões brasileiras e argentinas das caminhonetes full-size Chevrolet Silverado que na geração GMT400 usaram longarinas de pefil aberto enquanto as similares americanas tinham a seção frontal do chassi "boxed", e nada impediu o uso do motor Maxion S4 com 4 cilindros e 4.1L aspirado e o MWM Sprint 6.07T de 6 cilindros em linha com turbo. Outro caso interessante foi o repotenciamento das caminhonetes Dodge Power Wagon pelo Exército Brasileiro, com o motor Perkins 4-236 Q20B de 3.9L e 4 cilindros substituindo o motor Chrysler Flathead Six a gasolina que é incomparavelmente mais suave. Lembrar que os Aliados venceram a II Guerra Mundial, contando com viaturas e equipamentos de concepção tradicional americana, ainda é um argumento justo pelas longarinas de seção aberta...

quarta-feira, 9 de novembro de 2022

Uma rápida observação sobre o gás natural em veículos pesados

Mais lembrado pelo uso em táxis e veículos de carga leves, principalmente quando as capacidades de carga e passageiros ficam abaixo dos mínimos exigíveis pela atual regulamentação brasileira para o uso de motores Diesel, o gás natural também vinha se destacando principalmente a partir de 2020 também em algumas aplicações com caminhões e ônibus. Embora outros fabricantes como a Mercedes-Benz até tenham exportado motores a gás natural feitos no Brasil para serem usados em caminhões europeus, é a Scania que tem apostado mais alto nesse combustível alternativo e também no biometano, que além de ter origem renovável e a viabilidade de usar diversas matérias-primas, pode ser aplicado com o mesmo sistema de combustível destinado ao gás natural de origem fóssil. No caso específico de um ônibus que é usado pela empresa Turis Silva em serviço de fretamento entre Porto Alegre e Charqueadas atendendo à Gerdau, com carroceria Marcopolo Paradiso 1050 New G7 e chassi Scania K320 IB 4x2 GNC, alguns aspectos são bastante pertinentes para analisar um eventual fogo amigo entre o gás natural veicular e o óleo diesel convencional.

Antes da recente guerra entre Rússia e Ucrânia, tanto o óleo diesel quanto o gás natural costumavam ter os preços sempre menores que o da gasolina comum no Brasil, e hoje estão mais caros até comparados a algumas gasolinas aditivadas, a ponto de hoje já suscitar dúvidas uma viabilidade do gás natural como eventual substitutivo para o óleo diesel. Considerando o motor Scania de 5 cilindros e 9.3L ter o mesmo projeto modular das versões turbodiesel, sendo praticamente um "misto-quente" às avessas ao operar no ciclo Otto como qualquer motor a gasolina ou flex de um veículo leve, vários fatores como um controle de emissões mais simples tanto em função das características do motor quanto do combustível ainda são favoráveis, em que pesem as inconveniências associadas à manutenção preventiva dos cilindros de gás natural como a periodicidade dos testes hidrostáticos. A própria posição e o volume físico dos cilindros de gás natural acaba sendo um transtorno, comparando com um tanque de óleo diesel convencional para um veículo similar ter o mesmo alcance usando um motor turbodiesel, além de ser necessária formação específica para quem faça a instalação ou manutenção periódica em veículos com sistema de gás natural tanto original de fábrica quanto adaptado.

Já considerando os transtornos que alguns operadores associam aos veículos homologados nas normas Euro-5 com a presença do filtro de material particulado (DPF), bem como do sistema SCR que depende do fluido-padrão AdBlue/ARLA-32/ARNOx-32 para reduzir emissões de óxidos de nitrogênio (NOx), o simples fato de motores do ciclo Otto e injeção sequencial dispensarem filtro de material particulado torna-se um atrativo agora que motores a gasolina ou flex passam a requerer esse dispositivo à medida que vão lançando mão da injeção direta e as normas de emissões recrudescem. O gás natural apresenta uma maior resistência à pré-ignição até em comparação ao etanol, e portanto viabiliza que se use uma mistura ar/combustível mais pobre e até certo ponto comparável às condições operacionais dos motores turbodiesel que operam com uma proporção ar/combustível mais pobre que similares a gasolina ou flex. Para controlar as emissões de NOx, pode-se recorrer ao EGR e a um discreto enriquecimento da mistura ar/combustível a depender das condições operacionais como a temperatura ambiente ou a potência que o motor vá desenvolver, lembrando que o gás natural ao ser injetado pelo coletor de admissão favorece a redução dessas emissões porque acaba diminuindo a proporção de oxigênio e nitrogênio na carga de admissão que acabariam reagindo durante a combustão com uma mistura relativamente pobre.

É previsível que alguns operadores possam ter objeções a uma limitação do gás natural com relação ao alcance em tráfego rodoviário, ou mesmo a disponibilidade limitada desse combustível até em trechos urbanos, além da ausência de provisões para uso emergencial de ao menos um combustível líquido ser um impedimento em segmentos como viaturas militares. Um eventual impacto sobre o valor de revenda de veículos movidos exclusivamente a gás natural, tendo em vista essa maior dificuldade para encontrar o combustível considerando uma extensão da vida útil operacional em outros tipos de serviço, também foi historicamente um empecilho para massificar essa opção no Brasil, embora uma recente proibição à incorporação de novos ônibus movidos a óleo diesel na frota urbana de São Paulo possa favorecer uma maior presença dessa alternativa e até sirva para fomentar uma produção de biometano mais ampla pelo interior do país. Enfim, por mais que esteja longe de ser necessariamente uma solução para todas as condições operacionais, o gás natural em veículos pesados tem méritos em algumas circunstâncias.

terça-feira, 1 de novembro de 2022

Downsizing e influência sobre potência e torque específicos: nem tudo está perdido para os turbodiesel

Uma situação que parecia bastante improvável antes que o downsizing fosse massificado nos motores a gasolina e/ou flex, potência e torque específico superiores aos observados em motores turbodiesel na mesma faixa de cilindrada pode até levar a um descrédito da relevância que a pauta de uma liberação irrestrita do uso de motores Diesel em veículos leves ainda poderia ter no Brasil aos olhos do público generalista. Naturalmente, é necessário destacar como um mesmo modelo pode atrair os mais diferentes perfis, abrindo espaço para o uso de motores também diversificados, e um exemplo bastante pertinente é o Fiat 500X que nunca chegou a ser vendido oficialmente no Brasil, mas marcou presença em países vizinhos como a Argentina e foi até oferecido nos Estados Unidos. Desconsiderando que a tração 4X4 só foi oferecida entre os turbodiesel com o maior motor que é o 2.0 Multijet II, e nas versões a gasolina só o Tigershark 2.4 aspirado e os MultiAir turbo de 1.4L quando ainda baseado no Fire ou 1.3L quando baseado no GSE/Firefly, é pertinente observar que entre as versões 4X2 foram oferecidos também os motores turbodiesel Multijet de 1.3L ou 1.6L além dos mesmos motores a gasolina acrescidos de uma opção mais austera que antes era o E.torQ de 1.6L e aspiração natural recentemente substituído por uma versão de 1.0L e 3 cilindros do MultiAir II baseado no GSE.

Enquanto o brasileiro hoje despreza o câmbio manual num SUV, ao contrário do europeu médio que até mantém uma certa austeridade ao optar por conjuntos motrizes sem distinção por categorias de veículo, é natural que o motor 1.3 Multijet II permaneça relevante, e ainda justifique comparações aos motores MultiAir a gasolina quando associado à tração simples e ao câmbio manual. Como se não bastasse uma maior complexidade dos sistemas de pós-tratamento de gases para os motores turbodiesel incluir o SCR até nos mais despretensiosos como o 1.3 Multijet II com potência de de 95cv a 3750 RPM e torque de 200Nm entre 1500 e 1700 RPM, é previsível que uma parte considerável do público generalista fique mais tentada pelos 140cv a 5500 RPM e 230Nm a 1750 RPM da calibração mais mansa do 1.4 Multiair que também só foi usada com tração dianteira e câmbio manual ou ainda mais pelos 170cv a 5500 RPM e 250Nm entre 2500 e 2700 RPM em versões 4X2 de especificação americana ou 4X4 na Europa antes da chegada dos motores Multiair II. Ainda assim, um motor turbodiesel tende a reter aquela parte do público que aprecia o consumo de combustível mais contido sem ter de aderir aos híbridos, e a imagem de maior robustez que tem acompanhado os motores Diesel desde a época da aspiração natural, e tende a ser revigorada à medida que o downsizing vá se revelando substancialmente mais complexo quanto à manutenção diante dos motores a gasolina aspirados, ainda percebidos como à prova de burro...

terça-feira, 25 de outubro de 2022

Refletindo sobre o turbo como um importante aliado para os motores Diesel

É inegável a importância que a indução forçada, e mais notadamente o turbocompressor, foi essencial à consolidação dos motores Diesel junto a operadores com os mais diferentes perfis, embora seja somente um dentre tantos aperfeiçoamentos que tornam um motor de 2.8L como o da atual geração da Chevrolet S10 capaz de proporcionar um desempenho comparável ao das versões de 6.2L do motor Detroit Diesel V8 que equipou o Humvee militar e as primeiras versões do Hummer de especificação civil, e pode até ser páreo para algumas versões de 6.5L também... Naturalmente é necessário observar outros aspectos, com destaque para a quantidade de válvulas por cilindro e o tipo de injeção, bem como as evoluções no gerenciamento eletrônico que só passou a ser efetivamente obrigatório no Brasil a partir do ano-modelo 2012 mas já era uma realidade nos Estados Unidos ao menos em veículos civis também para os motores Diesel quando a partir de '95 uma compatibilidade com a plataforma de diagnóstico eletrônico de falhas OBD-2 tornou-se obrigatória por lá. E mesmo considerando que a implementação de motores Diesel em veículos esteve sempre norteada por parâmetros essencialmente utilitários, outra curiosidade é como foi facilitado o downsizing no Brasil, ao passo que o princípio do there is no replacement for displacement prevaleceu nos Estados Unidos e ainda se observa junto a uma parte do público de utilitários por lá.

Um caso a observar é do motor Isuzu 4JA1-L de 2.5L que usava o turbo mais como um compensador de altitude, embora na 2ª geração da caminhonete Isuzu D-Max tenha deixado de ser usado nas versões 4X4 à medida que tal configuração passava a ser mais apreciada por consumidores generalistas mundo afora, e a bem da verdade já acabava sendo relegado a versões mais austeras de tração simples desde a 1ª geração. A produção continuada da Isuzu D-Max de 2ª geração na Índia ainda deu uma sobrevida ao 4JA1-L somente para as versões de tração simples, cujo público consumidor dessa configuração ainda é considerado mais austero em algumas regiões e portanto visto como mais propenso a aceitar um motor tão pé-duro, em contraste com a forma que o motor Isuzu RZ4E-TC de apenas 1.9L ganha espaço entre consumidores com um perfil mais "recreativo" que tende a se atribuir às versões 4X4 em partes da Ásia e da África, cobrindo áreas onde as normas de emissões Euro-2 e Euro-4 permanecem em vigor, e ainda na Índia onde a norma Bharat Stage 6 equivale à Euro-6. Com o gerenciamento eletrônico alçado a uma condição de extrema relevância para alcançar o enquadramento em normas mais rigorosas de emissões, ironicamente o desempenho das versões Euro-4 e Euro-6 da D-Max de 2ª geração segue austero, apesar da adoção de injeção eletrônica common-rail em substituição à bomba injetora distributiva, e o turbo de geometria variável associado ao intercooler pudesse sugerir muito mais que uma mera compensação de altutide vinda desde a época que a 1ª geração recorria ao turbocompressor em todas as versões Diesel.

Um caso que proporciona boa base para avaliar o quanto o turbocompressor tornou-se tão indispensável ao enquadramento em normas de emissões mais rigorosas é o da Toyota Hilux, cuja atual geração ainda tem disponibilizado somente em países onde as normas Euro-2 seguem em vigor o mesmo motor 5L-E de 3.0L que no Brasil era usado na última Hilux quadrada até 2005 como opção mais simples ao 1KZ-TE que já recebia o turbocompressor, com ambos recorrendo à injeção indireta. À medida que a injeção direta conquistava espaço na linha de motores Diesel leves da Toyota, e o sistema common-rail alçado à hegemonia ao longo das duas últimas décadas, o turbocompressor deixava de ser tão "exótico" mesmo aos olhos de uma parte mais austera/conservadora do público das pick-ups médias, com a Hilux sendo a última da categoria a ter oferecido um motor Diesel de aspiração natural no Brasil. Em outros mercados a situação foi diferente a exemplo da Europa, onde o motor 2L de 2.4L com injeção indireta e aspiração natural ganhou sobrevida nas versões 4X2 da Hilux quadrada enquanto as 4X4 recebiam o 2L-T dotado de turbo embora a injeção indireta só fosse abolida por lá a partir do final de 2001, com a introdução do motor 2KD-FTV de 2.5L para todas as versões já enquadrado nas normas Euro-3 sempre com o turbo e a injeção direta do tipo common-rail, mas em calibrações de potência e torque ainda bastante austeras e à primeira vista bastante parelhas com o que o 5L-E ainda proporcionava no modelo argentino vendido no Brasil até o encerramento da produção da Hilux quadrada em 2005.
Convém lembrar que o turbocompressor pode proporcionar uma compensação dos efeitos da altitude na carga de ar de admissão para o motor, embora até esse benefício possa ser um tanto limitado em alguns momentos devido às diferenças na pressão atmosférica levando a uma maior demora para que o volume de gases de escape se torne suficiente para impulsionar a turbina e o compressor efetivamente mantenha um fluxo de ar comparável ao que seria suprido mais próximo do nível médio do mar, e portanto seria o caso de se especular até que ponto um motor com aspiração natural e cilindrada mais alta se mantivesse tolerável aos olhos de uma parte do público. Um rigor eventualmente maior com a manutenção se se faz necessário com a presença do turbocompressor, principalmente com relação ao óleo lubrificante devido às condições de alta temperatura e as rotações extremas que o dispositivo atinge e ainda pode sustentar por um tempo após o desligamento do motor, também assustava uma parte muito expressiva do público que ainda tratava caminhonetes de concepção tradicional mais como uma ferramenta de trabalho. Antes que as caminhonetes médias passarem a ter um direcionamento maior também a um perfil de uso mais generalista/recreativo, que assimilava com facilidade a imagem dos motores turbodiesel como um fator de prestígio, a aspiração natural até podia atender satisfatoriamente a alguns operadores mas já parecia um tanto limitada.

Lançar um olhar sobre o supercharger como uma opção para a indução forçada, com uma resposta mais instantânea dsede baixas rotações em comparação ao turbocompressor, pode parecer tentador à primeira vista, embora na prática também apresente uma série de limitações que às vezes torna até surpreendente ainda ser utilizado em veículos de produção em série como o Volvo V90, além do mais que a linha atual de motores da Volvo apresenta uma alta modularidade entre os motores a gasolina e os turbodiesel. Vale destacar que o supercharger requer um acoplamento ao motor para ser acionado, que geralmente se faz a uma relação fixa com a rotação do motor e portanto anulando uma eventual capacidade de compensar variações de pressão atmosférica, e mesmo aumentando o desempenho acarreta em mais arrasto tal qual ocorre com absolutamente qualquer acessório acionado diretamente pelo motor, e de certa forma contra as premissas de uma maior eficiência geral que se espera por exemplo de versões híbridas que tem sido constantemente apontadas como fogo amigo contra os motores turbodiesel. Nesse caso tão específico do Volvo S90 que no exterior ainda tem versões turbo a gasolina com ou sem o auxílio do supercharger, turbodiesel e twin-turbodiesel, e no Brasil vem apenas com o conjunto motriz híbrido plug-in a gasolina com o turbo associado ao supercharger, a princípio faria mais sentido eliminar o supercharger e recorrer à estratégia adotada nos twin-turbodiesel que usam um impulsionador eletropneumático denominado PowerPulse para basicamente eliminar o turbo-lag.

Fundamental para que motores Diesel como o Cummins B6.7 atualmente usado nas caminhonetes Ram 2500 ganhassem espaço tanto junto a quem antes consideraria apenas motores V8 big-block ou até V10 a gasolina adequados para serviço pesado quanto para um uso mais recreativo, e sem sombra de dúvidas também tendo se provado utíl em viaturas de serviços de emergência como a polícia, o turbo ainda traz uma certa previsibilidade aos parâmetros de funcionamento do motor em diversas condiões ambientais que facilita até o controle de emissões. Em meio à histeria ecoterrorista que fomenta a demonização dos motores de combustão interna de um modo geral, pode-se atribuir até mesmo a viabilidade técnica atual e futura de motores Diesel em parte ao próprio turbo, que também possibilita a um motor de cilindrada razoável em proporção ao tamanho de cada veículo e respectivas faixas de rotação superarem algumas dificuldades no tocante ao desempenho acarretadas pelas normas de emissões cada vez mais rigorosas que exigem o uso de dispositivos como filtros de material particulado (DPF) e em alguns casos até o SCR que depende do uso do fluido-padrão ARLA-32/AdBlue/ARNOx-32/DEF para reduzir os óxidos de nitrogênio (NOx). Enfim, especialmente ao longo das últimas duas décadas, o turbo tem se revelado um importante aliado para os motores Diesel.

quarta-feira, 19 de outubro de 2022

Suzuki Samurai: melhor exemplo de como a idéia de "carro popular" precisa ser revisada?

Um daqueles veículos que logo se tornaram desejados no Brasil em meio à reabertura das importações e também influenciou uma nova percepção em torno de veículos utilitários como símbolo de status junto ao público urbano generalista na década de '90, o Suzuki Samurai tinha originalmente pretensões muito mais austeras no Japão onde foi desenvolvido, tendo em vista como a categoria kei que pode ser tratada como análoga à dos "populares" brasileiros favorecia o atendimento a necessidades e preferências mais específicas de motoristas com os mais distintos perfis. E se por um lado a restrição quanto ao tamanho e cilindrada para versões JDM terem sido beneficiadas destoava do esperado nos mercados externos, que eram mais receptivos a motores acima de 660cc e paralamas alargados para acomodar rodas com offset negativo, por outro um porte que se mantinha mais compacto em comparação a utilitários ocidentais se revelava oportuno para atender desde um adepto do off-road recreativo ou um fazendeiro até o público essencialmente urbano, em que pese o espaço limitado da carroceria curta que foi a única oferecida no Brasil enquanto outros mercados recebiam também versões longas e até pick-ups baseadas no Samurai. A oferta de motores mundo afora refletia essa versatilidade, deixando de lado os motores utilizados só em versões kei para focar no G13BA de 1.3L a gasolina que foi o mais usado em versões de exportação que chegaram até ao Brasil, além do F10A de 1.0L que facilitava até uma "invasão" no segmento dos carros "populares" durante uma breve época que utilitários também podiam ser beneficiados por um IPI diferenciado, e ainda alguns motores Diesel de 1.9L procedentes da Renault e da Peugeot que chegaram a ser usados em versões feitas na Espanha pela Santana Motor para atender ao mercado europeu.

Lembrando que o ciclo de produção do Suzuki Samurai iniciou-se no Japão em '81 e continuou por lá até '98, além de ter ocorrido também de '86 a 2004 na Espanha, de '81 a 2005 na Indonésia, e finalmente de '85 a 2018 na Índia onde apenas versões longas foram produzidas e comercializadas como Maruti Gipsy/Gipsy King, abrangia desde aquele momento que a indústria automobilística japonesa se tornava mais competitiva diante da concorrência ocidental até a consolidação da moda de SUV, sendo adaptável a diferentes condições políticas/burocráticas, culminando nas versões Suzuki Katana de tração somente traseira para recolher menos imposto na Indonésia. Naturalmente um utilitário de concepção tradicional pode desagradar a uma parcela mais pretensamente sofisticada do público generalista, caso contrário até seria o caso de fazer uma analogia entre o Suzuki Samurai e o Ford Modelo T por ter chassi separado da carroceria e suspensão por eixos rígidos inicialmente com molas semi-elípticas antes de passarem a ser usadas molas helicoidais no final de '95, embora a mesma capacidade de incursão off-road tão desejada para um uso meramente recreativo ainda pudesse cair como uma luva para moradores de regiões rurais por esse Brasil afora. Proporcionando uma perspectiva para observar desde a abordagem mais racional quanto a carros "populares" no Japão abrangendo também utilitários até a oferta de motores abrangente que viabilizava atender às necessidades e preferências do público nas mais distintas regiões, na prática o Suzuki Samurai ainda pode exemplificar bem alguns pontos nos quais a idéia de um carro "popular" essencialmente urbanóide evidencia dificuldades para atender a condições operacionais que extrapolam a bolha dos grandes centros urbanos.