terça-feira, 21 de junho de 2022

Breve observação sobre o milho em contraponto à predominância do trigo na panificação, e a criação de peixe em cativeiro, como motivos para os biocombustíveis serem levados mais a sério no Brasil

É inegável o impacto dos custos do transporte sob os preços dos mais diversos artigos, incluindo itens de primeira necessidade como alimentos, e portanto desde o pão até um filé de peixe pode-se dizer sem medo de errar que um aumento no preço do óleo diesel convencional toma proporções preocupantes. A recente guerra entre Rússia e Ucrânia, aparentemente tão distante do Brasil, tem levado a uma série de aumentos nas cotações internacionais do petróleo e derivados, e também de insumos para a formulação de fertilizantes agrícolas, área na qual tanto Rússia quanto Ucrânia são grandes fornecedores em âmbito mundial, e portanto uma beligerância que parecia irrelevante ganha contornos ainda mais dramáticos no nosso país. Desde tratores usados nas mais diversas lavouras até os caminhões e outros utilitários, vitais para o escoamento da produção agropecuária, passando ainda pelas embarcações usadas tanto na pesca em alto mar ou em águas internas quanto no manejo de peixe criado em cativeiro, convém destacar que o fomento a combustíveis alternativos para "blindar" o Brasil de forma análoga ao antigo ProÁlcool, implementado após o embargo da OPEP ser usado como moeda de barganha por uma coalisão árabe derrotada por Israel na Guerra do Yom Kippur, podendo ainda ser decisivo para fortalecer a segurança alimentar.
Além de um maior aproveitamento de cultivares com elevado teor de carboidratos que poderiam suprir ao menos em parte a demanda e recuperar a confiança do público generalista no etanol, e agregar valor a resíduos do beneficiamento industrial dos mesmos como poderia ser o caso com o arroz e a batata, é o caso de considerar a necessidade pela busca de um substitutivo para o óleo diesel convencional. Ainda vale destacar peixes como a tilápia que pode ser criada consorciada ao cultivo do arroz de modo a repor nitrogênio no solo sem a necessidade de aplicar uréia, uma das principais fontes de nitrogênio usadas na formulação de fertilizantes sintéticos N-P-K e que também é o princípio ativo do fluido-padrão AdBlue ou ARLA-32 que pouquíssimos caminhões comercializados no Brasil dispensavam a partir de 2012 até o começo desse ano. Outro ponto digno de nota é a maior parte da gordura corporal de peixes brancos como a tilápia concentrar-se no fígado, condição que facilita a extração e aplicação como insumo para produção de biodiesel, somando-se à vantagem para a lavoura arrozeira no tocante ao fornecimento de nitrogênio, e também relevante para a preservação de espécies nativas de peixes cuja intensa captura em alto mar as põe em risco de extinção e que podem ter a demanda substituída em parte por tilápia criada em cativeiro durante o período de defeso assegurando a reprodução dos cardumes nativos.

Às vezes uma correlação bastante improvável pode ser feita para destacar a maior importância de outros cultivares tanto no âmbito da produção de alimentos quanto de biocombustíveis, destacando-se o uso da farinha de trigo como principal insumo de panificação no Brasil ainda que outros cereais como o milho poderiam ganhar mais relevância. Na prática, desde uma pizza até uma esfiha ou outros salgados muito populares no Brasil inclusive substituindo refeições mais completas, basicamente são variações de uma massa à base de carboidratos combinada a um recheio ou cobertura à base de proteína animal, podendo ser feita uma analogia também com as arepas tradicionalmente feitas na Colômbia e na Venezuela com uma farinha de milho branco e algum recheio à base de carne ou queijo, sendo conveniente destacar o uso do milho e outros grãos também na formulação de rações pecuárias. Enquanto a farinha de trigo é mais usada como uma fonte de carboidratos, é pertinente destacar que o milho também proporciona um aporte proteico relevante, facilitando até uma integração entre a produção de alimentos e combustíveis a partir de um mesmo cultivar, e oferecer um contraponto às alegações que o uso de terras agricultáveis para insumos destinados ao etanol e ao biodiesel fosse invariavelmente causar prejuízos à segurança alimentar.
Embora possa ser apontado que o "grão de destilaria" resultante da produção de etanol de milho seja um tabu para aplicações na alimentação humana, apesar da eficiência no ganho de peso quando destinado à formulação de rações para gado de corte, é injustificável que o etanol de milho ainda seja subestimado como combustível automotivo no Brasil, onde uma das poucas circunstâncias onde é mais apreciado em comparação à cana-de-açúcar é como o "álcool de cereais" mais frequentemente usado em preparações farmacêuticas/magistrais. Levando em conta até uma adaptabilidade a mais condições climáticas que o trigo e a cana-de-açúcar, é o caso do milho ser devidamente reconhecido, assim como a tilápia superou fatores culturais em algumas regiões onde a preferência por peixes marinhos deixou de ser empecilho à aceitação do consumidor, em parte devido ao custo competitivo e também pelo sabor suave. Enfim, se já havia uma série de motivos práticos para justificar uma maior relevância de peixe criado em cativeiro e do milho para proporcionar um equilíbrio entre segurança energética e disponibilidade de alimentos, a mais recente beligerância russo-ucraniana leva tais opções a serem ainda mais desejáveis...

sexta-feira, 17 de junho de 2022

Fusca: adaptar um motor monocilíndrico horizontal ainda seria um bom quebra-galho

Um dos carros prejudicados de forma mais desproporcional pelas restrições ao uso de motor Diesel com base nas capacidades de carga e passageiros e tração, o Fusca ainda é visto com relativa facilidade pelas ruas de muitas cidades brasileiras, tanto em capitais como Porto Alegre quanto espalhadas pelo interior, e para as zonas rurais e as periferias das grandes metrópoles a configuração de motor e tração traseiros é uma qualidade ainda digna de nota por facilitar o tráfego por condições de terreno mais severas. Cabe observar uma série de outras peculiaridades que destacam o modelo, e fizeram a Volkswagen conquistar um público fiel e romper a antiga hegemonia dos carrões americanos que reinavam até a década de '50, e uma daquelas características tão bem exploradas pela publicidade era a simplicidade da refrigeração a ar do motor boxer, levando qualquer idéia de adaptação de outros motores a uma condição de tabu que já se sobrepõe às dificuldades de ordem técnica para encontrar motores Diesel viáveis para substituir o boxer sem alterações tão drásticas. E levando em consideração as históricas dificuldades para encontrar motores Diesel relativamente compactos no Brasil, intensificadas pela antiga influência mais americana e pela imagem de "à prova de burro" que o motor do Fusca conquistou pela facilidade de manutenção, a hipótese de adaptar um motor Diesel monocilíndrico horizontal de refrigeração líquida já parece menos absurda, também devido ao histórico de sucesso em máquinas agrícolas e embarcações leves.
A princípio pareceria ainda mais difícil sugerir que motores com uma faixa de rotação mais estreita que a do boxer, e com potência quase sempre menor que a do motor 1200 e torque mais próximo dos 1200 e 1300 que do 1600, justificasse uma adaptação no Fusca para um uso nas condições normais previstas no projeto original do veículo, além de serem mais pesados e um dos métodos mais comuns para acoplar a diversos equipamentos estacionários ou máquinas agrícolas ser através de correias e polias. Mesmo que outra instalação seja viável sem a necessidade de correias e polias para transmissão primária, a exemplo de embarcações para as quais um reversor é acoplado diretamente no volante do motor, a desconfiança de uma parte do público generalista acabava ficando mais exacerbada, e a considerável diferença entre os tamanhos do volante de um motor de Fusca e de um estacionário como os Yanmar das séries TF e TS também suscitaria dúvidas quanto às possíveis soluções para contornar essa discrepância e proporcionar uma montagem "limpa" que pudesse parecer até original de fábrica. Certamente um torneiro-mecânico poderia usinar um volante de motor que atenda bem a essa aplicação, e um motor "de bomba de poço" que é tão conhecido quanto o boxer da Volkswagen até em localidades rurais mais distantes de grandes centros acabaria proporcionando uma relativa tranquilidade quanto a uma disponibilidade de assistência técnica praticamente em qualquer lugar do país, condição que chegou a ser apontada como favorável ao relançamento do Fusca entre '93 e '96 pelo ex-presidente do Fusca Clube do Brasil Alexander Gromow em contraponto a alguns deslumbrados que criticavam o "Fusca Itamar" ainda um tanto inebriados pela reabertura das importações de veículos em '90.
Tendo em vista como o mercado de veículos antigos colecionáveis no Brasil ficou especulativo demais nos últimos anos, e os mais diversos componentes de especificação original como motores boxer novos para eventual reposição vem atingindo preços estratosféricos, a "heresia" de fazer algumas adaptações nada ortodoxas pode soar tentadora para quem ainda considere o Fusca mais como um veículo "usável"  que como uma peça de museu fadada a ficar trancafiada num galpão. E convenhamos que a economia e a simplicidade de alguns motores Diesel horizontais monocilíndricos de refrigeração líquida entre 1.1L e 1.5L ainda fornecidos tanto por fabricantes tradicionais como a Yanmar quanto por importadores que costumam oferecer cópias dos motores Yanmar feitas principalmente na China viriam a calhar, em que pese um desempenho austero mas longe de impedir por exemplo algumas viagens para visitar parentes interioranos ou ir comer um peixe fresco no litoral, e na pior das hipóteses um mecânico familiarizado só com motores de trator ou um pescador artesanal teriam como auxiliar em algum reparo emergencial. Enfim, mesmo longe de ser tecnicamente "perfeita" e esbarrando na burocracia que impede regularizar a conversão para Diesel, a eventual adaptação de um motor monocilíndrico horizontal ainda seria um bom quebra-galho para um Fusca...

quinta-feira, 9 de junho de 2022

5 carros que seria até pecado converter para Diesel, mas daria gosto chegar causando no inferno com um motor Steyr Monoblock

Por mais interessante que seja considerar uma eventual liberação do uso de motores Diesel para os mais diversos tipos de veículo, sem restrições baseadas nas capacidades de carga e passageiros ou tração, é de se esperar que em algumas categorias fique mais difícil convencer o perfil mais tradicional de uma parte do público a aceitar essa opção. Naturalmente há quem veja alguns modelos específicos como inerentemente mais difíceis de justificar uma conversão, e considerem praticamente pecado fazê-lo, mas a hipótese ainda parece tentadora. E dentre tantos veículos aparentemente improváveis, ao menos 5 poderiam ser bons receptores para um motor Steyr Monoblock M14 ou M16...

1 - Toyota Supra A80: modelo que ficou marcado pela participação no primeiro filme da série Velozes e Furiosos, principalmente pela menção ao motor 2JZ-GTE de 6 cilindros em linha e 3.0L com 2 turbos. Mesmo um toyoteiro purista torceria o nariz para adaptações de motores como o 1HD-FTE também de 6 cilindros em linha da própria Toyota ou o 1VD-FTV que é V8 e teve versões com 1 ou 2 turbos, mas um motor fornecido por terceiros talvez causasse ainda mais descontentamentos junto a essa parte do público. Mas que um motor Steyr M16 seria tentador, com certeza seria; 

2 - Subaru Impreza: ter sido sempre equipado com motores boxer já dificulta uma adaptação de motor em função da altura e comprimento do original, e para acomodar sem eventuais descaracterizações no tocante à estética externa poderia se fazer necessário adaptar tração somente traseira sacrificando a tração nas 4 rodas que é uma característica bastante difundida na linha Subaru de um modo geral, tendo em vista que seria necessário também montar o motor mais recuado e impedindo o uso do câmbio original. A princípio um M14 já daria conta, tanto de prover um desempenho ainda interessante quanto de despertar a ira dos puristas mais ferrenhos;

3 - Porsche Cayenne Coupé: modelo já suficientemente "herege" para os padrões da marca, embora a linha Cayenne possa ser creditada como uma salvação para a Porsche permanecer viável nos Estados Unidos e continuar desenvolvendo modelos esportivos mais puros. Já na 3ª geração passou a oferecer também uma carroceria de acordo com a moda de "SUV coupé", e conta somente com motores turbo a gasolina de 6 e 8 cilindros em V, associados em algumas versões a um sistema de propulsão híbrido plug-in. Dada a ausência das opções turbodiesel que foram oferecidas nas duas gerações anteriores do Porsche Cayenne, a adaptação de um motor Steyr M16 seria uma hipótese até interessante; 

4 - Honda Civic de 6ª geração: chegou a ter versões de pretensões bem mais esportivas quando ainda era importado, inclusive a carroceria Coupé muito mais bonita que o sedan que foi produzido no Brasil, e o sistema VTEC de comando de válvulas variável que faz a alegria de quem gosta de levar um motor a gasolina a regimes de rotação estratosféricos com a fama de ser uma tecnologia originária da Fórmula 1 também fomentaria alguma objeção a trocas de motor. A princípio o M14 já seria potencialmente difícil de adaptar sem fazer descaracterizações mais profundas;

5 - Mitsubishi Lancer Evolution VII: uma verdadeira lenda do rali, tendo rivalizado com os Subaru Impreza no WRC. Particularmente me agrada mais a estética em comparação aos outros modelos dessa mesma série, embora eu deva confessar que ficaria tentado a cometer uma "heresia" e substituir o motor 4G63T original ou por um V8 americano ou por um turbodiesel com 4 cilindros, e nesse caso o Steyr M14 estaria entre as opções que eu consideraria.

quinta-feira, 2 de junho de 2022

Óxidos de nitrogênio: desafiadores até para reavivar o conceito dos motores Hesselman

A presença expressiva da injeção direta em motores de ignição por faísca nos últimos anos, que já inclui motores aspirados como o da atual geração do Honda City ao invés de ficar restrita aos turbo como o do Jeep Renegade que lança mão do T270 hoje como único motor nas versões de especificação brasileira a partir do ano-modelo 2022, naturalmente desperta alguns questionamentos. Desde a aparente vantagem na partida a frio quando se use etanol até as dificuldades no caso de uma conversão para gás natural, e a improvável possibilidade de reavivar a idéia de Jonas Hesselman que via na injeção direta um pretexto para aplicar combustíveis pesados como o querosene e o óleo diesel convencional a motores de ignição por faísca quase 100 anos atrás. Naturalmente haverá quem veja com ceticismo essa possibilidade nos dias de hoje, onde opiniões diversas às vezes exageradamente para algum extremo, e especificamente a aptidão de um tipo de motor para operar exclusivamente com combustíveis voláteis enquanto outros se mantém restritos a combustíveis pesados soa como um postulado incontestável num primeiro momento.
A bem da verdade, com a rigidez das regulamentações de emissões em vigor em diversos países, e até o Brasil passando a se aproximar mais dos Estados Unidos no tocante às emissões evaporativas ao invés de seguir alguma norma Euro com relativa defasagem, ficam mais acentuadas algumas diferenças entre os métodos e dispositivos que venham a ser usados. Enquanto um cânister de maior capacidade atende à necessidade de reter vapores desprendidos pela gasolina ou pelo etanol dentro do tanque de combustível em um veículo flex, e à medida que a injeção direta se consolida em motores de ignição por faísca surge a necessidade de usar um filtro de material particulado tal qual um similar turbodiesel necessitava, uma das questões mais críticas permanece sendo o controle das emissões de óxidos de nitrogênio (NOx). Ao se usar combustíveis voláteis, mesmo que um intervalo mais curto entre a injeção e a ignição cause uma vaporização incompleta da gasolina ou do etanol e intensifique a formação de material particulado a ser retido pelo filtro de material particulado, simplesmente recorrer a uma proporção maior de combustível pela carga de ar de admissão permanece a aposta mais óbvia da mesma forma que se aplica aos motores de ignição por faísca desde a época dos carburadores até a injeção sequencial no coletor de admissão.
Outra peculiaridade a ser considerada quanto ao controle dos NOx é que, usando ciclos termodinâmicos distintos para combustíveis voláteis ou pesados com a correspondente discrepância entre as respectivas taxas de compressão aplicáveis para um motor do ciclo Otto e um do ciclo Diesel, a princípio o EGR se mantém uma opção viável em ambos os casos, enquanto a propagação de chama pode ficar prejudicada ao se tentar fazer um motor Hesselman moderno. Portanto, algum outro método que atrapalhe menos a eficiência geral do processo de combustão seria mais desejável, e assim até o SCR que passou a equipar o Jeep Compass de especificação brasileira nas versões turbodiesel a partir de 2022 parece razoável, em que pese a inconveniência de ter que observar mais um item de manutenção periódica que é a reposição do fluido-padrão ARLA-32/ARNOx-32/AdBlue indispensável para o correto funcionamento do sistema SCR. Mais proveitoso ao menos enquanto se usasse um combustível volátil seria a injeção suplementar de água com algum álcool, ou até uma injeção suplementar de gás natural como já se vê em caminhões com o intuito de economizar óleo diesel mas que também diminui sensivelmente os NOx devido a uma proporção maior de combustível em relação à carga de admissão e até do material particulado porque o gás já injetado na fase de vapor favorece uma propagação de chama mais homogênea por toda a câmara de combustão.
Por mais que os motores Hesselman pareçam uma mera gambiarra, especialmente tentadora para burlar as restrições ao uso de motores Diesel com base nas capacidades de carga e passageiros ou tração ainda em vigor no Brasil, quem leve a sério a pauta do controle de emissões ao invés de chutar o balde ficaria num mato sem cachorro para justificar que um motor aparentemente "a gasolina" ou flex necessitaria de toda a parafernália de pós-tratamento que tem sido um calcanhar de Aquiles específico dos turbodiesel, no caso do SCR. Eventualmente mais viável em aplicações militares ou para embarcações em função do menor rigor no controle de emissões, mesmo compartilhando o projeto básico do motor com algum direcionado ao mercado automobilístico generalista, um retorno dos motores Hesselman ainda poderia se justificar sob condições operacionais bastante específicas, para as quais a predominância de motores Diesel segue firme e forte. Enfim, apesar da eventual utilidade que possa oferecer, um ressurgimento de motores Hesselman é tão desafiador quanto seguir apostando no Diesel diante do controle dos NOx...