quarta-feira, 25 de outubro de 2023

Ford Cargo Turbo A.T.A.C. resistindo à modernidade, e à imagem do turbo como algo tão óbvio na atualidade

Houve uma época que o turbo já era raro, e vir acompanhado do intercooler era um acontecimento à parte, anunciado com pompa e circunstância como em caminhões Ford Cargo que durante uma parte da década de '90 até traziam uma faixa adesiva decorativa com os dizeres "TURBO A.T.A.C." no painel de inspeção de fluidos entre a grade dianteira e o parabrisa. O ensino da língua inglesa no Brasil ainda era algo precário, com poucos atentando para A.T.A.C. ser uma sigla referindo-se ao air-to-air cooler, ou o intercooler do tipo ar-ar, que equipou tanto versões dotadas de motores FTO (também conhecidos como FNH) fabricados pela própria Ford originalmente para uso agrícola quanto outras versões com motores Cummins. Com tantos caminhões antigos ganhando uma extensão da vida útil operacional em canteiros de obras, vez por outra ainda aparecem exemplares que poderiam passar despercebidos por um Enzo ou uma Valentina que só lembram da existência do câmbio manual quando se deparam com algum veículo "de trabalho", e dificilmente vão em algum momento da vida colocar as mãos num carburador ou numa bomba injetora governada mecanicamente, mas quem viu estágios iniciais daquela transição de motores mais rústicos rumo ao atual estágio de precisão do gerenciamento eletrônico ainda pode ficar inebriado por uma nostalgia que pequenos detalhes são capazes de reacender à memória. E até um nada discreto adesivo, dando um destaque todo especial a uma característica técnica que hoje passa como algo óbvio em motores modernos, tem seus encantos, principalmente quando lembramos que as condições pesadas frequentemente enfrentadas na operação de caminhões às vezes são implacáveis mesmo com pequenos detalhes...

quinta-feira, 19 de outubro de 2023

5 motivos que podem soar tentadores para substituir um motor Toyota da série L por outro ainda mais rústico

Pode-se dizer sem medo de errar que um dos principais expoentes para desmistificar os motores Diesel de alta rotação no Brasil em meio à reabertura das importações foi o Toyota 3L que vinha em algumas das primeiras versões da Hilux quadrada a chegarem ao mercado local. Naturalmente a boa reputação que a Toyota já havia conquistado, tanto a nível mundial quanto brasileiro, também foi oportuna para a boa aceitação de um motor que fugia daquela concepção mais próxima à de máquinas agrícolas que foi tão característica daquela abordagem imediatista e um tanto improvisada que caracterizou o começo da prevalência dos motores Diesel nas caminhonetes grandes no Brasil como reação às primeiras crises do petróleo, antes que as médias passassem a ter uma maior participação de mercado a partir da reabertura das importações. Ainda assim, é possível que algum Professor Pardal de plantão ficasse tentado a fazer adaptações com outros motores, até eventualmente de concepção mais austera e ao menos teoricamente "inferior" ao Toyota 3L em um ou mais aspectos...

1 - rejeição à injeção indireta: tanto pela injeção direta já ter sido consolidada nos motores "de trator" que predominavam no Brasil quando SUVs importados como a Toyota Hilux SW4 começavam a atrair um público mais urbano de classe média-alta e alta, ecoando as declarações do ex-presidente Fernando Collor de Mello que se referia aos carros de fabricação nacional como "carroças" entre as justificativas para liberar as importações, quanto pela injeção indireta resultar numa menor eficiência térmica no uso de óleo diesel convencional ou biodiesel à medida que os índices de cetano (fórmula matemática para mensurar a intensidade de propagação da chama nas câmaras de combustão) fiquem mais altos e numa maior tendência a superaquecimentos e queimas de juntas de cabeçote (especialmente após a proibição do uso de amianto), ficaria mais fácil compreender desde fabricantes chineses que desovavam as cópias de qualquer caminhonete japonesa usando alguma imitação do motor Isuzu 4JB1 nas versões Diesel até um mecânico de trator que deseje fazer aquela antiga adaptação do motor MWM de 3 cilindros da série 229 que chegou a ser comum em caminhonetes full-size nacionais antigas. A bem da verdade, talvez o único motivo que poderia tornar mais relevante uma preferência pela injeção indireta original do motor Toyota 3L por exemplo, seria a maior adaptabilidade da injeção indireta a eventuais experiências com o uso direto de óleos vegetais brutos como combustível alternativo;

2 - para se ver livre da correia dentada: novamente, para quem vê um carro que já atingiu uma certa idade, no Brasil uma parte considerável do público que compra carros usados associa tanto idade de um veículo quanto um preço de aquisição mais baixo com a ilusão que a manutenção fosse custar troco de pinga. Portanto, fazendo uma analogia com as adaptações de motores Volkswagen e Chevrolet ainda tão comuns em veículos cuja regulamentação brasileira impediria legalizar repotenciamentos com motores Diesel, seria pouco ou nada surpreendente alguém considerar uma adaptação parecida. Vale destacar até um precedente histórico bastante curioso da Argentina, onde alguns fabricantes de motores Diesel como a Deutz e a antiga Borgward Argentina apresentavam soluções específicas para o mercado de reposição. E como instalar corretamente uma correia dentada e respectivos tensores pode parecer menos "à prova de burro" num motor Diesel, comparado por exemplo a um motor Volkswagen AP a gasolina, pode soar mais tentador adaptar um motor que tenha comando de válvulas e bomba injetora sincronizados por um conjunto de engrenagens que, apesar de parecer complicado para sincronizar num primeiro momento, vá exigir menos intervenções durante a vida útil do motor;

3 - compartilhar peças de reposição com outros veículos, equipamentos e dispositivos: motores de fabricantes independentes como a MWM e a Perkins ou a Cummins e a Deutz por exemplo, por serem direcionados tanto a aplicações veiculares quanto embarcações, máquinas agrícolas e uma infinidade de equipamentos estacionários/industriais, podem simplificar as logísticas de manutenção e reposição de peças de acordo com as necessidades de cada operador. Desde um produtor rural até um pescador, que poderiam usar motores rigorosamente idênticos numa caminhonete e num trator ou num barco de pesca, passando por entusiastas do off-road recreativo que considerem conveniente uma similaridade técnica mais evidente que poderia facilitar reparos quando o mecânico mais próximo tiver como especialidade os tratores agrícolas, já poderia soar mais razoável uma adaptação "pouco ortodoxa", a exemplo do que faziam os argentinos adaptando motores Deutz da série 913 refrigerados a ar em praticamente qualquer caminhonete onde caiba ao menos uma versão de 3 cilindros;

4 - resiliência a condições ambientais e operacionais severas: como dizia Amaral Gurgel, "peça que não entra no carro não quebra", e portanto um motor com menos vulnerabilidades fica mais convidativo a depender do perfil do operador. E mesmo que um motor "de trator" eventualmente com quantidade de cilindros menor possa parecer subdimensionado para equipar uma caminhonete, vale destacar tanto que os motores Diesel de alta rotação com injeção indireta e aspiração natural como o Toyota 3L já tinham um desempenho consideravelmente modesto quanto motores mais rústicos compartilhando um projeto modularizado com outros destinados a fatores de carga mais extremos levam a crer que uma improvável adaptação tenha mais possibilidades de dar certo que de dar errado;

5 - testar uma integração com outros combustíveis: considerando uma maior facilidade para misturar gás natural à carga de ar de admissão, ou ainda uma injeção suplementar de etanol, ainda que a eventual redução nos picos de temperatura do processo de combustão e a propagação de chama mais homogênea também pudessem ser especialmente benéficas a um motor de injeção indireta como o Toyota 3L, seria menos arriscado aplicar tais métodos a um motor "de trator" mais abrutalhado, principalmente se tiver injeção direta. Eventualmente, considerando que até alguns motores mais rústicos hoje já tem versões com bomba injetora governada eletronicamente, é possível o débito da injeção do combustível principal ser diminuído para manter a proporção estequiométrica mais próxima do parâmetro padrão, enquanto as versões de injeção mecânica tendem a ter um desempenho mais vigoroso quando aplicada uma injeção suplementar de algum combustível volátil que acabe por enriquecer a proporção ar/combustível.

terça-feira, 10 de outubro de 2023

LiquidPiston: uma antiga receptividade ao outsourcing de motores turbodiesel em caminhonetes poderia favorecer tentativas de inserir novas tecnologias no âmbito de motores?

Os ciclos termodinâmicos aplicados a motores veiculares, tanto de ignição por faísca quanto os do ciclo Diesel, tem sido basicamente os mesmos por mais de 100 anos, ainda que algumas evoluções pudessem ser observadas como na época do motor MWM Sprint 4;07 TCA que entre outros veículos chegou a ser usado em versões brasileiras da Chevrolet S10 em versão de 132cv com injeção totalmente mecânica ou 140cv quando incorporou o gerenciamento eletrônico. Por mais que tivesse sincronismo do comando de válvulas por engrenagens como um bom motor "de trator" meramente adaptado até um tanto às pressas para uso veicular, é natural que ter sido desenvolvido já como um motor de alta rotação e com comando de válvulas no cabeçote chamasse a atenção de uma parte do público brasileiro, que ainda estava pouco habituado com tal configuração até os motores Diesel de um modo geral começarem a ter um destaque maior no segmento de caminhonetes mid-size por volta do ano 2000. Eventualmente a configuração até conservadora em outros aspectos, tendo em vista que tratava-se ainda de um motor convencional com 4 cilindros em linha, a princípio pode parecer menos convidativa a uma reflexão sobre possibilidades que um motor substancialmente diferente, como os que a empresa americana LiquidPiston tem apresentado em versões de ignição por faísca sempre operando em ciclo 4-tempos aptas a operar tanto com gasolina quanto com combustíveis gasosos (até mesmo hidrogênio) e no ciclo Diesel em configuração 4-tempos, e mais recentemente Diesel 2-tempos que parece especialmente interessante, além do mais que pode ter taxas de compressão entre conservadores 16:1 até extremos 26:1 mais próximos do que a Scania usou em motores do ciclo Diesel para caminhões e ônibus especificamente preparados para o uso de etanol.
Obviamente a escalabilidade precisa ser levada em consideração, e um motor basicamente portátil mais voltado ao uso em grupos geradores compactos ou para veículos aéreos não-tripulados (VANTs/UAVs - unmanned aerial vehicles - "drones") como é o caso do LiquidPiston XTS-210 operando no ciclo Diesel 2-tempos com 210cc numa faixa de 26cv seria insuficiente mesmo num carro compacto, mas digno de nota por ser um motor rotativo que lembra um Wankel virado do avesso, com um rotor oval ao invés de triangular se movimentando dentro de um alojamento que lembra uma estrela de 3 pontas por dentro, e a comparação com o motor Wankel Mazda 13B de ignição por faísca torna-se inevitável. Apesar de ser mais difícil considerar a possibilidade de conciliar motores LiquidPiston a um turbo, hoje considerado imprescindível em motores Diesel veiculares até no âmbito do controle de emissões, porque mesmo os motores LiquidPiston de ignição por faísca usam injeção de óleo lubrificante para os retentores apicais e lubrificação por salpico onde o eixo excêntrico que faz as vezes de virabrequim é engrenado ao rotor, a menor quantidade de peças móveis e o fato de ser bem adaptável a diversos combustíveis alternativos por alcançar taxas de compressão que um motor Wankel dificilmente alcançaria, seria racional depositar alguma expectativa em torno dos projetos da LiquidPiston fora do âmbito militar nos Estados Unidos, se a escalabilidade for efetivamente levada adiante e surjam motores de 2 a 3 rotores cobrindo faixas de cilindrada entre 1.3L e 2.0L tal qual a Mazda fez com motores Wankel a gasolina. E mesmo que apareça uma solução no tocante à lubrificação que um turbo venha a exigir, possivelmente integrada até mesmo a diferentes graus de hibridização, uma menor quantidade de peças que venha a diminiur os custos de produção, e uma maior densidade de potência em proporção ao peso e dimensões comparado a motores de configuração tradicional facilite a acomodação dos dispositivos de controle de emissões como filtros de material particulado (DPF) e o sistema SCR para controle de óxidos de nitrogênio (NOx) atualmente muito difundidos e cuja competição por espaço com componentes de sistemas híbridos pode ficar mais problemática e fortalecer a imagem dos híbridos como inerentemente antagônicos a um motor Diesel...

quinta-feira, 5 de outubro de 2023

Por que a insistência em apontar só o hidrogênio como "solução infalível" para o transporte comercial é exagerada?

Em um vídeo que circulou recentemente por grupos de Whatsapp, com o piloto de testes e jornalista César Urnhani apresentando um protótipo de caminhão Mercedes-Benz com propulsão elétrica cuja energia é suprida por uma célula de combustível a hidrogênio, foi evidente o otimismo demonstrado em torno desse combustível principalmente devido ao menor peso em comparação a uma bancada de baterias caso fosse um veículo totalmente elétrico. Tratando-se de uma configuração híbrida serial, é inevitável uma comparação entre o hidrogênio e outros combustíveis mais fáceis de manejar, bem como eventuais possibilidades para motores de combustão interna com configuração mais próxima do que o público generalista está acostumado. A dificuldade inerente ao armazenamento do hidrogênio tanto a bordo de um veículo que o utilize quanto nos postos de abastecimento que venham a atender à demanda projetada para um maior uso no transporte rodoviário, por mais que se fale muito em usar o etanol como substrato para extrair o hidrogênio puro, já é problemática também em função do gasto de energia elétrica para purificar e manter o hidrogênio armazenado antes de ser abastecido no veículo.

Experiências de sucesso com outros tipos de propulsão elétrica associada à geração de energia a bordo a partir de motores térmicos também podem ser relevantes, como o caso de turbinas a gás que já são muito usadas na propulsão naval tanto em função da redução de tamanho e peso do conjunto motriz quanto pela capacidade de operar com uma maior variedade de combustíveis é atrativa para os armadores. É inevitável também fazer uma alusão à inserção da tecnologia híbrida nos automóveis, que já contempla também a integração com os motores flex a gasolina e etanol complementados por uma possibilidade de conversões para o gás natural, e até o hidrogênio também poder atender a motores de combustão interna sem sacrificar totalmente a adaptabilidade a outros combustíveis conforme a necessidade do operador. E assim como também o ciclo Diesel pode ser integrado a combustíveis alternativos, como o biodiesel e até injeções suplementares de etanol e gás natural, ou até o uso de gás natural ou biometano que já tem servido como substitutivo ao óleo diesel por alguns operadores mesmo no Brasil, fica mais difícil esperar que o hidrogênio possa efetivamente atender a todas as condições operacionais abrangidas por motores de combustão interna isoladamente ou integrados a sistemas de propulsão híbrida.