quarta-feira, 29 de abril de 2020

Reflexão: microtratores tipo tobata, Volkswagen Variant, Fiat 147, e como uma liberação do Diesel teria impacto sobre a agricultura

É impossível ignorar a hegemonia dos motores Diesel na mecanização agrícola a nível mundial, sem ignorar também os microtratores de duas rodas que ficaram conhecidos genericamente no Brasil por "tobata" em referência aos antigos Tobatta produzidos pela Kubota, e uma das principais alegações da época em que foram implementadas as restrições ao uso do óleo diesel em veículos leves no país foi a disponibilidade de combustível para aplicações utilitárias que acabam naturalmente incluindo tratores e outras máquinas agrícolas. De fato, tratava-se de uma precaução que poderia parecer coerente num primeiro momento, mas que viria a se revelar uma faca de dois gumes em meio a algumas mudanças de paradigma que tornam oportuno questionar a eficácia de tal medida na atualidade. Naturalmente, o cenário mudou não apenas para melhor, com desafios de ordem técnica se sobrepondo por exemplo a um uso mais expressivo de biodiesel ou de óleos vegetais brutos como combustível alternativo, o que a bem da verdade poderia ser até mais favorável à agricultura do que insistir em usar como parâmetro somente o óleo diesel convencional.
A versatilidade de motores Diesel monocilíndricos horizontais normalmente usados em microtratores tipo tobata, com a principal referência no tocante a modelos mais recentes sendo modelos produzidos pela Yanmar, também os credenciaria como um bom quebra-galho para atendimento mais imediato da eventual demanda por conversões de automóveis caso venham a ser finalmente abolidas as restrições baseadas nas capacidades de carga e passageiros ou tração. Naturalmente que o uso de um motor tão rústico poderia não ser necessariamente a melhor opção para todo tipo de automóvel, mas já poderia de fato ser suficiente em alguns carros de concepção antiga como uma Volkswagen Variant da década de '70 que permaneça enfrentando condições de uso severas ao invés de ter sido alçada à condição de uma peça de colecionador tratada a pão-de-ló. Provavelmente despertaria a ira dos puristas de plantão que repudiam alterações tão drásticas como uma troca de motor, mas eventualmente para sitiantes que tenham como produzir o próprio óleo combustível seria mais uma opção razoável além do etanol com o intuito de fomentar a autonomia energética do pequeno produtor rural, cabendo salientar também as vantagens logísticas em poder compartilhar um mesmo estoque de peças de reposição e combustível ou outros insumos como óleo lubrificante para um trator e um automóvel.
No caso específico da Variant, o fato de recorrer à concepção mecânica tradicional derivada do Fusca abre espaço a observações no tocante à não-necessidade da tração 4X4 para as enfrentar condições de rodagem que se costuma encontrar em regiões rurais, e até não seria de se duvidar que algum usuário tentasse se valer da maior aptidão off-road para atender simultaneamente as funções do automóvel e dum microtrator. O fato de ter tração somente traseira e acomodação para o motorista e 5 passageiros, bem como a capacidade de carga inferior ao mínimo de uma tonelada que serviria para credenciar um modelo de tração simples com acomodação para menos de 9 passageiros além do condutor, já levam a crer que a norma hoje em vigor para que um veículo seja reconhecido como "utilitário" e garantir o direito ao uso de motor Diesel também seria desfavorável ao produtor rural, mesmo que se tome por referência um carro mais moderno e menos versátil que uma Variant. A simples exigência burocrática por uma configuração inerentemente mais ineficiente, que abrangeria desde os maiores atritos que um sistema de tração 4X4 tem até um tamanho eventualmente excessivo para um veículo que na maioria das vezes acabe não tendo as capacidades de carga ou passageiros plenamente aproveitadas passando pelo impacto sobre o peso e eventualmente a aerodinâmica, já faz com que se favoreça a ineficiência para quem não abra mão do Diesel

O destaque da experiência brasileira com o etanol desde a época do regime militar, e que no rescaldo dos choques do petróleo na década de '70 serviu não apenas para o público generalista mas também foi uma alternativa para manter o automobilismo brasileiro em plena atividade, ainda é tratado como antagônico ao Diesel, ignorando as possibilidades de inserir na cadeia produtiva dos biocombustíveis outras matérias-primas mais adequadas às vocações agropecuárias de cada região do país. Claro que o cenário na época do Fiat 147 "cachacinha" que ainda recorria ao carburador e à ignição com platinado e condensador era muito mais crítico, comparado à atualidade em que a injeção eletrônica e a ignição mapeada proporcionam adaptabilidade no mesmo motor tanto para o combustível alternativo quanto para a gasolina que é a verdadeira antagonista do etanol. Enquanto nos motores Diesel a ignição por compressão já favorece a capacidade de operar com combustíveis distintos, sendo um dos principais motivos para uma massificação nas frotas militares operacionais, nos de ignição por faísca como os Fiasa de 1.05L e 1.3L originalmente oferecidos no Fiat 147 e também em análogos mais recentes há uma maior dependência por fatores como o ponto de ignição para que o motor funcione corretamente com combustíveis diferentes que podem não ser tão favorecidos por uma taxa de compressão que seja mais próxima ao ideal para apenas um destes, e costuma ser priorizada a gasolina.
Por mais que num primeiro momento parecesse que restringir o Diesel a aplicações "utilitárias" seria a salvação da lavoura, e com o etanol parecendo um quebra-galho promissor para uso automotivo no Brasil, houve uma série de transições tanto em âmbito cultural quanto técnico que favoreceriam uma busca por alternativas ao óleo diesel convencional de forma análoga ao ProÁlcool dos militares. Não se justifica ignorar a evolução tecnológica no tocante a motores de um modo geral, embora o caso do Brasil devido à concentração do Diesel em outros segmentos levasse o consumidor generalista a vê-lo como "coisa de trator" com um desdém que não condiz com a importância para levar comida à mesa. Enfim, tendo em vista como as restrições baseadas nas capacidades de carga e passageiros ou tração se tornaram um convite à ineficiência em aplicações que se desviam da premissa de "utilitários", bem como o atual cenário de desconfiança quanto aos biocombustíveis depois que o ProÁlcool sucumbiu à má gestão após o fim do regime militar desincentivando uma maior presença do biodiesel, pode-se deduzir que uma liberação do Diesel viria a ser na verdade até benéfica à agricultura devido a novas oportunidades que se abririam para o biodiesel e também para o uso direto de óleos vegetais como combustível.

segunda-feira, 27 de abril de 2020

Geração atual do Chevrolet Tracker: difícil entender como uma opção Diesel aparentemente nem esteve em cogitação

A aposta na joint-venture chinesa SAIC-GM para o desenvolvimento dos modelos destinados a países emergentes, destacando entre os mais recentes o atual Chevrolet Tracker, acabou influenciando muito a estratégia da General Motors também em outras regiões, como é o caso da América Latina. Mesmo que em alguns países vizinhos eventualmente uma opção de motor turbodiesel ainda pudesse servir para aumentar a competitividade, apesar do maior enfoque nas atuais gerações de SUVs para atender cada vez mais a um público essencialmente urbano, é previsível que permaneça alguma desconfiança com relação aos impactos tanto de um custo inicial mais alto quanto da incorporação dos dispositivos de controle de emissões que costumam ser o maior alvo de críticas tanto por parte daqueles críticos de longa data do Diesel quanto de consumidores tradicionais insatisfeitos com os eventuais efeitos colaterais que possam causar sobre a durabilidade do próprio motor. Ainda assim, vale considerar que uma eventual opção turbodiesel estaria longe de ser inoportuna mesmo diante de alguns fatores de ordem técnica, como as configurações de motor sempre a gasolina ou "flex" com 3 cilindros entre 1.0L e 1.2L dotados de turbo e resfriador de ar (vulgo "intercooler") possa sugerir uma limitação mais severa de espaço sob o capô e a persistência do estereótipo de que motores turbodiesel permaneçam excessivamente pesados e volumosos.
Não seria de se descartar um comodismo em torno dos combustíveis gasosos e do etanol nos países emergentes, em que pesem as diferenças entre o motor chinês a gasolina com injeção direta enquanto o flex brasileiro recorre à injeção nos pórticos de válvula recorrendo ao pré-aquecimento elétrico dos bicos injetores para facilitar a vaporização do etanol durante a partida a frio, apesar da injeção direta parecer melhor para motores flex ao reduzir o risco de pré-ignição usando gasolina com uma taxa de compressão mais alta que permita explorar melhor as propriedades do etanol. Porém, à medida que as normas de emissões tem recrudescido mundo afora e impõem a necessidade de maior paridade entre os dispositivos de controle de emissões que já se tornaram um calcanhar de Aquiles para o Diesel e as gerações mais recentes de motores a gasolina ou flex com turbo e principalmente injeção direta, cabe voltar a levar a sério o biodiesel para quem priorize o uso de combustíveis renováveis acima de tudo. E no tocante a diferenças entre os principais sistemas de injeção hoje em uso nos motores de ignição por faísca, se por um lado a injeção nos pórticos de válvula desagrada a alguns por não permitir a um motor turbo recorrer a uma mistura ar/combustível pobre que contribua para a economia da gasolina ou do etanol, por outro torna desnecessário um maior rigor no pós-tratamento para reduzir o material particulado e os óxidos de nitrogênio, além de ser mais fácil de converter para gás natural.

O fato da geração anterior ter contado com opções turbodiesel em alguns mercados, inclusive o bom e velho Isuzu 4EE2-TC de 1.7L rebatizado como Circle-L após a GM Powertrain incorporar a antiga fábrica da Isuzu na Polônia e antes de 2015 quando incorporou o motor GM Medium Diesel Engine (MDE) de 1.6L com projeto próprio da GM Powertrain, abre um bom precedente até mesmo para o outsourcing. E mesmo comparando o desempenho de algum turbodiesel modesto com o dos motores a gasolina oferecidos na geração anterior do Tracker, não seria impossível que atendesse às principais condições de uso com um desempenho que ainda poderia ser considerado satisfatório para um SUV compacto. Enquanto antes do facelift o Tracker vindo inicialmente da Coréia do Sul e posteriormente do México trazia um motor flex de aspiração natural e 1.8L com potência de 140cv na gasolina ou 144cv no etanol a 6300 RPM e torque de 17,8kgfm na gasolina ou 18,9kgfm no etanol a 3800 RPM, e a partir de 2017 já reestilizado trazia um motor também flex mas de 1.4L com turbo e injeção direta desenvolvendo 150cv ou 153cv de acordo com o combustível a 5300 RPM e torque de 24kgfm ou 24,5kgfm entre 2000 e 4900 RPM, alguns outros países não só na Ásia e na África mas até na Europa e América Latina tinham como opção básica a gasolina o motor de 1.6L de aspiração natural somente a gasolina com 115cv a 6000 RPM e 15,8kgfm a 4000 RPM.
Naturalmente, é importante considerar fatores que vão desde o motor básico anterior do Tracker já ser superado até pela opção de entrada na atual geração, no caso o de 1.0L com potência de 116cv a 5500 RPM com ambos os combustíveis e torque de 16,3kgfm com gasolina ou 16,8kgfm com etanol entre 2000 e 4500 RPM, passando pelo modelo mais recente ser mais leve eventualmente favorecer ainda mais o uso de um motor turbodiesel que possa ser visto como excessivamente pé-duro por uma parte do público que não seja tão receptiva ao Diesel de um modo geral. Um motor turbodiesel compacto e que parece interessante é o CRDI de 3 cilindros e 1.05L com potência de 70cv a 4400 RPM e torque de 15kgfm a 2300 RPM produzido pela empresa italiana CMD Construzioni Motori Diesel, e talvez o fato de ter sido adquirida pela chinesa Loncin viesse a facilitar alguns contatos com a SAIC-GM. Não é de se ignorar que a ênfase exagerada que se deu na potência quando os turbodiesel começaram a se firmar diante de concorrentes a gasolina hoje constitua uma barreira "cultural", principalmente depois que o downsizing contribuiu para aplainar a curva de torque de motores a gasolina ou flex de modo a enfatizar uma maior elasticidade, mas está longe de inviabilizar por completo a utilidade de um motor com as características de uma potência modesta e o pico de torque em regimes de rotação mais baixos que se destacavam nos motores Diesel de concepção mais antiga.

quarta-feira, 22 de abril de 2020

Caso para reflexão: Lada Niva, Fiat 147 e Fiat Uno brasileiro

Não é incomum ser mencionada uma semelhança visual entre o Lada Niva e o Fiat 147, o que é fácil  de explicar em função da transferência de tecnologia ocorrida por parte da Fiat em benefício da então estatal russa Avtovaz, embora as plataformas tenham algumas diferenças entre as quais cabe destacar a posição do motor longitudinal no Niva e transversal no 147. Diga-se de passagem, é compartilhado também o layout básico do motor apesar das diferentes faixas de cilindrada (disponível em versões de 1.6L e 1.7L no Niva e de 1.05L ou 1.3L no 147), tendo em vista que ambos são derivados do projeto de Aurelio Lampredi que deu origem ao motor originalmente tratado pela Fiat como 124, ainda que já incorporem o comando de válvulas no cabeçote e sincronização por correia dentada em substituição à configuração anterior de comando no bloco e corrente. Mas o fato de apenas um assegurar o direito à utilização de um motor Diesel caso o proprietário assim o deseje também dá margem a comparações, não só em função das configurações de sistemas de tração que servem de parâmetro para restringir a aplicabilidade desse tipo de motorização em modelos com a capacidade de carga nominal abaixo de uma tonelada e acomodação para menos de 9 passageiros além do motorista.
O comprimento de um Lada Niva é cerca de 11,5cm maior que o das primeiras versões do 147, mas é 2,2cm menor que versões Spazio, sendo também 13,5cm mais largo que ambas as carrocerias do 147 em comparação, e na distância entre-eixos o 147 tem 2,5cm a mais. No tocante à altura, embora o vão livre do Niva tenha uma vantagem de 7,5cm sendo pouco mais de 50% superior comparado ao 147 com 21,5cm contra 14cm, tem 9cm a mais na altura total, o que naturalmente causa algum impacto na aerodinâmica e por extensão na eficiência ao trafegar em alta velocidade em trechos pavimentados. É previsível que surjam questionamentos quanto à possibilidade de alguém comprar um Lada Niva para rodar só na cidade e na estrada, na mesma proporção que as capacidades de incursão off-road do 147 sejam postas em dúvida sobretudo pela tração simples dianteira, mas até nesse aspecto que parece tão difícil de avaliar pode-se questionar incoerências na restrição ao Diesel em veículos leves. Além de que em meio a tantas adaptações necessárias devido à escassez de peças de reposição originais para o Lada Niva já serem encontrados alguns exemplares que tiveram a tração 4X4 desativada mantendo só a tração traseira, convém recordar que o Fiat 147 chegou a ser testado com resultados satisfatórios até em pistas do Exército para testes de viaturas na Restinga da Marambaia, e assim ao menos em tese é capaz de atender razoavelmente inclusive a usuários em zonas rurais. Em último caso, pode até soar tentadora a idéia de soldar o diferencial no caso do 147 para ter efeito semelhante ao de um bloqueio de diferencial, e transpor com mais facilidade trechos escorregadios mesmo com tração simples, mas também é importante lembrar de não extrapolar demais a carga útil para evitar uma concentração de peso mais próxima ao eixo traseiro que desfavoreceria o Fiat em comparação ao Lada.

Outro caso digno de menção é do Fiat Uno brasileiro que foi adaptado à plataforma já usada pelo Fiat 147, ao contrário do modelo europeu que tinha a plataforma totalmente nova, e ter passado a figurar entre os automóveis mais apreciados por habitantes de regiões rurais devido ao custo de manutenção menor em comparação ao de veículos 4X4 que ao menos na teoria seriam uma opção mais desejável. Tal circunstância torna ainda mais clara a incoerência de se limitar o direito ao uso de motores Diesel com base em características definidas por burocratas que, por mais que possam estar imbuídos duma boa intenção de preservar suprimentos de óleo diesel convencional para aplicações "utilitárias", no fim das contas revelam um desconhecimento acerca das condições reais de uso que se sobreponham à expectativa por uma busca pelas alternativas supostamente mais ortodoxas. Enfim, permitir que só uma categoria de veículo numa faixa de tamanho semelhante possa se beneficiar com a viabilidade de se legalizar uma conversão para Diesel é um erro, mesmo observando o caso de modelos rústicos que seriam mais prováveis de se encontrar em aplicações efetivamente utilitárias, ao invés de observar a incoerência em se restringir o direito ao Diesel num hatch enquanto se libera para um SUV da moda...

segunda-feira, 20 de abril de 2020

Rápida observação: teria sido contraproducente alçar o Diesel a uma posição mais prestigiosa?

O público das pick-ups costuma ser muito mais heterogêneo do que fazem parecer os estereótipos em torno do "cowboy de posto", a ponto de em outros tempos haver uma diferenciação muito mais nítida entre quem não abriria mão de um motor Diesel pela maior aptidão ao uso severo e quem podia se dar ao luxo de escolher a suavidade e o desempenho tido como mais vigoroso mais associados à ignição por faísca. Ao menos desde o fim da década de '90 tem ocorrido uma mudança substancial levando a uma consolidação dos motores turbodiesel não só como um pau-pra-toda-obra mas recentemente são vistos como mais prestigiosos aos olhos do público generalista. O caso da atual geração da Chevrolet S10 é emblemático, tendo em vista que no Brasil o modelo recorre exclusivamente a motores com 4 cilindros embora equivalentes comercializados em alguns outros mercados contem também com um V6 a gasolina entre as opções. Considerando desde preocupações com a incidência maior de roubos e furtos até uma rejeição aos motores turbodiesel sob os mais variados pretextos pela parte do público que tem como se acomodar em torno do etanol ou do gás natural, abre-se uma nova perspectiva para observar eventuais inconveniências para usuários profissionais à medida que essa opção passou a ser "empurrada" como prestigiosa.
Naturalmente o alto preço dos combustíveis no Brasil que atinge também o óleo diesel, porém numa proporção menor comparado à gasolina e ao etanol, favoreceu uma maior aceitação por consumidores com um perfil mais generalista que se viram de alguma maneira motivados a optar pelas pick-ups sob os mais variados pretextos, incluindo também eventuais expectativas de economia inerentes à maior eficiência termodinâmica de um bom turbodiesel associadas ao desempenho cada vez mais vigoroso a ponto de agradar também aos pés-de-chumbo de plantão. Mas é importante observar como a obsessão em torno por potência e regimes de rotação estratosféricos diante de um motor "de trator" como eram considerados anteriormente pelo grande público pode não ser a melhor abordagem. Embora hoje seja impossível se ver livre dos filtros de material particulado (DPF) e de algum método para controle das emissões de óxidos de nitrogênio (NOx) como o EGR ou o SCR, a princípio uma maior rusticidade que permitisse aproveitar projetos destinados a outras aplicações que não abdicam do aspecto essencialmente utilitário manteria os custos dentro de um patamar mais fácil de assimilar para quem não pode dispensar a economia de combustível e se vê impossibilitado de fazer a transição para o etanol ou o gás natural basicamente em função das implicações logísticas.

quinta-feira, 16 de abril de 2020

4 razões para motores turbodiesel de alta rotação com 4 cilindros atraírem um público parecido ao que prefere um V8 a gasolina

Uma configuração de motor que ainda encontra entre os entusiastas um forte apelo ligado à tradição, com referências que vão desde sedãs full-size de concepção à velha escola americana como é o Ford Galaxie 500 e passando pelos hot-rods, posteriormente os V8 viriam a se tornar alvo de críticas tanto conscientes em função de fatores mais palpáveis como o alto consumo de combustível que os torna menos convidativos ao uso no dia-a-dia quanto da parte de ecofascistas raivosos que só querem saber de tumultuar e cercear liberdades individuais em nome de premissas que revelam não ser exatamente tão ecológicas. Mas se por um lado o aspecto histórico e até cultural que ainda sustenta e fascínio em torno dos motores V8 torna difícil especular sobre outra alternativa que se mantenha favorecida pelas perspectivas mais conservadoras, por outro ainda pode-se traçar uma analogia entre a rejeição aos V8 e as tentativas de marginalizar o Diesel, e assim um motor turbodiesel de alta rotação com 4 cilindros pode atender bem a públicos com objetivos mais semelhantes do que poderia parecer à primeira vista. É possível destacar ao menos 4 aspectos que fazem notar mais claramente tais afinidades entre os fãs dos V8 e os dieselheads mais fervorosos.
1 - apego a tradições: em que pese o avanço de modernidades como uma maior presença da injeção eletrônica, que vai desde a disponibilidade de kits plug-n'-play para substituição do carburador num motor a gasolina até a consolidação do sistema common-rail em motores turbodiesel mesmo quando o projeto básico permaneça o mesmo desde a época em que predominavam as bombas injetoras 100% mecânicas, não se pode negar que tanto um V8 da década de '70 ainda carburado quanto um moderno motor turbodiesel alçado ao patamar de top de linha ao invés de ser classificado somente como mera ferramenta de trabalho numa pick-up média como a Chevrolet S10 (que apesar de já incorporar até comando de válvulas duplo no cabeçote sincronizado por correia ainda deriva de um projeto original da VM Motori com comando simples no bloco e sincronização por engrenagem ainda oferecido para aplicações estacionárias/industriais e náuticas) são apreciados como ícones culturais, lembrando que a influência do setor agropecuário como um dos primeiros a reconhecer vantagens de motores Diesel no Brasil antes mesmo das aplicações em âmbito militar não deixa de ser uma parte a se considerar no tocante ao apego a tradições.
2 - influência militar: há quem alegue que os V8 só se tornaram tão difundidos mesmo nos Estados Unidos como resultado da prosperidade do imediato pós-guerra, tendo em vista que as operações não chegaram ao território americano e portanto havia uma abundância de recursos para gastar com o que podia ser considerado uma futilidade como não deixava de ser o caso dos V8, e ainda é possível fazer uma analogia com a atual predominância de motores turbodiesel em frotas operacionais militares e os efeitos dessa exposição como um elemento de poder bélico que naturalmente nos remete aos valores normalmente associados às organizações militares no imaginário popular. E o uso desses motores em viaturas que não apenas precisam dispor de um bom desempenho para atender a emergências, tendo também que considerar condições ambientais extremas e elevados fatores de carga em aplicações que vão desde o patrulhamento policial até uma ambulância Toyota Hilux do Exército, agrega uma maior confiabilidade à imagem dos motores turbodiesel que já se estende também aos de alta rotação.

3 - equilíbrio entre torque em baixa rotação e agilidade nas principais condições de tráfego: esse é um dos fatores mais importantes para quem esteja considerando não necessariamente uma aplicação estritamente de alto desempenho, mas priorize uma relação entre a economia de um turbodiesel como o Cummins ISF2.8 que equipa por exemplo a van Volare Cinco e algumas versões da atual geração de caminhões Volkswagen Delivery e a opulência dum SUV full-size como o Lincoln Navigator L de 3ª geração que antes de sofrer uma remodelação dispunha do motor V8 Ford Triton SOHC de 5.4L com 3 válvulas por cilindro. Naturalmente, dadas as peculiaridades de um motor Diesel comparado aos de ignição por faísca, e que apesar da presença do turbocompressor o ISF2.8 tem só um pouco a mais da metade da cilindrada do Triton 5.4 SOHC anteriormente usado no Navigator, fica evidente que num determinado ponto nas respectivas curvas de torque pode ficar mais difícil para um turbodiesel com 4 cilindros manter o desempenho exatamente igual ao de um V8 a gasolina em todas as condições de tráfego, mesmo que já seja capaz de atender bem ao uso geral.

4 - oposição a algumas pautas ambientalistas: mesmo que no tocante aos motores turbodiesel se dê eventualmente um destaque à possibilidade de usar biodiesel como contraponto à histeria ecofascista, entre os fãs de motores V8 costuma ser menos comum até mesmo aventar as possibilidades do etanol diante de tantas desconfianças que se criaram em torno desse combustível, apesar da maior presença da injeção direta como por exemplo no motor V8 Mercedes-Benz M177 biturbo de 4.0L a gasolina dos Mercedes-AMG C 63 e C 63 S já poder proporcionar alguma facilidade na partida a frio, bem como a própria natureza do etanol proporcionando maior resfriamento das cargas de ar de admissão e resistência à pré-ignição superior à da gasolina atenderem bem às especificidades de um motor turbo. E apesar de ser mais fácil compensar na proporção ar/combustível e na diluição da carga de admissão com recirculação de gases de escape através da válvula EGR para controlar as condições propícias à formação dos óxidos de nitrogênio, tornando possível evitar nos motores de ignição por faísca o uso do sistema SCR que tem sido cada vez mais comum nos motores turbodiesel mesmo que a eficiência desse método possa não ser tão satisfatória, a consolidação da injeção direta já trouxe o inconveniente de ser exigido um filtro de material particulado análogo ao DPF para manter o enquadramento junto a normas de emissões mais recentes na Europa e nos Estados Unidos. Também é digno de nota que os motores Diesel especialmente acima de 1.6L quando aplicados a automóveis também são afetados por sobretaxas especificamente direcionadas aos mesmos na Europa, de forma análoga aos efeitos da tributação escalonada por faixas de cilindrada que também desencoraja uma maior presença dos V8 a gasolina por lá sem ser em aplicações mais específicas. Certamente alguns ecofascistas que imaginam o Brasil estritamente como uma mistura de praia com Amazônia iriam surtar se vissem o Mercedes-AMG C 63 S repassado à Polícia Militar de Santa Catarina após ser apreendido do tráfico de drogas...

Lembrando também que as últimas versões brasileiras das caminhonetes full-size da série F contavam com o motor Cummins ISF2.8 como única opção, sobretudo em função do custo inicial e do consumo de combustível em comparação a um V8 a gasolina que cumpre uma função semelhante nos Estados Unidos onde é oferecido ainda um V8 turbodiesel que não chegou a modelos vendidos no Brasil, e que o Agrale Marruá de 2ª geração equipado com o mesmo motor Cummins chegou a ter proposta por uma empresa americana a introdução nos Estados Unidos com um V8 small-block da Chevrolet com mais do dobro da cilindrada por ser teoricamente mais fácil enquadrar nas normas de emissões de lá enquanto o Cummins R2.8 de especificação americana é voltado à reposição para veículos homologados em normas de emissões antigas, fica claro que um motor turbodiesel de alta rotação com 4 cilindros ou um V8 a gasolina podem atender públicos com aspirações mais próximas do que se possa inicialmente supor. Enfim, seja por aspectos mais subjetivos e/ou burocráticos quanto outros tópicos mais racionais, não seria de se desconsiderar tal condição como mais um fator que justificaria uma eventual liberação do Diesel para veículos leves.

segunda-feira, 13 de abril de 2020

Uma reflexão sobre a intenção do ministro Ricardo Salles com relação a ônibus urbanos movidos a gás natural

Em meio às profundas reestruturações que o governo do presidente Jair Bolsonaro tem implementado no Brasil, merece algum destaque a intenção do ministro Ricardo Salles, do meio-ambiente, desejoso de uma consolidação do gás natural como combustível para ônibus urbanos nos grandes centros. Sem dúvidas que é uma proposta bastante ambiciosa, tendo em vista não só a longa hegemonia do Diesel e a maior simplicidade no manejo de combustíveis líquidos nas próprias bases operacionais mas ainda o impacto que o uso de um combustível com distribuição um tanto restrita acarreta sobre os valores de revenda no momento que a idade dum ônibus urbano convencional ultrapassa o limite imposto na cidade ou região metropolitana à qual sirva. Mas a bem da verdade, a abordagem em torno do gás em aplicações pesadas voltar-se ao menos num estágio inicial aos ônibus urbanos não deixa de fazer mais sentido do que insistir numa demonização do Diesel como chegou a propor um petista em São Paulo.

Não é incomum o reaproveitamento de ônibus removidos de algum sistema de transporte municipal para outras finalidades, indo desde serviços de manutenção na empresa à qual pertençam ou mesmo o transporte de passageiros em alguma condição operacional que não esteja sujeita ao mesmo rigor no tocante à idade da frota como para levar operários aos canteiros de obra na construção civil. E nesses casos, a maior flexibilidade no planejamento das rotas em função da disponibilidade de combustível que um motor Diesel proporciona comparado ao gás natural obviamente se reflete, ainda que às vezes a tolerância a variações na qualidade do óleo diesel de um "pau velho" não se replique numa mesma proporção em modelos não tão antigos. Considerando não só a eventual necessidade de usar veículos com motor Diesel para rebocar um ônibus avariado, e se for o caso do gás natural até mesmo por uma falta de combustível ocorrida durante o percurso dar causa à necessidade de um socorro, não deixa de ser importante lançar um olhar além da operação regular no transporte urbano e considerar também as extensões da vida útil operacional que possam ser melhor ajustadas a outros combustíveis alternativos como o biodiesel, ou ainda o etanol que em algumas regiões poderia atender bem ao transporte rural e ainda ser integrado ao biometano para favorecer a expansão da disponibilidade de gás natural pelo interior.

O fato de muitos dos principais fabricantes de motores turbodiesel atualmente que equipam os ônibus urbanos brasileiros efetivamente dominarem a tecnologia necessária à operação com gás natural, bem como um alto grau de compartilhamento de componentes entre os ciclos Diesel e Otto (de ignição por faísca), a princípio poderia dar indícios de uma transição suave mas por si só não pode ser visto como uma garantia de sucesso. Por mais que a idéia de se ver livre da necessidade de armazenar não apenas o óleo diesel mas também o fluido AdBlue/ARLA-32 a partir da introdução das normas de emissões Euro-5 seja tentadora, e a possibilidade de tanto estocar o gás natural comprimido (ou liquefeito) que chegue de caminhão nas bases operacionais quanto de recebê-lo canalizado possa ser interessante, há de se salientar que a distribuição do gás natural por meio de gasodutos é fundamental para que sejam oferecidas vantagens logísticas mais expressivas que se refletiriam ainda no footprint ambiental geral. O fato do gás natural ser sempre injetado já na fase de vapor também seria convidativo por eliminar o problema das emissões de material particulado que vem sendo observados à medida que a injeção direta avança não só junto ao Diesel mas também em motores a gasolina ou "flex" a ponto de passar a ser necessário o filtro de material particulado em motores Euro-6 e que já vinha sendo exigido para os motores Diesel a partir da entrada em vigor da Euro-5, e diga-se de passagem a injeção direta tornou-se um empecilho para a conversão de alguns motores de ignição por faísca recentes ao gás natural. E assim, se por um lado há a possibilidade de qualquer chassi de ônibus urbano Scania contar com um motor a gás natural, por outro a presença do gás canalizado limitada à região central numa cidade como Florianópolis onde as bases operacionais das empresas de transporte coletivo encontram-se em bairros mais distantes do centro dificultaria essa aplicação.

Deixando um pouco de lado o papel de advogado do diabo, é de suma importância destacar que o gás natural é a principal matéria-prima na síntese da uréia industrial destinada à formulação do fluido de redução de óxidos de nitrogênio AdBlue/ARLA-32, o que soa especialmente estúpido ao lembrarmos que estaria sendo usado apenas para um pós-tratamento dos gases de escape ao invés de efetivamente promover uma melhoria no processo de combustão. Fazendo uma analogia entre os dispositivos mais comuns para promover o controle dessas emissões, que são o EGR usado pela MAN Latin America em chassis como o Volkswagen 17-230 OD equipado com motor MAN e o SCR que equipa todos os microônibus Volare homologados nas normas Euro-5 que contam com motor Cummins, um eventual recurso ao gás natural por injeção sequencial nos pórticos de válvula forma mistura ar/combustível e reduz a concentração de oxigênio livre para reagir com o nitrogênio durante a combustão, lembrando que em motores do ciclo Diesel uma proporção ar/combustível mais pobre que a de congêneres com motor a gasolina ou flex anteriores à presença da injeção direta é essencial para a própria ocorrência da ignição por compressão devido à maior concentração de calor em proporção ao débito de injeção (volume total de combustível injetado). Uma injeção suplementar de gás natural num motor Diesel já seria proveitosa podendo reduzir o consumo do óleo diesel convencional, e por já adentrar as câmaras de combustão em fase de vapor intensifica a propagação da chama (flame spread) tão logo inicie-se a auto-ignição do óleo diesel proporcionando uma queima mais homogênea e limpa, mas se for o caso de priorizar o uso do gás natural isoladamente como combustível de acordo com o desejo do ministro Ricardo Salles faz-se necessário recorrer à ignição por faísca e a uma taxa de compressão mais baixa que possibilita uma redução ainda mais expressiva da formação de óxidos de nitrogênio.
É importante lembrar também que dentro duma mesma cidade podem haver rotas com condições de rodagem muito discrepantes, a ponto de ainda ser comum apontar ônibus com motor traseiro como se fossem inerentemente inviáveis para transitar em trechos mais precários, o que no fim das contas não é uma verdade absoluta. E apesar de uma das principais vantagens apontadas para essa configuração ser a acessibilidade em função da possibilidade de contar com piso rebaixado e uma entrada livre de degraus devido à menor intrusão dos componentes mecânicos que ficam mais concentrados para trás do eixo traseiro, como pode ser observado nos microônibus Volare cuja disponibilidade de versões com motor traseiro ainda está restrita ao modelo Access, há de se considerar que eventualmente o uso de um piso elevado como o de similares com motor dianteiro ainda libera um espaço maior para que os reservatórios de combustível sejam melhor distribuídos, otimizando o equilíbrio de peso nas mais diversas condições de carga. Portanto, talvez ainda seja mais urgente superar a resistência de gestores de frota ao motor traseiro antes mesmo de cogitar uma maior presença do gás natural na matriz do transporte coletivo urbano e intermunicipal.

Ainda que o ministro Ricardo Salles esteja realmente imbuído duma intenção tecnicamente adequada, é preciso reconhecer que há desafios que não devem ser subestimados, inclusive tomando outra vez o exemplo de Florianópolis é interessante observar que o gás natural já caiu em desgraça até mesmo no segmento de táxis exatamente em função da disponibilidade muito restrita que na parte insular ocorre só em 2 postos no centro. Não seria justificável ignorar a sustentabilidade econômica ao se defender a preservação ambiental, especialmente numa aplicação onde o preço final do serviço é especialmente sentida pela população mais pobre, e deve-se buscar uma amortização dos investimentos iniciais para viabilizar essa operação ao invés de fazer como os alienados que ainda acreditam em almoço grátis. Enfim, como qualquer outra decisão estratégica, uma alteração tão drástica na matriz do transporte coletivo tem de ser bem formulada para não deixar margem a posteriores arrependimentos.