quinta-feira, 27 de setembro de 2018

Uma observação dieselhead sobre a eleição presidencial brasileira de 2018

De um modo geral, as campanhas e os debates entre os principais candidatos à presidência tem sido mais referentes a pautas como a segurança pública e o porte de armas para o cidadão de bem, a saúde sufocada pela corrupção e por paliativos como a importação de supostos médicos escravizados pela ditadura cubana sem a revalidação de diplomas por universidades brasileiras, a economia dilapidada por medidas populistas e sem muitas perspectivas realistas de melhora a curto ou médio prazo, a educação transformada em lavagem cerebral e algumas baixarias que já seriam de se esperar, enquanto alguns temas mais específicos como a perda de relevância mundial do Brasil no campo do desenvolvimento de biocombustíveis e tecnologias correlatas passam despercebidos. Como o foco aqui é a defesa de uma liberação do Diesel em veículos leves, mas também abrindo espaço para tratar de outras alternativas que visam reduzir uma dependência por gasolina e óleo diesel convencional ou gás natural de origem fóssil, convém observar eventuais aspectos que possam influenciar nesse sentido um eventual governo de cada candidato.
Jair Bolsonaro: é muito bem aceito pelo setor ruralista, tanto por grandes fazendeiros e grupos empresariais de destaque no agribusiness brasileiro quanto por pequenos produtores que sentem de perto a violência no campo, e também conquistou apoio do eleitorado urbano que sofre com o aumento da criminalidade e se vê desiludido por outros políticos que preferem passar a mão na cabeça de ladrões, traficantes e estupradores. Por defender também uma maior aproximação do Brasil com os Estados Unidos e Israel, sobretudo por motivações estratégico-militares mas que tenderiam a beneficiar a produção científica brasileira em outras especialidades com uma aplicabilidade mais prática para fins pacíficos como os avanços na medicina israelense que podem tanto reduzir custos para o Sistema Único de Saúde (SUS) quanto proporcionar tratamentos mais eficazes e seguros para algumas enfermidades, além dos métodos de irrigação por gotejamento cujos benefícios à produtividade agrícola em Israel podem vir a ser replicados no semi-árido nordestino. No tocante aos biocombustíveis, é bem provável que uma melhor relação bilateral entre Brasil e Estados Unidos com Bolsonaro presidente venha a fazer com que alguma resistência à expansão do milho como matéria-prima para o etanol seja superada, e assim esse combustível que já foi motivo de orgulho para o Brasil volte a ganhar relevância não só durante a safra da cana de açúcar em São Paulo e se mantenha competitivo ao longo do ano em outras unidades federativas. Em razão da doutrina militar assimilada pelo candidato, não seria de se duvidar que reconheça no Diesel as mesmas qualidades que levaram a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) a padronizar esse tipo de motorização nas frotas operacionais das forças militares dos países signatários e, diante de aspectos práticos tão diversos quanto a moda dos SUVs nas grandes metrópoles ou o uso de veículos de tração simples e motor de ignição por faísca no campo, esteja mais atento às perspectivas para uma melhoria na eficiência energética tanto em frotas militares quanto aplicações civis que não estariam restritas à atividade agropecuária, bem como uma ênfase ao biodiesel e o uso direto de óleos vegetais como combustível por motivos estratégicos que vão desde a facilidade proporcionada pela instalação de usinas de biodiesel e/ou etanol mais descentralizadas e próximas de grandes mercados consumidores caso se faça necessário estabelecer planos de contingência para garantir o fornecimento de combustível em resposta a problemas técnicos que uma unidade produtora venha a passar ou ainda a segurança tendo em vista que uma rede desse tipo de instalações mais dispersas demandariam um esforço maior de inimigos externos que desejassem atacar o Brasil.

João Amoêdo: executivo do banco Itaú, inicialmente teve uma boa aceitação entre a classe média e o empresariado urbano por conta do tom liberalizante no campo econômico, mas passou a suscitar dúvidas quando anunciou que se manteria "neutro" num eventual 2º turno entre Bolsonaro e Haddad, já perdendo alguns votos "ideológicos" que teria no 1º turno com eleitores que ainda se mostravam um tanto desconfortáveis com o rigor no discurso do Bolsonaro no âmbito da moral e dos costumes mas que veem no capitão o voto útil para evitar que o PT retome a presidência ou que outros partidos de esquerda que não deixam de ser crias do próprio PT a assumam. Houve até quem se desfiliasse do partido Novo por descontentamento com a posição do candidato Amoêdo em descartar um apoio a Jair Bolsonaro caso a eleição seja levada a um 2º turno. No tocante não apenas aos biocombustíveis, tendo em vista o financiamento do Itaú para a implantação de sistemas de bicicletas de aluguel como o que já opera no centro expandido de Porto Alegre, seria de se esperar que o etanol encontrasse um cenário político favorável em virtude da mesma alegação de "sustentabilidade" que o Itaú valeu-se em peças publicitárias alusivas às bicicletas de aluguel, embora perspectivas de um incentivo ao uso de outras matérias-primas além da cana se mantenham uma incógnita. A imagem que mais se divulga de João Amoêdo, apresentado como um gestor "moderno", também levaria a crer que uma eventual ascensão dele à presidência pudesse ser a mais convidativa a um aumento da participação de mercado de veículos híbridos e às conversões para gás natural, sobretudo se a experiência do candidato num grande banco que também conta com operações no exterior trouxesse alguma facilidade para que se negociassem os "créditos de carbono" das frotas de serviço público e/ou de empresas.

Geraldo Alckmin: em 2006 foi apontado como o "voto útil" contra Lula que disputava a reeleição, mas atualmente está desacreditado nesse sentido até em antigos redutos do PSDB no interior de São Paulo que passaram a estar mais receptivos a Jair Bolsonaro. Recentes declarações do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, também do PSDB, acerca de uma eventual união entre PT e PSDB num 2º turno contra Bolsonaro, apenas reforçam a idéia de que ambos os partidos seguem uma estratégia similar ao "puntofijismo" que vigorou na Venezuela entre a deposição do general Marcos Pérez Jiménez e a ascensão do chavismo que terminou de destruir o país vizinho e fez com que muitos venezuelanos deixassem a terra natal em busca de algum lugar onde ainda pudessem ter algo para comer sem disputar por sacos de lixo com os cachorros de rua. Caso seja eleito presidente, não seria de se duvidar que Alckmin estivesse pisando em ovos diante de qualquer perspectiva de diversificar a participação de biocombustíveis na matriz energética brasileira, temendo desagradar aos usineiros paulistas. Na melhor das hipóteses, seriam de se esperar uma eventual abertura de mercado para o "diesel de cana" produzido com uso de uma levedura transgênica alcançar escala industrial, ou ainda uma introdução da "cana-óleo" também geneticamente modificada para acumular lipídios ao invés de sacarose e que poderia servir de matéria-prima tanto para o biodiesel quanto para etanol celulósico...

Álvaro Dias: apesar de ser favorável a algumas privatizações, defende que a Petrobras permaneça estatal. A insistência no modelo de monopólio governamental dos hidrocarbonetos soa preocupante mas, como o candidato é senador pelo Paraná, não seria de se duvidar que procure evitar confrontos com os produtores de soja e milho que eventualmente passem a ver no mercado de biodiesel e etanol a possibilidade de agregar valor aos cultivares e assim dedicar à exportação outros derivados como substratos proteicos ao invés dos grãos. Pode até não transparecer nenhum posicionamento mais claro no tocante aos biocombustíveis e tecnologias correlatas mas, tendo como base eleitoral um estado que se destaca na produção de grãos e de carnes de aves onde já se está usando até gorduras viscerais de frango como matéria-prima para biodiesel, talvez esteja entre os candidatos que menos estariam propensos a atrapalhar o desenvolvimento desse mercado se vier a ser eleito.

Henrique Meirelles: apresentando-se nas propagandas como ex-ministro da economia de Lula e Dilma,  o candidato do MDB alega saber como tirar o país da crise mas, justamente por já ter participado de governos que não foram bem-sucedidos como se pode deduzir pela prisão do Lula e o impeachment da Dilma, é inevitável nutrir uma desconfiança pelo candidato. Mas vamos lá, se as credenciais tiverem alguma serventia caso chegue à presidência, esse teria a obrigação de fomentar uma recuperação de toda a cadeia produtiva de biocombustíveis que tem sofrido com políticas cada vez mais desastrosas desde a eleição do Lula em 2002. Não seria exagero dizer que o candidato viu de perto, ainda na "era Lula", o paliativo da primeira geração de carros "flex" lançada no Brasil em 2003 fracassar na intenção de assegurar a competitividade do etanol, bem como a proposta de valer-se do cultivo da mamona para incluir a "agricultura familiar" do Nordeste e assentados do MST na cadeia produtiva do biodiesel ser abandonada enquanto a soja permanece na liderança entre as matérias-primas, e portanto seria justo apontá-lo como uma continuidade dessa política. E por mais que a baixa viscosidade do óleo de mamona em comparação ao de soja tenha servido como uma desculpa bastante conveniente para que fosse abortado esse uso, vale destacar que poderia até resultar num biodiesel mais adequado às atuais gerações de motores com gerenciamento eletrônico e dispositivos de controle de emissões mais sensíveis a um combustível mais "grosso" e de difícil vaporização, como o filtro de material particulado (DPF). A rejeição de lideranças do MST, que viam no fornecimento de mamona para a divisão de biocombustíveis da Petrobras como uma forma de "ceder ao capitalismo", pesou mais contra esse projeto do que qualquer razão de ordem técnica, e uma reaproximação de líderes do MDB com o PT mesmo após o impeachment da Dilma já põe em dúvida um resgate dessa alternativa mesmo que outros parceiros fossem buscados para fornecer a oleaginosa rústica.

Cabo Daciolo: sem dúvidas o ex-bombeiro militar carioca tem sido mais considerado uma espécie de alívio cômico em meio a uma disputa eleitoral tão acirrada ao soar como um daqueles estereótipos de evangélicos mas, a princípio por já ter sido filiado ao PSOL anteriormente, é alvo de desconfianças até entre cristãos que não se convencem muito pela fala mansa e pela repetição excessiva de trechos bíblicos como se o candidato estivesse num púlpito. Parece estar mais preocupado com as réplicas da Estátua da Liberdade instaladas nas filiais das lojas Havan pelo Brasil do que com uma previsão do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos quanto à importação de 2 bilhões de litros de etanol de milho americano a ser feita pelo Brasil ao longo de 2018 e que poderia ser suprida localmente se o uso do grão como matéria-prima para o combustível não fosse tratada como uma ameaça à indústria sucroalcooleira. E apesar do candidato ter sido bombeiro, não seria de se colocar a mão no fogo por uma eventual liberação do Diesel em veículos leves caso o candidato fosse eleito, mesmo que tenha sido a menor volatilidade do óleo diesel convencional e de outros combustíveis pesados e o menor risco de incêndio que motivassem a OTAN e o Departamento de Defesa dos Estados Unidos para estabelecer a iniciativa de um combustível único nas frotas operacionais militares. Não seria de se duvidar que a mesma rejeição às réplicas da Estátua da Liberdade e as alegações de perseguição dos "illuminati" pudessem até fomentar uma continuidade das restrições ao Diesel hoje em vigor...

Marina Silva: novamente se lançando como candidata à presidência, dessa vez pelo partido que fundou (Rede Sustentabilidade) e não mais pelo PSB como em 2014 quando herdou a cabeça de chapa após o incidente aeronáutico que culminou com a morte do então candidato Eduardo Campos, é outra figura tão folclórica quanto polêmica da política brasileira. A ex-seringueira já foi filiada ao PT e ao Partido Verde, mas o discurso que anteriormente priorizava pautas "ecológicas" fomenta uma rejeição entre o setor agropecuário que se via entre a cruz e a espada toda vez que ela falava sobre as propostas de "desmatamento zero". Nessa eleição, tem mostrado que não deixa de ser cria do PT ao levantar pautas como o aborto, de certa forma indo contra as próprias alegações de ser evangélica. No campo dos combustíveis, parece estar entre os candidatos menos favoráveis a uma eventual liberação do Diesel em veículos leves, tendo em vista pautas que já defendeu, e também é pouco provável que consiga resgatar uma relevância do etanol em virtude de críticas um tanto exageradas que tem sido feitas a um eventual impacto desse combustível sobre a disponibilidade de terra agricultável para a produção de gêneros alimentícios e o manejo da vinhaça que apesar de poder servir como fertilizante deve ser usada com cautela para evitar um aumento da salinidade do solo. No fim das contas não seria de se duvidar que preferisse tornar obrigatório o filtro de material particulado até em veículos de ignição por faísca, ao menos nos dotados de injeção direta como a Volkswagen já faz no Tiguan em alguns países que seguem a especificação americana, ao invés de se preocupar com biodiesel...

Ciro Gomes: outro que já disputou a presidência em oportunidades anteriores, é apoiado pelo partido comunista chinês e portanto já acende o alerta vermelho. Recentes notícias sobre os problemas com o acúmulo de excedentes de milho comprados pela ditadura chinesa dos agricultores locais para estocar e inflar os preços do grão denota alguma estupidez, tendo em vista que não estão aproveitando para produzir etanol e valer-se do grão de destilaria na formulação de ração pecuária como normalmente se faz nos Estados Unidos e já está ganhando espaço no Brasil, e assim a proximidade com a China não soa muito promissora para o desenvolvimento do mercado de biocombustíveis. O temperamento explosivo do candidato, que se demonstra tão dado a bravatas quanto o ex-ditador venezuelano Hugo Chávez o era, também não inspira confiança. Se o "coroné" não fosse de esquerda, provavelmente já estaria sendo alvo de críticas midiáticas por se referir a João Dória como um "veado cheio de areia no c*", e das feminazis ao alegar que a função da esposa na campanha era "dormir com ele". Já no que diz respeito a uma eventual liberação do Diesel, cabe relembrar a proximidade com os chineses, que só se deram bem em alguns mercados automobilísticos latino-americanos como o Uruguai justamente pelo atual cenário de favorecimento à ignição por faísca, levando a crer que o Brasil continuaria na mesma canoa furada...

Fernando Haddad: com o desafio de se fazer conhecido no Nordeste, onde o PT tem depositado as esperanças de angariar votos da população mais empobrecida e alienada, foi alçado à cabeça da chapa somente quando a candidatura do Lula foi rejeitada pelo Tribunal Superior Eleitoral e tem se valido da imagem do presidiário para tentar conseguir alguma transferência de votos. Na prática, seria uma continuidade de políticas que já se mostraram caóticas nos mais diversos âmbitos desde 2003, não só diante dos desafios da renovação da matriz energética do transporte rodoviário que são o foco dessa análise. Assim como não houve nenhum avanço efetivo na disponibilidade do biodiesel, que poderia já ter chegado até ao varejo, é conveniente destacar que a cumplicidade do PT com a Venezuela desde a época que Hugo Chávez ainda era vivo foi um dos motivos que levaram ao descaso com o setor sucroalcooleiro. Enquanto esteve na prefeitura de São Paulo, Haddad tentou implementar um plano cicloviário que não se mostrou muito eficiente, expondo usuários de bicicletas ao risco de atropelamentos em cruzamentos próximos às faixas exclusivas para ônibus, e ao simplesmente estreitar as pistas nas ruas para implementar as ciclofaixas acabou dificultando até que se abra caminho para a passagem de veículos de emergência como ambulâncias e viaturas de polícia e bombeiros, além de tornar mais limitado o espaço para o tráfego de motocicletas nos "corredores" entre os veículos maiores, não apenas prejudicando a fluidez do trânsito mas também provocando um aumento no consumo de combustível e por conseguinte da poluição atmosférica. Também vale lembrar que um correligionário de Haddad foi o autor de um projeto de lei visando proibir a circulação de veículos com motor Diesel na cidade de São Paulo, então não restam muitas esperanças quanto a disposições em contrário que pudessem até beneficiar usuários de veículos leves em âmbito nacional.

Guilherme Boulos: ganhou notoriedade nacional coordenando as invasões de propriedades privadas no MTST, como era o caso do Edifício Wilton Paes de Almeida que desabou após incendiar esse ano. É o candidato do PSOL, partido fundado por alguns "petistas históricos" que começaram a debandar a partir da eclosão do escândalo do mensalão em 2005, dentre eles alguns dos que foram apelidados de "radicais livres" à época pela imprensa como Heloísa Helena, Luciana Genro e um tal de "Babá" que tem o hábito de queimar bandeiras de Israel. Já tive algumas desavenças com militantes do PSOL, então é um tanto previsível que eu não nutra a menor simpatia por qualquer candidato desse partido. Mas levando em consideração a proximidade de grupos como o MTST mais atuante em áreas urbanas e o MST que se tornou um dos pesadelos dos produtores rurais Brasil afora e já causou empecilhos ao biodiesel anteriormente, bem como o fato de um dos militantes do PSOL que eu tive o desprazer de conhecer se dizer "militante eco-socialista" e ser simpatizante do MST, soaria quase impossível que uma liberação do Diesel em veículos leves ocorresse caso Boulos fosse eleito.


--- Considerações finais ---

Diante de um cenário tão conturbado, com a violência aterrorizando a população brasileira e a falta de perspectivas de uma melhora na economia, além de outros problemas como tentativas de usurpar o poder familiar através da doutrinação e até erotização infantil dentro das escolas, a pauta de uma eventual liberação do Diesel em veículos leves pode até não parecer tão urgente, mas não se pode negar que tem alguns benefícios em âmbito econômico e social a oferecer e ajudar a evitar que o Brasil vire uma sucursal do inferno como hoje é a Venezuela. Enfim, o meu candidato já está escolhido, e quem me conhece consegue ter alguma idéia dos meus motivos, e até quem não me conhece pode arriscar um palpite, embora eu deva lembrar aqui o mesmo que eu disse na semana passada a um petista inconveniente (com o perdão da redundância) que me abordou na rua para falar mal do Bolsonaro: o voto é secreto.

sábado, 15 de setembro de 2018

Top 5 de estereótipos sobre quem é a favor do Diesel em veículos leves

Como muitas outras pautas polêmicas, a defesa da liberação do Diesel em veículos leves no mercado brasileiro fomenta estereótipos às vezes equivocados em torno de quem a endossa. Seja por mera ignorância, ou como parte de uma tentativa deliberada de impor opiniões contrárias como se fossem uma verdade absoluta, alguns pontos são enfatizados mais intensamente ao embalo de conveniências políticas. Seguem 5 dos estereótipos que parecem ser mais comuns, ao menos no Brasil...

1 - sem preocupação com o meio-ambiente: esse é o mais constantemente apontado, e de certa forma acaba fortalecido pelo exibicionismo de alguns proprietários de pick-ups alteradas para emitir propositalmente uma quantidade exagerada de material particulado, prática conhecida e difundida nos Estados Unidos como "rolling coal" e às vezes usada para hostilizar condutores de veículos tidos como "ecológicos" a exemplo do Toyota Prius e do Nissan Leaf. De fato, não é incomum se deparar com quem considera bonito aquela fumaceira toda, mas quem prioriza a eficiência energética superior inerente a motores do ciclo Diesel prefere manter o motor corretamente regulado. Outro aspecto que contraria esse estereótipo é a ênfase na adaptabilidade a combustíveis alternativos como o biodiesel ou mesmo o uso direto de óleos vegetais brutos, cuja produção ao ser regionalizada pode contribuir também para promover uma estabilização biológica e até mesmo a revitalização de áreas degradadas através do cultivo de oleaginosas rústicas que sirvam de matéria-prima para os biocombustíveis e auxiliem na fixação do nitrogênio no solo para eventuais rotações de cultura com gêneros alimentícios diversos. Muito mais "sustentável" que alguns discursos da maconheirada "de humanas"...

2 - um cowboy de posto frustrado: como a maioria dos veículos particulares com motor Diesel hoje em circulação no Brasil são pick-ups e sport-utilities, que acabam desvirtuando-se da proposição de priorizar o óleo diesel convencional para aplicações laborais na agropecuária e no transporte pesado para tornarem-se de certa forma um símbolo de status tanto no campo quanto na cidade, alguns ignorantes insistem em apontar uma eventual frustração diante dos altos custos de uma pick-up "de agroboy" como pretexto para defender o direito de usar motor Diesel num carro menor que vá ser efetivamente usado para finalidades profissionais. A bem da verdade, muitos consumidores que hoje se entregam aos encantos duma sport-utility o fazem motivados pela combinação entre a ausência de opções de veículos antes tradicionais como as station-wagons e a má condição das ruas e estradas.

3 - caipira/colono ignorante: esse é um estereótipo complicado de abordar, não só pelo desrespeito ao produtor rural que faz das tripas coração para evitar que o Brasil morra de fome a exemplo do que está ocorrendo na Venezuela mas também por desconsiderar características operacionais que fazem tanto do óleo diesel convencional quanto do biodiesel ou óleos vegetais mais desejáveis que o gás natural e o biogás/biometano ou o etanol até mesmo em áreas urbanas. A princípio poderia soar mais lógico que um agricultor ao não abrir mão do direito de usar um veículo com motor Diesel preferisse um utilitário 4X4 pela aptidão a enfrentar terrenos irregulares, mas nem sempre é tão prioritário quanto investir num trator. A grande presença de carros como o eterno Fusca pelos mais remotos rincões do interior, e diversos modelos da linha Fiat mesmo nas principais fronteiras agrícolas apesar da tração apenas dianteira, devido ao custo de manutenção reduzido, já seria uma justificativa plausível a favor da liberação do Diesel.

4 - malandros/adeptos da Lei de Gérson: poucos foram os veículos de tração simples com capacidade de carga nominal inferior a uma tonelada e acomodação para menos de 9 passageiros além do motorista que puderam em algum momento contar com a opção pelo Diesel, cujo preço anteriormente subsidiado sob a premissa de atender às aplicações "utilitárias" tornava bastante atrativo recorrer a um Gurgel Carajás ou uma Saveiro equipados com o motor Volkswagen 1.6D mais conhecido no Brasil como "o motor da Kombi Diesel". Mas se formos fazer uma analogia com os cariocas que hoje se beneficiam do desconto no IPVA ao ter o automóvel convertido para gás natural, mesmo que prefiram usar gasolina e instalem um cilindro de gás com capacidade de 7,5m³ só para assegurar o benefício fiscal apesar de andar com um peso morto a bordo, ou quem em qualquer localidade bem servida de gás natural vá efetivamente usar esse combustível numa "banheira" que não teria condição de sustentar na gasolina, a premissa de gostar de levar vantagem em tudo também estaria presente...

5 - apego exacerbado a uma mecânica mais tradicional: esse é um dos argumentos mais usados em meio às discussões com quem tenta fazer dos veículos híbridos um contraponto ao Diesel, sendo que na prática ambos os sistemas não precisam ser necessariamente tratados de forma antagônica. É impossível negar que muitos dieselheads ainda se apegam à tradição de maior durabilidade e aptidão a condições ambientais severas que se observavam em motores mais antigos que nem sempre tinham um desempenho tão vigoroso quanto o de similares com ignição por faísca, mas isso não significa que todos rejeitem uma eventual modernização e até a integração com sistemas que provenham algum grau de hibridização como o MGU-H que ainda parece distante de chegar a modelos de produção em série, o BAS-Hybrid já usado em veículos com motor Diesel pela Maruti-Suzuki, o Hybrid4 que foi usado nas únicas versões 4X4 de gerações anteriores de alguns modelos da Peugeot e da Citroën, e os ônibus híbridos da Volvo que já circulam no Brasil. Naturalmente, uma maior resistência à massificação do gerenciamento eletrônico é encontrada entre os "sobrevivencialistas" que apostam num "pau véio" apto a usar até óleo de fritura velho como combustível num cenário pós-apocalíptico como a melhor opção por serem menos susceptíveis a danos causados pelos temidos pulsos eletromagnéticos, mas aí já é outra história...

quarta-feira, 12 de setembro de 2018

Caso para reflexão: Toyota Bandeirante com motor 14B, a oferta do motor 5L-E na SW4 em outros países e a viabilidade de motores com menos de 100cv em utilitários

Muitas vezes, quando se menciona a permanência de motores Diesel com menos de 100cv em alguns utilitários no exterior, uma das formas mais comuns de desmerecê-los é dizer que não estamos mais no tempo do Toyota Bandeirante, cujo motor 14B de 3.7L naturalmente aspirado e com injeção direta tinha potência de 96cv a 3400 RPM e torque de 24,4kgfm a 2200 RPM. De fato, tais valores não são considerados muito expressivos atualmente, e são tratados como indicativos de um atraso tecnológico pelo público-alvo de caminhonetes mais modernas e sofisticadas não apenas pela rusticidade e dentro daquele embate entre downsizing ou downrevving mas também pela potência que tem sido uma das características mais enaltecidas pelo mercado. Mas até que ponto um motor com potência inferior a 100cv poderia hoje ser efetivamente considerado "indesejável"?
Convém fazer uma observação sobre o motor 14B do Bandeirante e o 5L-E de 3.0L que permanece em uso em outros países em modelos como a SW4, que em alguns mercados é denominada Toyota Fortuner. Trata-se de um motor de injeção indireta, característica que o tornaria até desejável para um eventual uso direto de óleos vegetais como combustível alternativo, com potência de 95cv a 4000 RPM e torque de 20kgfm a 2200 RPM na atual especificação oferecida para a SW4/Fortuner por uma subsidiária da Toyota encarregada de vendas diretas para governos e ONGs internacionais e que ainda é a única opção de motor Diesel oferecida regularmente no modelo em alguns países da África como o Senegal. O mesmo motor ainda é oferecido numa versão de 90cv a 3800 RPM e 19,6kgfm a 2200 RPM em outras aplicações como no caminhão leve Toyota/Hino Dyna 150 na África do Sul desde que o 14B deixou de ser oferecido quando passou-se a exigir motores Euro-2 ao invés de Euro-1 nos caminhões novos por lá. Naturalmente, se dá conta de mover um veículo com peso bruto total de 3500kg e capacidade de reboque de 2200kg, estaria suficiente para atender a reais necessidades da maioria de compradores de pick-ups médias e sport-utilities no Brasil, embora a certificação de emissões já impeça a comercialização de veículos com esse motor no país.
Apesar desse tópico da homologação em normas de emissões eventualmente levar a uma crença de que um motor com menos de 100cv nos utilitários mais recentes já seria carta fora do baralho, há de se considerar também outros aspectos tão diversos quanto o downsizing que se mostraria convidativo ao uso de um motor com cilindrada menor e custo de produção também inferior diante do atual 1GD-FTV de 2.8L dotado de injeção direta do tipo common-rail e turbo com resfriador de ar, com potência de 177cv a 3400 RPM e torque de 45,9kgfm de 1600 a 2400 RPM hoje usado na SW4 vendida no Brasil. Embora possa parecer que simplesmente descartar o turbo já resultaria num decréscimo no preço, essa hipótese estaria fora de cogitação diante de uma eventual impossibilidade (ou ao menos uma maior dificuldade) para mantê-lo enquadrado nas atuais normas de emissões e numa futura implementação da Euro-6 no Brasil. Mas enfim, assim como pode ser feita a observação dos motores 14B e 5L-E no contexto do downsizing, e deixando um pouco de lado a obsessão pela potência que se firmou no mercado brasileiro com reflexos mais nítidos nos sport-utilities usados para lazer do que em outros veículos mais associados a aplicações laborais, não seria de todo impossível que um motor com menos de 100cv possa se manter satisfatório.

sábado, 8 de setembro de 2018

Caso para reflexão: Fiat Brava e possíveis impactos da transição para o gerenciamento eletrônico nos motores Diesel leves

Um carro de certa forma mal-compreendido no mercado brasileiro, o Fiat Brava tinha lá seus méritos, e a presença em outros países que não tem a mesma restrição ao Diesel em veículos leves possibilitou o uso do modelo como um exemplo de possíveis impactos da transição de um predomínio da injeção mecânica para a consolidação do gerenciamento eletrônico. Nesse contexto, parece relevante destacar o uso de duas gerações distintas de motores Diesel de 1.9L que podem num primeiro momento dar a entender que sejam idênticas, mais especificamente um derivado do motor "Lampredi Twin Cam" que no Brasil equipou no Tempra, e outro motor que já fazia parte da linha de motores modulares Pratola Serra que também deu origem ao 1.8L a gasolina usado na versão HGT (a mesma das fotos) e também ao famoso "Fivetech" usado no Marea. Pois bem, enquanto o motor antigo de 1929cc chegou a ser produzido na Argentina, o mais moderno de 1910cc teve a produção toda concentrada na cidade italiana de Pratola Serra.

A produção do Fiat Brava, originalmente lançado na Itália em '95, iniciou no Brasil em '99 já com 4 anos de defasagem e bem durante a transição entre as normas de emissões Euro-2 e Euro-3 que levou a uma consolidação não apenas do gerenciamento eletrônico mas também da preferência pela injeção direta na Europa, com o sistema common-rail da Bosch se firmando como a principal referência a ser seguida. Naturalmente, o maior rigor dos controles de qualidade dos combustíveis fazia a diferença, ao passo que não só no Brasil mas também na Argentina e outros mercados de exportação regional o teor de enxofre no óleo diesel não acompanhava as exigências ambientais na mesma celeridade que se aplicava ao enquadramento das novas gerações de motores, bem como os custos de produção mais altos dos sistemas de injeção direta em função das pressões operacionais superiores davam margem a dúvidas quanto a uma viabilidade futura do Diesel em veículos leves no subcontinente sul-americano. Não se pode negar que muitos argentinos e uruguaios não costumam seguir muito à risca os planos de manutenção e são adeptos da gambiarra tanto quanto os brasileiros, e o grau de sofisticação que já se fazia presente também pela massificação do turbo podia ser visto como algo assustador, fomentando até uma parte considerável do interesse pelo gás natural que se adaptava facilmente aos motores com ignição por faísca da época que ao menos a nível regional permaneciam mais distantes de um curso evolutivo comparável ao dos similares europeus.

A mesma rusticidade que à primeira vista poderia soar problemática no tocante às emissões, a bem da verdade, também poderia ser tratada como uma interessante aliada em países com uma economia que ainda tem na agropecuária um dos maiores destaques e portanto ofereceriam condições de fomentar o uso do biodiesel e eventualmente até de óleos vegetais puros como um combustível veicular de baixo custo, minimizando também a dependência por petróleo e derivados importados principalmente da Venezuela que já se encaminhava para o atual cenário de colapso em '99 com a ascensão do ditador Hugo Chávez. De certa forma, assim como o ProÁlcool foi extremamente relevante no Brasil durante o regime militar e só foi ruir de vez durante a transição dos governos Sarney e Collor acompanhando a reabertura das importações de carros que levava a uma rejeição exacerbada ao viés nacionalista que balizou o uso do etanol, o fato da Argentina ser um grande produtor de soja às vezes leva a discussões sobre a viabilidade de processar o grão localmente para concentrar a exportação nos derivados com um maior valor agregado e eventualmente priorizar o uso do óleo como matéria-prima para biodiesel. Também vale lembrar do uso direto de óleo de girassol argentino como combustível veicular devido ao custo mais baixo que o do óleo diesel convencional quando comprado a granel, que já foi relatado por paraguaios e também por brasileiros radicados no Paraguai que possuem veículos com motores Diesel como tendo sido uma prática relativamente comum não apenas em motores de injeção indireta mas até mesmo em alguns motores modernos com injeção common-rail como o Isuzu 4EE2 de 1.7L que foi usado em versões de exportação de modelos antigos da Chevrolet/Opel.

Já no caso do Uruguai, onde os governos com um viés esquerdista de Tabaré Vázquez e José "Pepe" Mujica fomentaram um cenário hostil às aplicações do Diesel em veículos leves de um modo geral e levaram a uma proliferação de carros chineses, o descaso com a possibilidade de valorizar a pecuária uruguaia que é reconhecida pela alta qualidade e recorrer ao sebo bovino como matéria-prima para um biodiesel com qualidade substancialmente superior ao óleo diesel importado da Venezuela com teores excessivos de enxofre também é algo preocupante. E por mais que uma falta de incentivo aos biocombustíveis na Argentina e no Uruguai aparentemente não tenha uma relação direta com a transição tecnológica experimentada pelos motores Diesel durante a virada do século, não se pode considerar que possa parecer uma boa desculpa. Mesmo a liberação da maconha no Uruguai para uso recreacional, que dava a entender que fosse seguida por eventuais aplicações industriais das fibras dos talos e folhas (lembrando que o THC está mais concentrado nas flores dos espécimes femininos e numa resina que recobre as folhas) e do óleo da semente, não fomentou nenhum reconhecimento do biodiesel nem do uso direto de óleos vegetais como uma alternativa pela "sustentabilidade" que alguns esquerdistas alegam defender com unhas e dentes...

Enfim, apesar da predominância da injeção direta ter sido o grande destaque na virada da década de '90 para o ano 2000, e do motor de 1929cc tê-la oferecido em ao menos uma versão feita na Itália enquanto na Argentina havia um aparente desinteresse em modernizar a linha de motores produzidos localmente, parece justo levantar o questionamento em torno de uma eventual viabilidade de se ter procurado usar os motores Diesel argentinos e uma participação de mercado maior que poderiam ter mantido. Até o motor de 1.7L (1697cc) que seguiu em linha na Argentina ao menos até 2010, na versão TD70 usada no Punto até o final de 2007 quando foi substituído pelo 1.3 Multijet de 75cv e 1248cc italiano, ainda poderia ter atendido bem num modelo do porte do Brava mesmo na versão de aspiração natural com 60cv e constituir uma opção racional para aqueles consumidores que se mantinham um tanto alheios à obsessão por potência comparável à dos similares de ignição por faísca que também começava a se consolidar.

quarta-feira, 5 de setembro de 2018

Medidas provisórias 838/18 e 847/18: falta de visão estratégica

A aprovação da Medida Provisória 838/18 ontem no Plenário da Câmara dos Deputados, que concede subsídio à importação do "diesel rodoviário" até o dia 31 de dezembro de 2018, foi um dos paliativos encontrados pelo governo para tentar acalmar os ânimos exaltados dos caminhoneiros após a greve deflagrada em maio. Além da definição um tanto confusa sobre qual seria o "diesel rodoviário", mas na prática deve ser o S-500 que diga-se de passagem não é recomendável para veículos enquadrados nas normas Euro-5 e pode se tornar mais um desafio para a renovação de frota, tem o problema de ser uma medida apenas de curto prazo e sem visão estratégica no tocante à segurança energética daquela que é a base da matriz energética do transporte de longa distância num país de dimensões continentais e com realidades regionais tão distintas como é o caso no Brasil. Seguir ignorando as experiências de sucesso de biocombustíveis como o etanol para veículos leves no Brasil, bem como as possibilidades em torno do biodiesel que teria excelentes condições para se desenvolver no país e eventualmente até impulsionar uma agregação de valor à produção agropecuária gerando empregos e renda no campo.

Não é necessário entrar novamente no mérito do sucateamento de outros modais de transporte como as ferrovias, e a navegação que já foi bastante forte até no Rio Grande do Sul, com impactos no custo da logística e excessiva dependência pelo modal rodoviário. Realmente esse é outro problema sério e talvez até se possa considerar como uma dificuldade a mais para a implementação de uma produção de biodiesel em larga escala, e também precisa ser tratado com a devida seriedade, mas não justifica que se tente varrer para baixo do tapete a questão do preço do óleo diesel convencional para uso em aplicações rodoviárias pesadas e agrícolas para as quais o subsídio seria direcionado. Há ainda de se recordar que mesmo dentro do perímetro urbano até de capitais como Porto Alegre ainda se vende o Diesel S-500 em áreas onde não é incomum a circulação de sport-utilities de luxo que são apontadas como uma desvirtuação da premissa de subsidiar o óleo diesel para atender a aplicações definidas de forma arbitrária como "utilitárias", e o teor de enxofre 50 vezes superior não apenas representa maior risco de danos a motores dotados do sistema EGR mas também é apontado como um dos causadores da chuva ácida.

Com tanta produção de grãos como o milho e a soja no Brasil, além do consumo cada vez maior de alimentos processados abrangendo também carnes e por conseguinte facilitando uma separação das gorduras das carcaças para posterior reaproveitamento em finalidades industriais, soaria lógico que o biodiesel fosse priorizado não só em função dos benefícios econômicos e ambientais mas também por manter mais divisas no país ao invés de comprometê-las mantendo a segurança energética brasileira na mão de outros países. No caso do milho, cujo incremento na produção durante a entressafra da soja tem motivado investimentos no uso como matéria-prima para o etanol, há a possibilidade de usar tanto o óleo quanto o álcool obtidos a partir do mesmo grão para produzir o biodiesel, isso para não mencionar as possibilidades do uso direto de óleos vegetais como combustível em caminhões antigos. Enfim, enquanto oportunidades de fortalecer a economia brasileira e garantir a oferta de combustíveis limpos com preço competitivo diante de óleo diesel convencional de baixa qualidade ainda importado forem desperdiçadas, o Brasil vai permanecer refém de canetadas sem visão estratégica.

segunda-feira, 3 de setembro de 2018

Breve reflexão sobre o sistema MGU-H e o quão estúpida é a intenção de suprimi-lo numa próxima geração de motores da Fórmula 1

Como não se usam motores Diesel na Fórmula 1, pode parecer inicialmente sem sentido esse tema ser tratado aqui. No entanto, a recente decisão da FIA em eliminar o sistema MGU-H a partir de 2021 na próxima geração de motores a serem usados nessa categoria também acaba impactando as chances de incorporar esse dispositivo em veículos de produção em série com benefícios não só no desempenho, mas também no controle de emissões. Até mesmo na adaptabilidade a combustíveis alternativos, que é outro fator cada vez mais relevante na atualidade, esse recurso pode vir a ser proveitoso.

A grosso modo, o sistema MGU-H (Motor Generator Unit - Heat / Unidade Moto-Geradora Térmica) usa um turbocompressor especial que incorpora uma espécie de motor elétrico e gerador combinados junto à carcaça central, podendo assim não somente recuperar boa parte da energia térmica e cinética contida no fluxo de gases de escape mas constituir também um método muito efetivo para minimizar o turbo-lag e proporcionar um controle mais consistente da velocidade do conjunto rotor do turbo. Na prática, ao impulsionar a turbina antes que o motor já esteja provendo uma vazão de gases de escape suficiente para que o compressor entre em ação, pode-se dizer que o MGU-H efetivamente neutraliza o turbo-lag, promovendo desde uma maior eficiência da compensação de altitude associada ao turbo até um controle mais preciso das emissões durante acelerações súbitas. Considerando uma eventual aplicabilidade em motores Diesel, nos quais uma oscilação muito rápida da pressão de admissão ou do débito de injeção podem causar incrementos momentâneos na formação de material particulado (fuligem - fumaça preta visível), além da maior consistência dos processos de combustão durante a operação do motor, é possível esperar também que dispositivos como o filtro de material particulado (DPF - Diesel Particulate Filter) requeiram menos intervenções como os ciclos de autolimpeza ou "regeneração" forçados, e assim alterações indesejáveis tanto no consumo de combustível quanto nos índices de óxidos de nitrogênio (NOx) inerentes a essa circunstância ficariam mais raras.

Lembrando que foram justamente os NOx que deram mais relevância ao escândalo do "Dieselgate", bem como a alegação de que condições ambientais adversas como temperaturas ambientes elevadas poderiam levar o gerenciamento eletrônico de alguns motores a fazê-los operar momentaneamente fora dos padrões de emissões exigidos para evitar maiores danos, a exemplo do que foi observado na Coréia do Sul em alguns motores Renault usados também pela Nissan, não causa surpresa que uma das vozes discordantes que se levantaram contra a FIA seja Remi Taffin que é o diretor técnico de motores da Renault. Ele ainda parece depositar esperanças de que o bom-senso prevaleça e o MGU-H ganhe uma sobrevida além de 2021 na própria Fórmula 1, e também destacou que a Renault pretende continuar a desenvolver o sistema mesmo que não tenha a aplicabilidade futura na categoria. Logo, soa razoável crer que o dispositivo possa integrar-se a sistemas híbridos desenvolvidos para veículos de produção em série, tanto aqueles baseados em motores de ignição por faísca quanto no Diesel.

Tendo em vista que hoje o turbocompressor é praticamente onipresente nos motores Diesel veiculares tanto em aplicações leves quanto pesadas, e também uma maior integração destes com uma variedade de sistemas híbridos que inclui desde uma variação do BAS-Hybrid já usada pela Maruti-Suzuki na Índia até outros mais sofisticados como o usado nos ônibus Volvo híbridos que já rodam inclusive no Brasil, o controle mais efetivo da rotação do turbo se revelaria particularmente benéfico em função da operação intermitente que o motor Diesel encontraria num veículo híbrido operando em condições de tráfego urbano pesado. Já em comparação aos híbridos movidos a gasolina que são constantemente tratados como antagônicos ao Diesel na disputa pelo mercado de veículos "ecológicos" e na maioria das vezes seguem com motores naturalmente aspirados, a recuperação de energia mais intensa através do turbo é uma vantagem que não convém descartar, principalmente quando o uso rodoviário ocorrer numa frequência mais significativa para a qual a atual geração de híbridos que prioriza a recuperação de energia cinética por meio da "frenagem regenerativa" não é otimizada. Portanto, apesar da complexidade ser alegada como um dos pretextos para a eventual eliminação do MGU-H na Fórmula 1 juntamente com a redução no nível de ruídos que desagrada alguns entusiastas, na prática esse recurso não parece estar tão fora de contexto e teria boas perspectivas para ser difundido em modelos de produção seriada diante da crescente participação de mercado dos veículos híbridos.

No tocante aos biocombustíveis, parece oportuno destacar que o controle mais preciso da velocidade da massa rotativa do turbocompressor pode proporcionar desde uma maior facilidade para estabilizar mais rapidamente a temperatura logo após a partida a frio que seria especialmente benéfica para o uso direto de óleos vegetais como combustível alternativo num motor Diesel, de modo a proporcionar uma queima mais completa da glicerina naturalmente contida no óleo e evitando a polimerização e acúmulo de sedimentos polimerizados dentro do motor, até emular uma variação da taxa de compressão num motor "flex" de ignição por faísca para explorar melhor a resistência à pré-ignição mais alta que tanto o etanol quanto o gás natural apresentam em comparação à gasolina. Vale lembrar daquele projeto que a Bosch apresentou em 2004 usando como mula de testes um Volkswagen Polo que teve um turbocompressor adaptado ao motor EA-111 de 1.6L com controle da pressurização de acordo com o combustível em uso, aumentando gradativamente (tomando como referência a pressão atmosférica) esse parâmetro. Sem dúvidas, ficaria ainda mais interessante um sistema desses caso o MGU-H fosse incluído, principalmente hoje que o futuro do etanol volta a ser uma pauta relevante à medida que o uso do milho como matéria-prima avança no Centro-Oeste e passa a ser uma alternativa para estabilizar os preços durante a entressafra da cana de açúcar.

A importância da Fórmula 1 como vitrine de novas tecnologias a serem futuramente incorporadas nos veículos de produção em série sofreu de fato um impacto à medida que a tração elétrica começou a angariar entusiastas, inclusive entre aqueles que pura e simplesmente preferem condenar o motor de combustão interna como "vilão" do meio-ambiente. A discussão em torno do MGU-H é, portanto, um bom pretexto para resgatar a relevância da categoria como um expoente máximo do desenvolvimento de motores. Enfim, descartar esse dispositivo seria um desserviço ao progresso da engenharia.