quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Breve reflexão sobre a volta da Cide

Um imposto que incidia até 2008 sobre a gasolina e o óleo diesel, com alíquotas de R$0,28 por litro para a primeira e R$0,07 para o segundo à época que deixou de ser cobrado, a Contribuição por Incidência de Domínio Econômico faz parte de um pacote de medidas apresentado pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, à presidente Estela Vanda Patrícia Dilma Roussef para tentar conter o déficit público antes mesmo que se inicie o próximo mandato em 2015, visto que o Congresso não autorizou um descumprimento da meta fiscal para o ano de 2014. Tal medida veio acompanhada, ainda, de um plano para arrochar o seguro-desemprego, os abonos salariais PIS/PASEP e as pensões pós-morte.

A carga tributária brasileira já pode ser considerada obscena, principalmente diante de todos os escândalos de corrupção que esvaziam os cofres públicos e do retorno que o contribuinte tem ao pagar imposto sueco por um serviço africano. No caso da Cide, o governo ainda tenta jogar a bomba no colo do setor sucroalcooleiro ao alegar que seria uma "reivindicação" do setor para manter a competitividade do etanol diante da gasolina, quando na verdade uma redução de impostos para a cadeia produtiva do biocombustível faria muito mais sentido. Para quem insiste que haveria alguma vantagem competitiva para o etanol caso a Cide volte a incidir sobre os combustíveis fósseis, vale lembrar que o processo logístico para distribuição do etanol por todo o país ainda é muito dependente do óleo diesel, e portanto ainda teria um peso considerável nos índices de inflação. Há que se considerar ainda o aumento nos custos operacionais na produção e transporte da cana-de-açúcar da lavoura à usina, também ainda muito dependentes do óleo diesel apesar de algumas aplicações do próprio etanol tanto em maquinário agrícola quanto em caminhões canavieiros.

Cabe destacar que a produção comercial de biocombustíveis no Brasil ainda é oligopolizada, de modo a assegurar ao governo um controle rígido sobretudo em âmbito fiscal. Há ainda as esdrúxulas regulamentações da ANP (Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis) impedindo a comercialização do biodiesel puro (B100) e do etanol de microdestilarias a varejo, ou de óleos vegetais na bomba para uso direto como combustível, além de empecilhos em âmbito administrativo para cidadãos que tentem regularizar a adaptação de veículos leves com um motor do ciclo Diesel para operar com algum substitutivo do óleo diesel convencional. Nesse contexto, a volta da Cide pode ser vista como mais uma imposição da mão de ferro do governo visando manter o cidadão cada vez mais refém da incompetência da atual administração pública, não apenas no tocante à segurança energética.

sábado, 22 de novembro de 2014

Biodiesel ou óleo vegetal natural?

Um dos maiores dilemas encontrados pelos adeptos do uso de combustíveis alternativos, a preferência pelo biodiesel ou por óleos vegetais naturais desperta discussões acaloradas diante das vantagens e eventuais desvantagens apresentadas por cada um desses biocombustíveis. Seja por razões de ordem técnica ou motivações políticas, o tema sempre traz à tona polêmicas em torno do gasto de energia destinado ao processamento das matérias-primas e adaptabilidade aos diferentes sistemas de injeção e gerenciamento usados em motores Diesel não apenas em aplicações veiculares mas também estacionárias, industriais e em maquinário agrícola. O maior problema é, sobretudo, político, visto que as vantagens práticas apresentadas tanto pelo biodiesel quanto pelo óleo vegetal são ofuscadas pela incompetência instaurada na administração pública.

Nota-se uma marginalização mais intensa do uso direto de óleos vegetais como combustível, ao passo que o biodiesel é até certo ponto mais tolerado tanto pelos sheikhs do petróleo quanto pelos burocratas da Petrobras e da ANP (Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis). Cabe ainda traçar um paralelo com a questão da gasolina e do etanol, visto que hoje é obrigatória a mistura de uma pequena proporção de biodiesel ao óleo diesel convencional a exemplo do que já se fazia há décadas com o etanol anidro adicionado à gasolina, mas enquanto o consumidor ainda pode encontrar etanol hidratado nos postos não há a oferta de biodiesel puro (B100) diretamente ao consumidor varejista. Nesse aspecto, porém, o óleo vegetal leva alguma vantagem ao estar facilmente disponível devido a outras aplicações, não apenas alimentícias mas também na indústria química geral. Na hora do aperto, quem tem um veículo apto ao uso de óleo vegetal puro não fica tão empenhado, pode ir no Makro comprar um latão de 18 litros de óleo de soja e seguir viagem...

Sob o ponto de vista da segurança energética, um combustível que pode ser provido com maior rapidez seria a opção mais acertada, pesando favoravelmente ao óleo vegetal. Fica mais fácil também prover uma descentralização da produção, permitindo o uso de matérias-primas mais adequadas às diversas realidades regionais encontradas no país, além de tornar o processo logístico mais simples e eficiente. No entanto, tem prevalecido a nível mundial o biodiesel, alegadamente em função da maior fluidez e compatibilidade com processos de combustão a temperaturas menos elevadas nos motores de concepção mais recente. A produção pode ser descentralizada, mas não com a mesma facilidade encontrada no uso direto de óleo vegetal natural devido à dependência de insumos necessários à conversão química do óleo em biodiesel. Ainda assim, a atual geração de dispositivos de controle de emissões adotada principalmente em aplicações veiculares impõe um maior desafio, sobretudo em função da vaporização de porções residuais de combustível necessárias para o processo de "regeneração" do filtro de material particulado (DPF) presente em alguns motores homologados nas normas Euro-4 e em quase todos os Euro-5 quando não é usado um injetor específico para fazer a dosagem diretamente na carcaça do filtro.

Entre os defensores do uso direto de óleos vegetais, os principais argumentos são uma disponibilidade mais imediata do combustível alternativo e um processo de produção muito mais simples e que demanda uma menor quantidade de insumos e gasta menos energia, tornando-o mais barato. No entanto, é uma opção mais facilmente aplicável a motores de concepção antiga, apresentando uma maior resiliência a alterações na qualidade dos combustíveis. A presença da glicerina natural no óleo dá margem a muita discórdia, em função de alguma dificuldade que apresenta ao processo de combustão e formação de resíduos que possam se acumular dentro do motor e comprometer também a durabilidade do óleo lubrificante, além de dar origem às acroleínas, formadas quando óleos vegetais são submetidos a altas temperaturas e são alegadamente cancerígenas. É usual pré-aquecer o óleo vegetal até cerca de 70 a 80 graus centígrados antes de ser injetado, podendo ser aplicado tanto aquecimento elétrico quanto por meio de um trocador de calor ligado ao sistema de refrigeração ou ao escapamento, tendo como principal objetivo diminuir a viscosidade e aumentar a fluidez, um ponto ainda mais crítico em sistemas de injeção direta a alta pressão adotados nos motores modernos.

Motores de injeção indireta, cada vez mais relegados à obsolescência nos principais mercados mundiais por serem considerados menos aptos a atender às regulamentações de emissões cada vez mais rígidas, ainda são considerados mais adequados ao uso de óleo vegetal como combustível devido ao processo de combustão em dois estágios iniciado numa pré-câmara, proporcionando uma queima mais completa e portanto incidindo a uma menor formação de resíduos, apresentando também um incremento no desempenho e na economia de combustível em comparação ao uso de óleo diesel convencional, ao passo que o biodiesel normalmente tem um consumo ligeiramente maior. Além do custo de produção dos combustíveis, pesa também o custo de produção dos motores de injeção indireta. Devido às menores pressões internas encontradas nesses motores, é possível adotar componentes internos menos superdimensionados e portanto mais baratos, viabilizando também uma maior intercambialidade de tais peças com o que é usado em motores de ignição por faísca, amortizando mais rapidamente o custo de desenvolvimento, além dos sistemas de injeção com pressões operacionais mais baixas terem custo e complexidade menores.

Um caso interessante é o da Caterpillar, que na África do Sul mantém a garantia de fábrica dos motores estacionários/industriais e de maquinário pesado quando se usa óleo de girassol como combustível, tanto puro quanto misturado ao óleo diesel convencional em diferentes proporções. Também chama atenção a estratégia adotada pela Scania que, além da experiência com o etanol e o gás natural, disponibiliza motores homologados para uso de biodiesel puro não apenas para aplicações fora-de-estrada (estacionárias/industriais, maquinário agrícola e de construção, náutico, entre outras) mas também para a linha de veículos. A maioria dos fabricantes atualmente tem feito grande oposição ao uso de óleos vegetais na atual geração de motores Diesel e até impondo limites ao uso de biodiesel (geralmente limitando a misturas até 20%, o chamado B20) em veículos equipados com filtro de material particulado, praticamente pondo a perder todo o desenvolvimento alcançado por países como a Alemanha no uso não apenas do biodiesel mas também do óleo de colza como combustíveis veiculares. Cabe salientar, ainda, que há quem defenda a tese de que qualquer motor Diesel pode rodar com até 20% de óleo vegetal natural sem problemas, e melhorando tanto o desempenho quanto a economia de combustível mesmo em motores de injeção direta.

A bem da verdade, nada impede a compatibilidade de óleos vegetais com a injeção direta, e vale tomar como referência o caso do motor semi-adiabático alemão Elko Multifuel, apresentado no Salão de Detroit em '83 e que chegou a ser testado no Brasil e teve alguns exemplares pré-série produzidos pelo Grupo Garavelo, que cogitava comercializar uma versão de 3 cilindros e 1.4L a partir de '89 mas o plano nunca saiu do papel. Além de ter sido o primeiro motor Diesel automotivo leve com injeção direta, tinha como apelo a aptidão ao uso de óleos vegetais e gorduras animais ou qualquer outro combustível líquido conhecido. A empresa Elsbett, responsável pelo projeto do motor Elko Multifuel, ainda hoje produz e comercializa kits para a conversão de motores Diesel de todos os tipos para o uso de óleos vegetais como combustível, embora recomende para a maioria dos motores de injeção direta o uso de um sistema com 2 tanques, sendo um para óleo diesel convencional ou biodiesel destinado à partida a frio e à "última milha" antes do motor ser desligado e outro para o óleo vegetal.

Não há motivos para se incitar uma rivalidade entre usuários do biodiesel ou de óleo vegetal natural, mas enquanto o primeiro vem sendo mais favorecido (ou menos desfavorecido???) em âmbito político por motivos pouco claros o segundo acaba um tanto preterido, talvez por desinformação do público consumidor em potencial. Antes de tomar decisões precipitadas e baseadas em achismos, comodismos e outros "ismos", convém avaliar sempre a melhor opção para cada aplicação, bem como a disponibilidade de insumos e uma eventual aplicação para a glicerina residual da transesterificação do óleo quando convertido em biodiesel.

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Uma reflexão crítica sobre o ProÁlcool e as raízes da restrição ao Diesel

Vem ocorrendo uma série de tentativas de desconstruir a imagem do etanol, e menosprezar o potencial desse combustível que de fato permitiu ao Brasil reduzir a dependência pelo petróleo. Há quem o classifique como antagônico ao Diesel, o que na prática se mostra não muito além de uma meia-verdade ao lembrarmos que pode ser usado não apenas como substitutivo ao óleo diesel convencional mas também associado a este ou a outros substitutivos. Não é incomum ouvir dizerem que as restrições ao Diesel foram fundamentais para que se criasse um "protecionismo" em torno do etanol, mas a percepção de que esse seria o combustível mais adequado para atender às necessidades da maior parte da frota circulante à época acabou impulsionando tal decisão. Caso a frota brasileira tivesse uma presença mais acentuada do Diesel, certamente o direcionamento de um programa de combustíveis alternativos seria outro, a exemplo do que ocorreu na Alemanha com a regulamentação do óleo de colza como combustível veicular.

Se em '76, quando instituiu-se a proibição à comercialização de automóveis movidos a óleo diesel no Brasil, a injeção direta já era uma realidade consolidada entre os veículos pesados, maquinário agrícola e equipamentos estacionários/industriais, só passou a ganhar escala comercial nos veículos leves a partir de '86, com o motor Turbo D i.d. oferecido no Fiat Croma. Vale frisar que a injeção direta é essencial para que motores do ciclo Diesel possam operar usando etanol como combustível. De qualquer forma, o uso direto de óleos vegetais brutos soa como uma opção lógica para ser aplicada aos motores Diesel, mas como a maioria dos óleos disponíveis comercialmente (incluindo os destinados ao uso alimentício) ainda é extraído com o uso de solventes ao invés da prensagem a frio fica mais difícil proceder a degomagem e a deceragem necessárias para proporcionar uma combustão mais completa e diminuir a formação de resíduos que pudessem vir a acarretar danos ao motor.

Abordar qualquer tema referente ao Regime Militar de '64 a '85 (também citado como "Quinta República" por algumas fontes, e usualmente rotulado como "ditadura") no Brasil sempre dá margem a polêmicas, e não seria diferente com relação às estratégias adotadas para o enfrentamento das Crises do Petróleo durante a década de '70. Se hoje o álcool etílico carburante, ou "etanol" como vem sendo mencionado de forma mais enfática desde fins de 2011, é reconhecido a nível mundial como um dos combustíveis alternativos de maior viabilidade econômica, isso se deve principalmente ao patriotismo de homens honrados como o general Emílio Garrastazu Médici, o professor Urbano Ernesto Stumpf, e muitos outros que tiveram a coragem para dar o pontapé inicial. Não se pode esquecer, porém, que foi durante o governo do general Ernesto Geisel, que se instituiu a proibição à comercialização de veículos leves movidos a óleo diesel no Brasil, pelas mãos do então ministro de Indústria e Comércio, o civil Severo Fagundes Gomes...

Tal medida, à época, parecia não ter um impacto tão significativo sobre o mercado de veículos novos no país, então dominado por uma Volkswagen ainda dependente do motor boxer refrigerado a ar movido a gasolina que equipava não apenas Fusca e Kombi mas também Brasília, SP2, TL e Variant, facilmente adaptável ao uso do etanol (embora pudesse operar normalmente com o álcool sem alterações em caráter temporário/emergencial, apesar da instabilidade prolongada da marcha-lenta durante a fase fria), além dos motores Diesel da época não oferecerem uma relação peso/potência tão adequada ao uso nesses modelos, e terem um custo de aquisição mais elevado que o de um similar com ignição por faísca como ainda ocorre, embora pouco tempo depois a proibição tenha se mostrado inoportuna ao manter o Brasil alijado da rápida evolução técnica que o ciclo Diesel havia passado a apresentar.

No auge da euforia em torno do ProÁlcool, chegou-se a apresentar o etanol como uma alternativa apta também às demandas do transporte pesado e da atividade agropecuária, tanto associado à ignição por faísca em motores Mercedes-Benz, Chevrolet e Dodge usados não apenas em caminhões (principalmente nos "canavieiros") e ônibus mas também em alguns tratores no caso do motor Dodge quanto no ciclo Diesel mediante o uso de aditivo promotor de ignição em motores Mercedes-Benz e Scania ou associado à injeção-piloto de óleo diesel convencional como nos motores MWM 229 PID, mas o maior poder calorífico do óleo diesel era difícil de ser batido por um hidrocarboneto leve. Pode-se considerar, portanto, que houve um comodismo diante do etanol, e tal fator acabou pesando na decisão de se restringir o uso do Diesel.

Ao mesmo tempo que o consumidor não se dava conta da evolução dos motores Diesel leves, os fabricantes instalados localmente ainda acabaram inseridos nesse progresso durante a década de '80 em função da demanda externa, caso da Volkswagen que oferecia no Passat LDE o mesmo motor EA-827 1.6D usado localmente na Kombi Diesel e na Saveiro, da Chevrolet com versões de Chevette, Monza e Kadett equipados com motores Isuzu 4FB1 de 1.8L, 4FC1 de 2.0L e 4EC1 de 1.5L para atender principalmente aos mercados argentino e uruguaio, e da Fiat com o 147 (incluindo a Panorama) e os utilitários compactos Fiorino exportados até para o exigente mercado europeu com o motor Super Diesel de 1.3L e 45cv. À época, Volkswagen e Fiat chegaram a participar ativamente de testes visando a validação de óleos combustíveis de origem vegetal, tendo a primeira pesquisado o uso dos óleos de amendoim e soja enquanto a segunda deu mais atenção à mamona.

Cabe salientar que o motor Fiat de 1.3L permaneceu em produção até 2003 para atender não apenas a aplicações automotivas (que à época se resumiam a algumas versões do Fiat Palio destinadas ao Uruguai e ao Fiat Uno montado nas Filipinas a partir de kits CKD poloneses) como também estacionárias/industriais (mais notadamente grupos geradores) e pequenas embarcações, onde a maior suavidade, desempenho superior e relação peso/potência mais favorável em comparação ao que alguns líderes de mercado (Yanmar e Agrale) ainda oferecem na mesma faixa de cilindrada para atender a tais segmentos era particularmente apreciada em uso doméstico ou náutico recreacional, ao passo que as versões de 1.7L (naturalmente aspirado de 59cv e turbo de 70cv) que chegaram a ser usadas em testes de validação de óleos vegetais naturais como combustível veicular num projeto conduzido pela Fiat em parceria com o Inmetro entre 2007 e 2008 permaneceram até 2011 quando foram substituídas em definitivo pelo Multijet de 1.3L (sempre com turbo, em versões de 75 ou 90cv).

De fato, em função da imposição de restrições ao uso de óleo diesel em veículos leves, foram perdidas algumas oportunidades para consolidar ainda mais a posição de liderança do Brasil no campo dos biocombustíveis, visto que hoje a Malásia é líder mundial na produção de biodiesel mesmo tendo desenvolvido a infra-estrutura necessária para produção e distribuição algum tempo depois da experiência brasileira com o etanol estar consolidada, motivada por experiências com o azeite de dendê (ou "óleo de palma" como é mais conhecido no exterior) a partir da década de '80 tendo usado como mula de testes até alguns motores Elko Multifuel (o mesmo que foi apresentado no Salão de Detroit em '83, e cujos direitos de produção e comercialização no Brasil foram adquiridos pelo extinto Grupo Garavelo em '85).

O sistema de injeção direta do tipo common-rail gerenciado eletronicamente, predominante na atual geração de motores Diesel, pode ser considerado oportuno numa busca por recuperar o mercado brasileiro dos efeitos do distanciamento tecnológico  já permite uma adequada integração entre diferentes combustíveis de modo a reduzir o eventual impacto que uma crise no fornecimento de algum deles possa comprometer a operacionalidade não apenas de veículos utilitários/comerciais mas também de automóveis particulares, caracterizando portanto como obsoleta a manutenção das restrições ao uso de motores Diesel em função das capacidades de carga, passageiros ou tração.

segunda-feira, 10 de novembro de 2014

Refletindo sobre ironias brasileiras: "Diesel é para trabalho"

Não é incomum ouvir "argumentos" imprecisos por parte de alguns que se dizem contrários a uma liberação do Diesel para veículos leves, ou mesmo de acomodados que se digam "neutros", e um dos mais recorrentes é de que motores Diesel seriam mais adequados a um veículo "de trabalho". Pois bem, parecem se esquecer da grande quantidade de veículos com capacidade de carga inferior a uma tonelada e que ainda assim são efetivamente destinados a aplicações profissionais.

Diversos motivos podem levar à preferência de alguns operadores por um utilitário mais compacto para atender a alguma aplicação específica, ou por ser mais adequado às condições operacionais de alguma região (trânsito mais denso, dificuldade em encontrar espaços amplos para estacionar, e por aí vai) mas, devido a uma definição extremamente arbitrária e imprecisa acerca do que viria a ser de fato um veículo utilitário tomando por referência apenas as capacidades de carga, passageiros ou tração, acabam não podendo ser beneficiados pelo uso do Diesel.

De fato, vem sendo cada vez mais comum o uso de veículos com capacidade de carga abaixo dos 1000kg em serviços de entrega e distribuição urbana de mercadorias.


Também não é incomum o uso de utilitários compactos por transportadores autônomos, considerando sobretudo o menor custo de aquisição em comparação a um veículo de porte mais avantajado.



Veículos de emergência, principalmente ambulâncias e viaturas de polícia, são outro segmento onde a ausência da opção pelo Diesel se faz sentida, principalmente ao pararmos para analisar que o processo logístico de manutenção das frotas poderia ser simplificado caso também pudessem dispor do Diesel, já consolidado como o principal combustível usado em viaturas de maior porte e que já se enquadram na definição de "utilitário".



Os táxis também acabam refletindo a incoerência nas restrições ao Diesel. Nesse caso em particular, o amplo uso do gás natural como uma alternativa de combustível mais barato acaba comprometendo o espaço para bagagens. Seria mais fácil tolerar essa desvantagem se, ao invés de depender da importação de gás natural fóssil da Bolívia, o biogás fosse disponível comercialmente a preços competitivos para os operadores.


Por mais que a aptidão do Diesel já seja devidamente reconhecida em aplicações utilitárias e comerciais, é muito contraditório que muitos veículos destinados às mesmas não possam contar com essa opção.

sábado, 8 de novembro de 2014

Uma reflexão acerca do rechaçamento do PL 1013/11

Na sessão do dia 29 de outubro, a Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara dos Deputados mostrou mais uma vez que o Brasil é uma terra de incoerências, ao rechaçar o Projeto de Lei 1013/11, de autoria do deputado Aureo (Solidariedade-RJ), favorável à liberação da comercialização de veículos com motor Diesel e capacidade de carga inferior a uma tonelada, sem as pré-condições de acomodar no mínimo 9 passageiros além do motorista e/ou ter tração 4X4 com reduzida. Foi relator da matéria o deputado Sarney Filho (PV-MA).

O voto do relator não causaria a menor surpresa a quem já se acostumou a ver os políticos brasileiros promovendo verdadeiros absurdos, mas a perpetuação de preconceitos contra o ciclo Diesel e a falta de boa-vontade na análise do tema proposto contrastam com o alegado comprometimento tanto da Comissão quanto do relator e respectivo partido (Partido Verde) diante da questão ecológica e de sustentabilidade...

De acordo com Sarney Filho, os motores do ciclo Diesel emitem uma maior quantidade dos chamados "gases-estufa", o que não é nada além de uma meia-verdade: de fato os óxidos de nitrogênio (NOx) eram um calcanhar-de-Aquiles para os motores Diesel mais antigos, mas hoje há métodos mais avançados para redução nas emissões desses compostos, além da emissão de dióxido de carbono (CO²) por quilômetro rodado ser naturalmente menor num veículo com motor Diesel em comparação a um similar de ignição por faísca.

Ainda de acordo com o parlamentar, apesar de recentes aprimoramentos na qualidade do óleo diesel comercializado no país, tal combustível ainda seria de 7 a 8 vezes mais poluente que a gasolina. Manter as restrições a um tipo de motor com grande adaptabilidade a uma vasta gama de combustíveis alternativos com base na "performance ambiental" alegadamente inferior do combustível atualmente mais usado é, a bem da verdade, tão incoerente quanto alegar que garfos, facas e colheres são a causa da obesidade.

Levantando ainda o tópico do desenvolvimento sustentável, acaba-se deixando passar uma grande oportunidade para geração de emprego e renda tanto em áreas rurais quanto espaços suburbanos degradados, com a possibilidade de tornar mais descentralizada a produção de combustíveis no país, usando matérias-primas mais adequadas a cada realidade regional e diminuindo o custo e complexidade de processos logísticos. Por exemplo, para um morador do interior do meu querido Amazonas faria muito mais sentido usar algum óleo vegetal de origem local, como o óleo de dendê (que mesmo não sendo nativo pode ser cultivado na região) ou de castanha-do-Pará, ou até óleo diesel convencional, ao invés de depender de uma maior quantidade de gasolina que teria de ser transportada do litoral ou de etanol vindo de São Paulo, e o mesmo poderia ser aplicado a outras regiões de acordo com as necessidades locais e o que fosse mais fácil de integrar à cadeia de produção agropastoril.

Não há o que justifique o descaso com o qual a questão da liberação do Diesel vem sendo tratada pelos políticos brasileiros, mas essa é só uma ponta de um iceberg de contradições...