Um dos maiores dilemas encontrados pelos adeptos do uso de combustíveis alternativos, a preferência pelo biodiesel ou por óleos vegetais naturais desperta discussões acaloradas diante das vantagens e eventuais desvantagens apresentadas por cada um desses biocombustíveis. Seja por razões de ordem técnica ou motivações políticas, o tema sempre traz à tona polêmicas em torno do gasto de energia destinado ao processamento das matérias-primas e adaptabilidade aos diferentes sistemas de injeção e gerenciamento usados em motores Diesel não apenas em aplicações veiculares mas também estacionárias, industriais e em maquinário agrícola. O maior problema é, sobretudo, político, visto que as vantagens práticas apresentadas tanto pelo biodiesel quanto pelo óleo vegetal são ofuscadas pela incompetência instaurada na administração pública.
Nota-se uma marginalização mais intensa do uso direto de óleos vegetais como combustível, ao passo que o biodiesel é até certo ponto mais tolerado tanto pelos sheikhs do petróleo quanto
pelos burocratas da Petrobras e da ANP (Agência Nacional de Petróleo,
Gás Natural e Biocombustíveis). Cabe ainda traçar um paralelo com a questão da gasolina e do etanol, visto que hoje é obrigatória a mistura de
uma pequena proporção de biodiesel ao óleo diesel convencional a exemplo
do que já se fazia há décadas com o etanol anidro adicionado à
gasolina, mas enquanto o consumidor ainda pode encontrar etanol hidratado nos postos não há a oferta de biodiesel puro (B100) diretamente ao consumidor varejista.
Nesse aspecto, porém, o óleo vegetal leva alguma vantagem ao estar
facilmente disponível devido a outras aplicações, não apenas
alimentícias mas também na indústria química geral. Na hora do aperto,
quem tem um veículo apto ao uso de óleo vegetal puro não fica tão
empenhado, pode ir no Makro comprar um latão de 18 litros de óleo de
soja e seguir viagem...
Sob o ponto de vista da segurança energética, um combustível que pode
ser provido com maior rapidez seria a opção mais acertada, pesando
favoravelmente ao óleo vegetal. Fica mais fácil também prover uma
descentralização da produção, permitindo o uso de matérias-primas mais
adequadas às diversas realidades regionais encontradas no país, além de
tornar o processo logístico mais simples e eficiente. No entanto, tem prevalecido a nível mundial o biodiesel, alegadamente em função da maior fluidez e compatibilidade com processos de combustão a temperaturas menos elevadas nos motores de concepção mais recente. A produção pode ser descentralizada, mas não com a mesma facilidade encontrada no uso direto de óleo vegetal natural devido à dependência de insumos necessários à conversão química do óleo em biodiesel. Ainda assim, a atual geração de dispositivos de controle de emissões adotada principalmente em aplicações veiculares impõe um maior desafio, sobretudo em função da vaporização de porções residuais de combustível necessárias para o processo de "regeneração" do filtro de material particulado (DPF) presente em alguns motores homologados nas normas Euro-4 e em quase todos os Euro-5 quando não é usado um injetor específico para fazer a dosagem diretamente na carcaça do filtro.
Entre os defensores do uso direto de óleos vegetais, os principais argumentos são uma disponibilidade mais imediata do combustível alternativo e um processo de produção muito mais simples e que demanda uma menor quantidade de insumos e gasta menos energia, tornando-o mais barato. No entanto, é uma opção mais facilmente aplicável a motores de concepção antiga, apresentando uma maior resiliência a alterações na qualidade dos combustíveis. A presença da glicerina natural no óleo dá margem a muita discórdia, em
função de alguma dificuldade que apresenta ao processo de combustão e
formação de resíduos que possam se acumular dentro do motor e
comprometer também a durabilidade do óleo lubrificante, além de dar
origem às acroleínas, formadas quando óleos vegetais são submetidos a
altas temperaturas e são alegadamente cancerígenas. É usual pré-aquecer o óleo vegetal até cerca de 70 a 80 graus centígrados antes de ser injetado, podendo ser aplicado tanto aquecimento elétrico quanto por meio de um trocador de calor ligado ao sistema de refrigeração ou ao escapamento, tendo como principal objetivo
diminuir a viscosidade e aumentar a fluidez, um ponto ainda mais
crítico em sistemas de injeção direta a alta pressão adotados nos
motores modernos.
Motores de injeção indireta, cada vez mais relegados à obsolescência nos principais mercados mundiais por serem considerados menos aptos a atender às regulamentações de emissões cada vez mais rígidas, ainda são considerados mais adequados ao uso de óleo vegetal como combustível devido ao processo de combustão em dois estágios iniciado numa pré-câmara, proporcionando uma queima mais completa e portanto incidindo a uma menor formação de resíduos, apresentando também um incremento no desempenho e na economia de combustível em comparação ao uso de óleo diesel convencional, ao passo que o biodiesel normalmente tem um consumo ligeiramente maior. Além do custo de produção dos combustíveis, pesa também o custo de
produção dos motores de injeção indireta. Devido às menores pressões
internas encontradas nesses motores, é possível adotar componentes
internos menos superdimensionados e portanto mais baratos, viabilizando
também uma maior intercambialidade de tais peças com o que é usado em
motores de ignição por faísca, amortizando mais rapidamente o custo de desenvolvimento, além dos sistemas de injeção com pressões
operacionais mais baixas terem custo e complexidade menores.
Um caso interessante é o da Caterpillar, que na África do Sul mantém a
garantia de fábrica dos motores estacionários/industriais e de maquinário pesado quando se usa óleo de girassol como
combustível, tanto puro quanto misturado ao óleo diesel convencional em
diferentes proporções. Também chama atenção a estratégia adotada pela Scania que, além da experiência com o etanol e o gás natural, disponibiliza motores homologados para uso de biodiesel puro não apenas para aplicações fora-de-estrada (estacionárias/industriais, maquinário agrícola e de construção, náutico, entre outras) mas também para a linha de veículos. A maioria dos fabricantes atualmente tem feito grande oposição ao uso de óleos vegetais na atual geração de motores Diesel e até impondo limites ao uso de biodiesel (geralmente limitando a misturas até 20%, o chamado B20) em veículos equipados com filtro de material particulado, praticamente pondo a perder todo o desenvolvimento alcançado por países como a Alemanha no uso não apenas do biodiesel mas também do óleo de colza como combustíveis veiculares. Cabe salientar, ainda, que há quem defenda a tese
de que qualquer motor Diesel pode rodar com até 20% de óleo vegetal
natural sem problemas, e melhorando tanto o desempenho quanto a economia
de combustível mesmo em motores de injeção direta.
A bem da verdade, nada impede a compatibilidade de óleos vegetais com a injeção direta, e vale tomar como referência o caso do motor semi-adiabático alemão Elko Multifuel, apresentado no Salão de Detroit em '83 e que chegou a ser testado no Brasil e teve alguns exemplares pré-série produzidos pelo Grupo Garavelo, que cogitava comercializar uma versão de 3 cilindros e 1.4L a partir de '89 mas o plano nunca saiu do papel. Além de ter sido o primeiro motor Diesel automotivo leve com injeção direta, tinha como apelo a aptidão ao uso de óleos vegetais e gorduras animais ou qualquer outro combustível líquido conhecido. A empresa Elsbett, responsável pelo projeto do motor Elko Multifuel, ainda hoje produz e comercializa kits para a conversão de motores Diesel de todos os tipos para o uso de óleos vegetais como combustível, embora recomende para a maioria dos motores de injeção direta o uso de um sistema com 2 tanques, sendo um para óleo diesel convencional ou biodiesel destinado à partida a frio e à "última milha" antes do motor ser desligado e outro para o óleo vegetal.
Não há motivos para se incitar uma rivalidade entre usuários do biodiesel ou de óleo vegetal natural, mas enquanto o primeiro vem sendo mais favorecido (ou menos desfavorecido???) em âmbito político por motivos pouco claros o segundo acaba um tanto preterido, talvez por desinformação do público consumidor em potencial. Antes de tomar decisões precipitadas e baseadas em achismos, comodismos e outros "ismos", convém avaliar sempre a melhor opção para cada aplicação, bem como a disponibilidade de insumos e uma eventual aplicação para a glicerina residual da transesterificação do óleo quando convertido em biodiesel.