domingo, 29 de dezembro de 2019

Jeep Wrangler: alinhamento com a Europa na motorização a gasolina, mas ainda sem opção Diesel

Um daqueles casos difíceis de explicar, o Jeep Wrangler nunca teve oferecida no mercado brasileiro a opção por algum motor turbodiesel como em outros mercados de exportação, e mais recentemente até nos Estados Unidos onde a atual geração pode receber o motor VM Motori L630 DOHC V6 de 3.0L como alternativa ao Pentastar V6 de 3.6L a gasolina oferecido desde a geração anterior e também ao motor GME T4 "Hurricane" de 2.0L com 4 cilindros em linha, turbo, injeção direta em configuração "mild-hybrid" com o sistema BAS-Hybrid de 48 volts. Já na Europa, em função de uma incidência de impostos atrelada à cilindrada é mais convidativa ao downsizing, é disponibilizado somente o motor "Hurricane" para quem opta pela gasolina e para quem prefere um turbodiesel o V6 de especificação americana dá lugar a um motor da série Pratola Serra de 2.2L também com 4 cilindros, equipado com sistema start-stop mas sem a mesma assistência híbrida da opção a gasolina.

Possivelmente pesou mais favoravelmente ao motor "Hurricane" a assistência híbrida, tendo em vista a recente diminuição da alíquota do imposto de importação e do IPI para veículos híbridos e elétricos, ainda que a tributação baseada na cilindrada normalmente seja menos relevante no Brasil quando se trate de veículos aptos à homologação como "utilitário" e permita recorrer a um motor turbodiesel. Outro fator eventualmente tão relevante quanto é o fato de híbridos estarem isentos do rodízio de veículos em São Paulo, apesar da configuração "mild-hybrid" ainda não ser bem compreendida pelos burocratas de plantão Não é de se estranhar portanto que tenha sido tomado o rumo do downsizing, além do mais que a proposta off-road do modelo tende a fomentar discussões ainda mais acaloradas entre a preferência por essa técnica ou pelo downrevving quando se trata de motores turbodiesel, em proporção até maior que a observada no tocante a motores de ignição por faísca mas que também faz sentido ao se considerar os efeitos de uma melhor distribuição de peso entre os eixos na transposição de trechos irregulares. Por outro lado, não faz sentido que se deixe de incluir a opção por motorização turbodiesel, mesmo que fosse igualmente alinhada com a Europa. O fato do motor oferecido por lá dispensar o sistema SCR mesmo já homologado nas normas de emissões Euro-6, e assim não usar o fluido AdBlue/ARLA-32, é até mais uma vantagem prática, sobretudo considerando a disponibilidade de insumos automotivos não ser tão constante em algumas regiões mais afastadas de grandes centros que podem ser até mais interessantes de se visitar a bordo de um jipão 4X4.

Pode-se dizer que a Jeep tem quase como se fosse uma reserva de mercado no Brasil para o Wrangler, tendo em vista a inércia de outros fabricantes e importadores que ou direcionam modelos semelhantes para nichos específicos ou simplesmente não os trazem para o país. A estratégia da FCA de ampliar a presença da marca Jeep a nível mundial, embora esteja mais focada em modelos com uma concepção menos tradicional que a do Wrangler, já foi até certo ponto surpreendente por ter levado à oferta dum tipo de sistema híbrido na atual geração desse clássico, mas ignorar a importância da disponibilidade de um motor turbodiesel no Brasil faz menos sentido do que possa parecer. Exatamente pela inércia no Brasil de concorrentes diretos que fazem frente ao modelo em mercados internacionais e da falta de competitividade dos poucos modelos nacionais com alguma similaridade técnica por fatores que vão desde a escala de produção até a falta de amenidades hoje essenciais como o câmbio automático, estender ao Brasil a oferta de um motor turbodiesel para o Wrangler seria favorável às perspectivas de expansão mundial da Jeep ao atrair uma parte do público que pela falta de opção recorre a modelos que acabam não atendendo tão plenamente às expectativas, preferências e/ou efetivas necessidades.

quinta-feira, 26 de dezembro de 2019

SUVs: mais favoráveis ou desfavoráveis à pauta da liberação do Diesel?

Não é de hoje que os SUVs se tornaram objeto de desejo da classe média como um símbolo de status até compreensível num país como o Brasil, por motivos tão diversos quanto o desejo de dissimular um estilo de vida mais próximo da natureza para o qual modelos como o Suzuki Vitara de 1ª geração até seriam indicados, enquanto outros tantos se deixam levar por modismos e pela impressão de que o desenho da carroceria vá garantir a soft-roaders como o Hyundai Creta uma maior adequação diante das condições de rodagem terceiro-mundistas das quais nem as grandes metrópoles estão livres. O fato de terem ganhado mais espaço junto ao público urbano é outro aspecto bastante peculiar, que cabe lançar uma análise em outro contexto, mas a proximidade técnica com automóveis de outras configurações de carroceria leva naturalmente a observar os SUVs sob a perspectiva de uma eventual liberação do Diesel sem distinções entre capacidades de carga e passageiros ou tração. Dessa forma, pode-se crer que a moda dos SUVs é bastante complexa para avaliar como mais favorável ou não à presença do Diesel junto ao público generalista.
No caso do Hyundai Creta, que no Brasil sempre conta somente com motores de 1.6L ou 2.0L flex, o similar indiano tem versões a gasolina somente de 1.6L complementadas pelos turbodiesel com 1.4L ou 1.6L com turbocompressor de geometria variável nesse último. Pode parecer incoerente à primeira vista querer passar por cima da experiência brasileira com o etanol, principalmente agora que entre os motores flex de injeção convencional nos pórticos de válvula tem prevalecido o pré-aquecimento do combustível como método de auxílio à partida a frio permitindo uma condução com "neutralização" de 100% das emissões de dióxido de carbono em regiões onde o custo do etanol seja mais favorável, ou até a relativa facilidade de manter um desempenho o mais próximo possível do original com uma conversão para gás natural usando o sistema de 5ª geração, mas nem todos os perfis de utilização são idênticos e portanto há espaço para considerar desde vantagens práticas inerentes a uma motorização turbodiesel até uma possível transição para o biodiesel. Assim, pode-se considerar por exemplo que a maior autonomia com um mesmo volume de combustível seja desejável de um modo geral, ao passo que numa aplicação mais específica como viaturas de polícia um desempenho basicamente inalterado do motor 1.6CRDi VGT comparado ao 2.0 flex disponível no Brasil permitiria atender a emergências com a mesma agilidade enquanto a menor necessidade de paradas para reabastecimento proporciona uma prontidão mais efetiva. A prevalência de motores Diesel em frotas militares de países signatários do Tratado do Atlântico Norte ou simplesmente alinhados à OTAN é outro indicativo de que essa seja a melhor alternativa para as forças de segurança em geral, bem como para as condições igualmente peculiares dos demais operadores de veículos de emergência como serviços de ambulância ou de bombeiros. Infelizmente, no caso específico do Hyundai Creta, o fato de ser oferecido somente com tração simples faz com que ainda seja impossível homologar uma versão turbodiesel no Brasil...

Mas ainda é conveniente destacar que o formato da carroceria não é necessariamente um indicativo de maior aptidão a condições de rodagem severas, tomando como referência o Toyota Etios. Com um projeto destinado desde o início aos países emergentes, não é uma simples questão de escolha e passa a ser essencial para assegurar o sucesso comercial que o modelo tenha uma robustez que até ofusque alguns SUVs urbanóides nesse aspecto mesmo que ofereçam algum sistema de tração 4X4. Portanto, em nome da eficiência geral, chega a soar absurdo que um hatch pé-duro não possa contar com o que se converteria num privilégio de quem possa pagar por um SUV de luxo como o Volvo XC40 apesar desse modelo não ter versão Diesel no Brasil mesmo compartilhando a concepção geral com outros SUVs da mesma marca oferecidos localmente com essa opção.

Outro caso digno de nota, e com uma melhor base de comparação, seria na linha atual da Maserati o sedan Ghibli e o SUV Levante. Ambos são encontrados no Brasil com o motor Ferrari F160 V6 twin-turbo de 3.0L a gasolina, mas no caso do Ghibli pode contar tanto a tração somente traseira quanto a integral que é a única opção disponível para o Levante, mas no exterior ambos são oferecidos com a opção pelo motor VM Motori A630 que também é um V6 de 3.0L porém turbodiesel. Ainda que usem o mesmo câmbio automático ZF de 8 marchas, que se enquadra naquela regulamentação que equipara uma 1ª marcha mais curta ao efeito de uma caixa de transferência de dupla velocidade para fins de homologação de um veículo 4X4 junto aos Requisitos Operacionais Básicos definidos pelo Exército e que ainda hoje servem de parâmetro para classificar um veículo como "utilitário" e apto ao uso de motor Diesel no Brasil, no caso do Ghibli versões de tração somente traseira nem teriam como se enquadrar, e mesmo as de tração integral ainda teriam uma probabilidade menor que a do Levante para dispor desse tipo de motorização. Afinal de contas, mesmo que não seja nenhum pé-duro pronto para desbravar alguma área remota pelo interior, o simples fato do tipo de carroceria SUV também ser classificado como "jipe" ao invés de "camioneta" dependendo da configuração do sistema de tração já viabiliza regularizar com motor Diesel mesmo que a capacidade de carga nominal seja inferior a uma tonelada e acomode menos de 9 passageiros além do motorista.

O fato da tração 4X4 não ser exatamente um bom parâmetro para justificar o privilégio de usar um motor Diesel pode ser bem representado em automóveis esportivos sedentos por gasolina como a bela Audi RS4 Avant da atual geração, que assim como um SUV de alto luxo dificilmente iria enfrentar condições de rodagem tão árduas. E mesmo que eventualmente uma station-wagon como a Audi RS4 Avant vá ter um perfil de utilização idêntico ao de algum modelo de porte maior mas que ainda seja classificado como "utilitário" para fins de homologação, há de se considerar vantagens inerentes a um tipo de carroceria mais compacto e aerodinâmico no tocante à eficiência geral enquanto trafegue por trechos pavimentados. Portanto, já se observa mais uma incoerência de se restringir o direito ao uso de um tipo de motor em função de fatores que hoje se revelam desatualizados.

Ainda considerando o tipo de tração, mas tomando por referência um modelo mais pé-no-chão como é o caso da Kombi, a disposição de motor e tração traseiros fazia com que tivesse boa trafegabilidade em condições de terreno irregulares devido à concentração de peso mais próxima ao eixo motriz nas diversas condições de carga. Porém, o fato de até '96 as versões de passageiros tivessem acomodação para até 8 passageiros mais condutor e capacidade de carga nominal abaixo de uma tonelada, não teve a opção pelo motor 1.6D que chegou a ser oferecida na pick-up e no furgão de carga. E apesar desse empecilho, o modelo permanece um ícone cultural muito apreciado por aventureiros que a usam para viagens devido ao amplo espaço interno aliado a uma rusticidade que a credencia para trafegar por trechos onde muito SUV passa dificuldade.

A moda de SUV tomou proporções tão ridículas que até um modelo inexpressivo no mercado como o Chery Celer hatch passou a ser visto com mais frequência depois que o novo representante da marca passou a trazê-lo com uma frente menos aerodinâmica e maior altura de rodagem para reclassificá-lo como SUV, mudando o nome para Tiggo2 em referência aos demais modelos com essa proposta de se resumir a um carro comum com aparência pretensamente aventureira. E mesmo sem alterações muito drásticas a nível de mecânica básica, pode-se considerar que tal circunstância desfavorece a eficiência geral ao impor uma forma questionável em detrimento da função, e mesmo que contasse com tração 4X4 para tornar-se apto a recorrer a um motor Diesel no Brasil ainda seria preferível poder dispor de tal opção num modelo mais leve e aerodinâmico com menos atritos no conjunto de transmissão. Enfim, por mais que em alguns casos ainda tenha servido para aproximar do Diesel uma parte do público generalista que se acomoda em torno da oferta atual sem questionar eventuais vantagens de uma abordagem mais focada na eficiência energética, em outros tantos essa atual obsessão por SUVs ainda soa como mais um bom pretexto para que a pauta da liberação do Diesel permaneça relevante.

segunda-feira, 23 de dezembro de 2019

Perkins: uma pioneira do segmento veicular com um afastamento difícil de compreender

Fundada em 1932 em Peterborough, Inglaterra, a Perkins tem um glorioso legado que levou o Diesel a se consolidar como uma opção para as mais diversas aplicações. Uma das primeiras a apostar numa "dieselização" do transporte comercial no Brasil, também se destacou a nível mundial com soluções para veículos leves que a mantiveram por ao menos 5 décadas entre os principais fornecedores desse tipo de motorização. Diversos fatores acabaram culminando numa concentração da Perkins em outros segmentos, mas não restam dúvidas de que uma experiência de quase 9 décadas de inovação ainda é digna de louvor, e o peso da marca junto a uma parte do público mais apegada a tradições favoreceria até um eventual retorno da empresa à produção de motores Diesel para aplicações tanto em veículos leves quanto pesados.

As primeiras operações da Perkins no Brasil e na Argentina se deram por meio do licenciamento para empresas da região explorarem a marca e a transferência de tecnologia, com a participação da matriz inglesa no capital da sucursal brasileira por meio da importação de um ferramental para produção de motores Diesel de 6 cilindros cujo custo já tinha sido amortizado no país de origem. Ficar na mão de terceiros podia parecer menos arriscado num primeiro momento, mas certamente seria um problema a longo prazo em função de alguns erros estratégicos que acabaram comprometendo a antiga posição de liderança que desfrutou no Brasil. Alguns poderão alegar que o erro foi desencadeado já ao trazer para o país um modelo de motor que já estava sendo substituído ao invés de acompanhar a evolução da tecnologia no mesmo ritmo aplicado aos mercados mais desenvolvidos, enquanto outros veriam a dependência por uma terceirização para a fundição dos blocos como uma restrição ao crescimento da produção de modo a acompanhar incrementos na demanda. De certa forma, o foco inicialmente mais voltado aos mercados de veículos utilitários/comerciais e máquinas agrícolas também não foi algo tão incontestável, diante da perda de oportunidades para desmistificar o Diesel junto a consumidores generalistas antes que houvesse tempo de implementar a proibição ao uso em veículos leves com lotação menor do que 9 passageiros mais o motorista, tração simples e capacidade de carga nominal inferior a uma tonelada.

Possivelmente o pouco sucesso de uma versão Diesel da Rural Willys oferecida entre '62 e '63 com o motor Perkins 4.203 de 3.3L e 4 cilindros frequentemente usado em tratores Ford e Massey-Ferguson tenha desencorajado qualquer iniciativa semelhante que pudesse ser direcionada a automóveis quando ainda não havia qualquer restrição com base nas capacidades de carga e passageiros ou tração, apesar de que por exemplo o 4.108 de 1.8L muito popular no exterior pudesse ter servido bem a compactos como o Ford Corcel. Numa época em que a influência americana permanecia forte principalmente nos utilitários, mesmo com os projetos de origem européia ganhando espaço na linha leve, o custo da gasolina ainda não inspirava a preocupação que perdura desde as crises do petróleo deflagradas a partir da década de '70 após uma coalizão árabe ser derrotada por Israel na Guerra do Yom Kippur e fazer uso político das cotações do petróleo com o intuito de promover um isolamento político, econômico e militar contra o lado que se saiu vitorioso em campo de batalha.

No tocante à oferta de motores a Ford vacilou demais no Brasil, apesar do projeto original oriundo da parceria entre a Willys-Overland do Brasil e a Régie Nationale des Usines Renault que culminou com o lançamento do Corcel em '68 ter garantido um motor de ignição por faísca que cobriu bem uma faixa entre 1.0L e 1.6L apesar de ter ficado defasado à medida que sofria concorrência da Chevrolet, Volkswagen e Fiat. Apesar disso, ainda foi o que permitiu à Ford se manter no Brasil durante o ciclo de produção do Escort que não dispunha dos mesmos motores usados no similar europeu. A dependência da Ford pelos motores desenvolvidos por terceiros em modelos de grande volume de produção se manteve até fins de '96, quando já não podia mais continuar se valendo da AutoLatina em vias de extinção para ter acesso a motores Volkswagen, e de certa forma uma eventual falta do aproveitamento de oportunidades para aproximar o público generalista e o Diesel acabou sendo talvez mais prejudicial à Ford que à Perkins.

Outro caso que talvez pudesse ter levado a uma virada de jogo envolvendo tanto Perkins quanto Ford foi do Maverick, cuja produção no Brasil se deu pura e simplesmente para aproveitar o ferramental de um motor de 6 cilindros em linha ao qual a Ford teve acesso no espólio da Willys-Overland do Brasil. No fim das contas o motor Hurricane de 3.0L se revelou mais problemático do que uma atualização de ferramental que se fizesse necessária para introduzir no país pelo menos o motor Thriftpower Six, usado inicialmente em versões de 2.8L e 3.3L como a oferta básica no Maverick americano e depois complementado por uma versão de 4.1L e pelo V8 Windsor de 5.0L que foi usado tanto lá como cá. Com ciclos de produção de '69 a '77 nos Estados Unidos e Canadá e de '73 a '79 no Brasil, teve só a partir de '75 o problemático motor Hurricane tirado de linha e substituído pelo motor de 4 cilindros Georgia OHC numa versão de 2.3L que se mantinha mais competitiva no segmento mas não chegou a ser párea para os concorrentes mais próximos.
Seria precipitado descartar a questão da quantidade de cilindros como um fator de prestígio, bem como a atenção exagerada do público generalista com relação à potência em detrimento ao torque e às curvas de rotação em que ambos os parâmetros se desenvolvem, como tendo sido empecilhos a eventuais tentativas de implementar uma solução mais abrutalhada de acordo com o que já era feito pela Perkins visando atender a necessidades de aplicações alheias ao mercado de automóveis. O fato do motor Perkins 4.203 ter contado com versões de ignição por faísca, aplicadas principalmente a empilhadeiras e recorrendo a combustíveis gasosos, já seria menos propenso ao fracasso comparado à precariedade do Hurricane que se notabilizou por "andar como 4 cilindros e consumir como V8". É interessante salientar também que, devido ao compartilhamento de muitos componentes básicos entre as versões Diesel do 4.203 e as de ignição por faísca que eram basicamente um "misto quente" às avessas, a robustez necessária para suportar taxas de compressão elevadas não deixaria de ser até mais adequado para o caso de se desenvolver uma variação movida a etanol.

Um dos motores mais lembrados da linha veicular da Perkins no Brasil é o 4.236 de 3.9L e 4 cilindros, bem como a versão modernizada que foi renomeada Q20B e foi usado principalmente na linha de pick-ups Chevrolet a partir da D-10 e em seguida na D-20. Tendo herdado muito da concepção de um motor "de trator", até porque o crescimento na demanda por motores Diesel após os primeiros choques do petróleo durante a década de '70 ocorreu um tanto às pressas sem deixar margem para a busca pela maior sofisticação que se priorizava nos utilitários leves para o mercado americano que apostou numa tentativa de fazer com que essa opção conseguisse se impor de igual para igual diante dos sedentos V8 a gasolina frequentemente acima de 5.0L que a maior parte dos rednecks ainda vê como indissociável da cultura automobilística dos Estados Unidos. A escassa concorrência de origens européia e asiática à época não tentou impor no Brasil uma mesma preferência por motores de alta rotação e cilindrada mais modesta, ao contrário do ocorrido nos seus respectivos mercados domésticos.
A rusticidade que tanto agradava ao público mais tradicional consolidado antes que a década de '90 se tornasse um divisor de águas para a tecnologia automotiva com o retorno das importações, foi alvo da mesma obsessão por equiparar o desempenho dos motores Diesel ao de concorrentes com ignição por faísca. Enquanto para a D-20 o bom e velho 4.236/Q20B e posteriormente os Maxion S4 e S4T de 4.0L como uma renovação do mesmo projeto básico feita após a aquisição da operação pelo grupo Iochpe ainda eram o bastante, algumas mudanças estavam em curso na época da chegada por importação oficial da Chevrolet Silverado ao Brasil a partir de '97. Durante a estréia do modelo trazido da Argentina com o motor Maxion S4 de aspiração natural como opção de entrada na linha Diesel, a transição de ser uma mera ferramenta de trabalho para rivalizar com os motores a gasolina junto a usuários particulares foi decisiva para que o então sofisticado MWM Sprint 6.07T de 4.2L e 6 cilindros em linha se tornasse a única opção turbodiesel.
Naturalmente, a mudança de perfil do mercado não ocorreu de uma hora para outra, com um público mais tradicional permanecendo fiel a motores Diesel o mais "pé-duro" possível até mesmo rejeitando o turbo por razões que iam desde o custo inicial até temores quanto a uma maior complexidade para a manutenção preventiva. Apesar de que mesmo quando ainda se usavam somente motores de conceito mais rústico e essencialmente "agrícola" já se alcançava um desempenho que não deixava a desejar na comparação aos similares a gasolina, uma desmistificação do Diesel aos olhos de quem antes tinha a percepção de que seria prejudicial ao conforto de rodagem levou a uma consolidação do MWM na Silverado como única opção Diesel sempre com o turbo entre 2000 e 2001, apesar da permanência do Maxion como uma opção de entrada na linha de caminhões GMC com o modelo 6-100 até a operação de pick-ups full-size e caminhões da General Motors do Brasil ser encerrada no final de 2001.

É importante observar que historicamente a Perkins teve vínculos tanto a nível de Brasil e Argentina quanto outros mercados com os mais diversos fabricantes, como por exemplo a Dodge/Chrysler que também disponibilizou durante as décadas de '70 e '80 a opção por motores Perkins em algumas versões nacionais da linha de caminhões como alternativa ao V8 de 5.2L que chegou a ser oferecido tanto em versões a gasolina quanto outras que ficaram mais conhecidas por "Dodge canavieiro" movidas a etanol. No caso do caminhão leve Dodge D-400, diga-se de passagem, foi oferecido exatamente o mesmo motor Perkins 4.236 que marcou época na linha Chevrolet. Apesar de que seria muito difícil um motor Diesel de 3.9L com 4 cilindros e naturalmente aspirado proporcionar um desempenho na mesma medida do V8 da linha Dodge, era de se destacar que haviam outras prioridades no tocante ao custo operacional tornando tolerável o uso desse motor, enquanto caminhões de outras categorias recorriam ao motor Perkins 6.357 de 5.8L e 6 cilindros em linha como opção ao mesmo V8 a gasolina usado no D-400.

Com operação própria implementada no Brasil somente a partir de 2003, a Perkins passou a focar nas aplicações em maquinário agrícola e de construção e geração de eletricidade. Atualmente importando versões de 2.2L e 4 cilindros da série 400 e produzindo em Curitiba os motores das séries 1100 em versões de 3.3L com 3 cilindros, 4.4L com 4 cilindros e 6.6L com 6 cilindros que até poderiam se mostrar satisfatórios em algumas aplicações veiculares, bem como as séries 2500 em versão de 15.0L e 2800 de 18.0L ambas de 6 cilindros mais destinadas a aplicações estacionárias. A bem da verdade, tendo em vista não só o relativamente recente controle de emissões MAR-I aplicado a "máquinas agrícolas e rodoviárias" no Brasil mas também um maior rigor em outros países abrangendo os mais diversos dispositivos que se valham de motores Diesel, a princípio já não seria tão difícil para a Perkins ajustar para especificações automotivas sistemas como o EGR, o SCR ou catalisadores de oxidação (DOC - Diesel Oxidation Catalyst) e filtros de material particulado (DPF) que já lança mão para se enquadrar em diferentes legislações ambientais.

Eventualmente uma nova dinâmica do mercado de pick-ups, destacando-se na última década a menor propensão ao outsourcing de motores entre os modelos de porte médio, poderia desincentivar alguma hipotética tentativa por parte da Perkins de se reinserir nesse cenário hoje tão competitivo e que ainda se voltou muito ao downsizing em detrimento ao downrevving característico de motores que podem ser considerados dentro de uma "zona de conforto" para a operação brasileira. Porém, lembrando que a antiga Perkins Argentina que após o vencimento da licença de uso da marca foi renomeada Pertrak hoje terceiriza para a Volkswagen a usinagem de alguns componentes do motor 2.0 TDI que equipa versões de 4 cilindros Amarok, poderia não soar tão absurdo que um motor 1103 de 3.3L e 3 cilindros caia como uma luva aos olhos de alguns potenciais compradores. Tendo em vista não apenas a maior complexidade aplicada ao controle de emissões nas novas gerações de motores Diesel veiculares, e já levando em consideração a imagem de uma igualmente crescente dificuldade de manutenção, a boa e velha concepção mais "à prova de burro" inerente a motores dimensionados para enfrentar condições severas no campo traria mais tranquilidade até mesmo a consumidores com um perfil mais urbano.

Com o peso da tradição às vezes tomando proporções divergentes, e a idade dos projetos de motores concorrentes revelar algumas surpresas à medida que o mais "arcaico" possa não ser nem de longe o pior, a impressão de que a Perkins "parou no tempo" revela não ser a grande raiz do problema. Ainda que as preferências de operadores e as necessidades dos fabricantes de veículos e equipamentos nem sempre sejam tão fáceis de conciliar, o domínio das tecnologias que se tem lançado mão no mercado também não se mantém como um obstáculo intransponível. Enfim, mesmo não estando mais tanto em evidência junto ao grande público, o afastamento da Perkins do segmento de motores veiculares é difícil de compreender.