quarta-feira, 25 de novembro de 2020

Breve reflexão: Renault Kangoo Express com kit gás e como o impacto sobre a capacidade de carga pode não ser tão problemático para um similar com motor Diesel

Um ponto que suscita certas dúvidas no tocante à adequação de motores Diesel às normas de emissões cada vez mais rigorosas, a adaptabilidade de alguns dispositivos de pós-tratamento de gases de escape a plataformas mais antigas e a veículos compactos é constantemente apontada como justificativa para que surja não só um conformismo diante da falta dessa opção no mercado brasileiro como também à medida que em outros países vão sendo implementadas restrições arbitrárias à circulação de veículos equipados com motores Diesel mesmo que permaneçam liberados similares com motor de ignição por faísca com a certificação na mesma fase de controle de emissões. É impossível ignorar eventuais incoerências por trás dessas situações quando nos deparamos com um veículo de carga convertido para operar com gás natural, muito embora as alegações em torno de uma redução de emissões ao usar esse combustível se revelem difíceis de contestar. No entanto, é injustificável atribuir somente a sistemas aplicados às novas gerações de motores turbodiesel e atualizações de alguns motores já muito conhecidos como o K9K 1.5 dCi que entre outros foi usado no Renault Kangoo Express argentino que nos últimos anos em oferta no Brasil usou o K4M de 1.6L originalmente a gasolina e posteriormente ao ser oferecido como flex teve a potência e o torque diminuídos tanto com gasolina quanto com etanol.

Apesar do fato de ter sido bastante comum em alguns carros de projeto francês da década de '90 o pneu estepe ser localizado sob o assoalho do compartimento de bagagens, ou de carga no caso de versões que tinham essa finalidade, não se pode negar que a instalação de um kit de conversão para gás natural com um ou mais cilindros nessa posição obrigando a uma realocação do estepe tem um impacto comparável ao que teriam a instalação de um reservatório para o fluido-padrão AdBlue/ARLA-32/ARNOx-32 e um filtro de material particulado (DPF) caso fosse mantida uma plataforma alegadamente defasada mesmo em meio a tantas mudanças que o mercado automobilístico tem apresentado tanto no Brasil quanto num contexto mundial. Diga-se de passagem, no caso de conversões para gás natural que já não são baratas, é relativamente comum que a instalação com os cilindros sob o assoalho também requeira alterações no escapamento, como a realocação do silenciador que pode acabar ficando numa posição mais vulnerável a danos causados por pequenos impactos devido à má conservação de algumas vias por exemplo. Não é impossível que outros sistemas mais frequentemente associados a motores Diesel também fiquem numa posição vulnerável, mas no caso de um tanque de AdBlue o fato de não conter altas pressões viabiliza a moldagem em algum formato que aproveite melhor alguns espaços mais contidos onde possa até estar mais protegido de colisões contra irregularidades na pista ou o lançamento de detritos, ainda que o uso de AdBlue numa proporção maior comparada ao combustível contraste com o que ocorre em veículos flex ainda dotados do tanquinho auxiliar de gasolina para partida a frio que de tão pequeno ficava sob o capô.

A forma como o uso do gás natural é regulamentado em diferentes países e regiões também interfere no impacto sobre a carga útil tanto em peso quanto em volume, tomando por referência no Brasil onde não é permitido diminuir a capacidade do tanque de combustível original ao converter um veículo para gás, enquanto nos Estados Unidos é comum que se torne o único combustível principalmente em aplicações comerciais ou até em veículos particulares em estados como California e Oklahoma para ter acesso aos benefícios fiscais, enquanto em países-membros da União Européia mesmo que passe a ser usado como o combustível principal ao menos em veículos que já saem de fábrica configurados para tal preserva-se a capacidade de operar com gasolina armazenada num tanque menor em caráter emergencial. O peso e o volume dum sistema de gás natural em proporção à autonomia adicional tomando por referência o uso de gasolina como combustível principal também dá margem a questionamentos, tendo em vista que não é tão fácil obter reservatórios para alta pressão com formatos mais facilmente integráveis a plataformas específicas, cada metro cúbico (m³) de gás natural abastecido a uma pressão de 200 bar ocupa o volume de 5 litros mesmo equivalendo a cerca de 1,29 litro de gasolina no tocante à autonomia. Enfim, mesmo que algumas regiões estejam bem servidas de gás natural e o preço permaneça competitivo, na prática é questionável até que ponto a praticidade permaneça maior em comparação tanto a um motor turbodiesel moderno com toda a parafernália de controle de emissões ou até diante dum flex operando com etanol.


quinta-feira, 19 de novembro de 2020

Caso para reflexão: Volvo XC40 T5 Twin Engine Plug-in Hybrid e alguns dilemas da hibridização

Um daqueles modelos que já estão mais comuns de se ver numa versão híbrida, o Volvo XC40 teve as versões T5 AWD movidas somente a gasolina substituídas no Brasil pela configuração T5 Twin Engine Plug-in Hybrid com tração somente dianteira, refletindo tanto um perfil de utilização mais urbano e que pressupõe desinteresse pela opção de tração 4X4 quanto a tributação mais favorável a veículos híbridos em comparação a similares não-híbridos de modo que a economia de escala favorece tal estratégia. É de se destacar também o uso de um câmbio automatizado de dupla embreagem com 7 marchas enquanto o T4 também de tração dianteira e o T5 AWD usam um automático propriamente dito com 8 marchas, de modo que a distribuição de torque mais constante normalmente associada a motores elétricos não deixa de fomentar comparações com a estratégia adotada pela Toyota que prefere emular o funcionamento de um câmbio CVT através dos motores elétricos na linha híbrida. No caso do Volvo XC40, ainda que use um câmbio com uma marcha a menos na configuração híbrida e no tocante ao motor a gasolina também apresente potência e torque menores a serem complementadas pelo motor elétrico, não chega a ser algo tão absurdo considerar que a hibridização também seja útil para proporcionar uma maior linearidade na transmissão da força motriz e suavidade nas mudanças de marcha mesmo que um câmbio automatizado tenha algumas diferenças bastante perceptíveis no acoplamento ao motor.

Em meio à atual estratégia da Volvo, cujo foco no downsizing levou ao uso exclusivo de motores com 3 ou 4 cilindros sempre dotados de turbo e injeção direta nos modelos atuais, também é questionável essa abordagem à medida que se torna necessário recorrer ao filtro de material particulado inclusive para os motores a gasolina em decorrência da injeção direta e portanto torna-se questionável a forma como vem sendo fomentada uma imagem da hibridização como estritamente antagônica ao Diesel tão somente por proporcionar médias de consumo próximas enquanto mantém uma ilusória imagem de simplicidade que se atribui atualmente aos motores a gasolina. E a bem da verdade, é conveniente tratar a adaptabilidade ao uso de combustíveis alternativos e como viriam sendo afetados fatores como a capacidade de partida a frio com o etanol e uma maior dificuldade para implementar conversões para gás natural em motores de ignição com faísca dotados de injeção direta, sendo portanto subaproveitada com o etanol e mais um empecilho no caso do gás cuja disponibilidade de uma infraestrutura de abastecimento ainda restrita já é um desincentivo em algumas regiões. Ainda que não sejam desprezíveis alguns benefícios inerentes aos motores com uma menor quantidade de cilindros e nem sempre a faixa de cilindrada mais contida cause problemas na operação normal do veículo, é natural que surja o dilema entre um downsizing radical e a abordagem mais conservadora da aspiração natural com injeção nos pórticos de válvula.
Ter restrito o motor de 2.0L com 4 cilindros a versões de especificação mais modesta enquanto outro de 1.5L e 3 cilindros equipa a mais sofisticada também não deixa de surpreender, especialmente num país como o Brasil onde o tamanho do motor muitas vezes estava associado à percepção de maior prestígio e a configuração de 3 cilindros teve uma ascensão mais recente concentrada junto aos carros "populares", contrastando com o posicionamento premium da Volvo ainda que a atual aposta na "sustentabilidade" como argumento de vendas atraia uma parcela considerável do público de alta renda que pode pagar por um privilégio de acompanhar o desenvolvimento de novas tecnologias antes que atinjam um volume de produção mais amplo. Desconfianças em torno do etanol em função de algumas políticas desastrosas no tocante ao setor agropecuário entre 2003 e 2018, quando após uma breve euforia em torno do etanol no início da "era Lula" a aproximação com ditaduras dependentes da exploração do petróleo e gás natural na Venezuela e na Bolívia, também acabam inibindo o aproveitamento da agroenergia mesmo que com a injeção direta seja possível reduzir as diferenças no consumo entre o etanol e a gasolina em virtude da possibilidade de usar taxas de compressão mais altas num motor "flex". Considerando que na Suécia o etanol não é exatamente um ilustre desconhecido apesar do clima mais frio, chega a ser até irônico que a Volvo não tenha se beneficiado disso para até eventualmente lançar um híbrido "flex" antes da Toyota.

Em meio a fatores que vão desde desafios de ordem técnica cuja solução pode ser mais simples do que se supõe num primeiro momento, até burocracias e politicagens que inviabilizam a implementação dum recurso mais vantajoso tecnicamente e que se enquadraria melhor junto às metas de "sustentabilidade", a intenção de tratar os híbridos como antagônicos ao Diesel esbarra em alguns dilemas. A dependência pelo filtro de material particulado que antes era um calcanhar-de-Aquiles inerente aos turbodiesel é hoje um contraponto também à idéia de que motores de ignição por faísca teriam passado a ser mais simples em função da evolução mais lenta que tiveram nas últimas décadas beirando a mediocridade em alguns momentos, enquanto os turbodiesel estavam inseridos numa busca por suavidade e desempenho aptos a atrair uma parte considerável do público generalista em mercados como a Europa onde a rusticidade foi tolerada por muito tempo em função dos altos custos dos combustíveis, e ainda a Austrália e até mesmo os Estados Unidos onde motores de alta cilindrada sedentos por gasolina permanecem fazendo parte do imaginário popular quando se trata das culturas automobilísticas regionais. Enfim, mesmo que hoje não se possa mais observar os híbridos como um devaneio de ficção científica, um espaço para abordagens distintas no tocante à tecnologia agregada aos motores e configurações de câmbio ou a ausência desse sistema levam a crer que permanece distante da "perfeição" almejada para antagonizar o Diesel.

segunda-feira, 16 de novembro de 2020

Afinal, qual será o melhor provisão para o EGR?

Um sistema que suscita muita desconfiança, o EGR tem sido o método mais comum para controle das emissões de óxidos de nitrogênio em motores turbodiesel veiculares leves pela aparente simplicidade e por dispensar o fluido-padrão AdBlue/ARLA-32/ARNOx-32/DEF requerido pelo SCR. No entanto, o recrudescimento das normas de emissões já tem tornado mais comum em alguns mercados um uso combinado tanto do EGR quanto do SCR ou de um catalisador LNT (Lean NOx Trap) sólido a partir das normas Euro-6 e equivalentes. Mas de um modo geral, permanece relevante a questão em torno de qual seria a melhor forma de prover a recirculação de gases de escape pela qual o EGR atinge seus objetivos, com o recurso a uma válvula integrada ao sistema de escapamento para redirecionar parte do fluxo novamente à carga de admissão com ou sem passagem por um resfriador sendo ainda o mais comum, embora motores mais recentes com variação de fase no comando de válvulas tanto na fase de admissão quanto na de escape até possam recorrer ao que se convencionou mencionar como "EGR interno" por mais que tal solução seja particularmente incomum em motores Diesel.

Embora alguns possam supor que simplesmente diluir as câmaras de combustão com gases inertes de escape para reduzir a concentração de oxigênio e nitrogênio, que já seria suficiente para aproximar as proporções de ar e combustível necessárias à combustão completa, poderia trazer melhores resultados se tais gases recirculados fossem sempre refrigerados, na prática pode haver benefícios em usar EGR não-refrigerado especialmente em seguimento a uma partida a frio visando estabilizar a marcha-lenta mais cedo e durante a autolimpeza ou "regeneração" do filtro de material particulado. De fato, é cada vez mais crítico para o correto funcionamento dos dispositivos de controle de emissões e para atenuar dificuldades no uso de concentrações mais altas de biodiesel uma maior precisão no gerenciamento térmico do motor, e isso inclui eventualmente aproveitar uma parte da energia que seria dissipada na forma de calor mas que ainda teria aproveitamento para melhorar a eficiência durante um processo de combustão subsequente. Levando em consideração que não apenas altas pressões, mas o aquecimento aerodinâmico resultante da compressão das cargas de admissão é importante para que possa ocorrer a auto-ignição do óleo diesel ou de substitutivos, na prática a combinação entre uma energia térmica recuperada e a tendência que gases quentes tem a se expandir podem até favorecer a combustão em algumas condições.

Mas como seria de se esperar, o EGR também apresenta alguns efeitos colaterais indesejáveis, e que se mostram potencialmente problemáticos como uma acidificação mais intensa do óleo lubrificante e contaminação com partículas abrasivas, além de aumentar a incrustação de resíduos carbonizados no coletor de admissão ao serem misturados com vapores oleosos provenientes da ventilação positiva do cárter (PCV - "válvula antichama") no caso do EGR externo. A presença do "EGR interno" foi menos expressiva em motores Diesel para aplicações pesadas, destacando o motor Caterpillar C15 ACERT que foi usado em caminhões de origem americana como os Kenworth série K antes que passasse a ter somente motor Cummins X15 quando a produção passou a acontecer somente na Austrália que usa só o SCR para controle das emissões de NOx. De fato, nas aplicações pesadas o EGR foi mais rejeitado até em função de discrepâncias na qualidade do óleo diesel convencional com o "diesel rodoviário" mantendo a concentração de 500 partes por milhão de enxofre (S-500) enquanto dentro de perímetros urbanos o mais comum é encontrar o Diesel S10 com 10 partes por milhão de enxofre, e portanto não convém deixar de prestar atenção ao teor de enxofre independentemente de qual sistema EGR estiver em uso para evitar o risco de danos que compostos sulfurosos possam causar ao motor durante a recirculação de gases de escape.

Vale fazer uma menção à não-obrigatoriedade de viaturas militares serem enquadradas nas normas de emissões que se aplicam aos veículos civis, o que já pressupõe entre outras possibilidades suprimir ou anular o EGR em modelos originalmente dotado desse sistema e se fosse o caso até proporcionar uma sobrevida a motores hoje obsoletos no mercado civil como o 14B que equipava as últimas versões do Toyota Bandeirante, já levando em consideração a necessidade de adequar a frota à eventual utilização de combustíveis com especificações diferentes em situações de combate nas quais uma logística para manter o suprimento do óleo diesel convencional poderia ser muito perigosa ou onerosa. Além do teor de enxofre, também cabe considerar o índice de cetano que quantifica a intensidade de propagação da chama nas câmaras de combustão e também pode resultar no processo de combustão mais incompleto e com maior formação de fuligem caso esteja abaixo do padrão habitual, o que seria problemático também num motor equipado com filtro de material particulado. Em algumas situações, não é tão incomum viaturas de forças terrestres ou navais recorrerem a querosene de aviação, com o intuito de simplificar a logística em zonas conflagradas quando se faz necessário dar prioridade aos motores de aviões e/ou helicópteros que eventualmente até possam mas não sejam homologados para usar óleo diesel nem durante emergências.


Considerando fatores que vão desde um acesso relativamente fácil para desabilitar o sistema quando necessário (ainda que possa ser uma modificação ilegal), passando pela economia de escala em caso de seguir atualizando um motor como o Renault K9K 1.5dCi já conhecido no exterior desde a época que equipava o Renault Clio II enquando os brasileiros tinham que se conformar com o D4D de 1.0L a gasolina, o EGR externo pode não ser tão indesejável em aplicações atuais do K9K como o Dacia Dokker vendido na Argentina como Renault Nuevo Kangoo. No caso de um motor sem variação de fase, o que é especialmente compreensível tendo em vista que nos motores Diesel não é tão usual uma faixa de rotações muito ampla que necessite de recursos muito sofisticados para manter a elasticidade, nem teria como justificar qualquer tentativa de aplicar um "EGR interno". Enfim, apesar de ter efeitos colaterais e tornar-se algo a mais para requerer manutenção, um EGR externo ainda pode encontrar justificativas para que permaneça o método mais comum.

sexta-feira, 13 de novembro de 2020

5 motivos para a hibridização eventualmente fomentar algum comodismo em torno da manutenção de restrições ao Diesel em veículos leves

Considerando como a hibridização tem avançado até mesmo no mercado brasileiro, já abrangendo até alguns segmentos com um perfil bastante conservador como o dos táxis, não deixa de ser até previsível que essa mudança fomente algum comodismo que possa inibir discussões em torno de vantagens que a liberação do Diesel em veículos leves possa oferecer nas mesmas condições de utilização dos veículos em questão. E mesmo com a busca por uma maior qualificação para os serviços de táxi em resposta à nova concorrência representada pelos aplicativos de transporte como o Uber, além de alternativas mais conhecidas como o etanol e o gás natural que foram por muito tempo destacadas como as mais viáveis para lidar com propostas de redução de emissões e contenção de despesas com combustível, não deixa de ser surpreendente se deparar com um Toyota Corolla Altis da geração E210 híbrido na praça. Mas há ao menos 5 motivos que podem explicar como um maior destaque à hibridização possa ter alcançado até um público que antes parecia ser o mais receptivo à idéia da "dieselização", principalmente levando em consideração que as duas abordagens pressupõem um investimento mais alto em comparação a um similar a gasolina ou "flex" convertido ou não para gás natural...

1 - abordagem mais conservadora no tocante ao motor de combustão interna: no caso do Corolla E210, o fato das versões híbridas do sedan oferecerem somente o motor 2ZR-FXE de 1.8L que recebeu no Brasil a configuração "flex" para operar também com etanol chama a atenção, especialmente quando se lembra que o hatch e a wagon Sports Touring que não são oferecidos no mercado nacional dispõem opcionalmente do motor M20A-FXS de 2.0L derivado do mesmo M20A-FKS que também deu origem ao M20A-FKB do sedan não-híbrido nacional que também incorporou a capacidade de funcionar tanto com gasolina quanto etanol. Só o fato de contar com a injeção sequencial no pórtico de válvulas, que às vezes acaba sendo apontada como obsoleta diante de uma presença mais maciça da injeção direta nos motores a gasolina ou "flex" ou da combinação entre ambos os sistemas de injeção em motores como os M20A, não só serviria para minimizar o impacto do custo inicial do sistema híbrido como também evita o custo e preocupações em torno de filtros de material particulado já exigidos para todos os motores de injeção direta em mercados como o europeu e o japonês ou até o indiano;

2 - maior aceitação do câmbio automático: em meio a um trânsito urbano cada vez mais pesado, não é possível negar que o câmbio automático proporciona uma comodidade especialmente desejável para operadores comerciais que passem longas jornadas ao volante. E enquanto alguns veículos híbridos já se valem do conjunto dos motores elétricos para simular o efeito de uma transmissão continuamente variável (CVT) otimizando o rendimento do motor de combustão interna, na prática sem ter um câmbio propriamente dito, também vale destacar que é possível proporcionar uma transição mais suave entre os modos de funcionamento totalmente elétrico ou com o motor de combustão interna em operação com o câmbio automático ou valendo-se da ação dos motores elétricos que pode ser modulada mais facilmente sem uma intervenção do motorista por meio de um câmbio manual;

3 - descrédito quanto aos combustíveis alternativos: considerando as históricas oscilações nos preços do etanol que fomentaram a ascensão dos "flex" no Brasil e o fim dos carros somente a álcool, passando pelas dificuldades práticas com o gás natural que incluem a disponibilidade um tanto limitada e também o espaço que um ou mais cilindros de gás ocupam prejudicando o volume de bagagens transportável, é até previsível que a expectativa de um menor consumo de gasolina associada a um sistema híbrido já atraia alguns operadores que já não depositam grandes esperanças em combustíveis alternativos. Mas é especialmente curioso no caso do Corolla a maior facilidade que se teria hoje para converter um híbrido ao gás natural, tendo em vista a menor complexidade do sistema de injeção original;

4 - eventuais fatores de cunho político: a menor incidência de impostos sobre um automóvel híbrido em comparação a similares não-híbridos tanto no Brasil quanto em alguns outros mercados ainda não é suficiente para cobrir a diferença entre os custos iniciais na maioria dos segmentos, embora já acabe até favorecendo um fogo amigo contra o Diesel tanto em modelos de alto luxo quanto no Corolla que nem conta mais com essa opção nos mercados onde não era afetado por restrições baseadas nas capacidades de carga e passageiros ou tração em vigor no Brasil. E para usuários particulares ou frotas de empresas, a isenção de rodízio em cidades como São Paulo acaba sendo mais um atrativo para a hibridização e soe mais conveniente até para amortizar mais rapidamente o investimento;

5 - expectativas às vezes exageradas em torno da "sustentabilidade": em se tratando dos veículos com motor de combustão interna, que já vem sofrendo uma demonização sistemática de parte da mídia e grupos com interesses escusos, não deixa de ser relevante a percepção do público generalista quanto a motores de ignição por faísca só a gasolina ou "flex" como sendo inerentemente mais "limpos" que um turbodiesel. Deixando de lado as polêmicas quanto à composição química das baterias e reciclabilidade dos eletrólitos de baterias descartadas e como algumas novas gerações de motores turbodiesel já contam com sistemas de pós-tratamento de gases de escape mais eficientes, a forma como a hibridização já vem privilegiando a ignição por faísca fomentou a imagem de um antagonismo ao Diesel que se mostra um tanto exagerado.

quarta-feira, 11 de novembro de 2020

Clássico moderno: Toyota Land Cruiser J100

Um dos modelos mais apreciados por guerrilhas e grupos paramilitares em geral, e que também acabou sendo amplamente adotado por forças militares regulares e missões diplomáticas devido à resistência ao uso severo e capacidade para receber blindagens com altos graus de proteção contra diversos calibres e até alguns dispositivos explosivos, o Toyota Land Cruiser 100 foi produzido de '98 a 2007 sendo o último a oferecer motores de 6 cilindros em linha, entre os quais o 1HZ Diesel de injeção indireta e o 1HD-FTE turbodiesel já com injeção direta e 4 válvulas por cilindro além do gerenciamento eletrônico, ambos com a cilindrada de 4.2L e comando de válvulas no cabeçote sincronizado somente por engrenagens. Entre os motores a gasolina, podia ser equipado com o 1FZ-FE de 6 cilindros em linha e 4.5L com comando de válvulas duplo no cabeçote e sincronizado por corrente ou o 2UZ-FE que com 4.7L foi o primeiro V8 oferecido na série Land Cruiser com comando de válvulas duplo nos cabeçotes sincronizado por correia dentada. Marcante nessa série é ter preservado o caráter mais utilitário da linha de motores Diesel, mantendo o 1HZ para as regiões onde as normas de emissões ainda se mantinham menos estritas e a baixa qualidade do óleo diesel oferecido regularmente o tornava mais apropriado em comparação ao 1HD-FTE que a grosso modo ainda pode ser considerado uma parte do ciclo evolutivo iniciado com o 1HZ.

segunda-feira, 9 de novembro de 2020

Caso para reflexão: Piaggio Ape Classic

Não é exatamente impossível se deparar com um Piaggio Ape Classic atualmente no Brasil, embora ao menos na teoria não se possa licenciar para uso em vias públicas devido à capacidade de carga nominal inferior a uma tonelada simultaneamente à motorização Diesel. O fato de triciclos serem assemelhados a motocicleta para fins de homologação ainda permite que sejam enquadrados em regulamentações de emissões e de segurança menos estritas em comparação ao que se aplica a automóveis e outros veículos comerciais, mas a exigência de freios ABS para motos acima de 250cc aparentemente também constitui um empecilho à homologação para o tráfego urbano já levando também em consideração a velocidade máxima ser restrita demais para manter a necessária segurança em percursos rodoviários. Mas pode não ser de todo impossível considerar outro expediente caso se deseje emplacar um, tendo em vista algumas condições de uso às quais o modelo normalmente é aplicado em outros países e também um precedente no Brasil mesmo.
Embora num primeiro momento uma mistura de Vespa com caminhonete possa não parecer tão robusta, a importância que gerações anteriores do Piaggio Ape tiveram na reconstrução italiana do pós-guerra e o uso intenso desse tipo de veículo em países com uma malha viária extremamente deficitária como é o caso da Índia onde está atualmente concentrada a produção do modelo levam a crer que a perspectiva de registrar um como máquina agrícola não soaria tão absurda. São incontáveis os produtores rurais que dependem de um Piaggio Ape ou algum similar para levar a produção até os entrepostos agropecuários, desde a Europa até a Ásia e já abrangendo também alguns países latino-americanos mais receptivos aos triciclos utilitários, ainda que a idéia de também usá-los para movimentar implementos agrícolas como arados ou plantadeiras não pareça tão favorável num primeiro momento. Apesar dos motores Greaves de 1 cilindro e 435cc com refrigeração a ar ainda oferecido na Europa e 599cc com refrigeração líquida na Índia não parecerem tão convidativos para atender tanto à movimentação do veículo quanto suprir a força necessária ao acionamento de equipamentos, é impossível esquecer o caso dos triciclos chineses que chegaram a ser vendidos no Brasil como Gurgel por um empresário do interior de São Paulo que só conseguiu legalizá-los para rodar em vias públicas documentando como máquina agrícola para não ter que fazer algumas adequações de segurança, nem de controle de emissões que a princípio não seriam tão problemáticas para o Piaggio Ape mesmo diante das normas MAR-I atualmente em vigor no Brasil.
Embora pareça improvável que alguém se dispusesse a obter a carteira de habilitação categoria C que é exigida no Brasil para condução de máquinas agrícolas, em contraste com a Europa onde é permitida a categoria B sem distinção de peso bruto total, não deixaria de ser um interessante último recurso para se assegurar um eventual direito de operar um veículo razoavelmente eficiente quando hajam condições de tráfego favoráveis ao mesmo. Por mais que a expectativa de que uma parte do público generalista aceite recorrer a um modelo tão modesto como o Piaggio Ape como uma brecha para usar motores Diesel não pareça tão realista quanto a atual inversão de prioridades que caracteriza o fato de pick-ups médias hoje terem se tornado praticamente um veículo de luxo, não deixa de ser outro bom exemplo da incoerência em se limitar às capacidades de carga e passageiros ou tração a possibilidade de documentar um veículo com motor Diesel. Enfim, se não fosse pela insensatez de alguns burocratas, hoje através de modelos tão despretensiosos quanto um Piaggio Ape seria possível motores Diesel de pequena cilindrada proporcionarem uma valiosa contribuição à economia brasileira ao invés de ficarem presos à função de elemento decorativo de sorveterias...

sexta-feira, 6 de novembro de 2020

Veículos pesados e câmbio automático: mais fácil de justificar do que poderia parecer

Não é novidade que gestores de frota brasileiros eventualmente insistam em veículos menos adequados às condições operacionais, que possam se refletir em menos conforto e segurança tanto para operadores quanto para clientes, destacando-se a prevalência do motor dianteiro nos chassis de ônibus e também o câmbio manual. A percepção de uma maior economia de combustível que atualmente não passa de uma meia-verdade, bem como o custo de aquisição menor e a relativa facilidade para efetuar reparos seguem como os principais argumentos que garantem a sobrevida do câmbio manual, mesmo que o automático hoje possa em algumas condições até proporcionar redução no consumo de combustível e ofereça uma maior aptidão a condições de uso severas e portanto requeira menos manutenções corretivas. Há ainda o caso dos câmbios manuais automatizados, que a Volkswagen oferece regularmente como opcional para o chassi 17-230 OD/ODS ao invés de um automático propriamente dito, que ao menos na teoria deveria soar mais atraente aos gestores de frota pela expectativa de proporcionar reduções tanto no consumo de combustível quanto no desgaste da embreagem mas na prática foi uma medida insuficiente para quebrar a hegemonia do câmbio manual nos chassis de ônibus básicos com motor dianteiro.
A própria diferença entre os tipos de acoplamento entre motor e câmbio, com a embreagem usada junto aos câmbios manuais convencionais e nos automatizados impossibilitando manter a suavidade e o acoplamento sem interrupções observado nos automáticos que recorrem a um conversor de torque hidráulico, torna as mudanças de marcha em câmbios manuais e automatizados mais ásperas que num automático propriamente dito, especialmente na operação em áreas de topografia mais irregular como Florianópolis onde uma interrupção mais prolongada do acoplamento entre motor e câmbio dificulte manter uma velocidade operacional satisfatória nos trechos mais íngremes. Além da evolução não só nos câmbios automáticos, mas também nos conversores de torque que hoje dispõem do bloqueio (lock-up) para melhorar desempenho e eficiência por reduzir o deslizamento durante as acelerações, é conveniente destacar a integração com sistemas retardadores de frenagem que hoje não se limitam ao bom e velho freio-motor montado no sistema de escapamento do motor, proporcionando maior segurança e favorecendo a durabilidade dos freios de serviço mesmo diante da severidade da operação no transporte coletivo urbano ou metropolitano. Mas retomando a observação quanto àquela relutância de alguns gestores de frota a novas tecnologias, que já não tem impedido a presença da suspensão a ar em chassis básicos de motor dianteiro, é digno de nota o câmbio automático hoje ter boa aceitação nos chassis de motor traseiro, além de ser obrigatório para os ônibus articulados modernos.

Mesmo para o transporte de cargas, que a princípio ainda pode oferecer uma maior tolerância a algumas peculiaridades de um câmbio automatizado de embreagem simples como os V-Tronic oferecidos não só em chassis de ônibus mas também em caminhões nas linhas Volkswagen Delivery e Constellation, seria o caso de analisar como modelos que eventualmente pareçam mais "especializados" para um cenário operacional acabam sendo exigidos uma versatilidade que pode ser constatada ao ver tanto modelos da linha Delivery originalmente destinada a faixas de peso bruto total menores já contando com opção pelo 3º eixo (embora o 13-180 conte somente com o câmbio manual mesmo) ou os Constellation que cobrem da faixa dos médios aos extrapesados em operações que abrangem desde percursos rodoviários de longa distância até entregas urbanas eventualmente como trechos de uma mesma rota. Por mais que miudezas vendidas em lojas de R$1,99 e sacos de farinha de trigo não dirijam-se ao motorista com ofensas após um susto causado pela falta de progressividade no controle da embreagem que fomentou a má fama dos câmbios automatizados de embreagem simples junto ao público generalista nos veículos leves, torna-se relevante observar não só a maior comodidade, durabilidade e segurança em trechos urbanos como também que é comum os câmbios automáticos contarem com relações finais de transmissão mais longas, viabilizando médias de velocidade razoavelmente altas com o motor operando em regimes de rotação mais modestos favorecendo tanto a economia de combustível quanto a durabilidade do motor.

Tanto para o transporte de passageiros quanto de cargas, não apenas naquelas operações mais comuns e lembrando também de aplicações especiais como microônibus Volare 4X4 usados em canteiros de obra ou como veículo de transporte escolar em zonas rurais, e ainda os veículos de transporte de valores que ficariam numa situação especialmente vulnerável caso o motorista erre uma passada de marcha ou falhe na operação da embreagem ao efetuar uma manobra de emergência, não deixa de ser curioso o quanto gestores de frota por esse Brasil afora nem sempre reconhecem as vantagens que um câmbio automático pode proporcionar. Com a manutenção ficando mais desmistificada, até mesmo à medida que esse recurso ganha espaço em veículos leves, também seria de se esperar que aplicações utilitárias deixem de ser vistas como uma eventual "frescura" e ofereçam benefícios operacionais e logísticos aos mais diversos segmentos de veículos pesados. Enfim, mesmo que ainda pudesse permanecer uma leve desvantagem na economia de combustível no caso de câmbios automáticos antigos, hoje as condições do tráfego urbano fazem com que a segurança e o conforto aliados a uma manutenção preventiva mais simples já os tornam mais desejáveis que um manual até em utilização profissional.

terça-feira, 3 de novembro de 2020

5 carros que seriam interessantes para adaptar um motor Yanmar 4TNV88

Um motor bastante versátil cobrindo a faixa de 2.2L de cilindrada, o Yanmar TNV88 nunca chegou a ser aplicado comercialmente no mercado automobilístico, mas tem uma configuração que permitiria eventualmente até uma boa aceitação por parte do público generalista. Entre versões naturalmente aspiradas ou turbo, bem como contando com injeção 100% mecânica ou gerenciamento eletrônico, podem ser destacados ao menos 5 modelos nos quais esse motor poderia cair como uma luva.

1 - Chevrolet Astra de 2ª geração: um dos modelos mais icônicos dentre a geração de carros médios que surgia no final da década de '90, teve no Brasil somente os motores GM Família II em versões de 1.8L a gasolina ou etanol e 2.0L a gasolina ou posteriormente flex. Contou no exterior com opção por uma linha de motores mais diversificada, que incluía variações dos Isuzu 4EE1 (por pouco tempo) e 4EE2 de 1.7L e também dos Opel 20DT de 2.0L e 22DT de 2.2L aparentemente derivados dos Isuzu 4FC1 e 4FD1 nas mesmas faixas de cilindrada. Ainda que seja mais recomendável recorrer ao turbo, até considerando versões de aspiração natural o motor Yanmar 4TNV88 daria conta de movimentar um Astra de forma satisfatória;

2 - Chevrolet Spin: heroína da resistência entre as minivans nacionais, chegou a ter opção do motor Fiat 1.3 Multijet II em versões destinadas à exportação principalmente para a Argentina, além desse mesmo motor também ter sido oferecido em modelos fabricados na Indonésia e na Tailândia antes da remodelação de 2018 que nem sequer chegou naqueles mercados devido ao encerramento precoce da produção da Spin por lá devido ao fogo "amigo" por parte de produtos da SAIC/Wuling chinesa. Até pode parecer overkill sugerir que um motor de 2.2L possa servir na Spin, além do mais que por ter sido lançada em 2012 já estaria enquadrada na exigência de um sistema de gerenciamento eletrônico compatível com a plataforma de diagnóstico de falhas OBD-II, mas o fato de serem disponibilizadas versões dos motores Yanmar TNV com injeção eletrônica do tipo common-rail para diversas aplicações já leva a crer que seria meio caminho andado, inclusive para integrar os sistemas eletrônicos do motor e do veículo receptor de modo a assegurar o correto funcionamento de dispositivos de segurança e acessórios originais;

3 - Toyota Rav4 de 5ª geração: o soft-roader da Toyota perdeu totalmente na geração atual a opção por motores turbodiesel, que oferecia no exterior desde a 2ª geração, e no Brasil até passou a vir só em configuração híbrida. A bem da verdade, poderia ser até interessante ver como um motor Yanmar 4TNV88 ou até mesmo outros da série TNV poderiam se sair nessa aplicação híbrida;

4 - Volvo 960: o último sedan full-size de tração traseira da Volvo chegou a contar em alguns países com a opção por um motor de 6 cilindros em linha de 2.4L fornecido pela Volkswagen numa versão turbo com intercooler, e a diferença pequena na cilindrada aliada ao fato dos motores TNV terem a injeção direta em contraponto à indireta utilizada no motor Volkswagen podem ser interessantes para analisar a eficiência geral. A configuração do 4TNV88 com menos cilindros, e portanto podendo-se esperar menos atritos internos, também parece oferecer boas perspectivas. Naturalmente, alguém que cogite fazer experiências com o uso direto de óleos vegetais como combustível alternativo pode querer rechaçar a substituição do motor, tendo em conta que a injeção indireta o favoreceria nessa condição, mas para quem não se importe tanto com combustíveis alternativos ou prefira o biodiesel um motor Yanmar pode ser uma boa opção para modernizar o conjunto motriz;

5 - Volkswagen Logus: praticamente esquecido pelo grande público, por ser um daqueles modelos que marcaram a loucura que foi a joint-venture AutoLatina na qual a Ford entre '86 e '96 valeu-se da Volkswagen como uma tábua de salvação no Brasil (e também na Argentina em menor proporção), o Logus até poderia ser sugestivo para fazer a experiência de uma conversão "misto quente" no caso de usar o motor Volkswagen EA827 "AP" de 1.8L ou 2.0L podendo-se recorrer ao cabeçote e sistema de injeção do 1.6 Diesel derivado dessa mesma linha de motores. No entanto, o fato de ainda ser visto com algum desdém por fanáticos da Volkswagen como um "filho bastardo" e a própria origem Ford já ser considerada de certa forma uma "heresia", acrescentar um motor Diesel japonês nesse balaio de gato não pareceria tão fora de questão...