terça-feira, 13 de dezembro de 2016

Biodiesel e uso direto de óleos vegetais: por uma questão de soberania nacional

Em meio a tantos desdobramentos da operação Lava-Jato e outras ações que expuseram o rombo da Petrobras após tanto tempo de manipulação dos preços da gasolina e do óleo diesel convencional para fins de mascarar a inflação durante a ditadura lulopetista que se arrastou de 2003 a 2016, uma das medidas adotadas pelo governo interino de Michel Temer foi a indexação dos preços dos combustíveis às cotações internacionais do petróleo. Tal medida, no entanto, nem sempre chega ao consumidor em momentos de queda do preço do petróleo bruto e derivados, enquanto os aumentos costumam ter um peso maior nos preços praticados pelas distribuidoras. Mas cabe relembrar a forte dependência brasileira por petróleo e derivados importados, e portanto a volatilidade na tomada de decisões pelo cartel da OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo - também conhecida no exterior como OPEC, "Organization of Petroleum Exporter Countries) acaba pondo em risco qualquer planejamento a longo prazo.

Após os últimos 2 anos nos quais a máfia islamo-socialista da OPEP esteve praticando dumping para combater o crescimento da influência dos Estados Unidos e da Rússia no mercado internacional de petróleo e gás natural, o grupo liderado pela Arábia Saudita anunciou no final do mês passado um corte na produção visando aumentar os preços do óleo bruto com o intuito de permitir às ditaduras socialistas da Venezuela e de Angola uma oportunidade para recompor caixa. Tal articulação leva alguns consumidores mais influenciáveis a terem subitamente reacendido um interesse por automóveis híbridos ou por combustíveis alternativos como o etanol e o gás natural, que nem sempre tem a competitividade efetivamente assegurada diante de eventuais diminuições futuras do preço da gasolina como pode ser observado em mercados internacionais, mas não restam dúvidas quanto à urgência na busca por alternativas sustentáveis a longo prazo para atender às necessidades do transporte comercial e outras aplicações utilitárias que permanecem fortemente dependentes do óleo diesel convencional. Considerando ainda a importância do setor agropecuário na economia brasileira, seria de se esperar que o biodiesel e em alguns casos também o uso direto de óleos vegetais como combustível veicular despontassem literalmente como a salvação da lavoura e tivessem por extensão uma maior aplicação no transporte comercial, apesar da falta de apoio efetivo em âmbito político levar a um eventual descrédito dessas soluções junto a potenciais usuários.

Embora predomine o uso do óleo de soja na produção brasileira de biodiesel, o que viria a manter uma competitividade maior nas regiões Centro-Oeste e Sul e impor desafios logísticos principalmente no Norte e Nordeste, há outras matérias-primas adequadas a diferentes realidades regionais que permitem não apenas assegurar um suprimento mais estável ao longo do território nacional como também uma maior estabilidade nos preços tendo em vista que uma maior diversificação tenderia a evitar a dependência por estoques reguladores durante a entressafra da soja e um menor impacto sobre o custo e disponibilidade de cultivares alimentícios. Restariam algumas dúvidas quanto ao custo e disponibilidade do metanol a ser usado como reagente no processo de transesterificação que dá origem ao biodiesel, mas também é possível diminuir a dependência pelo metanol sintetizado a partir do gás natural quando recordamos que uma fermentação mais prolongada durante tentativas de produção clandestina de uma bebida alcoólica feita a partir de restos de alimentos conhecida como "Maria Louca" muito comum entre presidiários e sem-tetos induz à formação do metanol. Diga-se de passagem, enquanto a produção do etanol a partir da cana de açúcar é frequentemente apontada como um motivo de orgulho nacional por apresentar um saldo energético superior ao método adotado nos Estados Unidos que faz uso do milho como matéria-prima, a Finlândia tem recorrido com sucesso a resíduos da indústria alimentícia para a produção do biocombustível em escala comercial sem afetar de forma significativa o uso de terras agricultáveis nem demandar uma eventual expansão de fronteiras agrícolas para o cultivo de commodities energéticas.

Logo num país que se destaca na produção de proteína animal como vem sendo o caso do Brasil, tanto com a carne bovina quanto consolidando a posição de grande exportador de carnes suína e de aves, soa um tanto incoerente que a participação de gorduras corporais residuais do abate e processamento das carnes não tenha ainda uma participação tão expressiva na renovação da matriz energética dos transportes no Brasil. Diversas restrições ao uso de subprodutos de origem animal na composição de rações pecuárias e avícolas são implementadas em alguns mercados de exportação atendidos por abatedouros e frigoríficos brasileiros, tanto por motivações sanitárias quanto culturais ou religiosas, de modo que a destinação à produção de biodiesel se mostra viável para recuperar algum valor econômico de gorduras viscerais podendo beneficiar até pequenos produtores rurais como aconteceu quando a cooperativa agroindustrial paranaense Coasul passou a fornecer gordura de frango, com valor comercial menor que o do sebo bovino, para a produção de biodiesel pela Petrobras Biocombustível. A viscosidade normalmente mais elevada nas gorduras de origem animal em comparação aos óleos vegetais acabaria por inviabilizar o uso direto como combustível, excetuando óleos de peixes.

Não se pode ignorar, porém, eventuais incompatibilidades entre alguns dispositivos de controle de emissões tanto com o biodiesel quanto com óleos vegetais brutos. Por mais que a frota de caminhões ainda tenha uma idade média avançada e portanto muitos modelos antigos ainda em circulação permaneçam enquadrados em normas de emissões menos restritivas, bem como alguns segmentos como o agrícola, o náutico e o estacionário/industrial sigam um tanto defasados no tocante a esse tipo de regulações, dispositivos como o EGR que promove a recirculação de uma parte do volume de gases de escape para a admissão e o filtro de material particulado (DPF) tem apresentado problemas em função de variações nas especificações dos combustíveis a serem usados. Nesse sentido, biocombustíveis avançados como o óleo diesel sintético refinado a partir de óleos vegetais e gorduras animais como a empresa americana Propel Fuels e a finlandesa Neste Oil já estão desenvolvendo em escala comercial se mostram competitivos diante do óleo diesel convencional derivado de petróleo, e tendem a apresentar também um melhor desempenho em condições extremas e cargas variáveis, embora o biodiesel e o uso direto de óleos vegetais ainda se mostrem adequados à operação em regimes de rotação constantes em cenários operacionais tão diversos quanto grupos geradores e maquinário agrícola. Os métodos de produção mais rudimentares aplicáveis ao biodiesel e óleos vegetais brutos também tornam o custo para implementação e por conseguinte o retorno do investimento mais favoráveis à auto-suficiência energética do produtor rural.

À primeira vista, pode parecer mais fácil apontar o gás natural e o etanol como eventuais substitutivos para o óleo diesel convencional, de modo que a operação em rotas internacionais entre o Brasil e países fronteiriços com uma clara preferência pelo gás natural como a Argentina, a Bolívia e a Colômbia não fosse prejudicada pela perseverança brasileira diante do etanol. Embora não deixem de ter alguma aplicabilidade, principalmente em operações regionais de curta distância e também através de injeção suplementar para reduzir as emissões e o consumo do óleo diesel convencional, a densidade energética menor leva a eventuais prejuízos à capacidade de carga tanto em peso quanto em volume devido ao espaço que seria comprometido pela necessidade de contar com uma maior quantidade de combustível a bordo. Também seria incoerente ignorar a eficiência energética inferior nos motores de ignição por faísca que são necessários para operar exclusivamente com gás natural, bem como os maiores desafios no âmbito do controle de emissões que a adoção da injeção direta nas gerações mais recentes dos motores de ignição por faísca vem trazendo e colocando-os mais próximos da crítica que se faz ao Diesel não apenas na formação de óxidos de nitrogênio mas, surpreendentemente, também com relação a material particulado.

Enfim, um país que ainda tem na agropecuária e agroindústria uma das principais forças econômicas, como é o caso do Brasil, teria condições de fomentar uma maior participação da agroenergia numa substituição ao óleo diesel convencional derivado de petróleo, o que viria a levar a uma menor dependência por recursos energéticos provenientes principalmente de ditaduras e regiões conflagradas. Por uma questão de defesa da soberania nacional diante da máfia da OPEP, que já adotou uma tática semelhante na década de '70 para manter a influência política após a derrota de uma coalizão de países islamizados que tentaram bater de frente com Israel na Guerra do Yom Kippur, é fundamental que o biodiesel e o uso direto de óleos vegetais naturais como combustível alternativo sejam tratados com a devida seriedade para assegurar custos competitivos e com uma certa estabilidade na oferta de combustíveis destinados tanto à atividade agropastoril quanto ao transporte pesado.

quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

PLS 430/2016: uma tentativa de tapar o sol com a peneira

Já não é de hoje que o Congresso Nacional está criando cortinas de fumaça que não auxiliam em nada na resolução dos problemas do país, mas às vezes alguns deputados e senadores aparecem com umas idéias tão absurdas que não apenas mascaram mas também podem agravar algumas situações. Um caso a se destacar é o Projeto de Lei do Senado nº 430 de 2016, da autoria de Jorge Viana (PT-AC). O petista do Acre propõe que refrigerantes e outras bebidas açucaradas em geral, nacionais ou importadas, sejam taxadas em 20%. Por mais que os alegados objetivos de reduzir o consumo de açúcar para promover uma diminuição dos índices de diabetes, obesidade e cárie dentária tenham algum fundamento, a proposição é mal-formulada e soa mais como uma represália ao setor sucroenergético pelo posição de enfrentamento adotada diante da ditadura Dilma Roussef.

Num primeiro momento, parece fazer algum sentido não apenas no âmbito da redução do consumo de açúcar contido em bebidas industrializadas mas também por ao menos teoricamente liberar uma maior quantidade de cana para a produção de etanol, embora muitos outros aspectos aparentemente sejam ignorados pela proposta. O atual momento de crise tem levado a um baixo índice de renovação dos canaviais, com impacto sobre a produtividade, e a indústria canavieira ficaria menos incentivada a investir e manter tantos empregos diretos e indiretos, embora pudesse ser uma boa oportunidade para expandir as pesquisas com a cana-óleo que pode ser destinada à produção de biodiesel. Naturalmente, há outras possibilidades para manter a rentabilidade com variedades de cana mais tradicionais além do uso do etanol como combustível, desde um maior aproveitamento do bagaço para a produção do adoçante conhecido como sucralose ou outras finalidades industriais como a fabricação de papel até a produção de bioplásticos como o "eteno verde" que a Braskem sintetiza a partir da desidratação de etanol, mas são iniciativas um tanto avançadas que se mostram mais adequadas à realidade de grandes indústrias e contrastam com a baixa tecnologia que caracterizou por tanto tempo o cultivo da cana no país e ainda se reflete na produção artesanal de cachaça, rapadura e açúcar mascavo em propriedades menores.

Em meio à carga tributária brasileira que beira a obscenidade, Jorge Viana chegou a declarar à imprensa que a proposta não seria "mais um imposto" e sim uma "Cide dos refrigerantes" e que as verbas iriam diretamente para o Fundo Nacional de Saúde. Ora, a quem ele tenta enganar quando diz que a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico não é um imposto? Tal declaração é uma verdadeira afronta à população brasileira, espoliada por politicagens tão sujas quanto o destino que é dado a uma parte considerável do que é arrecadado entre taxas e impostos no nosso país. Não apenas nos latifúndios e grandes usinas de São Paulo e Alagoas, o impacto de mais um imposto com uma alíquota tão elevada seria devastador até em comunidades ribeirinhas da Amazônia cuja principal fonte de renda para alguns habitantes é o açúcar mascavo produzido de forma artesanal. Na cidade de Eirunepé, maior produtora de açúcar mascavo do país e localizada a 1160km de Manaus já na divisa do Amazonas com o Acre, por exemplo, parte da produção de pequenos agricultores é adquirida pela multinacional The Coca-Cola Company e usada na composição de concentrados fabricados em Manaus e distribuídos entre todas as engarrafadoras de Coca-Cola no Brasil e também em outros países tão próximos quanto o Uruguai ou distantes como as Filipinas. É portanto visível a contradição do petista Jorge Viana, cujo partido já alegou em alguns momentos defender a "agricultura familiar" mas dá um contundente golpe contra pequenos produtores que aparentemente viriam a enfrentar uma maior dificuldade para escoar a produção.

Vale lembrar ainda a possibilidade de substituir o açúcar por outros edulcorantes com um teor de carboidratos igualmente elevado como os xaropes de glicose de milho (conhecidos no Brasil pela designação genérica "mel Karo" numa referência à marca mais conhecida desse tipo de produto no país, embora a versão nacional atualmente tenha uma maior concentração de sacarose proveniente da cana-de-açúcar), já amplamente usados na produção de refrigerantes e outras bebidas no exterior ao menos desde a década de '70. Portanto, antes de cogitar a incidência de um novo imposto sobre refrigerantes e outras bebidas, seria muito mais coerente sob a questão da saúde pública tratar da quantidade do açúcar em uma infinidade de alimentos industrializados que tem uma quantidade excessiva do ingrediente adicionada no intuito de torná-los hiperosmóticos e por conseguinte prolongar os períodos máximos de estocagem (shelf life), da mesma forma que vem sendo feita com relação aos teores de sódio e gorduras.

Por mais que uma diversificação da produção agrícola brasileira e uma menor dependência pela cana em algumas regiões seja desejável e venha a abrir espaço para o fortalecimento da segurança alimentar integrado ao desenvolvimento de biocombustíveis mais eficientes que o etanol, o inferno está cheio de boas intenções. Antes de formular uma proposição tão medíocre, seria melhor que Jorge Viana procurasse conhecer a realidade do setor agropecuário. Enfim, num país onde muita verba da saúde foi roubada pelo PT, o PLS 430/2016 é só mais uma daquelas imbecilidades que evidenciam a incoerência da esquerda, aquela mesma que alega lutar contra a "gordofobia" mas não perde a oportunidade de dar mais uma mordida no bolso do cidadão agora sob o falso pretexto de combater a obesidade e outras doenças associadas ao consumo excessivo de açúcar.

quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

Uma reflexão sobre a Coréia do Sul e o Diesel

Já não é de hoje que a Coréia do Sul deixou de ser encarada como motivo de chacota pela qualidade dos carros que produz para ser alçada à posição de um player respeitado em mercados de exportação, com modelos como o Hyundai Accent marcando presença tanto em mercados com um volume de vendas relativamente baixo como o Uruguai quanto em outros mais movimentados. Em que pesem um esforço que remonta aos maciços investimentos em educação logo após o fim da Guerra da Coréia e as políticas que fomentaram o desenvolvimento de indústrias automobilísticas que não se limitam mais a replicar projetos estrangeiros, não seria de todo equivocado apontar uma maior receptividade ao uso de motores Diesel em veículos leves no próprio mercado interno sul-coreano a partir de 2004 como um dos motivos para fabricantes como a Hyundai se tornarem um incômodo até para os japoneses que já tinham uma presença mais consolidada nos Estados Unidos e na Europa.

Por mais que as principais referências quando se mencionam veículos sul-coreanos com motor Diesel no mercado brasileiro ainda sejam utilitários com uma concepção mais antiga como a 1ª geração da Kia Sportage e a Hyundai H-100, que ainda seguiam mais fielmente a velha escola japonesa com destaque para o predomínio da injeção indireta nas aplicações leves, muitas mudanças aconteceram desde a década de '90. De certa forma, hoje não seria mais tão apurado reputar Kia e Hyundai como meros puxadinhos da Mazda e da Mitsubishi. E apesar da proximidade geográfica favorecer uma continuidade do intercâmbio tecnológico com o Japão, a busca por espaço no mercado europeu que ainda tem uma participação expressiva do Diesel motiva uma maior sofisticação para garantir a competitividade. Ainda que possa parecer uma opinião um tanto "racista", me parece que o foco em consolidar a posição do país como grande exportador de veículos levou a Coréia do Sul a "branquear" tanto a engenharia quanto as preferências do mercado local.

Um maior interesse pelos sport-utilities também influenciou a popularidade dos motores Diesel no mercado sul-coreano. Embora modelos como o Kia Sorento acabem tendo uma proposta que ao menos na teoria deva agradar mais ao público dos Estados Unidos, e por lá o Diesel ainda seja um tanto negligenciado principalmente por uma cultura automotiva que sempre valorizou motores de ignição por faísca com alta cilindrada e aspiração natural mas também pelas diferenças entre normas de emissões, em outros países as vantagens inerentes aos motores turbodiesel modernos levaram a oferta de motores a gasolina em caminhonetes a se tornar um tanto marginalizada ou mais restrita a modelos com uma proposta mais focada no luxo que em capacidades de carga ou aptidão off-road. Nesse contexto, pode-se dizer que a maior afinidade com a engenharia européia também podia ser exemplificado em modelos como o exótico Ssangyong Korando da geração produzida entre 1996 e 2006, cujos poucos exemplares remanescentes no Brasil foram equipados de fábrica com o motor Mercedes-Benz OM602 produzido sob licença.

A mesma influência européia pode ser observada também em modelos produzidos por fabricantes ocidentais, como a Ford, que na Coréia do Sul atualmente oferece alguns modelos como o Focus e o Fusion (lá conhecido como Mondeo) somente com um motor turbodiesel já homologado nas normas Euro-6. É até previsível que o alto grau de protecionismo no mercado automotivo sul-coreano torne mais justificável entre os importados a prevalência de modelos com um maior valor agregado, o que acaba favorecendo o Diesel com um volume de 70% de todos os carros importados vendidos na Coréia do Sul contando com esse tipo de motorização. O consumo mais contido em comparação a um similar movido a gasolina também merece destaque, principalmente ao salientarmos que a Coréia do Sul ainda permanece em estado de guerra com a Coréia do Norte e eventualmente um confronto militar poderia colocar em risco o fornecimento regular de combustíveis. A adaptabilidade do ciclo Diesel a combustíveis alternativos até tenderia a amenizar esse problema, apesar de existirem algumas incompatibilidades entre a atual geração de dispositivos de controle de emissões e biocombustíveis mais antigos como o biodiesel e o uso direto de óleos vegetais.

Como seria de se esperar, ao contrário de China e Japão onde a venda de automóveis com motorização Diesel é inexpressiva, no ano passado a Coréia do Sul também se viu afetada pelo escândalo de emissões da Volkswagen, forçando a uma suspensão da comercialização de modelos como o Tiguan que mesmo assim permaneceu como o importado mais vendido no mercado sul-coreano no acumulado de 2015. Além das medidas administrativas aplicadas pelo ministério do meio-ambiente e de uma multa de 17,8 bilhões de wons (equivalente a 16 milhões de dólares), a Coréia do Sul também chegou a ser o primeiro país a registrar a emissão de ao menos um mandado de prisão contra um executivo da subsidiária local da Volkswagen. Outras empresas como a Nissan também enfrentaram medidas um tanto enérgicas por parte das autoridades sul-coreanas, e a questão das emissões acabou por ganhar proporções de uma batalha judicial com importadores contestando as multas e ordens para suspensão da venda de certos modelos. Considerando que até alguns produtos do conglomerado Hyundai/Kia como a 4ª geração do Kia Sportage encontram-se sob suspeita de fraude na certificação de emissões, também começam a surgir suspeitas em torno de uma desproporcionalidade na aplicação de penalidades à concorrência.

A bem da verdade, o governo sul-coreano está cada vez mais rigoroso quanto às emissões, inclusive com um plano para restringir a partir de 2017 a circulação de utilitários com motor Diesel e peso superior a 2,5 toneladas e ano de fabricação anterior a 2005 em Seul, com a zona de restrição a ser expandida para Incheon e outras 17 cidades da província de Gyeonggi em 2018 até chegar a todas as regiões metropolitanas em 2020, no intuito de diminuir principalmente as emissões de óxidos de nitrogênio (NOx) e material particulado fino. Ainda que seja apontada a possibilidade de adaptar dispositivos de controle de emissões em caminhões e ônibus antigos, ou mesmo substituir os motores originais por outros mais modernos e "limpos", o mais provável é que o sucateamento ou a exportação para países subdesenvolvidos seja o destino reservado a tais veículos. Porém, ainda que sejam tratados hoje como um problema, motores Diesel com uma concepção mais primitiva como os usados no caminhão Kia K3500 e no microônibus Asia Motors AM825 ainda se mostram mais resilientes diante de variações nas especificações de combustíveis e outros insumos, viabilizando a aplicação de combustíveis alternativos que podem atender perfeitamente não apenas ao intuito de diminuir emissões como também a dependência por recursos energéticos importados como o petróleo e o gás natural.

Enfim, mesmo diante de uma aparente virada de mesa a favor dos combustíveis gasosos e sistemas de propulsão híbridos em âmbito mundial, ainda me parece pouco provável que a Coréia do Sul abra mão dos recentes sucessos no desenvolvimento de motores Diesel adequados às características de modelos tão diversos quanto o compacto Kia Rio até utilitários como o Hyundai Porter (comercializado no Brasil como Hyundai HR) que no acumulado de 2016 está figurando como o veículo mais vendido no mercado sul-coreano nesse ano. Até não parece tão improvável que nos próximos anos a indústria automobilística sul-coreana vá ocupando mais espaços deixados pelos japoneses, e talvez até por fabricantes europeus, de modo a consolidar-se não apenas como uma alternativa mais em conta a marcas mais tradicionais mas ser respeitada pelo desenvolvimento de soluções para motores Diesel.

sexta-feira, 25 de novembro de 2016

Considerações sobre a proposta da União Européia em reduzir pela metade o consumo de biocombustíveis até 2030

Já não há como negar que os biocombustíveis representam uma maior garantia das liberdades tão apreciadas pela nossa civilização judaico-cristã que o petróleo, cuja produção está mais concentrada em áreas conflagradas e zonas de influência islamo-socialista onde o respeito aos direitos humanos é tripudiado com a conivência da mesma esquerda-caviar que esboça uma falsa compaixão quando um ladrão ou um assassino levam umas borrachadas da polícia. Além de proporcionar uma maior estabilidade à balança comercial de países que hoje dependem de fontes de energia majoritariamente importadas para abastecer as respectivas frotas, há ainda a possibilidade de integrar a renovação da matriz energética às atividades agropecuárias já consolidadas e assim contribuir para a melhoria da qualidade de vida das populações do campo e por conseguinte uma diminuição do êxodo rural. Portanto, a notícia divulgada a 2 dias pelo portal NovaCana.com acerca de uma intenção da União Européia em reduzir pela metade o uso dos biocombustíveis torna-se extremamente preocupante.

A bem da verdade, o modelo internacionalista proposto pela União Européia tem se mostrado falido mesmo antes que o movimento Brexit ganhasse força. Além de relações comerciais que de certa forma se mostraram injustas com relação a países como Portugal e Espanha, por exemplo, é evidente uma tentativa de desconstrução de identidades nacionais em nome de um suposto "multiculturalismo" que tem renegado e relativizado valores morais inalienáveis. Na prática, é como uma versão mais enfeitada da antiga União Soviética, embora esteja mais aberta à infiltração de inimigos externos através de uma falsa pretensão de "tolerância" e de certa forma também sujeita a um colapso. E o perigo reside exatamente no domínio sobre recursos energéticos, como o petróleo. Muito se fala hoje sobre uma suposta "islamofobia" como a principal motivação por trás de reações mais acaloradas e eventualmente extremadas em decorrência da "crise de refugiados" impulsionada pelas ações da facção terrorista conhecida como Estado Islâmico, mas quase ninguém ousa recordar as pressões da Arábia Saudita por um enfraquecimento de relações econômicas e diplomáticas com Israel e maiores facilidades para a imigração islâmica rumo à Europa como condições para aliviar o embargo instituído pela OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) após uma coalizão islâmica ser derrotada por Israel na Guerra do Yom Kippur. O temor de ser rotulado como "racista" ou "xenofóbico" e comparado aos nazistas, ainda que de forma totalmente injustificada, fomentou o surgimento de algumas gerações de europeus acovardados que hoje estão prestes a cavar a própria sepultura...

Sob pontos de vista supostamente técnicos, o uso de biocombustíveis estaria levando as emissões de carbono a aumentar ao invés de serem reduzidas, além das polêmicas já associadas à segurança alimentar e mudanças no uso de terras agricultáveis. Já nesse aspecto podem ser apontadas algumas incoerências, como críticas ao uso de açúcar e óleo de canola como matérias-primas para a agroenergia em detrimento do uso na alimentação humana ou animal, enquanto a presença de quantidades excessivas de açúcar refinado e gorduras na composição de alimentos industrializados já é encarada como uma questão de saúde pública ao ser associada ao diabetes e enfermidades cardiovasculares. Também é aparentemente ignorada pela Comissão Européia a prática das rotações de cultura durante entressafras, que até proporciona uma melhoria da qualidade dos solos devido à maior fixação do nitrogênio promovida por leguminosas e algumas plantas forrageiras, além da maior rentabilidade que tal prática garante aos produtores rurais ao longo do ano. E por mais que os processos de produção de alguns biocombustíveis como o etanol de 1ª geração possam acarretar em perdas por evaporação, além do próprio cultivo e da colheita de commodities agroenergéticas ainda dependerem em grande parte de combustíveis fósseis que tendem a reduzir o saldo energético (diferença entre a energia aplicada no manejo agropastoril e a gerada pelo beneficiamento de cultivares ou subprodutos do processamento de itens de origem animal), o simples fato de fecharem o ciclo do carbono e do nitrogênio já se mostra vantajoso com relação aos derivados do petróleo ou ao gás natural proveniente de reservas fósseis.

A bem da verdade, o único aspecto aparentemente útil da proposta é fomentar uma maior participação dos biocombustíveis de 2ª geração na matriz energética européia, beneficiando especialmente o etanol celulósico e outros combustíveis que possam ser elaborados a partir de resíduos agropecuários de menor valor comercial de modo a gerar o menor impacto possível sobre a disponibilidade de gêneros alimentícios. No entanto, a proposta enfrenta resistências de entidades como a ePURE, que congrega produtores de etanol e considera a medida temerária até para o desenvolvimento dos biocombustíveis de 2ª geração. De fato, ao reduzir a contribuição máxima de biocombustíveis líquidos para as metas de energias renováveis de 7% em 2021 para 3,8% em 2030, a proposta de incrementar a participação dos biocombustíveis de 2ª geração de 1,5% em 2021 para 5,5% em 2030 não parece muito consistente e também leva a crer em uma disparidade no domínio das tecnologias associadas ao beneficiamento de determinados insumos que viria a favorecer principalmente Alemanha (líder no desenvolvimento de tecnologias para a produção e aplicação do biometano), Suécia (com destaque para o etanol celulósico) e Finlândia (onde gorduras de origem animal e óleos vegetais já são integrados à cadeia produtiva da petroquímica Neste Oil) com o risco de que os combustíveis gasosos sejam encarados como uma "salvação" em detrimento da possibilidade de uma maior integração com os combustíveis líquidos que, gostando ou não, ainda contam com um manejo mais simples e prático na maioria das situações. A participação de pequenos produtores no mercado de agroenergia também tende a ficar comprometida diante de grandes players com uma capacidade maior de fazer investimentos mais arrojados, contribuindo ainda para um maior risco que o impacto de uma quebra de safra de alguma grande monocultura viria a ter sobre a segurança energética.

Por mais que os recentes casos de desconformidades entre padrões de emissões aferidos em testes de homologação e em condições reais de uso tenham atingido de forma mais significativa a percepção da atual geração de motores turbodiesel como uma alternativa "eco-eficiente", levando alternativas como o gás natural e os sistemas de tração híbridos a serem vistos como substitutivos em detrimento de uma maior integração que permitiria explorar de forma mais adequada as vantagens de cada tecnologia em benefício de uma mobilidade com menor impacto ambiental, a eficiência térmica superior do ciclo Diesel - tanto diante das turbinas a gás quanto do ciclo Otto ainda predominante nos motores de ignição por faísca - permaneceria como um aliado decisivo para metas de redução na dependência por recursos energéticos. Não se deve esquecer também que a principal matéria-prima na síntese da uréia industrial destinada à produção do reagente químico conhecido na Europa como AdBlue e no Brasil como ARLA-32 ainda é o gás natural proveniente de reservas fósseis, e que poderia ser melhor aproveitado diretamente através de injeção suplementar nos motores Diesel de forma análoga ao que se faz com soluções alcoólicas em algumas aplicações de alto desempenho. Dessa forma, não só a qualidade da combustão é beneficiada, mas o saldo energético é favorecido por um menor processamento não apenas na síntese de uréia mas também na desmineralização da água usada para elaboração do AdBlue.

Enfim, o anseio em reduzir o consumo de commodities agrícolas como fonte de energia não seria tão execrável, mas o plano esboçado para levar a cabo tal intenção se mostra claramente equivocado. Por uma questão de justiça e respeito a identidades nacionais tão distintas entre os países-membros da União Européia, uma revisão se faz necessária para assegurar a viabilidade da meta de promover uma redução no consumo de combustíveis, que diga-se de passagem deveria priorizar os biocombustíveis que se revelem mais adequados não apenas a pretensões políticas mas, principalmente, às reais necessidades dos usuários finais e que contem com uma fácil integração às práticas agropecuárias já adotadas ao longo da Europa.

quarta-feira, 23 de novembro de 2016

Resfriador de ar, mais conhecido por um nome um tanto equivocado

É muito comum se deparar com a designação "intercooler" identificando o resfriador de ar, dispositivo que tem como finalidade reduzir as temperaturas da carga de ar de admissão após passarem pelo turbocompressor. No entanto, quando consideramos o contexto histórico por trás do surgimento desse componente, é fácil deduzir que o nome popular não é o mais apurado.
Para princípio de conversa, engana-se quem suponha que o resfriador de carga de admissão tenha surgido para atender a alguma necessidade das pick-ups turbodiesel da década de '90 que consolidaram no Brasil a popularidade desse tipo de veículo junto a um público mais urbano e voltado ao lazer, como a Nissan Frontier D22. Por mais que contribua para uma maior longevidade dos motores equipados com turbocompressor de um modo geral ao diminuir o stress térmico, além de favorecer uma combustão mais completa e hoje tenha também se tornado indispensável em motores turbodiesel da geração mais recente também para proporcionar uma condição menos propícia à formação dos óxidos de nitrogênio (NOx), o principal intuito por trás do desenvolvimento dessa peça está relacionado às condições operacionais de aeronaves com motorização a gasolina como o lendário Douglas DC-3 Dakota, imortalizado por um passado glorioso em companhias como a saudosa Viação Aérea Rio-Grandense - VARIG.
Foi muito difundido nos antigos motores radiais o uso de compressor do tipo Roots com acionamento mecânico mais conhecido como "supercharger" ou "blower", embora a capacidade de proporcionar alguma compensação sobre a perda de rendimento em função das variações de altitude fosse limitada pelas proporções fixas entre a rotação do motor e a do compressor. Até houve compressores de velocidade variável, que possibilitavam ao piloto fazer uma correção altimétrica mais precisa, mas eram mais complexos e, por conseguinte, mais caros e de produção mais difícil. O esforço de guerra exigia soluções mais práticas e de fácil implementação para preservar a capacidade de operar em altitudes mais elevadas, e assim motores como o Pratt & Whitney R-1830 Twin Wasp de 14 cilindros tiveram na combinação do supercharger ao turbocompressor um importante aliado inicialmente para atender a finalidades militares mas que também impulsionou uma revolução na aviação civil durante o pós-guerra.
Longe de entrar no mérito acerca de qual sistema de indução forçada seria o "melhor", o aquecimento aerodinâmico proporcionado por ambos os tipos de compressor impõe alguns desafios. Motores de ignição por faísca podem vir a apresentar um problema do qual o ciclo Diesel está livre, que é a pré-ignição, também mencionada eventualmente como detonação ou "batida de pino", tendo nas altas temperaturas um fator de risco. A própria durabilidade de um sistema "twincharger" poderia ficar comprometida por stress térmico ou mesmo a decomposição de juntas e retentores expostos a um calor excessivo, e portanto se fazia necessário resfriar a massa de ar antes de transferi-la do turbo para o supercharger ou vice-versa. Como o resfriador da carga de ar ficava posicionado entre ambos os compressores, a nomenclatura "intercooler" até faz algum sentido nesse contexto.


Enfim, com a hegemonia do turbocompressor tanto na linha automotiva quanto nos poucos aviões com motores a gasolina dotados de indução forçada que permanecem em operação regular como o Piper Seneca II, e com o resfriamento da carga de ar de admissão dando-se após um único estágio de compressão, seria mais correto usar o termo "aftercooler".

sexta-feira, 18 de novembro de 2016

A eleição de Donald Trump pode favorecer o Diesel?

Que as eleições presidenciais americanas tem um impacto mundial já é algo notório, tendo em vista os diferentes rumos que as interações econômicas, políticas e estratégico-militares dos Estados Unidos com países tão diversos quanto o Brasil ou o Japão possam tomar de acordo com as convicções pessoais de quem estiver residindo na Casa Branca. Semana passada, Donald Trump venceu não somente a disputa contra Hillary Clinton, mas principalmente o ceticismo de setores da imprensa que subestimaram a capacidade dos eleitores americanos em tomar uma decisão em benefício do próprio país ao invés de tentar agradar aos socialistas da União Européia. E a partir de 20 de janeiro, quando tomar posse do cargo, Trump pode tomar medidas que direta ou indiretamente favoreçam uma maior participação do Diesel no mercado automobilístico americano e ainda exerçam influência a nível mundial.

Deixando um pouco de lado as polêmicas no tocante às políticas para controle de imigração e deportações de ilegais em massa, uma das metas apontadas por Trump como prioritárias para fazer a América grandiosa novamente (make America great again) é aumentar a competitividade da indústria americana em diversos setores tanto no mercado interno quanto para exportação. A chamada "maioria silenciosa", prejudicada pela recessão econômica agravada pela incompetência do governo Obama, teve um peso significativo na eleição de Trump, depositando esperanças não apenas na questão da segurança nacional mas também na recuperação de postos de trabalho em áreas afetadas pela "desindustrialização". E hoje, um dos maiores desafios está na indústria automobilística, que vem tentando recuperar o prestígio em segmentos superiores ao mesmo tempo que sofre para oferecer produtos com um custo/benefício razoável entre os modelos de entrada. Naturalmente, a oferta ainda um tanto restrita de motores Diesel em veículos leves nos Estados Unidos acaba refletida numa menor presença de modelos tipicamente americanos em mercados de exportação.

Ao contrário do que ocorreu em outros países onde a configuração dos motores acaba por balizar a carga tributária imposta aos veículos, a menor importância dada à capacidade volumétrica nesse sentido também acabou por tornar a indústria automobilística americana menos competitiva em mercados internacionais desde o pós-guerra, mas não é o único motivo. A falta de uma harmonização entre as normas de emissões veiculares americanas e as que são aplicadas a outros mercados tão diversos quanto a Europa, a Austrália ou o Japão pode ser apontada como uma dificuldade para o fortalecimento da participação de mercado do Diesel entre os veículos leves nos Estados Unidos, tendo em vista o custo elevado para a aplicação de sistemas de tratamento de emissões eventualmente mais sofisticados com o intuito de atender às exigências para homologação. Por mais que se tenha chegado a uma maior similaridade técnica entre os sistemas, principalmente com a ampliação do uso do sistema SCR na Europa também em veículos leves numa resposta à introdução das normas Euro-6, ainda há um descrédito em torno das oportunidades que o mercado americano teria a oferecer.

Além do transporte comercial pesado permanecer muito dependente do óleo diesel convencional e outros óleos combustíveis pesados nos Estados Unidos, mesmo com um uso mais intenso do modal ferroviário em comparação ao Brasil, a tradição agropecuária reforçada por elementos como a figura do cowboy e do redneck também soam promissoras para o desenvolvimento de soluções voltadas ao biodiesel, podendo também vencer resistências entre consumidores com um perfil mais urbano que tratam esse combustível como uma mera excentricidade de neo-hippies. É possível que, ao menos num primeiro momento, não pareça tão fácil convencer alguns consumidores mais apegados ao tradicional V8 sedento por gasolina e outros tantos que perpetuam estereótipos e frases de efeito, mas aspectos tão diversos quanto a maior suavidade no funcionamento de motores Diesel mais modernos e até o patriotismo um tanto exacerbado de grande parte da população americana podem fazer a diferença. A maior valorização da livre iniciativa na cultura americana também é um bom pretexto para uma adesão de produtores rurais, que seriam potencialmente atraídos pela perspectiva de uma autonomia energética e as possibilidades de agregar valor a sobras e resíduos tanto da produção quanto do beneficiamento industrial dos cultivares.

Um indício de possível mudança na política energética no governo Trump é a escolha de Myron Ebell, um crítico das teorias do aquecimento global antropogênico, para supervisionar a atuação da controversa EPA (Environment Protection Agency - agência de proteção ambiental). Enquanto alguns que se dizem "ecologistas" lamentam a medida e alegam que haverá um maior alinhamento com a indústria petrolífera, não falta quem contra-argumente que a questão ambiental vinha sendo usada por Barack Obama como um pretexto para aumentar em demasia o tamanho do governo e afetar não apenas as atividades produtivas mas também representar uma ameaça às liberdades individuais tão valorizadas pelos cidadãos americanos. É possível que algumas regulações que afetaram o setor energético sejam flexibilizadas, o que num primeiro momento chega a parecer uma continuidade do cenário de elevada dependência por fontes de energia fósseis que não se resumem ao petróleo e ao gás natural e incluem também o carvão mineral, mas não se deve subestimar o potencial que um fomento aos biocombustíveis tem não apenas para recuperar postos de trabalho como também promover uma maior estabilidade na balança comercial americana ao reduzir a dependência por petróleo importado principalmente de áreas conflagradas.

Há de se levar em consideração a insatisfação de alguns americanos com as misturas de etanol que vão se tornando obrigatórias na gasolina por ação da EPA, vistas como prejudiciais ao funcionamento de alguns equipamentos tão diversos quanto cortadores de grama e pequenos aviões. Mesmo que a adoção em larga escala do etanol, que nos Estados Unidos tem o milho como principal matéria-prima, também envolva questões como os subsídios agrícolas, o engajamento de uma parte do eleitorado americano mais interiorana e vinculada ao agribusiness na campanha de Trump torna arriscado estabelecer previsões quanto a uma improvável anulação dessa medida. Também é oportuno destacar que um eventual impacto sobre o custo dos alimentos atrelado à produção do etanol a partir do milho é muitas vezes superestimado por críticos, ignorando a utilidade do chamado "grão de destilaria" (DDG - distillation-dried grain) como substrato proteico tanto na formulação de rações pecuárias quanto em alimentos industrializados destinados ao consumo humano. É mais fácil crer que a habilidade de Donald Trump como gestor de negócios viabilize uma maior integração entre diferentes agências e departamentos na busca por soluções técnicas que não proporcionem tanto prejuízo ao consumidor final como algumas decisões da EPA que chegam a contrariar decisões da Suprema Corte e leis já em vigor.

Em meio a críticas quanto à nomeação de Myron Ebell, vale destacar algumas incoerências na atuação da EPA como a liberação de técnicas de extração do gás natural não-convencional a partir do xisto betuminoso que acabam por contaminar lençóis freáticos subterrâneos com solventes e resíduos de explosivos usados para promover o fracking (fraturação) das rochas. A mesma agência que tem criado entraves para o encerramento do escândalo de emissões da Volkswagen (popularmente conhecido como "Dieselgate") e persegue adeptos de modificações no sistema de controle de emissões de veículos não parece ser uma reserva moral, tampouco efetivamente comprometida com a proteção ambiental como seria de se esperar. Levando em consideração tanto a anuência dada à exploração do gás de xisto quanto a forma como normas de emissões para motores e veículos são implementadas, a atual gestão da EPA chega a parecer mais comprometida com os interesses da indústria de petróleo e gás. O atual cenário de comodismo em torno de combustíveis gasosos com uma aplicabilidade mais efetiva em motores de ignição por faísca, dotados de uma eficiência térmica inferior à oferecida pelo ciclo Diesel, é portanto apenas parte do problema.

Outro ponto que pode fomentar discussões é o envolvimento de forças militares americanas em guerras e, por extensão, o suporte técnico e logístico às atividades de combate. Deixando de lado as discussões ideológicas e eventuais benefícios que as intervenções militares no Iraque e Afeganistão poderiam trazer à ExxonMobil (proprietária da marca Esso), à Chevron ou outras petrolíferas, é evidente que a escala de produção mais limitada de motores Diesel para aplicações veiculares leves pode em algumas circunstâncias se revelar prejudicial ao desempenho de algumas viaturas militares americanas que, por incrível que pareça, até poderiam eventualmente estar melhor servidas com propulsores mais compactos e eficientes. Indo um pouco além das motivações para a escolha dos motores Diesel como padrão na "frota verde" de países signatários do Tratado do Atlântico Norte, não se deve ignorar outros aspectos como a influência do próprio motor sobre a distribuição de peso entre os eixos e por extensão a aptidão do veículo na transposição de certos tipos de terreno. Por mais que as normas de emissões sejam menos restritivas para viaturas militares, o que também acaba por facilitar a adaptabilidade dos motores a uma maior variação na qualidade dos combustíveis que possam ser usados, é evidente que o compartilhamento de componentes e sistemas com motores de especificação civil podem reduzir os custos de desenvolvimento e agilizar o suprimento de peças de reposição.

Criou-se uma grande expectativa em torno das políticas a serem implementadas por Donald Trump nos mais diversos campos da economia americana e dos impactos que virão a ter tanto a nível local quanto mundial, e é natural que os setores energético e automobilístico possam guardar algumas surpresas. Enfim, mesmo diante da ênfase frequentemente dada aos automóveis híbridos como uma alternativa para redução na dependência americana por gasolina, e também os combustíveis gasosos sejam tratados como mais uma zona de conforto para quem insiste na ignição por faísca, não se deve subestimar o quanto a eleição de Donald Trump para presidente dos Estados Unidos pode representar como uma esperança pela liberdade do consumidor americano em escolher o tipo de motor e combustíveis que mais lhe convir.

terça-feira, 8 de novembro de 2016

Reflexão: que benefícios econômicos e sociais seriam trazidos por uma liberação do Diesel para veículos leves?

Não é incomum que a defesa de uma liberação do Diesel para veículos leves no mercado brasileiro seja rotulada como interesse em um mero favorecimento pessoal mediante a possibilidade de se usar um combustível mais barato que a gasolina e com um maior rendimento por litro. Por mais que tal percepção até tenha um pequeno fundo de verdade, afinal ninguém em sã consciência iria se dispor a defender algo onde saísse perdendo, é muito simplório ignorar benefícios econômicos e sociais que estariam atrelados a uma liberação do Diesel e por extensão uma maior presença de fontes de energia renováveis para o transporte rodoviário.

Com uma maior centralização não apenas da produção do etanol mas também dos combustíveis derivados de petróleo como a gasolina e o óleo diesel convencional, não se pode ignorar o impacto ambiental que a distribuição por todo o país acarreta devido às maiores distâncias a serem vencidas. Convém recordar uma das críticas que o engenheiro João Augusto Conrado do Amaral Gurgel costumava fazer ao etanol, quando dizia que o ProÁlcool era "movido a diesel", e certamente a quantidade de óleo diesel consumido nos caminhões-tanque usados para levar etanol de São Paulo para outros estados poderia ser reduzida praticamente à metade se o próprio óleo diesel convencional já pudesse ser usado em veículos com capacidade de carga inferior a uma tonelada, acomodação para menos de 9 passageiros além do condutor, e tração 4X2 ou 4X4 de velocidade simples (sem "reduzida"). Ainda assim, não faria muito sentido acomodar-se em torno do óleo diesel convencional e ignorar os biocombustíveis em geral, tampouco demonizar completamente o etanol.

Naturalmente, os temores quanto a um súbito incremento na demanda por óleo diesel convencional e o respectivo efeito sobre a disponibilidade do principal combustível usado no transporte pesado comercial, agroindústria e atividades extrativistas como a pesca e o manejo florestal não devem ser ignorados. Por outro lado, a própria adaptabilidade do ciclo Diesel a uma grande variedade de combustíveis alternativos já favorece uma busca por soluções eficientes e relativamente baratas para garantir a segurança energética e evitar um aumento nos custos operacionais das principais atividades econômicas brasileiras. Embora alguns sistemas de controle de emissões aplicados aos motores Diesel automotivos mais modernos sejam desafiadores por apresentar incompatibilidade com proporções mais elevadas de biodiesel e o uso direto de óleos vegetais como combustível, a idade média avançada da frota de caminhões e a defasagem na regulamentação de emissões nos segmentos fora-de-estrada (principalmente agrícola, estacionário/industrial e náutico) ainda viabiliza uma maior participação do biodiesel e até dos óleos vegetais brutos na matriz energética.

É evidente que cada combustível alternativo tem vantagens e desvantagens, bem como uma maior adaptabilidade às condições climáticas e ambientais de cada região, com o biodiesel e o uso direto de óleos vegetais naturais apresentando uma melhor integração às cadeias produtivas agropecuárias já estabelecidas. Ao contrário do etanol, que ainda tem uma forte dependência pela cana de açúcar e uma produção mais concentrada em São Paulo, há uma ampla variedade de oleaginosas que podem servir de matéria-prima para o biodiesel enquanto alguns subprodutos conservam propriedades alimentícias e podem servir tanto na elaboração de ração animal quanto aplicados em alimentos industrializados. Apesar da soja permanecer como a mais importante nesse cenário, há outras opções que se adaptam bem a um manejo mais simples como o girassol e o amendoim, e outras menos convencionais como o pequi nativo do Cerrado e que em reservas cultivadas para fins extrativistas pode apresentar uma produtividade de óleo por hectare até 5 vezes superior à da soja ainda que a polpa do pequi apresente uma quantidade elevada de espinhos e se mostre menos palatável quando administrada ao gado. Mesmo em meio a diferenças regionais, a diversidade de matérias-primas viáveis ao biodiesel permite uma inserção mais efetiva do pequeno produtor rural na cadeia produtiva dos biocombustíveis.

A possibilidade de tornar mais regionalizada a produção de combustíveis e das respectivas matérias-primas oferece uma perspectiva para o desenvolvimento da auto-suficiência energética de produtores rurais, reduzindo custos e contribuindo para derrubar um dos principais argumentos de opositores em torno de um impacto dos biocombustíveis sobre o preço de gêneros alimentícios. Até mesmo alguns resíduos com baixo valor agregado que hoje são subaproveitados, como sementes e caroços de frutas, podem servir como matéria-prima para a produção de óleos combustíveis de boa qualidade, com algum destaque para a semente de uva e o caroço de manga. Gorduras animais também se mostram adequadas ao intuito de conciliar a oferta de alimentos com a necessidade de uma renovação da matriz energética do transporte rodoviário, com oportunidades para aproveitar o potencial energético e agregar valor desde o sebo e gorduras viscerais provenientes principalmente de bovinos, suínos e aves até o óleo do fígado de peixes brancos. Dessa forma, um custo menor da energia aplicada ao manejo, beneficiamento e processos logísticos pode servir de pretexto para uma maior estabilidade nos preços de alguns alimentos.

Outro aspecto a ser levado em consideração é uma maior facilidade para manter o suprimento de combustíveis o menos afetado possível em resposta a emergências. Ainda que de qualquer forma um racionamento se tornasse inevitável devido à necessidade de transportar biodiesel e/ou óleos vegetais provenientes de outras regiões, o impacto de um acidente, sabotagem ou ataque a uma usina de biocombustíveis com uma área de abrangência menor causaria menos prejuízos que a mesma ocorrência em uma refinaria de petróleo maior. É relevante ainda a localização das principais refinarias brasileiras, geralmente mais próximas ao litoral e portanto a maior suscetibilidade a um eventual ataque estrangeiro não deveria ser descartada por completo. Do mesmo jeito que a segurança nacional foi um dos principais argumentos que levaram à transferência da capital federal do Rio de Janeiro para Brasília na década de '60, o mesmo princípio também seria aplicável à localização de indústrias estratégicas, de modo que uma interiorização da produção de combustíveis compatíveis com a maior parte da frota militar brasileira seria benéfica à defesa da soberania nacional. E que Deus nos livre de virar uma colônia da Venezuela ou da Arábia Saudita...

Apesar de tanta desconfiança que ainda rodeia as propostas de uma liberação do Diesel, há vantagens que não podem seguir ignoradas. A questão ambiental é outra que também suscita controvérsias, embora a forte dependência pelo óleo diesel convencional desde a produção até o processo logístico de outros combustíveis reputados como menos poluentes já sirva como um contra-argumento. Enfim, uma eventual liberação do Diesel para veículos leves no mercado brasileiro acarretaria em diversos benefícios econômicos e sociais, principalmente ao ser complementada por um efetivo compromisso com o fomento ao biodiesel e uso direto de óleos vegetais como combustível.

sexta-feira, 4 de novembro de 2016

Uma reflexão sobre a proposta de eliminação dos veículos com motor a combustão interna na Alemanha entre 2030 e 2050

Não há dúvidas que uma das notícias mais impactantes do ano foi um projeto de lei em tramitação na Alemanha com o intuito de pôr um fim na produção e venda de veículos com motor a combustão interna naquele país até 2030, com uma posterior restrição à circulação dos mesmos prevista para 2050. Como se não bastasse tratar-se de uma medida consideravelmente drástica, chega a ser uma ironia que tenha partido logo do país reconhecido mundialmente pelo pioneirismo na produção desse tipo de veículos e motores.

Tal proposição não me parece muito viável dentro do cronograma proposto. Seria mais fácil apostar na transição para outros ciclos termodinâmicos que numa efetiva eliminação dos motores a combustão interna. Ainda que evoluções na tecnologia de baterias estejam fazendo com que ressurja um interesse por carros elétricos, questões como a reciclabilidade e a composição química dos eletrólitos são importantes para mensurar o real impacto ambiental desde a produção e operação do veículo até o descarte de componentes em fim de vida útil. E por mais que a Alemanha esteja anos-luz à frente do Brasil no tocante à infraestrutura e tecnologias para energias renováveis, proporcionando um menor risco para a ocorrência de "apagões", gato escaldado tem medo de água fria...

Chama a atenção a força do legado de ícones da engenharia alemã como Felix Wankel, Nikolas August Otto, e naturalmente Rudolf Diesel. Se por um lado os motores rotativos tipo Wankel perderam participação de mercado diante das dificuldades associadas à vedação dos retentores apicais nos rotores triangulares e o alto consumo de óleo lubrificante, por outro os ciclos termodinâmicos Otto e Diesel ainda reinam absolutos nos motores automotivos modernos sendo também populares em outras aplicações que vão desde equipamentos estacionários/industriais até a aviação de pequeno porte. No campo das turbinas a gás, embora operem de acordo com o ciclo Brayton teorizado pelo americano George Brayton, a Alemanha também levou vantagem durante algum tempo ainda durante a II Guerra com o caça Messerschmitt Me 262 Schwalbe, também conhecido como Sturmvogel na versão caça-bombardeiro. Embora a eficiência térmica ainda seja eventualmente posta em xeque, esse tipo de motor consolidou-se na aviação comercial e militar em função da relação peso/potência e da provisão de ar comprimido para acionamento de sistemas pneumáticos, climatização e pressurização de cabine através de sangria nos últimos estágios do compressor, e pode ter alguma ineficiência compensada pela recuperação de energia térmica através de sistemas de cogeração a vapor mais comuns em aplicações estacionárias como grandes usinas de geração de energia elétrica.

Já em aplicações veiculares terrestres, por razões diversas que vão desde a maior saturação de filtros de ar em ambientes com muita poeira até a falta de um consenso na definição de uma fórmula para cálculo da capacidade volumétrica, as turbinas a gás estão longe de ser unanimidade. Um caso particularmente emblemático é o tanque de guerra americano M1 Abrams, originalmente equipado com um motor turboshaft Honeywell AGT1500, com planos para um repotenciamento com motor MTU 12V883 Diesel 2-tempos de 12 cilindros em V que contrariando expectativas ainda tem peso e volume mais contidos e ainda tem uma "assinatura térmica" menos intensa que contribui para dificultar a detecção por radares inimigos. Uma versão do mesmo motor feita sob licença pela empresa americana General Dynamics (GD883) já equipa o tanque israelense Merkava Mk.IV com sucesso.

Por mais que num primeiro momento a leveza frequentemente atribuída às turbinas a gás pareça estar de acordo com as metas de redução de consumo de combustível estipuladas por outros programas, a exemplo do CAFE (Corporate Average Fuel Economy - ou Média Corporativa de Economia de Combustível numa tradução literal) americano e do polêmico Inovar-Auto brasileiro, a grande dissipação de calor que se observa nas temperaturas de gases de escape mais altas em comparação aos motores a pistão já é suficiente para denotar uma desvantagem nesse sentido e ainda representa um maior desafio no tocante ao controle de emissões. Já não é novidade que altas temperaturas oferecem condições propícias para a formação dos óxidos de nitrogênio (NOx), problema também apontado como o calcanhar-de-Aquiles dos motores Diesel devido às altas taxas de compressão necessárias para promover a auto-ignição do combustível, e que ganhou notoriedade com o escândalo protagonizado pela Volkswagen no ano passado.

Outra característica a ser destacada é a menor elasticidade em comparação aos motores dos ciclos Otto e Diesel hoje predominantes no mercado automobilístico mundial. Oscilações nos regimes de rotação inerentes ao anda-e-para do tráfego urbano e à interrupção da transmissão da potência do motor quando a embreagem é acionada num veículo com câmbio manual não são muito toleradas pelas turbinas a gás, fazendo com que se adaptem melhor a operações que permitam uma velocidade constante como é o caso da aviação e de grupos geradores. A bem da verdade, caso seja implementado algum recurso para melhorar a eficiência geral, não chega a ser totalmente inviável recorrer a microturbinas, que podem ser otimizadas para geração on-board de eletricidade nos automóveis híbridos, com destaque para os chamados "veículos elétricos de autonomia estendida" (EREV - Extended Range Electric Vehicle) como o BMW i3 atualmente oferecido com um motor do ciclo Otto de 2 cilindros e 650cc movido a gasolina. Também é conveniente destacar a adaptabilidade do ciclo Brayton ao uso de praticamente qualquer combustível, não apenas o querosene de aviação (Jet-A1/JP8) mas também óleo diesel convencional e outros óleos combustíveis pesados, gasolina sem chumbo, etanol e combustíveis gasosos em geral, até mesmo o hidrogênio. Resta esperar para avaliar cenários futuros do mercado de recursos energéticos para delimitar as opções que estarão mais facilmente acessíveis, mas de qualquer maneira ainda é difícil que a eletricidade venha a monopolizar a propulsão automotiva num período relativamente curto diante dos 130 anos de evolução já decorridos.
É até previsível que qualquer movimento contrário a uma maior participação de mercado para os sistemas de tração elétricos se torne uma batalha perdida, porém ainda soa precipitado estabelecer um cronograma para eliminação dos motores a combustão interna. Promover um uso racional de recursos energéticos permanece como a alternativa mais realista e, por mais que a Alemanha já tenha provado ser capaz de mobilizações tanto para causas nobres quanto para as mais espúrias, fica difícil crer que nenhum automóvel com motor a combustão interna vá trafegar pela terra do sauerkraut a partir de 2050...

sexta-feira, 21 de outubro de 2016

Uma reflexão sobre os atuais dilemas do downsizing em motores de ignição por faísca

Em meio a cenários regulatórios mal-formulados e com intuito meramente arrecadatório, o downsizing conquistou espaço como uma das principais estratégias da indústria automobilística para conciliar desempenho, uma tributação mais favorável, e o cumprimento de normas de emissões cada vez mais rigorosas e até certo ponto irrealistas. Enquanto motores de ignição por faísca dotados de indução forçada por turbocompressor e cilindrada reduzida passam a conquistar espaço mesmo em segmentos onde a alta cilindrada frequentemente acompanhada por uma maior quantidade de cilindros era vista como uma distinção de prestígio e sofisticação, no entanto, surgem novas dúvidas quanto à real eficácia de tais medidas no tocante à preservação ambiental e, principalmente, como uma alternativa viável frente ao Diesel.

A evolução tecnológica que atingiu os turbocompressores ao longo dos últimos 20 anos é, sem sombra de dúvidas, uma das principais razões que levou a uma maior aceitação em todos os segmentos de mercado. Desde a redução da inércia mediante o uso de materiais mais leves e um perfil aerodinamicamente otimizado das palhetas dos rotores de turbinas e compressores, passando pela sofisticação do turbo de geometria variável até a integração com o sistema de gerenciamento eletrônico de injeção e ignição dos motores, o incômodo atraso na pressurização conhecido como "turbo-lag" torna-se menos intenso e portanto o desempenho sofre menos alterações nas distintas condições de temperatura e pressão atmosférica que possam ser encontradas durante a operação do veículo. Comparado ao supercharger de acionamento mecânico, mais conhecido como "blower" e que foi muito usado pela Mercedes-Benz (com a denominação Kompressor) até poucos anos atrás, o turbo também proporciona uma compensação de altitude mais eficaz ainda que às custas de uma velocidade mais elevada que o conjunto rotor atinge conforme o ar torna-se mais rarefeito.
De fato, o turbocompressor não deixa de ser um bom aliado tanto do desempenho quanto das emissões, visto que a menor variação da massa de ar admitida pelo motor ao menos em tese também deveria levar a uma combustão mais completa. No entanto, o resultado acaba não se mostrando tão satisfatório à medida que se depositam expectativas exageradas no dispositivo como uma justificativa para impor fatores de carga mais elevados que podem colocar em xeque não apenas a durabilidade mas também o impacto na eficiência geral em diferentes veículos e condições de uso. As emissões de óxidos de nitrogênio (NOx), calcanhar-de-Aquiles do ciclo Diesel e pivô do escândalo de emissões envolvendo a Volkswagen no ano passado, também se tornam problemáticas num motor de ignição por faísca submetido a fatores de carga elevados que acabam resultando em um aumento excessivo da temperatura do motor, a ser contornado mediante enriquecimento na proporção de combustível pela massa de ar admitida pelo motor e portanto anulando a proposta de uma redução no consumo que seria o principal argumento a favor da introdução de motores cada vez menores.

Seria equivocado negligenciar a maior presença da injeção direta em motores de ignição por faísca, tanto naturalmente aspirados como o 2.0 Duratec Direct usado no Ford Focus quanto turbo como o 1.4TSI que a Volkswagen aplica ao Golf. Uma das justificativas para tal recurso é a redução nos riscos de ocorrência da pré-ignição (detonação/"batida de pino") ao operar com gasolina e uma taxa de compressão mais elevada e otimizada para o etanol mas, com o combustível injetado nas câmaras de combustão ainda na fase líquida e cuja vaporização passa a depender do aquecimento aerodinâmico ao qual a carga de admissão é submetida pela compressão, as emissões de hidrocarbonetos crus também sofrem um incremento. Ainda que os vapores não-queimados de gasolina e/ou etanol e resquícios oleosos recirculados do cárter para a admissão pela blow-by não sejam tão nítidos a olho nu como o material particulado expelido por motores Diesel com um débito de injeção excessivo, são igualmente problemáticos tanto pela contaminação atmosférica quanto pelo desperdício de recursos energéticos.
A recente introdução no mercado brasileiro de uma versão do Golf equipada com o motor 1.0TSI também fomenta discussões. Chegou a haver alguma dúvida quanto à real possibilidade dessa aplicação, considerando a relação que se faz entre a cilindrada e o prestígio de um veículo principalmente em função do viés um tanto depreciativo que norteou a implementação de uma alíquota diferenciada do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para veículos equipados com motor de até 1000cc no começo da década de '90 com os chamados "carros populares". O impacto do custo de produção mais elevado que acompanha os conceitos do downsizing tornando improcedente o estigma de "pobreza" frequentemente associado a essa faixa de cilindrada já seria suficiente para justificar uma cilindrada ligeiramente maior, esbarrando apenas numa estrutura tributária que não trata a eficiência energética como verdadeira prioridade. Nesse contexto, cabe uma menção especial à Peugeot pela "ousadia" de trazer o motor PureTech de 3 cilindros apenas com a cilindrada de 1.2L ao invés de vir acompanhado pela versão de 1.0L disponível no exterior. Mesmo considerando que no mercado brasileiro o PureTech ainda é comercializado apenas naturalmente aspirado, ao compararmos os valores de potência e torque do 1.0 e do 1.2 nas respectivas faixas de rotação, não é difícil deduzir que sob um ponto de vista mais técnico que burocrático a decisão da Peugeot foi acertada. Convém frisar também a questão das emissões, nesse caso baseando-se em especificações do mercado europeu onde o 1.0 de acordo com o padrão de testes NEDC emitiria 102g/km de dióxido de carbono (CO² - "gás carbônico") e o 1.2 em especificação padrão emite 104g/km, embora esteja também disponível uma especificação de baixas emissões restrita a 99g/km sem prejuízos ao desempenho do motor.

Em meio a polêmicas recentes quanto ao impacto efetivo do downsizing sobre as emissões de poluentes, a medida começa a ser posta em xeque por fabricantes que já revelam um interesse em recorrer a uma redução menos drástica da cilindrada e taxas de compressão mais moderadas, não apenas para que as condições do processo de combustão permaneçam menos propícias à formação de NOx mas que um enriquecimento da proporção ar/combustível com o intuito de evitar superaquecimento também se torne desnecessário. Há precedentes históricos para tal estratégia, embora o objetivo nem sempre estivesse relacionado às emissões. Enquanto nos Estados Unidos a cilindrada até hoje não exerce tanta influência sobre o regime tributário ao qual os veículos estão submetidos, favorecendo a preferência local por motores enormes e de uma concepção considerada obsoleta por concorrentes europeus e japoneses, no Brasil a prioridade era compensar a baixa octanagem da gasolina quando a potência declarada pelo fabricante tinha um peso maior que a cilindrada na composição das alíquotas de impostos.

Por mais que no mercado brasileiro o downsizing seja enaltecido como uma espécie de "prêmio de consolação" por críticos ferrenhos de uma eventual liberação do Diesel em veículos leves, como é o caso do jornalista Fernando Calmon e de alguns políticos corruptos que fizeram de tudo para afundar a Petrobras, criou-se toda uma expectativa que está se mostrando incoerente com a realidade. Toda tecnologia automotiva envolve algum comprometimento, e as prioridades do projeto devem ser claramente definidas. Enfim, mesmo diante de um cenário regulatório que prioriza o parasitismo estatal em detrimento da eficiência energética, o downsizing que parecia "milagroso" para conciliar metas de redução do consumo de combustível e emissões com o desempenho desejado pelo consumidor também pode, dependendo da proporção, se tornar um tiro no pé.

quinta-feira, 13 de outubro de 2016

México: um mercado particularmente desafiador

Um dos principais mercados automobilísticos latino-americanos, o México reúne características um tanto peculiares até em função da geografia. Ainda que a proximidade dos Estados Unidos exerça uma considerável influência, motivada até mesmo pela escala de produção destinada a exportações, o acesso direto tanto ao Oceano Atlântico quanto ao Oceano Pacífico torna-se convidativo tanto a fabricantes europeus quanto asiáticos que tenham algum interesse em comercializar veículos no México. Normas de segurança e emissões mais flexíveis que as aplicadas nos Estados Unidos e no Canadá também atraem alguma competição para deixar o mercado mais agitado. No entanto, quando se trata de combustíveis alternativos e da oferta de automóveis com motor Diesel, o cenário se mostra um tanto menos diversificado e competitivo do que seria de se esperar...

O preço relativamente baixo dos combustíveis, cuja importação e comercialização estiveram por muito tempo monopolizadas pela estatal Pemex até a liberalização das importações em 2013 seguida pela entrada de outras bandeiras no downstream mexicano, ainda faz com que caminhonetes full-size tradicionais de concepção americana como as RAM 1500 e 2500 mantenham no México uma popularidade considerável, não apenas como veículo particular mas também em aplicações profissionais. Ainda que o estereotípico V8 americano não viesse experimentando uma evolução significativa desde a década de '50, e a variedade no México permanecido mais concentrada nos small-block, de certa forma a percepção da ignição por faísca como mais simples e barata também fomenta um interesse menor pelo Diesel entre os mexicanos. Ironicamente a massificação do turbocompressor em aplicações automotivas que se mostra tão útil para reduzir o decréscimo de potência sofrido em grandes altitudes como se encontra nas regiões centrais do México, começou pelo Diesel. Essa situação está se refletindo numa menor competitividade em alguns mercados de exportação, incluindo o Brasil que deixou de ser abastecido pela produção mexicana para não abrir mão do motor Cummins ISB6.7 que atualmente só é oferecido em versões das pick-ups RAM fabricadas nos Estados Unidos.

Naturalmente, coube a fabricantes de origem européia como a Volkswagen o pioneirismo nas tentativas de estabelecer o Diesel num mercado de certa forma ainda acomodado diante da manutenção de preços artificiais para os combustíveis. Até para aproveitar a escala de produção de modelos como o Jetta TDI destinado aos mercados americano e canadense antes que a eclosão do escândalo "Dieselgate" pusesse muito a perder, por algum tempo a Volkswagen pleiteou junto ao governo mexicano que os motores Clean Diesel fossem reconhecidos como uma estratégia para redução dos problemas associados à poluição do ar por veículos automotores e obtivessem vantagens hoje aplicadas aos híbridos, aos elétricos puros e aos combustíveis gasosos como a dispensa das restrições impostas pelo programa Hoy No Circula (equivalente ao rodízio de placas que se aplica em São Paulo) na Zona Metropolitana do Vale do México e adjacências. Hoje, a oferta da Volkswagen de modelos equipados com motor Diesel para o México se limita às caminhonetes, como a Amarok que por lá também é importada da Argentina.

Sem dúvida um dos destaques levantando a bandeira do Diesel no mercado mexicano é a Peugeot, que além de consolidar esse tipo de motorização como a única disponível para a linha de utilitários também oferece em modelos de entrada como o sedan 301 e o hatch 208. Ainda que o conforto do câmbio automático esteja reservado para quem opta pelo motor 1.6VTi a gasolina de aspiração natural com 115cv no 301 e 120cv no 208, a vantagem de quase 50% no torque do motor 1.6HDi turbodiesel de 92cv é convidativa. Por mais que desavisados acabem iludidos apenas pela potência, esquecendo também o impacto mais severo das variações de altitude sobre os motores naturalmente aspirados em comparação aos turbocomprimidos e a importância do correto escalonamento das relações de marcha para que o desempenho seja otimizado nas mais diversas situações, não custa recordar o que Carroll Shelby já dizia sobre a potência vender carros enquanto o torque vence as corridas...
Num primeiro momento a adaptabilidade do ciclo Diesel a combustíveis alternativos pode parecer uma vantagem incontestável, mas a experiência mexicana mais limitada ao gás liquefeito de petróleo (GLP - o nosso "gás de cozinha" que no Brasil é proibido para fins automotivos) e a recente introdução do gás natural promovida pela multinacional espanhola Gas Natural Fenosa a partir de Monterrey ainda garantem uma sobrevida para a ignição por faísca. A regulamentação de conversões bicombustível Diesel-GLP, mesmo que estejam aproximadamente 120% mais caras que a conversão de um veículo a gasolina, já pode ser considerada um avanço quando lembramos que no Brasil a combinação entre o óleo diesel e o gás natural permanece numa escala quase experimental. Em aspectos práticos, apesar do comprometimento da capacidade de carga dos veículos após a instalação do sistema de gás, a dispensa do esquema Hoy No Circula também serve de atrativo para as conversões. Ainda que o GLP atualmente seja encontrado com mais facilidade (ou melhor dizendo menos dificuldade) no México, o gás natural tem vantagens devido à maior segurança do sistema de combustível e à viabilidade de uma substituição pelo biometano que já é reconhecido pela EPA americana como um "combustível avançado" e pode ser produzido a partir de qualquer resíduo orgânico, incluindo subprodutos de baixo valor comercial resultantes do beneficiamento de gêneros alimentícios.
Outro aspecto que vai sempre merecer uma observação quando nos referimos ao México é o consumo intenso do milho e derivados e as possibilidades que tal hábito oferece para fomentar o desenvolvimento da agroenergia. Não se pode deixar de lembrar que a utilidade do cereal como matéria-prima para o etanol, por mais incrível que possa parecer inicialmente, tem um impacto até menor sobre a disponibilidade e o preço de alimentos em comparação à cana-de-açúcar, visto que o chamado "grão de destilaria" (DDG - distillation-dried grain) apresenta um teor proteico elevado e ainda pode servir como ingrediente na preparação de especialidades da cozinha mexicana como as tortillas nas quais se baseia o popular taco mexicano. A bem da verdade, por mais que o baixo rendimento em litros por hectare se mostre aceitável diante do impacto quase insignificante sobre a segurança alimentar, não deixa de surpreender que a pauta dos biocombustíveis permaneça um tabu nesses tempos em que até a Coca-Cola mexicana já é adoçada com xarope de glicose de milho ao invés do açúcar de cana. Além do etanol, o óleo de milho tanto virgem quanto reaproveitado de usos culinários oferece algum valor como recurso energético renovável para produção de biodiesel ou em aplicação direta como combustível não apenas para veículos mas também para fins estacionários e industriais.

Até certo ponto não surpreende que os biocombustíveis ainda não sejam levados muito a sério no México, embora as perspectivas para uma mudança nesse cenário se mostrem iminentes diante da liberalização dos preços da gasolina e do óleo diesel como reflexo do fim do monopólio da Pemex. Mais uma vez, a proximidade com os Estados Unidos pode ser crucial para definir as estratégias destinadas a promover um ou mais combustíveis alternativos, Não se pode portanto ignorar a ênfase que fabricantes como a General Motors dão ao etanol, como se observa na atual geração do Cadillac Escalade que é oferecida exclusivamente com um motor flexfuel apto a operar tanto com gasolina quanto com etanol E85 ou ambos os combustíveis misturados em qualquer proporção Nesse contexto, é de se esperar que a experiência americana com o uso do milho na produção do combustível acabe por influenciar os mexicanos apesar de todas as controvérsias.

Enfim, um mercado bastante complexo como o mexicano, cujo alto volume de vendas somado a uma posição geográfica se revelam convidativos a uma oferta tão diversificada, exige soluções igualmente complexas na busca por uma renovação da matriz energética. Mesmo nesses tempos pós-Dieselgate, há oportunidades tanto para o etanol e o biometano quanto para o biodiesel, podendo também retomar a competitividade da indústria automotiva mexicana em mercados de exportação. Portanto, ao invés de fazer uma mera cópia das políticas americanas de combustíveis alternativos que às vezes também se mostram equivocadas e em desacordo com as reais necessidades de proprietários, usuários e operadores de veículos, é importante que o México dê mais atenção às vantagens que uma maior presença do Diesel em aplicações automotivas leves podem agregar para a segurança energética.