quinta-feira, 11 de agosto de 2016

Deficientes físicos: poderiam ser diretamente beneficiados por uma eventual liberação do Diesel?

Num país de dimensões continentais e com serviços de transporte público precário, a sensação de liberdade proporcionada por um carro não deve ser subestimada. No caso de deficientes físicos, pode-se também atribuir ao veículo a função de um resgate da dignidade humana ao restaurar o direito de ir e vir, tanto para os que possam conduzir o próprio automóvel quanto para os que necessitem de um condutor. A escolha do modelo mais adequado às necessidades do usuário, bem como eventuais adaptações que se façam necessárias para proporcionar mais conforto e segurança, também acabam por agregar algum peso e, como pode ser observado num Fiat Doblò com elevação do teto, arrasto aerodinâmico.
A questão da defasagem do valor máximo de R$70.000,00 (incluídos os impostos) para que um carro 0km fabricado no Brasil, Mercosul ou México possa ser adquirido com isenção de IPI, ICMS e IOF (quando financiado) também desperta controvérsias, e faz com que esse segmento tão específico da população seja cada vez mais compelido a abrir mão do próprio direito ou partir para um downgrade de motorização, equipamentos ou mesmo de modelo, mas naturalmente não é o único empecilho. De certa forma, as restrições ao Diesel em veículos leves também podem ser encaradas como parte do problema ao inviabilizar que alguns consumidores com um orçamento mais modesto tenham acesso a uma alternativa mais econômica e prática. Convenhamos que uma cadeira de rodas ou outro equipamento assistivo não ter que disputar espaço com um cilindro de gás natural, por exemplo, já seria um argumento válido a favor do Diesel para um deficiente físico que esteja buscando por uma redução do custo operacional num carro adaptado.

A bem da verdade, uma compatibilidade com motores Diesel nunca esteve entre as prioridades da indústria de adaptações veiculares para deficientes físicos que ia se estabelecendo durante o pós-guerra visando principalmente atender aos veteranos mutilados tanto nos Estados Unidos quanto na Europa. Motores de ignição por faísca, além do custo inicial mais baixo, normalmente contam com o vácuo gerado na depressão do coletor de admissão como uma provisão para os atuadores usados em sistemas de automatização de embreagem frequentemente indicados para condutores com deficiência em uma ou nas duas pernas que desejassem um veículo com câmbio manual. Enquanto carros americanos como o Chevrolet Bel-Air dispunham de motores com cilindrada mais avantajada que se adaptavam melhor aos pesados câmbios automáticos da época, tanto de 6 cilindros em linha quanto os V8, os europeus levavam a economia de gasolina mais a fundo com modelos como o Opel Olympia Rekord que dispunha somente de motores com 4 cilindros e câmbio manual de 3 marchas.

A percepção do Diesel como "coisa de trator", e que só foi mudar a partir de fins da década de '90 e início dos anos 2000 quando algumas caminhonetes médias como a Nissan Frontier e a Mitsubishi L200 passaram a contar exclusivamente com essa opção de motorização para o mercado brasileiro, talvez tenha contribuído para manter alguns tabus em função do longo período em que o câmbio automático permaneceu como um ilustre desconhecido e rejeitado pelo consumidor brasileiro mediano. A própria concepção dos sistemas de injeção totalmente mecânicos ainda predominantes durante a maior parte da década de '90 fazia com que o câmbio manual e a embreagem fossem vistos como um fator de segurança a mais ao poderem ser usados para "matar na embreagem" caso o solenóide de parada do motor não fosse devidamente acionado ao se desligar o veículo ou mantê-lo minimamente controlável até uma parada segura na ocorrência de um "disparo".


Mesmo entre modelos com uma maior influência americana na concepção, como era o caso da Ford F-250, durante muito tempo não dispunham da comodidade do câmbio automático nas versões destinadas ao mercado brasileiro, mas apesar desse pequeno detalhe eventualmente aparece algum exemplar adaptado para deficiente físico sem abrir mão da economia proporcionada pelo motor turbodiesel. A maior dificuldade está justamente na adaptação do controle da embreagem, para o qual não restavam muitas outras escolhas além de dispositivos rudimentares de acionamento manual que podem também comprometer a segurança do veículo, além do próprio câmbio manual fazer com que a aplicabilidade do veículo fique mais limitada no tocante às deficiências para as quais possa ser adaptado de uma forma que não sacrifique o conforto nem ponha em xeque a segurança.

A situação hoje é diferente, com a presença massiva do gerenciamento eletrônico nos motores trazendo uma maior suavidade no funcionamento que alçou a atual geração de motores Diesel a uma condição de prestígio antes reservada aos motores a gasolina com 6 ou mais cilindros e alta cilindrada. Antigos questionamentos quanto à compatibilidade com o câmbio automático também vem sendo derrubados, chegando-se ao ponto de alguns veículos como a pick-up full-size Ram 2500 e o SUV compacto Jeep Renegade nem sequer oferecerem o câmbio manual nas versões Diesel direcionadas ao mercado brasileiro mesmo quando tal opção está disponível no exterior. Portanto, além de uma eventual adaptação tornar-se mais fácil, é possível atender a uma maior variedade de deficiências físicas que inviabilizem o uso do câmbio manual.

Ainda pode-se dizer, no entanto, que se trata de uma injustiça o direito ao uso do Diesel ficar reservado aos que podem se dar ao luxo de pagar os altos valores pedidos por alguns dos modelos classificados arbitrariamente como "utilitários" em função de capacidades de carga, passageiros ou tração mesmo que não venham a ser realmente necessários durante a operação do veículo. Particularmente no caso de deficientes físicos, para quem um carro acaba se tornando muito mais do que um mero símbolo de status, a maior durabilidade inerente ao Diesel pode de certa forma tornar a vida mais fácil por diminuir o tempo que o veículo ficaria parado para manutenções, além da economia de combustível proporcionar uma maior autonomia e custos operacionais menores sem prejudicar a acomodação de equipamentos de acessibilidade.

sexta-feira, 5 de agosto de 2016

Hesselman: um meio-termo um tanto problemático entre os ciclos Diesel e Otto

Já é sabido que os motores Diesel percorreram um longo caminho até serem reconhecidos como uma opção viável para aplicações veiculares, tendo como um dos principais desafios a relação peso/potência e as limitações que a metalurgia de precisão ainda apresentava no início do século passado. Ainda assim, o custo menor do óleo diesel, do querosene e de outros combustíveis pesados em comparação à gasolina nas décadas de '20 e '30 se mostravam convidativos a adaptações em motores de ignição por faísca para que pudessem também usá-los. Um dos exemplos mais notáveis nesse sentido foi o motor Hesselman, desenvolvido em 1925 na Suécia pelo engenheiro Jonas Hesselman e que se destacava pelo pioneiro uso da injeção direta associada à ignição por faísca.

Não deixava de ser algo espantoso num período durante o qual ainda era comum recorrer à injeção indireta nos motores Diesel enquanto nos motores de ignição por faísca ainda reinava absoluto o carburador. Inicialmente parecia genial poder dispensar o aquecimento do coletor de admissão que era normalmente usado em motores do ciclo Otto ainda equipados com carburador para vaporizar o querosene após a partida a frio com gasolina, no entanto a principal vantagem que seria permitir um aumento da taxa de compressão não foi explorado tão bem quanto seria desejável, e de certa forma acabou por levá-lo a uma rápida obsolescência. A introdução do primeiro motor Diesel propriamente dito da Scania em 1936, ainda com injeção indireta, foi um duro golpe na popularidade dos motores Hesselman, que finalmente deixariam de ser oferecidos pela Volvo em 1947.

Naqueles tempos uma baixa taxa de compressão era crucial para evitar a detonação e a pré-ignição da mistura ar/combustível nos motores a gasolina equipados com carburador, e portanto o aquecimento aerodinâmico que se podia obter durante a compressão era mais limitado fazendo com que levassem mais tempo até atingir a temperatura ideal de funcionamento e pudesse alternar da gasolina para o combustível pesado que estivesse em uso. Ao ser replicada no motor Hesselman, tal característica resultava ainda numa combustão menos completa, visto que o querosene ao ser injetado não estaria vaporizado de um modo que a superfície de contato com o ar e a propagação da centelha gerada pela vela de ignição atingissem uma maior eficiência, tornando-se um ponto ainda mais crítico quando o óleo diesel era utilizado. A emissão de material particulado tão elevada que já naquela época era considerada um estorvo, bem como a carbonização ao redor do eletrodo da vela, eram os principais efeitos que demonstravam a precariedade desse sistema, mas o tamanho mais compacto e o menor peso em comparação a um motor Diesel propriamente dito faziam com que ainda tivesse alguma aceitação.

De certa forma, pode-se dizer que a idéia básica por trás do motor Hesselman acabou por tornar-se mais prática quando já havia caído quase no esquecimento, vindo a ser resgatada em alguns motores militares como os Evinrude MFE embora operem num ciclo 2-tempos e priorizando o uso do querosene de aviação (QAV/JP-8/Jet-A1) em detrimento do óleo diesel convencional. Talvez possa até servir de inspiração para gambiarras no Brasil à medida que a injeção direta em motores "flex" a gasolina e etanol for ganhando popularidade, agora com toda a precisão agregada pelo gerenciamento eletrônico e as taxas de compressão mais generosas, bem como melhores especificações dos combustíveis hoje disponíveis...

segunda-feira, 1 de agosto de 2016

Reflexão: até que ponto a posição do motor de um ônibus interfere na exacerbada dependência do transporte coletivo de passageiros pelo óleo diesel?

Um dos principais fatores que ainda suscitam dúvidas quanto à viabilidade de uma liberação do Diesel para veículos leves sem distinções por capacidade de carga, passageiros ou tração é a forte dependência do transporte coletivo de passageiros, tanto urbano quanto interurbano e interestadual. Diversificar a matriz energética dessa operação por meio da inserção de combustíveis alternativos como o etanol e o gás natural, ou até a incorporação de características diferenciadas nos veículos a exemplo de sistemas híbridos, são medidas que aos poucos vão sofrendo menos resistências por parte de frotistas e gestores públicos. No entanto, ainda há outras melhorias que possam ser implementadas para melhorar a eficiência geral dos ônibus brasileiros e diminuir a intensidade de um eventual impacto imediato que a liberação do Diesel possa vir a ter.

Uma das características mais controversas, sem sombra de dúvidas, é a presença constante do motor dianteiro em chassis para ônibus mais simples. Conhecidos pejorativamente como "cabritos", os veículos com tal configuração de certa forma não deixam de ser uma mera adaptação sobre chassis de caminhão e portanto apresentam algumas deficiências técnicas inerentes à necessidade de um assoalho mais alto por toda a extensão do salão de passageiros para evitar interferências com elementos do sistema de transmissão. Assim, a necessidade de transpor degraus para acessar o interior do veículo torna embarque e desembarque mais demorados e, considerando o uso de um conjunto motriz mais tradicional, contribui para o desperdício de combustível visto que o motor permanece ligado em marcha-lenta com o veículo parado. Também cabe mencionar as exigências de acessibilidade para deficientes físicos, que por sua vez dependem de plataformas elevatórias eletro-hidráulicas (ou totalmente elétricas) que não apenas aumentam a tara como também a carga sobre o sistema elétrico do veículo e por conseguinte provoca um incremento no consumo de combustível para que o alternador mantenha a carga da(s) bateria(s). A economia de combustível pode parecer algo de pouca importância num único ônibus dentre milhares em circulação mas, além do impacto mais sensível em uma grande frota, a vantagem prática da maior agilidade nas operações de embarque e desembarque é mais difícil de negligenciar.

Já com o motor traseiro, é possível obter uma maior extensão do salão de passageiros sem degraus e recorrer a rampas retráteis leves o suficiente para serem operadas manualmente sem dificuldade. Um chassi com perfil baixo também tende a ser mais leve sem prejuízos à rigidez torcional. A própria configuração do sistema de transmissão também já proporciona mais uma oportunidade para discreta redução de peso em função da menor distância entre o motor e o eixo de tração levarem ao uso de um eixo cardan mais curto e, naturalmente, mais leve. Ainda há alguma resistência ao uso do motor traseiro em ônibus destinados a operações em ambientes severos, tendo em vista que os ângulos de ataque e de saída são também afetados pela frequência com que se observa em chassis com essa configuração uma maior extensão do balanço dianteiro e posição mais baixa do motor com relação às longarinas. De fato, tais condições são indesejáveis na operação em linhas nas periferias das grandes cidades ou nas zonas rurais devido à topografia e a precariedade da malha viária, mas o motor traseiro propriamente dito não constitui nenhum impedimento à capacidade de transposição de terrenos irregulares como bem provam a Kombi e tantos veículos off-road baseados no layout mecânico do Fusca como o Gurgel X-12.

Vantagens da motorização traseira podem ser observadas mesmo nos ônibus rodoviários, que tendem a parar menos ao longo dos itinerários e manter o motor desligado durante as paradas e nos quais a altura do piso do salão de passageiros e a agilidade no embarque e desembarque de deficientes tenderia a apresentar uma menor influência sobre o consumo de combustível. O volume menor do sistema de transmissão, que também passa a estar concentrado mais para trás, livra espaço no entre-eixos para a instalação de bagageiros passantes que não apenas oferecem uma capacidade volumétrica superior como facilitam a acomodação de bagagens e o manuseio das mesmas por qualquer uma das laterais do veículo. Os benefícios econômicos do motor traseiro em ônibus rodoviários também são evidentes no uso de espaço no compartimento de bagagens para o transporte de pequenas cargas e encomendas expressas, que de certa forma também contribui para diminuir o volume de tráfego de caminhões em algumas rotas ao converter peso morto de um "cabrito" em capacidade de carga paga, e assim alguns ônibus de motor traseiro seriam capazes de substituir com mais eficiência não apenas a mesma quantidade de similares com motor dianteiro como também tirar ao menos um caminhão das estradas sem prejudicar a circulação de mercadorias.

Outro caso que convém salientar é a proibição ao uso de vans na maioria dos sistemas de transporte complementar, também conhecido como "seletivo" ou "alternativo" dependendo da localidade. Nos microônibus normalmente repete-se até com mais frequência a estratégia de usar chassis de motor dianteiro derivados de plataformas de caminhões e, embora vans médias e grandes com motor dianteiro e tração traseira não eliminem a necessidade do acesso por degraus, já contam com uma altura de embarque menor que facilitaria o uso de rampas para o acesso fácil de deficientes. Não se pode esquecer, também, que a plataforma mais leve baseada numa van já favorece a redução do peso morto e por conseguinte promove alguma melhoria na eficiência energética considerando veículos com uma lotação semelhante. Nesse cenário, se uma van como a Mercedes-Benz Sprinter teria o uso vetado como lotação, um microônibus do porte do antigo Comil Bella que era montado sobre a plataforma da Sprinter já viria a promover uma conciliação das vantagens da van com as regulamentações que eventualmente restrinjam o uso das mesmas.

O aspecto de improviso e precariedade dos ônibus com motor dianteiro não deve mais passar tão despercebido diante do impacto sobre a eficiência energética. No fim das contas, é desperdiçada uma quantidade de óleo diesel que poderia suprir alguns táxis, viaturas de polícia ou ambulâncias de pequeno porte se fossem derrubadas as restrições ao uso em veículos leves. Não faz tanto sentido dar tanta ênfase à dependência do transporte coletivo pelo Diesel como pretexto para a manutenção de entraves burocráticos injustificáveis na atual conjuntura, principalmente enquanto soluções devidamente adequadas para minimizar o problema como é o motor traseiro vem sendo sistematicamente negligenciadas.