quarta-feira, 28 de junho de 2017

Uma reflexão sobre a proposta da "Cide Verde" e vícios da política brasileira no âmbito dos biocombustíveis

Já não é de hoje que as políticas brasileiras no âmbito da substituição de combustíveis fósseis pelos renováveis tem se mantido presas demais ao etanol, incorporando alguns vícios do setor canavieiro que levam à tomada de decisões prejudiciais ao usuário final e no fim das contas não contribuem para uma maior abertura do mercado nacional para outros biocombustíveis como o biodiesel e mais recentemente o biogás/biometano. Mesmo a alegada vantagem no maior rendimento em litros por hectare cultivado da cana de açúcar comparada ao milho usado como matéria-prima para o etanol nos Estados Unidos tem se mostrado uma meia-verdade, tendo em vista a defesa acirrada de sobretaxas ao etanol importado e um aumento nas alíquotas da Contribuição de Incidência do Domínio Econômico (Cide) aplicada à gasolina (R$0,10/litro) e ao óleo diesel convencional (R$0,05/litro) sob um suposto pretexto "ecológico", que na prática se tornaria um prêmio pela ineficiência dos usineiros.

Diversos fatores tem feito com que o etanol fique cada vez mais distante do prestígio que já teve não só no âmbito da redução de emissões mas também como uma alternativa para preservar a segurança energética nacional, desde preços mais atrativos do açúcar para exportação até a mediocridade técnica da maioria dos motores "flex" a gasolina e etanol, bem como a concorrência com o gás natural que de certa forma cresceu impulsionado pelo descrédito do setor sucroalcooleiro junto à população. Nem mesmo a neutralização mais efetiva de emissões ao usar um combustível renovável tem sensibilizado o consumidor comum, principalmente em meio a um cenário político e econômico tão conturbado, e a proposta da "Cide Verde" direcionada a beneficiar exclusivamente o etanol de cana pode trazer mais prejuízos que benefícios ao país. Afinal, enquanto o potencial de outras matérias-primas como o milho e resíduos da indústria alimentícia já usados para produzir etanol em outros países permanecer subestimado, não seria racional crer que a hoje deficitária produção brasileira ainda dependente da cana pudesse voltar a suprir toda a demanda complementada pelas importações e também atender aos "estoques reguladores" sem inflacionar os preços ao consumidor, o que viria a causar mais incertezas numa economia muito dependente do modal de transporte rodoviário.

Caso a proposta da "Cide Verde" fosse mais realista, também haveria de contemplar o biodiesel e até mesmo o biogás/biometano, mais adequados às necessidades do transporte comercial e cuja produção seria mais fácil de descentralizar para reduzir tanto o custo quanto o impacto ambiental dos processos logísticos necessários para assegurar a distribuição por todos os rincões do país. Indo um pouco além da dependência de caminhões e ônibus para movimentar a economia brasileira, a agricultura também oferece oportunidades de mercado para o biodiesel, e eventualmente levar adiante a discussão sobre uma liberação do Diesel em veículos leves. Convém ainda observar que, em função de tanto o etanol quanto o biodiesel serem produzidos a partir de matérias-primas renováveis e passíveis de uma maior integração a cultivares tradicionais e uma diversificação de acordo com as condições climáticas e ambientais de cada região produtora, tornam-se menos justificáveis as alegações de que um fim das restrições baseadas em capacidades de carga, passageiros ou tração viria a prejudicar o transporte comercial e outras aplicações utilitárias hoje dependentes do óleo diesel convencional.

Ainda que a implementação de uma "carbon tax" sobre a gasolina em diversos países seja apontada como um precedente válido para a "Cide Verde" tanto por representantes da indústria do etanol quanto por autoridades governamentais, está longe de ser eficiente no âmbito da preservação ambiental da forma como vem sendo apresentada com o principal intuito de restabelecer a competitividade do etanol diante da gasolina. É preciso tratar a política energética de uma forma coerente com as reais necessidades do país, e livrar-se de velhos vícios ao invés de premiar a indústria canavieira em detrimento dos demais setores da economia. Enfim, por mais que num primeiro momento pareça imbuída de uma intenção nobre, na prática a "Cide Verde" se revela uma perigosa armadilha para o cidadão, tendo em vista que fomenta não apenas uma perpetuação da incompetência do setor sucroalcooleiro mas, principalmente, inibindo uma perspectiva de melhora nesse cenário.

quarta-feira, 14 de junho de 2017

Dendê: ofuscado pela soja, ainda pode ser uma boa alternativa para fins energéticos

Uma das oleaginosas mais importantes hoje a nível mundial, o dendê é mais conhecido no Brasil pela aplicação na culinária baiana, sendo imprescindível o azeite de dendê para a fritura de um acarajé legítimo e também é apreciado no tempero de moquecas e outros pratos que levam frutos-do-mar, mas também se revela como uma boa alternativa tanto como matéria-prima para biocombustíveis como ainda pode ser utilizado como lubrificante em substituição a óleos derivados de petróleo. No entanto, diante da maior popularidade do óleo de soja no Brasil, o dendê tornou-se um ilustre desconhecido para uma parte considerável da população até que o óleo de palma recuperasse algum prestígio junto à indústria alimentícia como substitutivo para as "gorduras trans" hidrogenadas por volta de 2005. Apesar de problemas observados na Malásia, onde a maior parte do azeite de dendê consumido no mundo é hoje produzida e cujo desmatamento para dar espaço às plantações tem destruído o habitat natural dos orangotangos, o cultivo pode ser feito em algumas regiões do Brasil com um impacto ambiental menor, até mesmo na Amazônia.
Adequado ao cultivo em regiões úmidas, o dendê não apenas se adapta bem às condições de florestas tropicais como também pode ser integrado à recomposição de matas ciliares, sendo útil para prevenir deslizamentos nas margens de alguns rios, e já chegou até a despertar alguma atenção da EMBRAPA Amazônia Ocidental (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) que estabeleceu ao menos uma plantação experimental em Manaus. Nesses tempos em que a expansão das fronteiras agrícolas é um tabu, a possibilidade de aproveitar e revitalizar áreas degradadas já parece uma boa justificativa para fomentar o cultivo do dendê. Subprodutos da extração do azeite de dendê e do óleo de palmiste (extraído da semente ao invés da polpa do fruto do dendê), as "tortas" também podem ser aproveitados na formulação de rações para alimentação animal, em proporções que vão de 20 a 30% para espécies com um estômago simples como aves e peixes, indo a 50% para gado leiteiro e até 80% para gado de corte, o que de certa forma também se revela um bom contraponto para alegações de que a produção de etanol e biodiesel a partir de grãos tradicionalmente usados tanto na alimentação humana quanto animal como o milho e a soja viria a exercer um impacto muito exorbitante sobre o custo e disponibilidade de gêneros alimentícios em regiões mais pobres.

Além de ser uma alternativa economicamente viável para substituição do óleo diesel em geradores de energia e embarcações em povoados ribeirinhos da Amazônia, onde o custo do transporte encarece demais os combustíveis convencionais, o azeite de dendê também se mostram promissores no uso como lubrificante em função da resistência a altas temperaturas e de um alto teor de antioxidantes. Pesquisas feitas pela petrolífera estatal malaia Petronas com o azeite de dendê apontaram propriedades semelhantes à de óleos sintéticos de marcas reconhecidas internacionalmente, podendo atender até aplicações de alto desempenho mais sensíveis ao uso de lubrificantes de baixa qualidade. Pode-se chegar à conclusão que o dendê oferece uma resposta mais completa aos dilemas da substituição do petróleo em comparação a outras oleaginosas que apresentam desempenho mais restrito ao uso como matéria-prima para biocombustíveis e especialidades petroquímicas. Portanto, apesar do maior destaque que a soja tem no Brasil tanto na indústria alimentícia como na produção de biodiesel, não é justificável ignorar vantagens do dendê em aplicações energéticas.

sexta-feira, 2 de junho de 2017

Rápidas observações sobre o entusiasmo do ministro Blairo Maggi pelo etanol de milho

O etanol de milho ainda é um grande tabu no mercado agroenergético brasileiro, mas a defesa um tanto entusiasmada desse combustível por parte do atual ministro da Agricultura, Blairo Maggi, pode trazer novas perspectivas. A experiência dele como produtor de soja não pode ser desconsiderada, bem como o fato do Brasil já importar etanol de milho dos Estados Unidos tanto durante a entressafra da cana de açúcar quanto para atender à demanda da região Norte. Por mais que o etanol produzido a partir da cana seja inicialmente mais barato, o transporte desde as regiões produtoras concentradas no interior de São Paulo e na Zona da Mata nordestina torna-se mais complexo devido não apenas às dimensões continentais do país mas também à precária infraestrutura rodoviária e a dependência excessiva pelo modal rodoviário.

Em discurso proferido na última quinta-feira (1) durante a abertura do Fórum Mais Milho, em Castro-PR, o ministro apresentou justificativas bastante plausíveis na defesa de um ponto de vista que não deixa de ser bastante polêmico diante do comodismo que se consolidou em torno da cana como a principal e praticamente única matéria-prima para o etanol no Brasil. Um aspecto levantado por Blairo Maggi foi o cultivo do milho no Centro-Oeste ter se desenvolvido apenas pelos benefícios que a rotação de cultura traz para a produtividade da soja, visto que a remuneração do produtor não é tão atrativa quanto possa parecer. Dessa forma, torna-se menos temerária uma alegada competição com a oferta do milho para usos alimentícios. A perspectiva de agregar valor ao milho nacional através do uso como matéria-prima para o etanol não deixa de ser promissora, principalmente diante de temores quanto a uma eventual desvalorização desse cultivar caso venha a ocorrer uma retirada de subsídios à produção do biocombustível nos Estados Unidos.

A recente concessão de autorização da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) para o funcionamento de uma usina de etanol voltada ao uso exclusivo do milho a ser instalada pela multinacional americana Summit Agricultural Group em Lucas do Rio Verde-MT, em seguimento às 4 usinas "flex" já em operação no Mato Grosso e que fazem a moagem do grão durante a entressafra da cana, também foi mencionada pelo ministro Blairo Maggi, Com capacidade diária de produção de 685 mil litros de etanol hidratado para uso direto como combustível e o mesmo volume de anidro para a mistura obrigatória à gasolina, a futura inauguração da usina tende a impulsionar uma recuperação da competitividade do biocombustível e da posição de destaque que o Brasil deteve no setor da agroenergia até ser superado pelos Estados Unidos como maior produtor de etanol justamente pelo investimento americano no uso do milho como matéria-prima. Cabe recordar ainda o uso do grão de destilaria (DDG - distillation-dried grain) como substrato com alto teor de proteínas de alta digestibilidade na formulação de rações pecuárias, favorecendo o ganho de peso do gado até em comparação ao grão de milho ao natural.

Não seria de se descartar que um eventual sucesso da produção do etanol de milho no Brasil possa se mostrar relevante também para a pauta da liberação do Diesel, tendo em vista que uma oferta mais ampla de etanol pode impulsionar o uso tanto como complemento quanto em substituição ao óleo diesel convencional, diminuindo a pressão sobre o custo do combustível em aplicações no transporte comercial e na agricultura. Talvez seja ainda a última possibilidade para que o etanol volte a ser visto pelo consumidor brasileiro como uma alternativa eficaz para reduzir a dependência por combustíveis fósseis. Enfim, mesmo diante da mediocridade que ainda prevalece na atual geração de motores "flex" em uso nos veículos leves, só um menor impacto de oscilações na safra da cana e no direcionamento para a produção de açúcar já justificam o entusiasmo pelo etanol de milho.

quinta-feira, 1 de junho de 2017

A proposta da liberação do Diesel poderia soar "elitista"?

Por mais que os motores Diesel tenham se firmado em aplicações veiculares leves como uma solução eficaz para melhorar a eficiência energética, por vezes o consumidor brasileiro os vê como artigo de luxo. Antes das pick-ups se tornarem símbolo de status para "agroboys", e a moda dos sport-utilities acabar com o reinado das station-wagons como o carro familiar por excelência, a principal referência em motores Diesel para automóveis que se via no Brasil eram uns poucos Mercedes-Benz que na maioria dos casos foram trazidos até '76 ou então por corpos diplomáticos. Mas em que pesem fatores como o desenvolvimento tecnológico e as normas de emissões de décadas atrás terem feito com que a diferença de custos entre um motor de ignição por faísca e um Diesel fosse mais palatável em comparação ao que ocorre hoje, com os sistemas de gerenciamento eletrônico e controle de emissões agregando cada vez mais complexidade, seria mesmo justo tratar a liberação do Diesel como uma pauta "elitista"?
A bem da verdade, chega a ser covardia comparar o nível de precisão que o sistema de injeção a ser usado num motor Diesel sempre exigiu, em comparação ao carburador que ainda era prevalente nos motores de ignição por faísca até a década de '80. Ainda que modelos como o Mercedes-Benz 200D da série W123 produzida entre '76 e '85 recorressem à injeção indireta, que se manteve firme até o fim da década de '90 em função da maior suavidade em comparação às primeiras aplicações da injeção direta em motores Diesel para veículos leves, tanto a dosagem do combustível quanto uma correção do débito (volume de injeção) em função da pressão atmosférica sem a necessidade de interferência do condutor são essenciais para que a combustão se mantenha o mais completa possível ao longo da operação do veículo, ao passo que os efeitos indesejáveis de uma mistura ar/combustível rica (maior proporção de combustível pela massa de ar) num similar movido a gasolina com motor de ignição por faísca alimentado por carburador acabariam sendo mais negligenciados num primeiro momento. Mesmo em comparação aos motores de ignição por faísca mais antigos que ainda usavam distribuidor com regulagem automática do avanço a vácuo, a precisão exigida de uma cápsula aneróide para correção barométrica do débito de uma bomba injetora mecânica é maior.

As menores pressões operacionais de um sistema de injeção indireta, refletidos num custo inicial mais atrativo diante da injeção direta, fizeram com que mantivesse um público fiel ao menos até onde foi possível manter os veículos dotados desse sistema enquadrados nas normas ambientais. A exigência de gerenciamento eletrônico do motor para todos os veículos 0km no mercado europeu levou a Ford a já apostar mais maciçamente na injeção direta mesmo em modelos mais básicos como a Ford Courier Kombi oferecida com o motor Endura-D, enquanto a Peugeot permaneceu apostando na injeção indireta ao menos com o motor DW8 que equipou versões mais simples de modelos como o Partner ao menos até 2007. Se por um lado a eletrônica proporcionou um controle mais preciso nas mais diversas condições de rodagem, além de outras vantagens como a possibilidade de incorporar um inibidor de partida (o famoso "imobilizador eletrônico") que torna necessário o uso de chave codificada para dificultar furtos, por outro trouxe aumento de custos e não deixou de causar algum descontentamento numa parte mais tradicional do público que até hoje considera o ano 2000 como o "início do fim" da superioridade do Diesel em aspectos como a confiabilidade e a robustez em condições severas e até mesmo no tocante à economia de combustível tendo em vista a interferência por vezes excessiva dos sistemas de controle de emissões sobre o desempenho dos motores.
Mesmo um controle eletrônico que seja incorporado aos motores Diesel de injeção indireta fica mais restrito à bomba injetora, normalmente do tipo distributiva (também conhecida como rotativa), facilitando a intercambialidade de alguns componentes como os bicos injetores com motores de especificação anterior com controle totalmente mecânico, minimizando não só os investimentos na linha de produção mas também o custo de eventuais reparos que venham a se fazer necessários ao longo da vida útil operacional do veículo. Como a injeção é feita em pré-câmaras no cabeçote, o próprio turbilhonamento gerado durante a aproximação dos pistões ao ponto morto superior na fase de compressão e continuado já no tempo de potência em direção ao ponto morto inferior enquanto o combustível atravessa o estreitamento entre as pré-câmaras onde já vai absorvendo calor do ciclo de combustão anterior e as câmaras de combustão compensa de certa forma as pressões de injeção mais baixas. A maior resiliência ao uso do óleo diesel de baixa qualidade ainda predominante em boa parte do terceiro mundo, proporcionada exatamente pelo uso de pré-câmaras, também fez com que a injeção indireta desperte algum saudosismo.

Nem mesmo a presença mais expressiva do turbo, que proporcionou melhorias notáveis em âmbito de desempenho e eficiência térmica nos motores Diesel, escapa a críticas. Além do preço, não é possível ignorar que esse componente exige cuidados especiais quanto à refrigeração e lubrificação, e alguns consumidores podem não estar tão dispostos a usar um óleo lubrificante de especificações adequadas para suportar as altas temperaturas na carcaça central sem formar borra. Um exemplo a ser observado é o Toyota Corolla da geração E120, que tinha diferentes opções de motor Diesel de acordo com as preferências e regulamentações de cada mercado. Com a carroceria hatchback, que no Japão teve uma proposta mais "esportiva" e foi oferecida apenas com motores a gasolina, em outros mercados havia a opção por motores turbodiesel de 1.4L e 2.0L com gerenciamento eletrônico e injeção direta do tipo common-rail, enquanto o sedan teve disponibilizado ainda o rústico 2C de 2.0L de injeção indireta controlada mecanicamente e aspiração natural que chegou a ser oferecido também no Japão até 2004 sendo o último motor Diesel a equipar qualquer versão do Corolla destinada ao mercado japonês. Ao contrário do europeu, que já não abria mão de um desempenho mais próximo ao de similares com motor naturalmente aspirado de ignição por faísca numa mesma faixa de cilindrada, o japonês ainda via no Diesel basicamente o viés utilitário e priorizava um custo menor de aquisição e manutenção em detrimento de altas potências.

Cilindros de gás natural montados por baixo do assoalho traseiro num Citroën Berlingo Multispace
Mas em meio ao crescente rigor das normas de emissões tanto nos principais mercados automotivos quanto nas respectivas áreas de influência, como conciliar a necessidade de uma redução dos custos operacionais ao menos próxima à que o Diesel proporciona, mantendo um investimento mínimo em comparação a um veículo movido só a gasolina ou etanol, ou eventualmente um "flex"? A resposta que muitas vezes parece mais simples a curto prazo acaba sendo o gás natural, facilmente adaptável à maioria dos motores de ignição por faísca, e pode ser aplicada tando em modelos dotados de injeção eletrônica como o Citroën Berlingo argentino quanto num "pau velho" com carburador como o Ford Escort Mk.4, sem sacrificar a capacidade de operar com o combustível original quando necessário. A resistência à pré-ignição, superior à do etanol, ainda possibilita o uso de misturas pobres mesmo com taxas de compressão relativamente altas, às custas de um maior risco de superaquecimento em condições de carga mais extremas e um aumento nas emissões de óxidos de nitrogênio (NOx) que são tratadas mais frequentemente como um calcanhar-de-Aquiles do Diesel.

Também é interessante observar como o downsizing está nivelando os motores de ignição por faísca a níveis de eficiência mais próximos dos que antes seriam alcançáveis somente pelo Diesel, tomando como exemplo o Volkswagen up! por pertencer ao segmento de entrada, e portanto soar como um contraponto às alegações de que o custo da evolução tecnológica seria incompatível com os carros "populares". Embora não sejam todas as versões do up! que contem com a opção pelo motor 1.0 TSI com turbo e injeção direta, a chegada desses recursos chama a atenção principalmente diante de uma resistência a novas tecnologias que não parte apenas do público consumidor mas também dos fabricantes que relutam até onde conseguem para evitar investimentos em atualização na oferta de motores nos carros "populares". Cabe destacar que, além de viabilizar a combinação entre proporção ar/combustível pobre e taxas de compressão mais elevadas, a injeção direta torna-se especialmente vantajosa para os motores "flex" brasileiros em função de uma maior facilidade na partida a frio mesmo ao usar etanol. Naturalmente, não se pode evitar um aumento no preço inicial de um veículo dotado desses recursos...
Como a injeção direta depende do aquecimento aerodinâmico ocorrido durante a fase de compressão para vaporizar o combustível, num intervalo mais curto em comparação a similares com injeção junto ao fluxo de ar de admissão, não é de se estranhar que alguns problemas já vistos no Diesel acabem sendo replicados num motor de ignição por faísca. Mesmo a gasolina e o etanol sendo combustíveis voláteis, desprendendo vapores mais facilmente, não se pode descartar o risco de uma vaporização incompleta que leva a uma formação de material particulado fino que pode até penetrar os alvéolos pulmonares e tornar-se um fator de risco para câncer de pulmão, levando até a União Européia a considerar uma obrigatoriedade de filtros de material particulado extensiva a motores de ignição por faísca numa fase futura das normas de emissões Euro. Como a carga de ar de admissão também não é refrigerada por combustível durante a passagem pelo coletor de admissão até o fim da fase de compressão, também acabam sendo encontradas condições propícias a um aumento nas emissões de óxidos de nitrogênio. Em meio a toda a caça às bruxas deflagrada pelo "Dieselgate", chega a ser um tanto irônico que o downsizing constantemente apontado como uma mordaça para silenciar discussões em torno de uma liberação do Diesel para veículos leves no mercado brasileiro possa ter um problema de proporções até semelhantes no âmbito das emissões...

Enquanto predomina uma certa mediocridade na oferta de motores de ignição por faísca, fica difícil desacreditar os méritos do Diesel no tocante à eficiência energética, bem como à adaptabilidade a combustíveis alternativos e também ao controle de emissões. À medida que tecnologias já difundidas mais amplamente entre os motores Diesel vão se firmando também junto à ignição por faísca, é até natural que um incremento no preços de aquisição os acompanhe na mesma proporção. Portanto, diante de metas para incrementar a eficiência geral das frotas mundo afora que devem ser conciliadas a uma redução de emissões, não é possível sustentar alegações de um suposto "elitismo" na defesa de uma liberação do Diesel para veículos leves no mercado brasileiro.