terça-feira, 23 de fevereiro de 2021

4 motores Diesel que seriam interessantes para adaptar num Fusca

Não se pode negar que o Fusca figura entre os carros mais icônicos a nível mundial, e também pode-se até atribuir à prevalência do modelo no Brasil mesmo quando a Volkswagen já começava a desenvolver motores Diesel no exterior como um fator que teria fomentado um comodismo em torno da ignição por faísca e a ascensão do ProÁlcool entre as décadas de '70 e '80. A simplicidade do motor original, que se notabilizou pela resiliência às mais distintas condições ambientais principalmente pela refrigeração a ar, segue cativando uma legião de entusiastas que consideram heresia substituí-lo por um motor refrigerado a água independentemente do combustível que seja usado. Mas não é possível negar que seria tentadora a adaptação de um motor Diesel, e ao menos 4 opções soam particularmente interessantes:

1 - Volkswagen 1.4 TDI de 3 cilindros: um motor que já chegou a ser usado até em versões destinadas à exportação de outros modelos da marca, seria favorecido pelo comprimento menor facilitando tanto a acomodação dentro do compartimento traseiro quanto por alterar menos a concentração de peso entre os eixos em comparação a algum motor com 4 cilindros;

2 - Yanmar 3TNV88: mais usado no Brasil em tratores, equipamentos estacionários/industriais e para acionar compressores de câmaras frigoríficas em caminhões, acabaria favorecido pela disponibilidade e por ter o comando de válvulas sincronizado por engrenagens, sem corrente nem correia para dar dor de cabeça. Mesmo não tendo uma relação peso/potência tão favorável comparado a motores veiculares, não dá para negar que permaneceria atraente devido à robustez comprovada em aplicações exigentes;

3 - Renault K9K 1.5 dCi: um dos motores turbodiesel que mais marcaram presença em mercados onde o Diesel tem boa aceitação para uso em veículos leves, seria especialmente favorecido pelos padrões de acoplamento entre motor e câmbio em diferentes gerações de motores Renault preservarem uma certa semelhança. Nesse caso, uma referência são os motores Ford CHT derivados do Renault Cléon-Fonte e que foram usados em alguns modelos da Volkswagen com as nomenclaturas AE-1000 e AE-1600 numa faixa de cilindrada de 1.0L a 1.6L na época da AutoLatina. Chegou a ser usado em veículos nacionais destinados à exportação assim como o Volkswagen 1.4 TDI, mas tal situação não garante tanta facilidade para encontrar exemplares no Brasil;

4 - Peugeot DV6: a princípio um dos motores modernos mais facilmente disponíveis no Brasil devido ao recente sucesso da linha de furgões Peugeot Expert e Citroën Jumpy, tem um tamanho compacto que pode favorecer adaptações. Em que pese a fama de excessiva complexidade da parte eletrônica em veículos produzidos pela PSA, o fato do motor DV6 também ter sido muito usado também por outros fabricantes leva a crer que eventuais adaptações estariam longe de ser impraticáveis.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2021

Toyota Bandeirante: uma opção improvável, mas ainda apreciada também por um público mais urbanizado

Robustez e versatilidade nas mais diversas condições de terreno, características que costumavam ser até mais apreciadas pelo público generalista em outros momentos, tornam modelos como o clássico Toyota Bandeirante desejável mesmo na atualidade. Ainda que a concepção rústica e a altura dêem a impressão de que seria maior do que realmente é considerando o comprimento e a largura que não comprometem a agilidade para um efetivo uso off-road, embora não seja possível negar que o conjunto motriz e o chassi são um tanto pesados, acabaria não sendo tão inconveniente para uso geral incluindo o ambiente urbano como se poderia supor num primeiro momento. Naturalmente, é preciso lembrar que não se trata de um automóvel generalista mais voltado para o uso em trechos pavimentados, tampouco um SUV da moda e suavizado ao extremo para agradar a um público essencialmente urbano que vê uma imagem de aptidão off-road como símbolo de prestígio, e portanto é necessário ter o mesmo cuidado que se deveria ter para conduzir um caminhão leve.
A suspensão por eixo rígido e molas semi-elípticas tanto na frente quanto atrás certamente não agrada a todos, destoando principalmente das expectativas por conforto que o público generalista hoje prioriza, e também não proporciona muita facilidade para acertos dinâmicos mais favoráveis à condução em alta velocidade, tanto em função da suspensão quanto pelo eixo rígido não viabilizar um uso de sistemas de direção modernos com pinhão e cremalheira e portanto mantendo o antigo sistema de setor e rosca sem-fim. Uma eventual adaptação de suspensão independente, bem como outras atualizações técnicas, pode não ser tecnicamente inviável mas não é considerada uma prioridade entre o público que o Bandeirante ainda mantém no mercado de usados. Até há quem altere outros elementos em busca de mais conforto, como substituir os bancos por outros provenientes de veículos mais modernos e que de certa forma até acabam compensando em parte a dureza da suspensão sem chegar a fazer gambiarras como a remoção de uma mola em cada feixe que poderia aumentar perigosamente a inclinação da carroceria em curvas.
Certamente a concepção robusta e de certa forma até intimidadora para outros motoristas ainda exerce o mesmo fascínio sobre uma parte do público em busca de "enxergar o trânsito por cima" como chegou a ser alardeado em peças publicitárias de SUVs, e ainda justifica a preferência pelo modelo mesmo junto a usuários mais urbanos que tenham poucos motivos para tentar explorar ao máximo a aptidão off-road. Também não é possível ignorar que, apesar de não se destacar pela aerodinâmica e contar com motores de cilindrada relativamente alta que impactam no consumo de combustível tanto quanto o elevado peso, o fato de poder contar com motorização Diesel é por si só ainda bastante apreciado por quem dá valor a uma ou mais especificidades que não seriam observadas em motores de ignição por faísca. Só o fato de ser documentado como jipe chega a valer mais para alguns adeptos que a trafegabilidade por terrenos severos, mesmo que a capacidade de carga nominal homologada para o modelo de chassi curto e capota rígida se mantenha num patamar comparável ao de hatches compactos modernos, que por sua vez são mais favorecidos no tocante à economia de combustível principalmente em função da aerodinâmica mais apurada e do peso menor mesmo diante da impossibilidade de serem documentados no Brasil com um motor turbodiesel moderno.
Embora a concepção essencialmente rústica seja por si só um dos principais atrativos para a maioria dos apreciadores do Toyota Bandeirante, não há de se duvidar que hoje pela burocracia brasileira dificultar a regularização de algumas adaptações mais complexas o apelo do modelo junto ao público urbano seja mais restrito, caso contrário veríamos um interesse em recuperar exemplares sucateados ou desgastados o suficiente para que surja a dúvida entre preferir uma restauração mais voltada à originalidade ou uma resto-mod com elementos de utilitários mais modernos. O chassi original já é suficientemente robusto para suportar alterações ou até a substituição do motor por um moderno com mais potência e torque, e a eventual preferência por um conjunto mais moderno de freios e suspensão pudesse ser o único pretexto para algum "herege" preferir montar uma carroceria de Bandeirante sobre um chassi de pick-up média moderna encurtado no entre-eixos. A bem da verdade, se não fosse pela tração 4X4 como requisito para assegurar o direito de usar motor Diesel, talvez ficasse mais improvável ver um público essencialmente urbano manter o interesse pela brutalidade do Toyota Bandeirante, principalmente em meio à moda dos SUVs que mesmo com tração nas 4 rodas quase nunca se comparam satisfatoriamente a esse clássico em condições de rodagem mais pesadas.
Às vezes apontado como um dos símbolos mais escancarados do atraso tecnológico que se observava na produção nacional de veículos por ter permanecido em linha até 2001 sem alterações tão drásticas, é impossível negar que o Toyota Bandeirante marcou época e permanece como uma referência no tocante à robustez e aptidão a condições de rodagem extremas. Fatores como uma nostalgia favorecida pelo fim da produção, eventualmente levando uma parte dos que o repudiavam quando estava em vias de sair de linha a terem alguma apreciação pelo modelo e reconhecerem tardiamente algumas qualidades, exercem uma atração até certo ponto comparável à moda dos SUVs em que pese o jipão nipo-brasileiro ir além da tentativa de parecer robusto para ser efetivamente pau-pra-toda-obra. Enfim, mesmo passando longe do que a grande maioria supõe ser um bom veículo para uso geral e majoritariamente urbano, o Toyota Bandeirante mantém fãs fervorosos e desafia a lógica (ou falta dela) aplicável ao mercado de veículos novos.

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2021

Eletrificação da frota governamental de um país com grandes extensões territoriais: uma idéia impraticável

Em meio a tantas polêmicas envolvendo a mais recente eleição presidencial americana, com Joe Biden sendo declarado eleito e empossado mesmo em meio a denúncias de fraude, o início da ocupação do cargo por ele também já foi marcada por medidas questionáveis sob um viés estritamente técnico, e que também colocam em dúvida a aptidão para exercer essa função tão crítica não só no tocante aos Estados Unidos mas que acaba por afetar todo o cenário político mundial. Uma das pautas mais estúpidas, ainda que talvez num primeiro momento não pareça figurar entre as mais perigosas para a própria segurança nacional dos Estados Unidos, foi a volta ao Acordo Climático de Paris ratificado em 2015 quando o cargo ainda estava nas mãos de Barry Soetoro Barack Hussein Obama Junior. Logo após o presidente Donald Trump deixar o posto, que exerceu entre o período Obama e a posse de Joe Biden, o atual ocupante do cargo não só voltou ao Acordo de Paris como deu um passo ainda mais largo ao anunciar planos ambiciosos para substituir mais de 600.000 veículos governamentais tanto na esfera federal quanto nas estaduais e municipais por modelos totalmente elétricos, além da conversão de cerca de 500.000 ônibus escolares.

Não é de hoje que existem iniciativas visando uma maior participação de veículos elétricos no mercado americano, principalmente na Califórnia onde algumas preocupações inicialmente legítimas quanto à contaminação ambiental tomaram proporções questionáveis a ponto de tornarem-se impraticáveis e até ilógicas em determinados momentos. Um súbito incremento na demanda por automóveis e utilitários elétricos motivado somente por preferências políticas, como diga-se de passagem é o caso da Califórnia onde normalmente o eleitorado tende a ser mais favorável ao partido no qual Joe Biden é afiliado, pode até parecer suficiente para impulsionar o surgimento de uma demanda tanto da parte de instituições públicas quanto de grandes frotistas do setor privado que vislumbrem algum benefício, mas permanece necessário analisar fatores que vão desde as condições operacionais encontradas em diversas atividades até o suprimento da energia elétrica para assegurar a prontidão em algumas funções mais críticas como serviços de emergência e forças militares. De fato, em algumas situações pode até ser plausível o uso de veículos 100% elétricos, embora sejam demasiadamente especializados para um uso mais regionalizado e com intervalos de tempo suficientemente previsíveis para a recarga das baterias, ao passo que o motor de combustão interna permanece desejável em outras condições nem que seja somente para acionar um gerador on-board em alguns tipos de veículo híbrido plug-in.

Enquanto alguns alegam que a eletricidade seria mais versátil numa comparação até a biocombustíveis, tendo em vista que um motor elétrico não vá fazer distinção entre a energia gerada por usinas nucleares ou hidrelétricas por exemplo enquanto num motor "flex" tende a haver uma diferença no desempenho e no consumo alternando entre a gasolina e o etanol, ainda é justificável considerar a maior viabilidade da permanência do motor de combustão interna na matriz energética do transporte. Se por um lado é ainda mais indispensável em frotas militares que trafeguem por regiões onde não só a energia elétrica tem um fornecimento extremamente precário mas também a variação nas especificações dos combustíveis torna desejável um motor com capacidade multicombustível hoje predominantemente baseado na tecnologia dos motores Diesel tanto para os veículos quanto para equipamentos especiais como grupos geradores instalados nas bases militares tanto em território americano quanto nas missões em outros países, por outro convém recordar como intempéries podem prejudicar o fornecimento de eletricidade em algumas localidades mesmo com os Estados Unidos sendo um país desenvolvido. Só a temporada de furacões que geralmente afeta mais intensamente a Flórida já seria um motivo suficiente para considerar estúpida a hipótese de serviços como polícia, bombeiros e ambulâncias ficarem impossibilitados de atender às emergências, especialmente em momentos de maior vulnerabilidade, e portanto seria menos inoportuno eventualmente recorrer a veículos híbridos plug-in.

Também se faz necessário frisar que tornou-se especialmente problemática a apresentação de sistemas híbridos como se fossem inerentemente antagônicos ao Diesel, inibindo alternativas que já até poderiam otimizar o uso de recursos energéticos para operadores cujas condições de rodagem inviabilizam que se recorra à eletrificação total das frotas, ou cuja abrangência geográfica da operação exija a versatilidade que não se replica sem a capacidade de gerar energia a bordo com o auxílio de um motor de combustão interna. E mesmo que o desenvolvimento de uma nova infra-estrutura especificamente para recarga das baterias de veículos elétricos já esteja em curso, é relevante considerar o impacto ambiental que alguns sistemas de geração de eletricidade apresentam não apenas a curto prazo mas também de médio a longo prazo, tanto pela complexidade que os sistemas de geração de energia alegadamente renováveis possam apresentar quanto pela proporção entre a área ocupada e a capacidade instalada. A utopia quanto ao uso de geradores eólicos e painéis solares eventualmente suprir os aumentos na demanda pela eletricidade a serem causados por frotas maciçamente eletrificadas acaba sendo o menor dos problemas, considerando tanto a necessidade de distribuir pontos de recarga rápida de baterias abrangendo um raio que permita à operação de veículos elétricos ter alguma previsibilidade no tocante à distância percorrida entre pontos de apoio quanto o fato de ser mais difícil trocar uma bancada de baterias por outra com mais carga em comparação a reabastecer um tanque de combustível com auxílio de uma "Jerry can" para retornar a um local com infra-estrutura mais consolidada.

Ao anunciar um plano tão ambicioso sem definir um prazo concreto, Joe Biden suscita dúvidas quanto à viabilidade de eletrificar totalmente a frota governamental dos Estados Unidos, e a situação até guarda algumas semelhanças com outros países como a Austrália e até o Brasil, apesar das disparidades entre a economia americana e a brasileira ditarem diferentes graus de dificuldade técnica e logística. Não sendo necessário mencionar as controvérsias envolvendo o etanol tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos, a bem da verdade o uso de biocombustíveis ainda pode ser mais "sustentável" inclusive a longo prazo já considerando uma maior eficiência no fechamento dos ciclos do carbono e do nitrogênio aproveitando a biomassa para fins energéticos ao invés de simplesmente degradar liberando na atmosfera o metano que é o principal componente do gás natural, e que alguns sistemas de cogeração por microturbinas podem usar como combustível mesmo com as impurezas contidas no "biogás" sem a purificação para aumentar a concentração de metano que viabilize o uso do biometano em motores convencionais. Enfim, mesmo que alguns acreditem que a intenção seja boa, a eletrificação total de frotas governamentais em países de grande extensão territorial permanece inviável.

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2021

Do calhambeque ao SUV: uma reflexão sobre aspectos utilitários na concepção de alguns veículos

O mercado automobilístico sempre apresentou uma série de desafios, nem sempre abordados da forma mais ortodoxa possível mesmo em modelos que obtiveram um grande sucesso comercial como o Ford Modelo T, e ainda hoje pode-se dizer sem medo de errar que a idéia por trás de um veículo "popular" é uma das mais complicadas para atender devido à grande quantidade de variáveis definindo os principais perfis de utilização. Naturalmente, considerando o ciclo de produção do calhambeque lançado em 1908 estendeu-se até 1927 basicamente sem alterações tão profundas, o simples fato de ter sido lançado num período em que a estrutura viária ainda era extremamente precária mesmo no país que se encaminhava para se consolidar como a maior potência ocidental pressupunha a efetiva necessidade de uma aptidão a trafegar por trechos um tanto inóspitos para a imensa maioria dos automóveis modernos. A maior ironia em meio às mudanças ocorridas ao longo desses mais de 100 anos é que hoje as pretensões aventureiras tenham passado à condição de um certo status alicerçado em alguns modismos que acabam se afastando do orçamento de uma parcela expressiva do público que atualmente consome automóveis "populares".
Também é pertinente fazer uma analogia de como um mesmo conceito básico aplicado aos processos de fabricação de um calhambeque na época persistem na estratégia corporativa da Ford, considerando que o modelo mais importante da linha em âmbito global hoje é a pick-up média Ranger cuja concepção de chassi separado da carroceria e motor longitudinal com tração predominantemente traseira (lembrando a disponibilidade das versões 4X4) por eixo rígido com suspensão por molas semi-elípticas permaneceu em que pesassem as evoluções mais drásticas no tocante à suspensão independente dianteira e sistemas como direção e freios. Salientando especificamente o caso brasileiro, no qual uma pequena aristocracia ainda era quem tinha mais facilidade para adquirir automóveis na época do Ford T assim como hoje as pick-ups médias foram alçadas da posição de instrumento de trabalho a uma condição mais prestigiosa, desdobra-se uma perspectiva ainda mais favorável a equiparações mesmo entre esses tipos de veículos que à primeira vista podem parecer mais diferenciados do que somente a idade poderia sugerir, levando em consideração também o que ocorre nos Estados Unidos onde da época de lançamento do Ford T até o relançamento da Ranger como um modelo mundial as pick-ups tornaram-se mais favorecidas que um automóvel tanto no âmbito de metas de redução de consumo de combustível e no controle de emissões quanto por uma tributação mais favorável dada a classificação como "caminhão leve". Apesar de haver circunstâncias que justifiquem eventuais privilégios a veículos de uso misto em detrimento de outros mais especializados, bem como de uma maior aptidão a condições de uso severas que poderia atender mais satisfatoriamente a uma grande parte dos atuais consumidores de carros "populares" mundo afora, também não se pode ignorar a existência um comodismo motivando fabricantes como a Ford a darem uma maior prioridade a caminhonetes como a Ranger não só pela lucratividade mas de certa forma também por não fugir tanto de um layout que a empresa está bem acostumada a aplicar aos principais produtos.

Às vezes uma abordagem mais complexa pode soar mais favorável para atender a tantas expectativas de consumidores generalistas na cidade ou no campo, como foi o caso do Fusca se considerarmos a origem do projeto e as condições da Alemanha durante o período entre-guerras e como algumas características do modelo a exemplo da suspensão independente nas 4 rodas e do motor refrigerado a ar não eram tão usuais em automóveis. De fato, o modelo que deu origem à Volkswagen que nós conhecemos hoje fez um grande sucesso mundo afora, e permanece entre as principais referências para mensurar o quão bem sucedidos comercialmente foram alguns veículos mesmo dentre outras categorias como motocicletas e caminhões no Brasil, em que pese a configuração de motor traseiro antes decisiva para cativar o público interiorano devido à boa aptidão para transposição de trechos não-pavimentados com as mais diferentes topografias mesmo contando com tração somente traseira ter sido abandonada nos veículos compactos generalistas de projeto mais recente em grande parte devido a eventuais empecilhos que poderia causar à acomodação de bagagens e pequenas cargas. Naturalmente, a disposição do motor e a configuração de tração não são os únicos fatores que definem a aptidão de um automóvel com pretensões populares para transpor trechos irregulares, tomando por referências o Citroën 2CV com motor e tração dianteiros que em alguns países foi uma pedra no sapato do Fusca e o polêmico Gurgel BR-800 com motor dianteiro e tração traseira que visava preencher a lacuna deixada pelo primeiro encerramento da produção nacional do Fusca.

Outro aspecto que chama a atenção foi como aspectos utilitários que efetivamente preconizavam o uso de soluções técnicas mais modestas como no caso do Jeep CJ-5 deram lugar a uma busca por afirmação do proprietário, nem sempre refletida nas especificações dos SUVs da moda como o Jeep Renegade que ao contrário de modelos mais antigos da marca normalmente é mais visto em versões de tração simples, nesse caso dianteira como tornou-se o atual padrão nos modelos generalistas. Enquanto o CJ-5 recorreu a uma configuração que justificava principalmente as versões de tração simples serem vistas como uma espécie de equivalente aos calhambeques, tendo em vista o uso não só do chassi separado da carroceria e do motor longitudinal, à tração traseira somava-se a suspensão por eixo rígido e molas semi-elípticas em ambos os eixos, e no caso dos 4X4 é conveniente recordar que essa característica foi mais destacada durante o desenvolvimento dos Jeeps originais para atender à demanda das forças militares americanas na II Guerra Mundial. O mais curioso é que, enquanto o CJ-5 chegou a ocupar o posto de veículo mais barato do Brasil durante uma parte do ciclo de produção continuado pela Ford valendo-se do espólio da Willys-Overland do Brasil enquanto já ocorria uma diferenciação entre soluções "arcaicas" que ainda encontravam um espaço nos utilitários à medida que outras difundiam-se mais entre os veículos leves, hoje um Jeep Renegade que não destoa tanto das características construtivas de um hatch "popular" foi alçado à condição de objeto de desejo da classe média tão somente em função de ser classificado como um SUV até nas versões de tração simples enquanto as 4X4 acabam sendo vistas como uma forma de burlar as restrições ao uso de motores Diesel por já serem homologadas como "utilitário".

A ascensão dos SUVs com um público cada vez mais urbano, motivando inclusive decisões como da General Motors oferecer a geração atual do Chevrolet Tracker produzida no Brasil e na China só com tração dianteira, é um retrato bastante curioso de como as aspirações prestigiosas sobrepõem a forma à função nessa categoria, contrastando com a necessidade de manter a concepção mais "bruta" em outras categorias como as pick-ups médias tomando por referência a Chevrolet S10. Ainda que a percepção de um tamanho eventualmente maior que o verdadeiro e o formato da carroceria fascinem consumidores que suponham estar mais seguros a bordo de um utilitário suavizado como o Tracker e vejam na versão High Country da S10 uma opção à falta de sedãs grandes nas principais marcas generalistas e até certo ponto a influência dos Estados Unidos refletida na aceitação das pick-ups fora do cenário estritamente profissional, a atual prevalência da tração dianteira e da estrutura monobloco nos compactos não justifica a percepção de maior "prestígio" às configurações mais rústicas sem levar em consideração o contexto em que estão inseridas. Enfim, se hoje um layout voltado à eficiência e redução de custos com a tração dianteira e motor transversal é mais apreciado em condições de rodagem não tão pesadas, por outro lado a rusticidade "de calhambeque" não perde espaço nas pick-ups médias e grandes mesmo com o direcionamento de algumas versões mais para transmitir a imagem de estilo de vida ativo que serem efetivamente destinadas ao trabalho pesado para o qual preservam uma inegável aptidão.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2021

Lada Niva: difícil justificar a falta de um motor Diesel desde o início

Um modelo tão polêmico quanto icônico, o Lada Niva se destaca pela reconhecida aptidão off-road que permitiu conquistar mercados de exportação até em regiões mais alinhadas à OTAN mesmo em meio à Guerra Fria. Nem o fato de ter permanecido sem qualquer opção de motor Diesel de '77 até '99 impediu que conquistasse fãs na Europa Ocidental, embora de '99 a 2007 contasse com o motor Peugeot XUD9 já considerado defasado em meio à crescente sofisticação técnica observada numa geração subsequente de motores turbodiesel de injeção direta que se firmavam na preferência dos consumidores generalistas. Mas se por um lado o desinteresse do público russo por motores Diesel devido a um preço inicial maior e eventuais dificuldades na partida a frio em condições extremas podia ser visto como uma justificativa conveniente para que o Niva tivesse seguido por uma parte considerável do ciclo de produção só com o motor a gasolina, em mercados de exportação tão diversos quanto a Inglaterra onde era comercializado como Lada Cossack até '96 ou o Brasil onde uma operação comercial confusa e a precariedade da rede de assistência técnica deram um contorno sombrio à presença da Lada na década de '90 possivelmente um motor Diesel mesmo que fosse tão rústico como o Perkins 4-108 poderia ter favorecido o modelo.

No caso específico do Brasil, cuja operação local da Lada estava subordinada a uma trading localizada no Panamá, o fato de alguns motores originais russos terem vindo com algumas falhas injustificáveis como a falta de alguns anéis de segmento dos pistões já seria um motivo mais que suficiente para que se preferisse um motor proveniente de outsourcing, que diga-se de passagem foi uma prática relativamente comum entre importadores de veículos soviéticos na Europa Ocidental até a década de '80 visando tanto atender à preferência por uma maior sofisticação entre motores a gasolina quanto sanar uma ausência de motores Diesel em alguns modelos. Levando em consideração também as acusações de dumping feitas pelo empresário João Augusto Conrado do Amaral Gurgel (1926-2009) quando começavam a surgir as perspectivas para uma reabertura do mercado local a veículos importados, fica ainda mais difícil ignorar a incoerência de uma operação que nem ao menos tentava aproveitar a vantagem competitiva conferida pela tração 4X4 para a eventual homologação de versões Diesel. Por mais que o preço inicial tenha sido o grande atrativo durante a incursão da Lada no mercado brasileiro, e certamente a opção por um motor Diesel causaria um impacto bastante significativo nesse aspecto, um descaso na montagem dos motores a gasolina originais a ponto de chegarem faltando peças tão importantes como anéis de segmento seria mais um bom motivo além do menor consumo de combustível para considerar até um motor Diesel que já era apontado de forma um tanto exagerada como "defasado" desde a década de '70 como o Perkins 4-108.

Além do hábito dos importadores na Europa Ocidental de fazerem uma "dieselização" dos automóveis soviéticos por conta própria já ter soado como um bom precedente para uma eventual disponibilização do motor Perkins 4-108 que pudesse já ter atendido bem ao Lada Niva, vale destacar que o modelo teve também a montagem no regime CKD em países tão diversos quanto a Grécia (de '85 a '95) e o Equador (entre os anos 2000 e 2009) além do Uruguai (como Bognor Diva Furgón entre 2000 e 2007 com motor Peugeot DW8) leva a crer que a dependência por um motor a gasolina poderia ter sido eliminada antes. Naturalmente, para seguir oferecendo ao menos uma opção Diesel ou turbodiesel para os mercados de exportação acabaria sendo necessário abdicar da rusticidade em função das mesmas regulamentações de emissões que levaram à eliminação do carburador e do platinado no motor a gasolina com a introdução de injeção e ignição eletrônicas que posteriormente também receberiam atualizações, mas não há como negar que o Lada Niva poderia ter se beneficiado desde o início da produção mesmo que com um motor demasiadamente rústico aos olhos do público generalista. Enfim, mesmo tendo cativado um público que mantém o interesse pelo modelo e despertando a curiosidade de entusiastas e só ter passado a dispor da opção Diesel quando o motor oferecido estava mais distante das expectativas do público nos mercados que teoricamente seriam mais receptivos, é difícil justificar que não tenha sido oferecido um motor até eventualmente mais adequado à proposta do modelo durante o início do ciclo de produção.