quarta-feira, 28 de outubro de 2015

Uma reflexão sobre a atual rejeição "sudaca" ao ciclo Diesel

Influenciado por diversos motivos que vão desde o custo inicial elevado diante de similares de ignição por faísca até interesses políticos mais obscuros, passando pela péssima qualidade do óleo diesel produzido na Venezuela, já faz algum tempo que os motores Diesel vem perdendo espaço entre os veículos leves em diversos mercados da América do Sul. Para quem cresceu considerando que "carro de argentino tem que ser a diesel", chega a ser chocante constatar que na Argentina alguns fabricantes já se limitam a oferecer essa opção apenas em veículos comerciais como é o caso da Ford.

Ainda que apenas Brasil e Uruguai tenham limitações expressas à comercialização e licenciamento de veículos com motor Diesel baseadas em capacidades de carga, passageiros e/ou tração, sob a infundada alegação de assegurar o fornecimento do óleo diesel prioritariamente para funções utilitárias, comerciais, agrícolas, estacionárias e industriais, esse aspecto é o que menos tem exercido influência em outros mercados. O empobrecimento sul-americano, resultado direto do crescimento do chavismo (ou "bolivarianismo") na região, acaba por influenciar um maior imediatismo na tomada de decisões estratégicas, que de certa forma incluem a aquisição de um automóvel particular. Também tem sido cada vez mais comum uma concentração dos maiores volumes de vendas em torno dos modelos de entrada devido ao alto custo em todos os segmentos do mercado automotivo e à manutenção presumivelmente mais barata de carros compactos. A participação cada vez mais expressiva de fabricantes chineses, muitos dos quais com produtos baratos mas de qualidade duvidosa e pouca ou nenhuma experiência com motores Diesel, é outro fator que de certa forma pode ser considerado determinante nos rumos um tanto sombrios que o mercado automotivo vem tomando em países periféricos.

As políticas destinadas à promoção do uso de combustíveis alternativos também tem seguido um rumo menos favorável ao Diesel, com o gás natural ganhando espaço na Venezuela desde 2009 quando o então ditador Hugo Rafael Chávez Frías instituiu uma cota mínima de 50% do mercado local para veículos com sistema "dual" de combustível aptos a operar tanto com gasolina quanto com gás natural, e um ambicioso programa de conversões para atender à frota circulante. Os preços baixos e relativamente estáveis do gás natural, que dispensa o oneroso processo de refino necessário para a produção de gasolina e óleo diesel convencional a partir do petróleo bruto, fazem com que seja um tapa-buracos para o déficit provocado pelos pesados subsídios à gasolina e ao óleo diesel no caixa da PDVSA (Petróleos de Venezuela S.A.), liberando maiores quantidades dos mesmos para serem exportados a valores reais de mercado. A lavagem cerebral promovida na mídia venezuelana, contando inclusive com a participação do piloto de corridas Ernesto "E.J." Viso, apela tanto ao aspecto da economia nos custos operacionais do veículo rodando com gás natural quanto à questão ambiental, ainda que esse seja um ponto mais questionável.
A simples substituição da gasolina e do óleo diesel convencional pelo gás natural não reduz, tampouco elimina, a dependência por combustíveis fósseis como poderiam fazer o uso direto de óleos vegetais como combustível veicular, o biodiesel, o etanol e até mesmo o biogás/biometano mas, num país que hoje importa aproximadamente 80% de todos os alimentos que consome e já sofre com uma severa escassez, a incompetência estatal e a alienação do povo são uma dificuldade para a implementação de técnicas agropecuárias modernas destinadas a conciliar a segurança alimentar com a disponibilidade de matérias-primas para a produção de biocombustíveis na Venezuela. A bem da verdade, a oferta de gasolina mais barata que água estimulou por muito tempo um alinhamento do mercado automotivo venezuelano com os Estados Unidos, com participação mais forte da ignição por faísca não só em veículos leves de passageiros mas também em utilitários comerciais, e também uma popularidade de motores entre 6 cilindros em linha e 6 a 8 cilindros em V (V6 e V8) e alta cilindrada, e hoje com a economia retraída fica mais difícil promover uma renovação de frota priorizando veículos mais eficientes, e o gás natural é apresentado como uma solução de fácil implantação a um prazo relativamente curto.

Por incrível que pareça, sai mais barato para a ditadura "bolivariana" da Venezuela arcar tanto com os custos das conversões de veículos mais antigos para o gás natural quanto da instalação do sistema "dual" nos 0km produzidos localmente ou importados, podendo redirecionar ao menos uma parte do montante antes destinado a cobrir os subsídios para correr atrás do prejuízo e renovar as sucateadas refinarias venezuelanas de modo que fiquem mais competitivas no atendimento a mercados de exportação. Alguns tradicionais consumidores do óleo diesel venezuelano, como o Paraguai, já não aceitam mais o baixo padrão de qualidade, sobretudo os teores de enxofre que chegam a 5000 partes por milhão (S-5000), enquanto em outros como o Uruguai esse parâmetro tem servido de pretexto para os críticos que equivocadamente atribuem aos motores do ciclo Diesel uma imagem de "poluidor" que tem na precariedade dos insumos disponíveis um impacto mais decisivo.

Sendo um dos maiores produtores de petróleo e derivados no mundo, a Venezuela acaba por exercer grande influência sobre as políticas energéticas de países vizinhos, principalmente do Equador, do Peru e da Bolívia, sendo que esta última já tem um programa de conversão para gás natural semelhante ao venezuelano que já alcançou mais de 30% de toda a frota circulante e 80% de todos os veículos de transporte público, atingindo até mesmo microônibus originalmente equipados com motor Diesel modificados para funcionar no ciclo Otto apenas com o gás natural que mesmo sem os pesados subsídios ainda custa a metade do preço do óleo diesel importado da Venezuela. Assim, por mais que a defasagem nas normas de emissões nesses países pareça convidativa ao uso de biocombustíveis de baixa tecnologia como óleos vegetais puros ou até etanol em motores do ciclo Diesel, essa alternativa que poderia garantir oportunidades para pequenos produtores rurais, favorecer a independência energética e promover uma maior estabilização biológica, é solenemente ignorada. Não se pode esquecer que criar uma dependência tão grande sobre um único fornecedor de combustíveis, principalmente estrangeiro, é também um erro sob o ponto de vista de segurança, defesa e soberania nacional, e justamente o ciclo Diesel tanto favorece uma maior versatilidade no uso de combustíveis alternativos que é a opção mais escolhida por frotas militares mundo afora.

Mesmo em mercados que vem enrijecendo as normas de emissões alguns erros tem acontecido, como é o caso do Brasil, da Argentina e do Chile, perdendo-se oportunidades de promover o uso de biodiesel puro e por conseguinte desenvolver um melhor entendimento acerca dos efeitos adversos que possa apresentar sobre a atual geração de sistemas de controle de emissões. Um caso peculiar é o do Chile, que tem um grande litoral e uma forte produção de peixes em cativeiro nas chamadas "haciendas marinas", não apenas o salmão mas também a merluza, esta última um peixe branco, que por sua vez concentra a maior parte da gordura corporal no fígado, facilitando a extração de óleos que podem servir de matéria-prima para biodiesel. No entanto, recentemente o governo chileno implementou um "imposto verde" que esse ano é 3 vezes mais caro para automóveis, sport-utilities e pick-ups com motor Diesel em comparação a similares com motor a gasolina, em 2016 se tornará 4 vezes mais caro e a partir de 2017 será 5 vezes superior. Por mais que as emissões de óxidos de nitrogênio (NOx) ainda sejam mais elevadas nos motores Diesel em comparação à ignição por faísca, um país como o Chile que ainda depende de combustíveis fósseis importados não deveria perder a oportunidade de promover uma transição para combustíveis mais limpos e produzidos com recursos regionais. Além do biodiesel, devido à atual prevalência da injeção direta, é possível usar etanol produzido a partir do bagaço de uva que sobra da produção de vinho em motores do ciclo Diesel, reduzindo consideravelmente a emissão dos NOx sem no entanto abrir mão da maior eficiência termodinâmica inerente à ignição por compressão.

Considerando a extrema dependência da América do Sul pela agricultura, tanto de subsistência quanto de exportação, não faltam oportunidades para agregar valor aos cultivos de gêneros alimentícios e ao mesmo tempo fomentar a produção de biocombustíveis a partir de resíduos agropecuários diversos, dispensando a expansão das atuais fronteiras agrícolas e reduzindo a sazonalidade associada principalmente ao etanol. No entanto, a "nacionalização" dos hidrocarbonetos em países como a Venezuela, a Bolívia e também o Brasil, faz com que os governos de alguma forma desincentivem o mercado a investir nos biocombustíveis em função da intensa centralização do setor energético. Para focar no caso brasileiro, por exemplo, a Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) garante o monopólio da Petrobras ao impedir a comercialização varejista do biodiesel e do etanol carburante diretamente pelo produtor, e assim os efeitos da instabilidade política e econômica intensificam os riscos de se investir nesse mercado.

O condicionamento dos brasileiros e de outros povos sul-americanos em geral a verem o Diesel como "sujo" apesar do custo operacional reduzido, não só devido à precariedade do óleo diesel convencional ao longo de tantas décadas mas também pelo atraso tecnológico no controle de emissões, fez com que os híbridos se tornassem a nova vedete dos "ambientalistas". No entanto, a relação custo/benefício destes é desfavorável em comparação ao Diesel, e alguns componentes do footprint ambiental são ocultados por artifícios publicitários. Além da extração mineral mais intensa requerida para obtenção de matérias-primas para a produção de ímãs para os motores elétricos e eletrólitos para as baterias de tração, todos os processos de logística e beneficiamento industrial desses materiais tem um grande consumo de energia que nem sempre é gerada de uma forma limpa ou eficiente, e assim um balanço entre a redução nas emissões do veículo híbrido ao longo da vida útil operacional e na produção dos componentes do sistema de tração elétrica nem sempre é positivo. Muito se tem especulado sobre o uso do etanol em veículos híbridos com motor de ignição por faísca, mas o custo inicial ainda é mais elevado que o de um Diesel de injeção direta, também adaptável a uma operação segura e eficiente com etanol.

De um modo geral, apesar do atual cenário político da região se mostrar desfavorável, a melhor opção para fortalecer a segurança energética na América do Sul passa por uma derrubada das restrições que vem sendo levantadas contra o uso de motores Diesel em veículos leves, fomentando paralelamente o desenvolvimento de biocombustíveis que possam ser facilmente integrados à produção de gêneros alimentícios e commodities agroindustriais, sem deixar de considerar também especificidades ambientais e os diferentes estágios do progresso tecnológico alcançado pelos respectivos mercados automotivos nacionais.

sexta-feira, 23 de outubro de 2015

Observações sobre o novo aumento do IPI para veículos com motor Diesel

Ontem, 22 de outubro de 2015, foi um dia sombrio para dieselheads de todo o Brasil, com a publicação no Diário Oficial da União de um aumento na alíquota do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) direcionada especificamente aos automóveis com motor Diesel e acomodações para até 6 passageiros, passando de 15% para ultrajantes 45% até 31 de dezembro de 2017, retornando para os 15% apenas em 1º de janeiro de 2018. Um dos modelos mais prejudicados pelo decreto, sem sombra de dúvida, é o Jeep Renegade, primeiro da nova geração de SUVs compactos com motor transversal a ser produzido localmente e contar com versões Diesel não apenas para exportação mas também no mercado doméstico onde antes apenas uma escassa quantidade de SUVs compactos importados gozavam desse "privilégio".
Embora muita gente ignorante veja a nova geração de veículos com motores turbodiesel modernos como um mero pretexto para "ostentação", a notável evolução tecnológica que vinha sendo proporcionada pela disponibilidade dos mesmos no mercado brasileiro já era por si só um bom pretexto para promover uma requalificação de uma parte considerável dos mecânicos automotivos que passariam a ter contato mais direto com o que já era uma realidade consolidada em mercados mais desenvolvidos, e com o tempo algumas tecnologias também acabariam por alcançar os segmentos agrícola e náutico já com uma parte do custo de desenvolvimento mais amortizada, e até mesmo equipamentos estacionários/industriais que são menos vulneráveis à questão da relação peso/potência viriam a apresentar uma maior eficiência, produtividade e facilidade de operação.

Uma das desculpas infundadas que estão sendo usadas para tentar justificar o injustificável, dessa vez, é a alteração do "regime automotivo" instituído em 2012, o Inovar-Auto, de modo a priorizar uma maior proximidade entre médias de consumo de etanol e gasolina nos veículos com motor "flex" de ignição por faísca. A bem da verdade, muitas tecnologias que já são amplamente difundidas em motores do ciclo Diesel há mais de duas décadas e vem acumulando significativas evoluções refletidas não apenas no desempenho mas também na eficiência energética e redução dos índices de poluição, caso da injeção direta e da sobrealimentação por turbocompressor, são aplicáveis aos motores de ignição por faísca e possibilitam que a meta estipulada no Inovar-Auto seja atendida com mais facilidade. Manter a indústria automotiva instalada localmente cada vez mais alienada com relação aos progressos tecnológicos que chegam aos motores Diesel para aplicações leves no exterior mostra-se, portanto, uma profunda incoerência.


A abrangência desse aumento de IPI também é controversa, visto que nenhum dos veículos potencialmente afetados pela medida é especificado no documento de registro como "automóvel", mas como "caminhonete", "camioneta" ou "jipe". Por serem classificados como "utilitários" devido a critérios um tanto subjetivos baseados em capacidades de carga, passageiros ou tração que podem contar com motor Diesel ao menos como opcional, embora em alguns casos esta tenha se tornado a única opção de motorização disponível como é o caso das caminhonetes Hyundai HR e dos jipes Troller. Embora as plataformas desses veículos não sejam de todo inadequadas ao uso de motores movidos por outros combustíveis, não apenas a gasolina mas também o etanol e o gás natural, além dos custos da gasolina estarem mais atrelados aos interesses políticos do momento, o etanol ainda ser muito sazonal e ter a oferta afetada pelos preços do açúcar, e o gás natural além de ser mais complicado de manejar em comparação a um combustível líquido ainda tem uma disponibilidade menor nos rincões do interior, uma maior quantidade de qualquer um desses combustíveis se faria necessária para manter a mesma autonomia em comparação a um similar movido a óleo diesel convencional, biodiesel ou até mesmo óleos vegetais naturais, o que afetaria a capacidade de carga tanto em peso quanto em volume, algo bastante indesejável não apenas em operações comerciais mas também em deslocamentos por regiões mais isoladas onde alguns suprimentos se tornam mais escassos.

É de se lamentar que num país como o Brasil, com forte tradição agroindustrial e grande potencial para promover uma integração entre a produção de gêneros alimentícios, biocombustíveis e commodities industriais, esteja sendo perdida a oportunidade de se estudar mais a fundo os efeitos colaterais que proporções maiores de biodiesel e o uso direto de óleos vegetais como combustível veicular possam ocasionar à atual geração de dispositivos de controle de emissões, bem como formas de amenizar esse problema de forma que o desempenho e a eficiência energética dos veículos sofram o menor impacto possível. Também acaba arrefecido um eventual interesse em aplicações do etanol a motores Diesel, já viabilizadas em veículos pesados e maquinário agrícola como comprova a oferta de caminhões e ônibus Scania com essa configuração e adaptações feitas de forma independente em frotas de usinas sucroalcooleiras, embora a eficiência térmica superior do ciclo Diesel em comparação ao ciclo Otto usado na atual geração de motores "flex" com ignição por faísca se mostrasse ainda mais coerente à proposta de incrementar a economia de combustível ao usar etanol nos veículos leves.

Na pior das hipóteses, até mesmo a segurança e defesa será afetada fortemente por uma menor participação de motores Diesel modernos no mercado nacional, visto que os custos de produção também acabariam por sofrer um aumento devido à retração no volume de vendas, e por extensão seriam repassados àqueles que não podem se dar ao luxo de abrir mão do Diesel por motivos operacionais. Um caso que cabe salientar é o da atual geração da Chevrolet S10, que vem sendo muito usada por forças policiais, e cujo motor 2.8CDTI oferecido como opção já atinge faixas de torque próximas a motores turbodiesel com cilindrada cerca de 30% superior e também mais pesados e volumosos. Indo mais além, a melhoria nas relações peso/potência e peso/torque é desejável não apenas em viaturas de patrulhamento ostensivo em ambiente urbano mas também em aplicações táticas fora-de-estrada onde uma distribuição de peso entre os eixos mais equilibrada resultaria numa maior facilidade para transposição de obstáculos e menor tendência do veículo afundar ao passar por pisos muito macios.

Vale levar em consideração também um ponto sobre as alíquotas de IPI baseadas em faixas de cilindrada hoje em vigor no Brasil: como motores Diesel vem apresentando valores de torque específico (kgf.m/L) superiores aos similares de ignição por faísca, levariam uma vantagem nesse aspecto tendo em vista que mesmo com uma cilindrada menor apresentariam desempenho satisfatório em todas as condições e boas médias de consumo de combustível ao mesmo tempo que estariam sujeitos a uma alíquota menor do IPI. Portanto, além das atuais restrições ao uso de motores Diesel em veículos leves com capacidade de carga inferior a 1000kg, tração 4X2 (ou 4X4 sem reduzida) e acomodações para menos de 9 passageiros (sem contar o motorista) já serem por si só injustificáveis nos dias de hoje, o aumento no IPI especificamente desfavorável aos veículos equipados com motor Diesel é mais um daqueles atos que demonstra o parasitismo do atual governo que, além da incompetência no tocante à segurança energética, permanece chafurdado em esquemas de corrupção e mais uma vez repassando a conta para o cidadão de forma desaforada e despudorada.

quinta-feira, 22 de outubro de 2015

Dieselgate: reflexos confirmados no Brasil

O que parecia improvável diante da defasagem entre as normas de emissões em vigor no Brasil e em mercados mais avançados foi confirmado oficialmente durante a tarde de ontem pela Volkswagen do Brasil: cerca de 17.000 exemplares da pick-up Volkswagen Amarok fabricados entre 2011 e 2012 estão relacionados no episódio que ficou conhecido como "Dieselgate", e já anunciou que fará um recall em 2016 para substituição do software da central de controle eletrônico do motor.
O motor usado nos modelos é o mesmo EA189 que foi o pivô do escândalo no exterior, produzido na Alemanha de onde é enviado para a fábrica onde a Amarok destinada ao mercado brasileiro é produzida, em General Pacheco, na Argentina. Mas será que o tal recall vai mesmo se limitar a cerca de 17.000 exemplares e aos anos-modelo de 2011 e 2012? Em 2011 ainda vigorava no Brasil a norma Euro-3, embora 2012 tenha sido um ano de transição para a Euro-5 que ainda está em vigor, e alguns testes conduzidos na Europa tenham constatado uma discrepância nas emissões estipuladas por essa regulamentação, ainda que numa proporção menos intensa que a observada nos Estados Unidos.
Considerando que o problema das emissões ao menos em tese não afeta diretamente a segurança na operação dos veículos, não é de se descartar que um recall possa vir até mesmo a ser negligenciado. Além da Volkswagen Amarok, há ainda alguns exemplares do Audi Q5 2.0TDI trazidos por importação independente e também equipados com esse motor em circulação no Brasil. Resta saber se a Volkswagen do Brasil vai dar a mesma assistência aos proprietários desse modelo ou se a responsabilidade por uma readequação às normas de emissões que eventualmente se faça necessária ficará a cargo dos importadores.

quarta-feira, 21 de outubro de 2015

Uma reflexão sobre novos horizontes para o biodiesel

Recentemente, o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) autorizou uma adição facultativa de percentuais de biodiesel superiores aos atuais 7% já obrigatórios (o blend conhecido como B7) no óleo diesel convencional. Os limites fixados em até 20% (B20) para veículos rodoviários atendidos por pontos de abastecimento próprio, 30% (B30) para o transporte ferroviário, 30% para aplicações agrícolas e estacionárias/industriais, no entanto, são até certo ponto conservadores demais, embora o uso de biodiesel puro (B100) já esteja autorizado para "uso experimental e outras aplicações", uma definição até um tanto subjetiva. Já a venda de tais blends diretamente ao consumidor final nos postos ainda está vetada, sob a alegação de que ainda faltam garantias dos fabricantes de motores que as novas misturas não acarretarão danos aos veículos e equipamentos, o que de certa forma dificulta uma adoção mais ampla por parte de consumidores com uma demanda menor e que não tenham instalações próprias para armazenar o combustível, como alguns pequenos produtores rurais e pescadores artesanais.

Ao menos o B20 já poderia ter a comercialização no varejo liberada como ocorre em outros países, entre os quais os Estados Unidos, tendo em vista que a maioria dos fornecedores de motores Diesel para aplicações profissionais tem dimensionado os sistemas de controle de emissões mais avançados hoje exigidos em muitos segmentos, principalmente o rodoviário, para funcionar com segurança usando até 20% de biodiesel. A tecnologia necessária já é dominada também por empresas que contam com unidades industriais instaladas no Brasil, como a Cummins e a Scania. No caso da Cummins, que fornece motores para a maioria dos caminhões Ford de fabricação nacional (excetuando apenas versões extrapesadas do Cargo que são equipadas com motor Iveco/FPT) e alguns modelos de caminhões e chassis para ônibus Volkswagen, atualmente aceita o B20, enquanto a Scania oferece no exterior motores aptos a operar com 100% de biodiesel e já enquadrados até mesmo nas rigorosas normas Euro 6. Considerando que o problema mais sério que maiores concentrações de biodiesel podem acarretar em alguns motores Diesel modernos se dá pela vaporização mais difícil dentro da carcaça do filtro de material particulado (DPF) durante o processo de "regeneração" (uma espécie de pós-combustão da fuligem retida no núcleo do filtro para que saia mais fina, algo parecido com a queima do carvão numa churrasqueira e redução do mesmo a cinzas leves), e que ainda há uma grande presença de veículos antigos na frota brasileira de caminhões e ônibus enquadrados em normas de emissões menos rigorosas quando nem sequer se discutia a adoção do DPF, há um potencial inexplorado de mercado para o B20. A bem da verdade, seria mais coerente liberar de uma vez o B20 ou até mesmo arriscar o B100 ao invés de permitir a comercialização do óleo diesel convencional com 500ppm de enxofre (Diesel S-500) que ainda é encontrado até mesmo em alguns postos localizados dentro de perímetros urbanos, quando teoricamente seria permitido apenas em postos de beira de estrada e localidades rurais.

Para grandes consumidores, porém, as possibilidades de usar percentuais mais elevados de biodiesel tem atrativos que podem vir a  fomentar o desenvolvimento da produção desse combustível inicialmente para atendê-los, e até expandir-se para chegar no varejo e eventualmente até servir de pretexto para uma liberação do Diesel em veículos leves, e ainda aproveitar uma grande variedade de matérias-primas adequadas às mais distintas realidades regionais brasileiras e que apesar da viabilidade econômica hoje não despertam tanto interesse da indústria agroenergética como o pequi e óleos de fígado de peixes brancos. A possibilidade de negociar "créditos de carbono", ou simplesmente agregar uma imagem de "sustentabilidade" que hoje está tão em voga no meio publicitário, já agradam a alguns gestores de frotas e até são apontadas como prioridade por grandes indústrias quando vão à procura de parceiros logísticos, e a pressão para reduzir emissões em áreas densamente povoadas nos grandes centros urbanos e arredores também é um desafio que se faz cada vez mais presente em operações tão diversas e essenciais quanto o transporte coletivo urbano de passageiros, as entregas fracionadas porta-a-porta e a coleta de lixo.

Além das menores emissões tanto do monóxido de carbono (CO - altamente venenoso) quanto do dióxido de carbono (CO² - "gás carbônico"), o biodiesel também proporciona uma menor formação de material particulado, contribuindo não apenas para uma maior qualidade do ar nas ruas e estradas mas também para a durabilidade do motor e dos dispositivos de controle de emissões aplicados ao mesmo. No caso do DPF, uma menor saturação resulta numa menor frequência dos ciclos de "regeneração" forçada, poupando também combustível. Já a válvula EGR, usada para promover a recirculação de uma parte dos gases inertes pós-combustão do escape, passa a sofrer menos acúmulo de sedimentos carbonizados que possam acarretar em obstruções e mau funcionamento da válvula. O coletor de admissão é outro componente muito vulnerável à carbonização, problema agravado pela presença de vapores de óleo oriundos da ventilação positiva do cárter (PCV - Positive Crankcase Ventilation) que se aderem às particulas de fuligem em suspensão nos gases de escapamento recirculados, as aglutinam e favorecem a adesão das mesmas às paredes do coletor de admissão, o que provoca restrições ao fluxo de ar, prejudicando o desempenho e a economia de combustível.

O setor agropecuário brasileiro, embora sofra com a insegurança jurídica, a violência levada a cabo por guerrilhas rurais como o MST, e ainda seja espoliado por um governo parasitário e corrupto, teria plenas condições de fornecer as principais matérias-primas para a produção de biodiesel sem requerer uma expansão das atuais fronteiras agrícolas nem causar um impacto tão negativo sobre o custo e disponibilidade de gêneros alimentícios, e até mesmo incluir de forma realmente efetiva a agricultura familiar na cadeia produtiva dos biocombustíveis. Privilegiar o uso do óleo de soja como matéria-prima mais importante para o biodiesel brasileiro é um erro que tem contribuído não só para afastar o pequeno produtor mas também desperta alguma incredulidade entre potenciais consumidores, quando alternativas como o pequi em algumas situações possam apresentar produtividade por hectare de 5 a 6 vezes maior em volume de óleo comparado à soja e outras como o caroço de manga possam vir a agregar valor a materiais que hoje são vistos mais como um resíduo do beneficiamento industrial de polpas de frutas enquanto tem o potencial energético solenemente negligenciado. Cabe lembrar que em 2006 algumas pernambucanas então estudantes de ensino médio chegaram a fazer uma pesquisa com o biodiesel feito de óleo de caroço de manga em parceria com uma usina de beneficiamento de polpas de frutas e uma empresa de transporte coletivo de passageiros no Recife, e os resultados foram considerados satisfatórios.

Já os álcoois, que podem ser tanto o etanol quanto o metanol, e são essenciais para que ocorra a transesterificação do óleo, poderiam ter também uma maior diversidade de matérias-primas para assegurar um suprimento mais constante ao longo do ano. Até algumas plantas aquáticas, como as lemnóideas, também conhecidas como aguapé, jigoga ou erva-de-pato, se mostram adequadas à produção de álcool por terem uma concentração de amido de 5 a 6 vezes superior à do milho, além de terem um ciclo de crescimento rápido e servirem para promover a estabilização biológica em rios, lagos e lagoas, podendo ter o cultivo articulado com métodos alternativos de tratamento de esgoto doméstico e, devido à grande retenção de nitratos e fosfatos, alguns resíduos ainda teriam alto valor como fertilizante agrícola ou até mesmo como complemento para alimentação animal em substituição a sais pecuários de custo mais elevado. Eu até já cheguei a ver o uso de lagoas de estabilização biológica cultivadas com aguapés para tratamento de esgoto em alguns bairros de Pelotas e na Base Aérea de Florianópolis, mas o aproveitamento dessas plantas para a produção de biocombustíveis ainda não é desenvolvido no Brasil.

Apesar de tantas oportunidades, não se pode deixar de levar em consideração alguns aspectos desfavoráveis: como a emissão de óxidos de nitrogênio pode sofrer um incremento ao utilizar biodiesel, promover um controle mais rigoroso desse parâmetro pode acarretar em alterações no desempenho e ligeiro aumento no consumo tanto do combustível quanto do reagente ARLA-32/AdBlue/DEF, este último apenas para motores equipados com sistema SCR. De acordo com a Scania, valores de potência e torque até 8% mais baixos em comparação com o óleo diesel convencional podem ser esperados ao usar biodiesel puro. No entanto, pode-se dizer que tais fatores não se tornariam necessariamente um impedimento para que o biodiesel ganhe espaço no mercado brasileiro. A exemplo do que ocorreu com o etanol na época do ProÁlcool e ocorre hoje com veículos convertidos para gás natural no Rio de Janeiro, uma tributação diferenciada para privilegiar o uso de um combustível com menor footprint ambiental pode servir de pretexto para atrair novos usuários para o biodiesel, tanto puro quanto em blends com concentração superior ao B7 hoje obrigatório. Tal medida já é tomada em países como a Suécia, e poderia ser replicada no Brasil.

Por mais que a política energética brasileira não venha sendo uma referência muito positiva, há de fato um bom espaço para que o interesse do consumidor pelo biodiesel cresça, e o mercado agroenergético tem plenas condições de responder, ainda que a abundância de entraves burocráticos faça com que isso aconteça de uma forma mais lenta que o desejável. Não há de se descartar que um eventual sucesso do biodiesel em aplicações comerciais, agrícolas, náuticas, industriais e de infra-estrutura possa também servir de pretexto para quebrar resistências a uma comercialização de veículos leves equipados com motores do ciclo Diesel independentemente das capacidades de carga ou passageiros e configuração de tração, desde temores relacionados a uma eventual instabilidade nos preços dos combustíveis destinados ao transporte rodoviário passando pela imagem de "poluidor" consolidada em torno do óleo diesel convencional e de motores Diesel mais antigos em estado de conservação precário. Aos poucos, novos horizontes vão se abrindo...

domingo, 11 de outubro de 2015

Mais algumas observações sobre o "Dieselgate"

O escândalo do "Dieselgate" continua repercutindo, principalmente após um anúncio oficial da Volkswagen prevendo para janeiro de 2016 uma solução definitiva para a discrepância entre os índices de emissões aferidos em testes de homologação e em condições normais de uso. Muita especulação vem sendo feita sobre qual virá a ser o approach adotado pela empresa, tendo em vista que as emissões de óxidos de nitrogênio (NOx) que serviram de pretexto para toda a celeuma são só a ponta do iceberg.

Um simples reflashing no módulo de gerenciamento eletrônico com objetivo de manter os NOx dentro dos parâmetros definidos pelas legislações ambientais acarretaria, além de prejuízos ao desempenho e um aumento no consumo de combustível, numa maior geração de dióxido de carbono (CO² - "gás carbônico"), e em países da União Européia as emissões desse gás tem servido de parâmetro para a incidência de impostos sobre os veículos. Portanto, é de se esperar que alguma alteração mecânica mais significativa - e cara - seja efetuada nos veículos afeados pelo problema, embora ainda haja incerteza se irá envolver a substituição de poucos componentes ou de motores inteiros, com intuito de evitar prejuízos ao desempenho e à economia de combustível.

Sem considerar as multas, o custo que a readequação às normas de emissões vai trazer para a Volkswagen será bem mais pesado que a alegada economia de US$300,00 proporcionada pela ausência do sistema SCR para redução catalítica seletiva dos NOx mediante uso de uréia em solução aquosa conhecida nos Estados Unidos como DEF (Diesel Exhaust Fluid), na Europa como AdBlue e no Brasil como ARLA-32 (Agente Redutor Líquido Automotivo - 32,5% de uréia). Mas qual seria a solução menos traumática para os atuais usuários dos veículos? Além do desempenho e do consumo, outros fatores mais subjetivos devem ser levados em consideração. Para alguns a maior autonomia inerente ao motor TDI é essencial para atender às necessidades operacionais, enquanto outros não podem se dar ao luxo de sacrificar espaço do bagageiro com um reservatório de AdBlue/DEF.

Num teste recente conduzido pela revista americana Consumer Reports, um Golf TDI equipado com o motor EA189 foi submetido a testes de rodagem após o mapeamento de baixas emissões haver sido selecionado, com o intuito de mensurar prejuízos ao desempenho e à economia de combustível que seriam acarretados pura e simplesmente limitando os veículos a operarem nessa condição, sem levar em conta eventuais problemas de durabilidade e manutenção que eventualmente pasassem a ocorrer ao longo da vida útil operacional. Para ativar o software detector de teste, o pedal do acelerador deve ser pressionado 5 vezes com a chave no contato antes da partida, e os sensores de rotação das rodas traseiras devem ser desconectados para que o módulo de gerenciamento eletrônico do motor interprete as condições do teste como se estivesse em um dinamômetro. Comparado ao modo de operação normal, a economia de combustível diminuiu aproximadamente 8%, o torque caiu 15% (de 320Nm/240 libras-pé para 272Nm/208 libras-pé), e a potência ficou por volta de 16% mais baixa (de 140hp para 125hp). Vale lembrar que o artifício usado para induzir o Golf a manter-se no modo de emissões reduzidas não deve ser repetido para uso em vias públicas, pois provoca interferências no funcionamento do sistema antitravamento (ABS) dos freios e no controle eletrônico de estabilidade.

Cabe mencionar outros aspectos um tanto obscuros, como o fato dos sistemas de tração integral 4Motion em modelos da Volkswagen e o quattro usado nos Audi não terem sido disponibilizados em veículos equipados com o motor EA189 2.0TDI no mercado americano sob a alegação de que o peso e atritos internos de transmissão acrescentados pelo sistema deslocariam modelos como o Audi A3 para outras categorias de emissões, quando na verdade a tração integral torna mais difícil a detecção das condições de teste devido às 4 rodas motrizes gerarem sinais mais constantes independentemente de estarem num dinamômetro (no caso, um específico para veículos com tração nas 4 rodas) ou em condições reais de rodagem. Tal circunstância leva a crer que a repercussão mundial do "Dieselgate" tenha sido realmente exagerada, ao menos em mercados onde o motor 2.0TDI possa equipar modelos com tração integral, principalmente aqueles onde a comercialização de automóveis e utilitários das marcas Volkswagen, Audi, Skoda e SEAT com motores TDI tenha sido suspensa como é o caso de Suíça, França, Coréia do Sul e Austrália.

Mesmo no Brasil, onde apenas a pick-up Volkswagen Amarok é disponibilizada oficialmente com esse motor e conta com tração integral nas versões equipadas com câmbio automático, o episódio foi um tanto superestimado e apontado equivocadamente como um pretexto para criar entraves a tentativas de liberar o Diesel em veículos leves no mercado nacional. Até o Projeto de Decreto Legislativo 84/2015, que ganhou mais atenção da mídia a partir de agosto e desde então vinha atraindo mais atenção do público em geral para o Diesel, teve a movimentação atravancada mais uma vez no embalo do "Dieselgate".

Apesar de toda a repercussão negativa que o caso vem tendo a nível mundial, não convém tomar como referência para desacreditar por completo as vantagens práticas que o Diesel representa em diversos cenários operacionais, tanto em uso particular quanto profissional, além de possibilidades de promover um desenvolvimento econômico e social mais amplo e integrado a um contexto de sustentabilidade e renovação da matriz energética devido à maior adaptabilidade a combustíveis alternativos.

sábado, 10 de outubro de 2015

Rebatendo mais um defensor do gás natural

Numa publicação antiga acerca de alguns inconvenientes associados ao gás natural, apareceu mais um usuário entusiasmado do gás natural para comentar a favor desse combustível enquanto criticava o etanol e a gasolina. Pelo visto, foi apenas mais um que, de tão inebriado pela alegada economia com o gás, parece fazer questão de não enxergar que isso não é uma justificativa apropriada para que sejam mantidas as atuais restrições ao Diesel em veículos leves.

"Camarada não existe combustível melhor que o gás natural, quero ver quem vai adulterar pra danificar o motor igual gasolina e álcool faz, onde o custo na manutenção fica bem mais caro tenho taxi e caro particular rodando direto no gnv com alta quilometragem sem problemas . E esse papo de reduzir espaço no veiculo é bobagem quem vai colocar gnv sabe disso e não será inconveniente Pq a intenção é economizar no combustível e não no espaco os não se compara a economia que se tem anual em grana comparando o uso entre gnv e gasolina ou alcool"

Primeiramente, conceitos de melhor ou pior podem ser bastante subjetivos. Se para alguns operadores o gás natural é satisfatório, para outros apresenta alguns inconvenientes que seriam facilmente contornados caso o Diesel fosse liberado para veículos leves no mercado brasileiro sem restrições baseadas em capacidades de carga, passageiros ou tração. A infra-estrutura disponível na região onde o veículo vá ser usado também deve ser levada em consideração, visto que a oferta do gás natural em localidades interioranas ainda é mais restrita, e portanto o gás deixa de ser uma opção viável.

Nada impede, também, que o gás seja alvo de fraudes e adulterações, embora tal ocorrência seja mais incomum em comparação ao etanol, à gasolina e até ao óleo diesel convencional. Além da adição de etil-mercaptano, um composto à base de enxofre usado para dar odor ao gás de modo a facilitar a detecção de vazamentos, outras impurezas podem estar presentes, desde resíduos de óleo usado nos compressores instalados nos postos até diversos gases, tanto inertes quanto o dióxido de carbono (CO² - "gás carbônico") quanto compostos corrosivos, e até vapor d'água pode aparecer em suspensão no gás natural. Enquanto contaminantes em estado gasoso empobrecem (reduzem a quantidade de energia disponível por volume) o combustível, outras em estado líquido concentram-se no fundo dos reservatórios após condensarem, diminuindo a capacidade dos mesmos e provocando entupimento em válvulas redutoras de pressão e filtros na eventualidade de serem aspirados pelo motor.

Ter táxi e carro particular rodando sem problemas com o gás não significa que seja uma solução perfeita para todos os potenciais usuários. Se para ele a perda de capacidade de carga volumétrica não constitui um inconveniente tão sério, para outros é um dos aspectos mais importantes a ser considerado na aquisição de um veículo. Por exemplo, para um paraplégico seria muito mais difícil acomodar uma cadeira de rodas no bagageiro de um sedan se esta tivesse de dividir espaço com um cilindro de gás natural veicular, e nesse caso um modelo semelhante equipado com motor Diesel seria muito mais prático. Mesmo que um interessado na conversão de um automóvel para o gás esteja ciente dessa limitação, não chega a ser uma "bobagem". Ou se nós fôssemos seguir a linha de raciocínio do autor do comentário favorável ao gás, também consideraríamos uma "bobagem" as advertências sobre eventuais efeitos colaterais de alguns tratamentos médicos???

Enfim, por mais que o gás natural não seja totalmente desprezível, acabaram sendo criadas algumas expectativas exageradas em torno das vantagens desse combustível em comparação ao etanol e à gasolina que, embora sejam evidentes sob um ponto de vista financeiro, nem sempre são correspondidas em outros aspectos práticos que definem a utilidade de um veículo em diversos cenários nos quais o Diesel seria a melhor alternativa para conciliar praticidade e custos operacionais.

terça-feira, 6 de outubro de 2015

Uma reflexão sobre a "luz de motor" em contraponto às "bandeiras tarifárias"

Não é de hoje que a política energética nacional se revela desastrosa, apesar da matriz energética ser constantemente apontada como "limpa" devido à predominância das usinas hidrelétricas que acaba por gerar uma perigosa dependência por esse método de geração de energia elétrica. O sistema elétrico brasileiro está muito precário, e não se deve descartar o risco de mais um "apagão". A situação crítica é evidenciada pelas "bandeiras tarifárias" que supostamente deveriam cobrir o custo maior que a geração térmica de energia elétrica apresenta, mas na prática não são muito mais do que um empecilho ao desenvolvimento de atividades produtivas, além de um retrato da incompetência estatal.
Um dos problemas associados aos aumentos no custo da energia elétrica em períodos de poucas chuvas, representado pela "bandeira vermelha" na conta de luz, é a queda na produtividade agrícola, com reflexos no preço de alimentos e por conseguinte mantendo a inflação em taxas elevadas. Na Bahia, por exemplo, produtores de algodão que já deixavam para utilizar os pivôs de irrigação durante a madrugada pelo custo menor da eletricidade, agora deixam alguns desligados, e em algumas fazendas a safra de feijão não será plantada. E ainda tem quem prefira apontar os biocombustíveis como um fator de risco para a segurança alimentar, quando na verdade o biodiesel ou mesmo o uso direto de óleos vegetais como combustível para grupos geradores poderiam garantir a energia necessária ao funcionamento de dispositivos usados no cultivo e beneficiamento de gêneros alimentícios (milho, feijão, entre outros) e cash-crops destinadas a aplicações industriais (notadamente o algodão).

O próprio óleo de semente de algodão poderia servir tanto como matéria prima para a produção de biodiesel quanto ser usado diretamente como combustível para a geração da eletricidade que se faz necessária para assegurar a produtividade da agricultura moderna, e viria a honrar o legado do visionário Dr. Rudolf Diesel, que acatando sugestão do governo francês para pesquisar o uso de óleo do amendoim cultivado nas colônias francesas da África como combustível passou a ter entre as principais motivações para o desenvolvimento dos motores de ignição por compressão a viabilidade de uma promoção da autonomia energética em localidades rurais. Vale lembrar que a chamada "luz de motor" também teve papel crucial nos primórdios da eletrificação rural brasileira, ainda que naquela época o óleo diesel convencional e o querosene fossem os combustíveis predominantes nessa aplicação.

Ainda que os óleos vegetais, tanto puros quanto misturados com gorduras de origem animal, demandem alguns cuidados especiais para assegurar longevidade e um correto funcionamento dos motores que os utilizem, não seria um grande empecilho para operação em regime constante. O preaquecimento do óleo é fundamental para manter a fluidez, bem como reduzir o risco de uma polimerização da glicerina por combustão incompleta, e pode ser mantido com facilidade ao recuperar calor residual do sistema de refrigeração do motor ou até mesmo dos gases de escape depois que o motor é posto em marcha. Mesmo a injeção indireta, hoje relegada à obsolescência tanto na maioria das aplicações veiculares quanto estacionárias/industriais, ainda poderia ser benéfica nessa operação devido à maior resiliência no uso de óleos combustíveis com diferentes especificações, apesar de uma maior sensibilidade à temperatura ambiente durante a partida a frio tornar um correto preaquecimento ainda mais crítico...

Grupos geradores acionados por motor Diesel tem sido cada vez mais comuns em aplicações comerciais em área urbana, ainda que nesse caso predomine a operação intermitente e sirvam principalmente como backup emergencial durante quedas de luz, e também para reduzir custos durante o chamado "horário de pico", quando as tarifas de energia elétrica são mais elevadas. Portanto, numa comparação com a operação contínua, alguns fatores que influenciam na partida a frio se mostram mais críticos para que entrem em funcionamento mais rapidamente de modo a minimizar oscilações na tensão das instalações que estejam servindo-se desses equipamentos, além de hoje haver uma maior fiscalização quanto às emissões em algumas regiões, não apenas no tocante aos gases de escape mas também quanto aos níveis de ruído.
Por mais que grupos geradores sejam uma boa alternativa para manter um suprimento seguro e constante de energia diante de uma rede elétrica sucateada e cada vez mais sobrecarregada, não devem ser encarados como um pretexto para justificar que o governo e as concessionárias (tanto públicas quanto de capital misto ou totalmente privatizadas) permaneçam negligentes e insistindo num modelo de negócio que tem se mostrado insustentável. Basicamente o que vem sendo feito é penalizar o setor produtivo com tarifas abusivas que não se revertem em melhoria no serviço prestado, a tal ponto que a geração própria de energia elétrica mediante uso de grupos geradores movidos a óleo diesel se torna uma opção economicamente viável o suficiente para ter uma aceitação cada vez maior não apenas em aplicações comerciais e industriais.
Outro atrativo é a existência de grupos geradores "portáteis", montados sobre plataformas rebocáveis. Já muito comuns em áreas urbanas, além da utilização em resposta a emergências, tem na mobilidade uma grande vantagem para atender a variações sazonais na demanda por eletricidade que seria particularmente apreciável no setor agropecuário. Podem ser movimentados com auxílio de trator, como ocorre em aeroportos onde o dispositivo é normalmente mencionado como APU (Auxiliary Power Unit - Unidade de Força Auxiliar) ou GPU (Ground Power Unit - Unidade de Força em Solo) e é usado para manter o sistema elétrico de aeronaves em operação mesmo com os motores desligados para garantir o conforto de passageiros e tripulação durante procedimentos de embarque e desembarque.

Muitas operações essenciais para a atividade agropecuária hoje dependem da eletricidade, não apenas a irrigação de lavouras mas também outras tão diversas quanto o controle de temperatura em aviários e a oxigenação da água em tanques de piscicultura. Diante da precariedade no fornecimento e os preços abusivos cobrados pela energia elétrica no Brasil, não há de se descartar que a "luz de motor" volte a ter uma importância considerável na eletrificação rural, e motores do ciclo Diesel figurem como a opção mais adequada para atender a essa necessidade.

domingo, 4 de outubro de 2015

Breve reflexão sobre o impacto do "Dieselgate" na Austrália

Mais um país se junta aos que já haviam proibido a venda de novos veículos equipados com motores Volkswagen EA189 TDI de 4 cilindros, não apenas o 2.0TDI mas também o 1.6TDI, dessa vez a Austrália. Porém, ao contrário da Suíça, dos Estados Unidos e do Canadá, correm boatos de que o governo australiano estaria considerando  também restringir a circulação dos veículos afetados (cerca de 70000 modelos Volkswagen entre Tiguan, Jetta, Passat/Variant, CC e Caddy, 20000 Audi A4/Avant, A5 e Q5, e alguns Skoda Yeti e Superb) até que o problema referente às emissões seja devidamente esclarecido e solucionado. No entanto, por não se tratar de uma ameaça à segurança viária, é pouco provável que uma medida tão drástica e que acarretaria tanto transtorno venha a ser levada a cabo pelo governo australiano. Até então, as versões equipadas com motores TDI vinham correspondendo a 10% das vendas do Grupo Volkswagen na Austrália. Convém destacar que a pick-up Volkswagen Amarok destinada ao mercado australiano também é feita na Argentina como as versões comercializadas no Brasil, o que leva a crer que o modelo está fora do "Dieselgate".

Considerando que os modelos não estejam em conformidade com as normas Euro-5 em vigor na Austrália, uma multa de até 11 milhões de dólares australianos já seria aplicável pela violação referente às emissões. E como uma readequação acarretaria prejuízos à economia de combustível, outra multa do mesmo valor seria aplicável por propaganda enganosa. Declarações oficiais da subsidiária australiana da Volkswagen descartaram qualquer possibilidade de substituição de componentes, ou de motores inteiros, para que os veículos sob suspeita passem a estar em conformidade caso uma intervenção técnica seja realmente necessária, e que portanto se dará apenas pelo remapeamento do módulo de gerenciamento eletrônico do motor. Além do aumento no consumo, outros fatores que já causam preocupação seriam alterações no desempenho e até na vida útil de alguns componentes do motor e do sistema de escapamento, que incluem o acúmulo de sedimentos carbonizados no coletor de admissão e nas palhetas do turbocompressor e a saturação do filtro de material particulado (DPF) ficaria mais recorrente devido à maior quantidade de fuligem provocada por uma proporção ar/combustível mais "rica". Em veículos utilizados mais em percursos curtos e a baixa velocidade, é mais difícil que a temperatura dos gases de escape atinja valores suficientes para promover uma redução da fuligem, de modo que uma "regeneração" ativa se faça necessária, aumentando mais o consumo tendo em vista que o processo depende de uma pós-injeção de combustível que pode ser feita tanto durante o tempo de escape do motor quanto por um injetor especificamente montado na carcaça do DPF, alternativa pouco usual em motores menores devido ao maior custo.

Num país com uma cultura automobilística tão peculiar como a Austrália, onde antes motores de 6 a 8 cilindros a gasolina reinavam absolutos, os recentes avanços na popularidade do Diesel podem ser creditados principalmente à Volkswagen. Por mais que o "Dieselgate" e a precipitada proibição das vendas de veículos novos equipados com motor Volkswagen TDI de 4 cilindros inegavelmente tenham um efeito devastador junto a uma parcela significativa do público consumidor australiano, é pouco provável que venha a aflorar uma rejeição tão profunda naquele país que, de certa forma semelhante ao Brasil, tem grandes distâncias a serem percorridas com relativa escassez de pontos de assistência e condições ambientais severas agravadas pelo isolamento em muitas regiões do interior onde a maior autonomia proporcionada pelo Diesel se mostra especialmente destacável em contraponto à polêmica das emissões. Na pior das hipóteses, quem antes cogitava um Volkswagen Golf TDI na terra dos cangurus dificilmente vá deixar de dar uma olhada em outras boas opções como o Mazda3 SkyActiv-D ao invés de se render à ignição por faísca e partir para um Toyota Prius...

quinta-feira, 1 de outubro de 2015

[Polêmica] Seria justo flexibilizar as normas de emissões de acordo com especificidades regionais?

Em meio a todas as discussões acerca de uma eventual liberação do Diesel para veículos leves no mercado brasileiro, duas pautas que sempre vem à tona são o impacto na disponibilidade do óleo diesel para aplicações utilitárias/comerciais e a imagem de "poluidor" fortalecida no imaginário popular em torno desse combustível e dos motores que o utilizam. Tais fatores estão mais relacionados do que se possa inicialmente supor, sobretudo quando o uso de biocombustíveis é apontado como um contraponto aos mesmos. E tudo se torna mais complexo ao observarmos com a devida atenção as peculiaridades inerentes a cada região, e como a atual geração de dispositivos de controle de emissões pode se tornar conflituosa na operação com alguns combustíveis alternativos.

Um exemplo da regionalização das normas de emissões bastante conhecido ocorre nos Estados Unidos, onde a California se destaca pelo rigor e também influencia a legislação de outros estados como o Arizona, mas não é o único. Situações semelhantes ocorrem até mesmo em países terceiro-mundistas, como China e Índia, onde em algumas localidades ainda é possível licenciar veículos novos que se enquadrem na Euro-II enquanto outras já seguem a Euro-IV. Trazendo a discussão para um contexto mais brasileiro, é difícil justificar que características regionais continuem sendo solenemente ignoradas, e assim normas de emissões que exijam um controle mais rígidos das especificações de insumos como o combustível, lubrificantes e o fluido de tratamento de gases de escape (ARLA-32/DEF/AdBlue) e seriam mais assimiláveis num grande centro como São Paulo tornem-se um inconveniente em cidades do interior do Amazonas como Itacoatiara ou Manacapuru. Ao invés de manter a dependência a uma logística cara e demorada, não soaria muito mais racional viabilizar o uso direto de óleos vegetais que podem ser produzidos localmente (e eventualmente óleo de fígado de peixe também poderia ser usado) em substituição ao óleo diesel?

Fazendo uma observação restrita ao Rio Grande do Sul, além da capital Porto Alegre eu posso tomar por referência a cidade de Rosário do Sul, perto do Alegrete e de Santana do Livramento. Em junho de 2013 eu estive visitando uns parentes em Rosário, e naquela época a antiga usina de biodiesel da agroindústria Camera já havia se tornado apenas um terminal para recebimento de cargas de soja. Pois bem, mesmo que o entusiasmo pelo biodiesel acabasse esfriando por lá, ainda faria algum sentido investir no uso direto de óleos vegetais como combustível veicular ou também para fins estacionários/industriais. Porém, além de motores com injeção indireta serem mais favoráveis a esse recurso que os com injeção direta hoje predominantes, poderia se tornar um desastre caso fosse tentado num motor equipado com filtro de material particulado (DPF) pois um óleo vegetal puro chega a ter uma vaporização ainda mais difícil que a do biodiesel durante os ciclos de "regeneração" do filtro. Se formos mais adiante lembrando das baixas temperaturas durante o inverno, que podem provocar o congelamento do ARLA-32 em veículos equipados com o sistema SCR, temos outro inconveniente associado às normas Euro-V hoje em vigor. E mesmo o EGR, que não depende do ARLA-32, é constantemente apontado como um problema por usuários de veículos adaptados para usar óleos vegetais como combustível em outros países.

Num grande centro mais industrializado, além da disponibilidade de insumos químicos, é mais fácil destinar corretamente a glicerina residual do processo de transesterificação de óleos e gorduras para produção do biodiesel, e nessa situação devido às especificações do combustível obtido já faz algum sentido cogitar normas de emissões mais rigorosas. A glicerina é muito usada como umectante em alimentos industrializados, principalmente pães e bolos, e também em aplicações diversas nas indústrias química e farmacêutica. O biodiesel, por ter um índice de cetano (que quantifica a intensidade de propagação da chama na câmara de combustão) superior ao dos óleos vegetais brutos, causa menos conflitos com a atual geração de dispositivos de controle de emissões, e portanto pode ser articulado com normas de emissões mais avançadas. E mesmo que em algum vilarejo do interior existam tantos alambiques quanto forem necessários para suprir uma usina de biodiesel com etanol de microdestilarias elaborado a partir da "cabeça" e da "cauda" da coluna de destilação de cachaça, ainda seria necessário providenciar a soda cáustica (hidróxido de sódio) usada como catalisador da reação entre o óleo e o álcool.

Entrando num campo mais político, convém salientar a questão da certificação "Combustível Social" conferida a usinas de biodiesel que utilizem diferentes percentuais de matérias-primas provenientes da "agricultura familiar" de acordo com critérios regionais. Há de se levar em conta que um fomento ao uso direto tanto de óleos vegetais virgens quanto descartados de aplicações culinárias e industriais como combustível poderia se revelar até mais benéfica para alguns pequenos produtores rurais. Além da possibilidade de agregar valor à produção própria com uma menor dependência de intermediários, ficaria mais fácil ao agricultor aproveitar alguns subprodutos da extração do óleo de modo a reduzir os custos operacionais da propriedade. Caso alguma planta alimentícia como o amendoim, o girassol, a castanha do Pará, o pequi, ou até mesmo semente de uva, seja usada como matéria-prima do óleo, a torta (bagaço da semente prensada) pode ser usada como substrato de alto teor proteico tanto na alimentação humana quanto de animais, e no caso de espécies como a mamona ou o pinhão-manso que não servem de alimento a torta ainda pode ser usada como fertilizante.

Num país com tantos entraves logísticos como o Brasil, não faz o menor sentido fechar os olhos para os transtornos que as normas Euro-V acabam por representar para o desenvolvimento regional. Até mesmo sob o ponto de vista da sustentabilidade, apesar de um eventual incremento nas emissões veiculares que ocorreria em algumas regiões onde as normas fossem flexibilizadas, seria mais coerente refletir sobre o impacto ambiental de tantas operações de transporte rodoviário, aquaviário ou aéreo que poderiam ser evitadas com a substituição do óleo diesel convencional por biocombustíveis produzidos mais próximos aos respectivos mercados consumidores.