quarta-feira, 29 de janeiro de 2020

Caso para reflexão: Dacia Dokker/Renault Nuevo Kangoo argentino e a competitividade entre motores de ignição por faísca e Diesel

Um dos melhores exemplos para se observar diferentes prioridades aplicadas ao desenvolvimento dos motores de ignição por faísca tanto em regiões mais desenvolvidas quanto em países periféricos hoje é o Dacia Dokker, comercializado em alguns países como Renault e no caso da Argentina como uma nova geração do antigo Renault Kangoo que na Europa teve de fato uma nova geração mas que não é produzida na Argentina. O motor turbodiesel oferecido em todas as regiões onde o modelo conta com essa opção é o mesmo K9K dCi de 1.5L e 8 válvulas com sincronização por correia, embora na Argentina não tenha que recorrer ao sistema SCR (ao menos por enquanto) para se manter enquadrado nas normas de emissões, tendo em vista que lá ainda vigora a Euro-5 enquanto na Europa o modelo já é homologado nas normas Euro-6. Em comum para ambas as especificações é a presença do filtro de material particulado (DPF/FAP).

A situação muda de forma mais significativa quando se trata de motores a gasolina atualmente usados no modelo, tendo em vista que na Argentina é oferecido o motor Nissan HR16/Renault H4M de 1.6L com injeção sequencial nos pórticos de válvula e aspiração natural enquanto o Dokker destinado ao mercado europeu faz uso do HR13DDT, cuja nomenclatura na linha Renault é H5Ht e recorre tanto ao turbo quanto à injeção direta. Um aspecto a se considerar, tendo em vista que ambos os motores a gasolina são derivados do mesmo projeto básico com 16 válvulas e comando duplo sincronizado por corrente, é que o de especificação mais avançada já necessita de filtro de material particulado. Ainda que pareça mais simples o procedimento de autolimpeza ou "regeneração" desse dispositivo num veículo com motor de ignição por faísca, bem como inexista a necessidade de repor o fluido-padrão AdBlue/ARNOx-32/ARLA-32 que as versões Blue dCi hoje à venda no mercado europeu requerem para o controle das emissões de óxidos de nitrogênio (NOx), já se observa uma série de características que acabam diminuindo a competitividade que um motor de ignição por faísca poderia ter à medida que as normas ambientais tem sido desproporcionalmente mais rígidas com relação aos motores Diesel.

Para o modelo argentino, a injeção nos pórticos de válvula favorece tanto os custos de aquisição e de manutenção quanto facilita eventuais conversões para gás natural que são muito populares por lá, e até não seria o caso de ignorar a aptidão do motor ao uso do etanol, lembrando que outros modelos da linha Renault recorrem a uma versão flex do mesmo no Brasil. No tocante às emissões, por incrível que pareça a injeção mais simples se revela vantajosa ao proporcionar vaporização mais completa do combustível que resfria mais a carga de ar de admissão e proporciona uma queima mais completa, ao contrário da injeção direta usada no similar europeu que acaba tendo o inconveniente de contar com um menor intervalo de tempo entre a injeção e o centelhamento da ignição, que acaba por replicar de certa forma a dificuldade observada para que se implemente um controle simultâneo das emissões de material particulado e NOx num motor Diesel. Por mais que em diferentes condições ambientais uma alteração no volume de combustível injetado já proporcione o controle dos NOx mais facilmente que num motor Diesel, até em função da maior volatilidade da gasolina comparada tanto ao óleo diesel quanto a alguns substitutivos como o biodiesel, a vaporização fica mais incompleta em função duma maior proporção de combustível pela massa de ar previamente aquecida durante a compressão, logo o filtro de material particulado é mais exigido.

Eventualmente o turbo e a injeção direta, hoje imprescindíveis num motor Diesel veicular moderno, não sejam exatamente a melhor opção para motores a gasolina ou até mesmo para os flex ainda que dispensem um pré-aquecimento do combustível durante a partida a frio com etanol, tanto pelo custo quanto pela maior complexidade que já se observa no controle de emissões. E mesmo que ainda seja à primeira vista aparentemente mais convidativo arcar com algum aumento mais pontual do consumo de gasolina em condições ambientais que causem certa dificuldade para o controle dos NOx do que com uma eventual dificuldade para encontrar AdBlue/ARNOx-32/ARLA-32 em alguns trechos numa viagem, tal circunstância deixa claro que mesmo um motor a gasolina que recorra a características anteriormente mais frequentemente associadas aos Diesel pode não ser um substituto tão "perfeito". Enfim, mesmo que a ignição por faísca possa parecer uma opção mais convidativa tanto por meio de uma abordagem mais modesta quanto recorrendo aos últimos avanços, está distante de eliminar por completo a competitividade do Diesel mesmo em segmentos não tão prestigiosos nem pesados...

domingo, 26 de janeiro de 2020

Até que ponto a sofisticação tem ameaçado a competitividade dos motores turbodiesel mais modernos?

Não é de hoje que a preferência do consumidor no segmento das pick-ups tem sido maior pelo Diesel, a ponto de modelos como a atual geração da Nissan Frontier nem oferecerem opção de motor que não seja o turbodiesel no Brasil mesmo que em países vizinhos como o Uruguai ainda disponha também de um motor a gasolina. De fato, o custo inicial menor que em versões mais básicas chega a constituir uma diferença acima de 50% em desfavor do motor turbodiesel pode até soar justificável de curto a médio prazo, sem levar em conta ainda a percepção de uma maior facilidade para se fazer gambiarras num motor a gasolina que preserve características construtivas mais modestas, enquanto nas versões mais caras essa diferença acaba soando mais facilmente assimilável. No entanto, ainda seria relevante considerar até que ponto o mesmo refinamento que hoje atrai uma parte do público que antes tratava os motores Diesel como uma mera ferramenta de trabalho indesejável num veículo particular se torna possivelmente problemática para quem efetivamente prioriza o aspecto utilitário desse tipo de motor.
No caso específico da Nissan Frontier Attack equipada com uma versão biturbo do motor YS23 no mercado brasileiro, por mais que a presença de ao menos um turbo tenha se tornado de certa forma indispensável em motores Diesel veiculares até em função de uma maior facilidade para atender às mais restritivas normas de emissões em comparação a um similar naturalmente aspirado, é inevitável que uma parte do público ainda seja mais temerosa quanto ao recurso a mais de um turbo, enquanto outros tantos simplesmente alegam por motivos meramente saudosistas que os motores modernos desenvolvidos de acordo com os conceitos do downsizing jamais chegarão aos pés dos motores "de trator" que alavancaram a participação de mercado do Diesel em utilitários no Brasil como uma reação meio às pressas diante das crises do petróleo na década de '70. Cabe destacar que a transição de um mercado mais consolidado em torno das full-size de projeto americano para hoje ser dominado pelas mid-size e uma participação mais expressiva de fabricantes japoneses também teve o downsizing como uma consequência natural, tendo em vista até questões operacionais. Vale lembrar que em outros mercados a Frontier ainda usa o motor YD25, que até compartilha alguns detalhes do projeto com o QR25 a gasolina, e assim a própria escala de produção favorece essa sofisticação que tem até aproximado mais os motores Diesel modernos da suavidade ainda apreciada por defensores mais ferrenhos da ignição por faísca...
Naturalmente surgem algumas insatisfações com relação ao afastamento dos princípios estritamente utilitários e da economia operacional que fizeram o Diesel se consolidar entre as pick-ups médias e grandes no Brasil, mesmo que alguns dieselheads convictos acabem aceitando essa situação tendo em vista que a tecnologia se torna aparentemente mais assimilável para alguns consumidores generalistas que antes não fariam tanta questão de pelo menos considerar a possibilidade de recorrer a um veículo com motor turbodiesel. E se por um lado o maior refinamento trazido pelo comando de válvula duplo no cabeçote, turbocompressão de duplo estágio e as faixas de rotação mais altas viabilizaram motores em faixas de cilindrada que pareciam improváveis de oferecer um desempenho nos parâmetros atuais entre 10 e 15 anos atrás, por outro o custo inicial da massificação dessas tecnologias acaba causando questionamentos em torno de eventuais vantagens competitivas que motores Diesel mais brutos ainda poderiam ter em mercados onde o preço de um veículo 0km faz uma diferença considerável a ponto de eventualmente fomentar um conformismo em torno de motores a gasolina que nessa categoria tem mantido espaço para uma concepção mais tradicional dos sistemas de injeção nos pórticos de válvula e para a aspiração natural.
Também é previsível que uma parte do público que foi atraída mais recentemente para o Diesel tenha mais dificuldade para abrir mão dos atuais padrões de desempenho, muito por influência da obsessão desmedida pela potência e do exagero na sofisticação ter levado ao atual estágio de desenvolvimento em que se parece buscar provar definitivamente a superioridade do Diesel frente à ignição por faísca ao invés de atender às prioridades de operadores mais tradicionais. Como a princípio fatores diversos que vão desde a eliminação de versões a gasolina ou flex em alguns modelos que poderiam oferecer um parâmetro de desempenho mais modesto para comparação até a rejeição do público generalista a algumas opções menos ortodoxas que ainda poderiam servir bem a aplicações estritamente utilitárias, restam relativamente poucas opções que poderiam até ser consideradas para tentar conciliar o melhor para atender aos anseios de perfis de consumidores tão divergentes. Apesar de que a menor relevância do outsourcing de motores Diesel para pick-ups mid-size nos últimos anos pudesse ser um empecilho ao retorno dessa prática, é algo que não deveria ser descartado totalmente...
Naturalmente levando em consideração as diferentes faixas de rotação dos picos de potência e torque, bem como a importância das relações de marcha para proporcionar um desempenho comparável entre motores de concepções tão distintas quanto o YS23 da Nissan Frontier e o Cummins ISF3.8 usado no chassi de microônibus Volkswagen 8.160 ODR, alguns aspectos se tornam particularmente dignos de nota. Na prática, com a rusticidade de um comando de válvulas simples no bloco sincronizado apenas por engrenagens e sempre um turbo único do tipo wastegate, o motor Cummins ISF3.8 com 3759cc e cujo projeto desenvolvido especificamente com foco em mercados emergentes favorece a redução do custo inicial ainda pode proporcionar desempenho comparável à versão do YS23 com somente um turbo de geometria variável e que com 2298cc torna indispensável não apenas pico de potência numa faixa de rotação por volta de 44% mais alta mas também o comando de válvulas duplo no cabeçote e sincronização por corrente. Os picos de torque, que no YS23 é de 41kgfm entre 1500 e 2500 RPM ao passo que no ISF3.8 é de 61kgfm entre 1300 e 1700 RPM, também proporcionariam uma diferença muito pequena na dirigibilidade mesmo considerando que uma relação de diferencial bem mais longa poderia ser usada com o motor de maior cilindrada para que o torque efetivo nas rodas ficasse mais parelho numa mesma velocidade de referência.

Seria equivocado tentar considerar uma concepção de motor como insuperável diante de outras, mas a atual dinâmica de alguns mercados levaria a crer que as proporções de sofisticação da atual geração de motores turbodiesel se revela uma faca de dois gumes à medida que motores a gasolina que ainda se mantém um tanto pé-duro seguem oferecidos em alguns mercados como uma opção mais modesta. Portanto, em algumas circunstâncias a rusticidade de um motor "de trator" ainda pode ser uma aliada decisiva a favor de uma presença de mercado mais expressiva para o Diesel, mesmo abdicando duma busca por superioridade absoluta em termos de desempenho para concentrar esforços em frentes que tradicionalmente mais são vistas como pontos fortes do Diesel como a durabilidade e a economia de combustível. Enfim, por mais que não se possa negar os méritos duma maior sofisticação no tocante à atração de um público mais amplo, não convém ignorar o impacto do custo inicial para consumidores com um perfil mais tradicional que poderiam até ser melhor servidos com soluções mais modestas.

quinta-feira, 23 de janeiro de 2020

Caso para reflexão: Lexus UX250h, motor Dynamic Force e a inédita opção híbrida para o Toyota Corolla

Um dos modelos com o desenho mais interessante da atual geração de SUVs, o Lexus UX é vendido no Brasil somente como híbrido, embora tanto as versões de propulsão convencional UX200 quanto as híbridas UX250h usem variações do mesmo motor Toyota M20A "Dynamic Force". Enquanto o UX200 tem uma versão somente a gasolina do mesmo motor M20A-FKS oferecido no Brasil nas versões flex movidas a gasolina e etanol com propulsão convencional no Toyota Corolla, o UX250h usa o motor M20A-FXS que não tem versões flex em nenhum mercado. A bem da verdade, o fato de ter injeção dupla direta e nos pórticos de válvula teoricamente seria benéfico ao uso do etanol, tendo em vista dispensar auxílios à partida a frio, apesar de acarretar na exigência do filtro de material particulado para ser homologado nas normas de emissões mais restritivas devido à presença da injeção direta. Esse tópico antes vinha sendo um calcanhar de Aquiles somente para o Diesel, mas a situação vem mudando com uma massificação da injeção direta junto à ignição por faísca nivelando essa questão. Eventualmente o fato de ainda contar também com a injeção nos pórticos de válvula, adequada a combustíveis voláteis mas impraticável com o óleo diesel e a maioria dos substitutivos, é um dos poucos motivos que podem manter a competitividade diante de motores Diesel mesmo com o recrudescimento das normas de emissões atingindo também a ignição por faísca, tendo em vista que proporciona um maior resfriamento da carga de ar de admissão e por conseguinte uma diminuição nos índices de óxidos de nitrogênio (NOx) sem ter de recorrer por exemplo ao sistema SCR já muito usado em modelos equipados com motor Diesel e que depende do fluido-padrão AdBlue/ARLA-32/ARNOx-32 para pós-tratamento dos gases de escape.
O fato de ser tecnicamente viável oferecer a capacidade de operar com etanol no motor M20A seria um eventual pretexto para crer que estivesse adequado à intenção da Toyota em apresentar o primeiro híbrido flex com as versões nacionais do Corolla E210, embora usem o motor 2ZR-FXE baseado no mesmo projeto do motor 2ZR-FE usado em gerações anteriores, bem como dos 2ZR-FAE e 2ZR-FBE ainda usados em diferentes mercados nas versões não-híbridas do modelo. Apesar de ser oferecido o M20A-FXS em outras configurações de carroceria em mercados onde a hibridização chega a ser mais importante para o Corolla, a nível mundial o sedan conta só com o motor 2ZR-FXE quando oferecido como híbrido. O fato de contar somente com injeção nos pórticos de válvula, em que pese necessitar de pré-aquecimento elétrico para auxiliar a vaporização do combustível em baixas temperaturas ao usar etanol, ainda favorece a contenção de custos tanto pela maior simplicidade do sistema de injeção por ter menos linhas de combustível e metade da quantidade de bicos injetores quanto por dispensar o filtro de material particulado. Outro aspecto pouco lembrado quando se trata de híbridos, além do mais em função do retorno mais demorado do investimento em comparação a um similar com propulsão convencional, é que o motor mais simples e aparentemente defasado ainda é mais fácil de converter para gás natural. Portanto, se num SUV com proposta de sofisticação em decorrência do posicionamento da marca o custo desse aparato parece menos relevante, num sedan generalista que em outros países assume função análoga à do "carro popular" no Brasil o que aparenta ser uma economia porca é na verdade um reflexo do apego à imagem de uma maior simplicidade inerente aos motores de ignição por faísca como pretexto para privilegiá-los num momento em que o Diesel é tratado como indesejável por governos e organizações não-governamentais com objetivos obscuros.

domingo, 19 de janeiro de 2020

7 modelos que ficariam interessantes com um motor Perkins 1103

Pode não parecer muito fácil apontar algum veículo como sendo adequado para receber um motor como o Perkins 1103, cuja configuração de 3 cilindros e os regimes de rotação mais modestos seriam alvo de críticas por parte de um público já acostumado a opções tecnicamente mais sofisticadas. Com opções tanto de aspiração natural quanto turbo com ou sem intercooler, cabendo destacar para fins de comparação versões com intercooler e considerando que um hipotético retorno da Perkins ao segmento de motores veiculares exigiria a oferta de ao menos uma versão com gerenciamento eletrônico para enquadrar-se em normas de emissões atuais, pode não parecer tão competitivo diante dos motores de alta rotação e 4 cilindros que hoje predominam em pick-ups e SUVs médios. Mas daí a ser coerente descartar tal opção, é algo diferente e que requer uma análise que leve em conta as efetivas necessidades do usuário, bem como questões mais subjetivas como uma preferência pessoal. Considerando prós e contras, dentre os modelos que a princípio ficariam no mínimo interessantes se destacam 7.

1 - Chevrolet S10: embora tenha contado com algumas opções de motor turbodiesel de alta rotação com 4 cilindros entre 2.5L e 2.8L em ambas as gerações oferecidas no mercado brasileiro, com diferentes graus de sofisticação e parâmetros de potência e torque, é justo ponderar que um motor mais modesto pode já ser suficiente e ainda levar a um incremento menos exagerado no preço em comparação a versões a gasolina ou flex. O primeiro motor turbodiesel oferecido na S10 brasileira ainda durante a 2ª geração mundial que foi a primeira a ser produzida localmente era o Maxion HSD de 2.5L com comando de válvulas no bloco e sincronização por correia dentada, numa versão que não dispunha de intercooler, tendo sido posteriormente substituído pelo MWM Sprint 4.07TCA de 2.8L com comando no cabeçote sincronizado por engrenagens com turbo e intercooler que depois ainda foi atualizado com gerenciamento eletrônico e renomeado TCE.
A geração atual lançada em 2012, derivada de um projeto tailandês e vendida em outras regiões como Colorado mas que manteve o nome da S10 na maioria dos mercados sul-americanos por razões que vão de política a futebol, usa um motor de 2.8L com comando duplo no cabeçote e sincronização por correia, e projeto original da VM Motori italiana. Na prática, mesmo considerando que o MWM Sprint tenha robustez comparável ao Perkins 1103 até mesmo em função de também ter sincronização por engrenagens, e a princípio possa parecer que não valha a pena substituir um motor de concepção essencialmente mais moderna por um mais à moda antiga, ainda é de se considerar a idéia por trás de um motor turbodiesel com características de projeto mais simples como uma opção para substituir um motor a gasolina ou flex até mesmo na geração atual lançada em 2012 caso surja uma versão do Perkins 1103 compatível com a plataforma de diagnóstico eletrônico de falhas OBD-II exigida no Brasil desde a implementação das normas de emissões Euro-5. Naturalmente, tendo em vista uma eventual redução nos custos de aquisição e manutenção, ainda pode ser atrativo a uma parte considerável do público que hoje não esteja tão plenamente satisfeita com o rumo que a evolução dos motores turbodiesel veiculares de alta rotação tomou. Além de usos estritamente profissionais, para os quais a maior simplicidade construtiva e as faixas de rotação mais modestas tenderiam a favorecer a eficiência geral, também não seria impossível atender de forma satisfatória a uma parcela expressiva do público que faz uso para fins particulares mas eventualmente já não veja na opção pelo motor turbodiesel uma maior economia operacional sobretudo devido ao preço inicial mais alto.

2 - Ford Ranger de '93 a 2011: a 2ª geração do modelo, ao ser lançada nos Estados Unidos, perdia a opção por motorizações Diesel que chegaram a ser oferecidas anteriormente. Quando passou a ser produzida também na Argentina em '98, visando atender à necessidade de mercados sul-americanos onde essa opção é indispensável para o sucesso comercial de pick-ups em quase toda a região, houve o recurso ao outsourcing de motores turbodiesel de produção regional.
Teve a opção por motores turbodiesel Maxion HSD de 2.5L já com o intercooler que estava ausente na S10, e posteriormente uma versão de 2.8L com comando de válvulas simples no cabeçote sincronizado ainda por correia dentada, até ser substituído pelo polêmico 3.0NGD que na prática era uma outra derivação do Maxion HSD já incorporando comando de válvulas duplo no cabeçote e sincronização por corrente. Principalmente no caso do NGD, cujo sistema de injeção e gerenciamento eletrônico da Siemens tem uma menor disponibilidade de assistência técnica independente comparado a sistemas da Bosch, a princípio nem mesmo uma alteração no desempenho para níveis um pouco mais modestos seria tão problemática diante de vantagens na durabilidade, confiabilidade e facilidade de manutenção que um repotenciamento com motor Perkins 1103 poderia proporcionar, lembrando que o fato de até 2011 não ser obrigatória a compatibilidade com a OBD-II viabiliza até adaptar versões com injeção 100% mecânica.

3 - Land Rover Defender: o clássico britânico foi mais um que usou em versões feitas no Brasil o motor Maxion HSD de 2.5L em especificação com intercooler, e ainda é importante frisar as origens do Maxion num projeto da própria Land Rover que já na década de '50 apostou alto no downsizing. É até compreensível que se fique com um pé atrás por conta da influência de um motor maior sobre a distribuição de peso entre os eixos, mas o Perkins 1103 não seria tão problemático quanto alguns motores de 4 cilindros em faixas de cilindrada ainda maiores em comparação ao motor original do Defender, e o fato de terem até havido no exterior versões com motores V8 a gasolina que estão longe de ser peso-pena já é suficiente para minimizar temores quanto ao impacto do peso de outro motor na dirigibilidade do veículo.

4 - Land Rover Discovery II: tendo oferecido o motor Td5 de 2.5L e 5 cilindros com comando de válvulas simples no cabeçote acionado por corrente como opção turbodiesel para quem não quisesse o V8 a gasolina de 4.0L (ou 4.6L em 2003 e 2004) com comando no bloco também sincronizado por corrente, a rusticidade do projeto básico de certa forma até combinaria mais com um motor bruto como o Perkins 1103 do que o relativamente sofisticado (e francamente pouco apreciado) Td5. O fato da Perkins e da Land Rover serem ambas inglesas talvez ainda pudesse causar menos resistência à mera possibilidade de se fazer a adaptação, mesmo entre alguns puristas mais exacerbados. Apesar do desempenho acabar se tornando mais modesto, ficaria longe de ser inadequado às condições operacionais que o modelo pode encontrar.

5 - Jeep Grand Cherokee das gerações ZJ/ZG de '92 a '99 e WJ/WG de '99 a 2004: enquanto a geração designada como ZJ no caso de exemplares produzidos nos Estados Unidos ou ZG para os de fabricação austríaca chegou a dispor da opção pelo motor VM Motori 425 OHV de 2.5L com 4 cilindros e comando de válvulas no bloco com sincronização por engrenagens para atender principalmente ao mercado europeu, mas que não foi oferecido em nenhum que tenha sido importado regularmente para o Brasil, a geração posterior WJ ou WG também de acordo com o local de fabricação chegou a vir dispor inicialmente do motor VM Motori 531 OHV de 5 cilindros e 3.1L que era originado do mesmo projeto básico do anterior até ser substituído pelo motor Mercedes-Benz OM647 de 2.7L e 5 cilindros mas já dotado de comando duplo no cabeçote com sincronização por corrente e gerenciamento eletrônico com injeção do tipo common-rail. No caso dos ZJ e ZG a opção pelo Perkins 1103 para adaptação parece não requerer muitos questionamentos, embora também não seja incomum que se usem motores de concepção mais moderna e alta rotação para repotenciamento no modelo, mas nos WJ e WG a situação requer outra análise.
Se por um lado o motor VM Motori 531 é mais criticado por um alto custo das peças de reposição quando são encontradas e pela facilidade para superaquecer, por outro o Mercedes-Benz OM647 tem uma complexidade que destoa da imagem de uma mecânica "à prova de burro" que se esperava das barcas de projeto essencialmente americano até cerca de 15 anos atrás. Apesar da seleção de motores turbodiesel originais de fábrica oferecidos no WG ter um desempenho mais vigoroso, encontrar no Brasil um exemplar equipado com algum deles não é tão fácil. Portanto, torna-se um motivo a mais para considerar a adaptação de outro turbodiesel em algum WG que tenha saído de fábrica com um sedento motor a gasolina, e por mais chocante num primeiro momento que pudesse ser encontrar um motor de 3 cilindros sob o capô de um monstrão americano no lugar de um V8, isso não soaria necessariamente tão absurdo se o substituto em questão também tiver uma concepção essencialmente bruta, e nisso não se pode negar que o Perkins 1103 se enquadra. E lembrando ainda que os ciclos de produção dessas duas gerações mais antigas do Jeep Grand Cherokee ocorreram durante uma fase em que o controle de emissões era menos restritivo e o gerenciamento eletrônico era incomum no Brasil, quem tenha medo de ficar num mato sem cachorro e considerar preferível a viabilidade de reparar um motor num barracão de trator já poderia ficar satisfeito com um turbodiesel de injeção mecânica...

6 - Nissan Frontier NP300 D23: a atual geração de pick-ups médias da Nissan, além do motor QR25 a gasolina em alguns mercados, oferece somente motores turbodiesel um tanto sofisticados como o YS23 de 2.3L com comando de válvulas duplo no cabeçote e sincronização por corrente usado nos modelos de fabricação argentina com um turbo único na versão básica S e biturbo nas demais com uma proposta mais sofisticada. Mas para uma versão mais pé-duro e essencialmente destinada ao uso a trabalho, um motor de concepção mais rudimentar pode não ser de todo indesejável, além do mais considerando a importância das pick-ups para o setor agropecuário e que uma eventual semelhança entre motores desse tipo de veículo e os de maquinário agrícola como tratores facilitaria e muito uma logística de reposição de peças e manutenção, e ainda que o desempenho também acabe ficando mais modesto isso não passaria a constituir um impedimento para turistas argentinos enfrentarem a estrada e chegarem bem às praias brasileiras durante o verão. E mesmo para modelos mais recentes, tendo em vista o recrudescimento nas normas de emissões até para tratores no Brasil com a implementação da MAR-I, fornecedores de motores como a Perkins já dominam as mesmas tecnologias regularmente aplicadas a motores automotivos para controle de emissões como o EGR e o DPF, e até o SCR que em alguns mercados como o europeu já equipa a D23.

7 - Mitsubishi Pajero Full: outro que contou com distintas opções de motorização turbodiesel entre as gerações comercializadas no Brasil, nos mais antigos é quase unanimidade a preferência por uma troca de motor, principalmente devido à tendência que o 4M40 de 2.8L com comando de válvulas no cabeçote sincronizado por correia dentada apresenta para o superaquecimento, menos acentuada que o observado no 4D56 de 2.5L e configuração semelhante de comando de válvulas que o antecedeu, sendo mais comum encontrar referências ao uso do motor MWM Sprint 4.07TCA para substituir os originais. Em modelos mais modernos que recorrem ao 4M41 de 3.2L como opção turbodiesel, pode soar menos convidativa e até desnecessária uma troca tão precoce de motor, até porque o impacto no desempenho seria proporcionalmente maior.
No entanto, considerando uma eventual preferência pessoal por motores de projeto inerentemente mais robusto e a menor disponibilidade de suporte técnico oficial à medida que os modelos vão envelhecendo pode fazer com que adaptações não sejam tão má idéia, além do mais considerando outros países em que a geração atual do Pajero conta com motores mais modestos que só não vem para o Brasil tanto por eventuais diferenças na classificação de emissões quanto pelo posicionamento do modelo no mercado local como um carro de luxo.

Muito mudou a concepção de motores Diesel veiculares nas últimas décadas, com uma diferença até mais escancarada em caminhonetes de porte médio a grande que deixaram de lado a definição de um mero motor "de trator" regulado para atender às condições de uso automotivas para se tornarem mais sofisticados do que muitos motores de ignição por faísca. E se por um lado tal evolução viabilizou a aproximação com parcelas do público que antes desprezavam motores Diesel num veículos particular, não se pode desconsiderar que outro público com um perfil mais tradicional que anteriormente via tal opção como incontestavelmente melhor mas hoje tem ficado receosa à medida que se vem buscando agradar mais aos anti-Diesel que desejem um motor com funcionamento "como se fosse a gasolina". E nesse caso, um motor como o Perkins 1103 acaba oferecendo condições adequadas para conciliar a necessidade de atender a algumas condições como um controle de emissões mais estrito sem abrir mão de características que fizeram o Diesel prevalecer em condições mais duras.

quinta-feira, 16 de janeiro de 2020

Reflexão sobre o Toyota Corolla E210 e como a idéia do "carro mundial" pode ter atrapalhado uma maior presença do Diesel em alguns mercados

Já não é de hoje que a proposta do "carro mundial" tem atraído a indústria automobilística, com casos mais emblemáticos na atualidade principalmente na linha Toyota com destaque para o Corolla. Não é possível afirmar necessariamente que uma versão vendida no Brasil vá ser tecnicamente idêntica às que são oferecidas nos Estados Unidos ou na Europa, principalmente devido às diferenças nas ofertas de motores e câmbios, que também acabam se evidenciando até em versões híbridas que teoricamente seriam mais passíveis de guardar uma maior similaridade a nível mundial. Mas até que ponto a idéia por trás do "carro mundial" pode se tornar mais um desafio no tocante à presença do Diesel nos mais variados mercados, lembrando que a atual geração do Corolla (E210) já não oferece mais nem em regiões que ainda se mantém receptivas a essa opção, é um tópico mais complexo...
A insistência da própria Toyota em apresentar os híbridos como antagônicos ao Diesel, recentemente revigorada com a proposta de um maior uso do etanol destacada no fato do Corolla híbrido brasileiro ser "flex", não deixa de ser mais um pretexto para os anti-Diesel de plantão ladrarem furiosamente à menor tentativa de apresentar-lhes um contraponto. De fato, um maior rigor das normas de emissões tem sido tão desafiador que a simples preferência pela ignição por faísca não tem sido capaz de inibir a necessidade de tomar medidas eventualmente um tanto drásticas como uma inclusão dos filtros de material particulado até em motores a gasolina à medida que a injeção direta ganha espaço. No caso do Corolla, cujas versões não-híbridas no Brasil usam o motor M20A-FKS Dynamic Force de 2.0L com injeção direta e indireta combinadas, como as normas em vigor ainda são Euro-5 pode dispensar esse dispositivo, enquanto os híbridos são oferecidos com o 2ZR-FXE de 1.8L que já era conhecido pelo uso no Prius em versão somente a gasolina e que por recorrer somente à injeção sequencial nos pórticos de válvula dispensaria o filtro de material particulado mesmo para se enquadrar nas normas Euro-6d.
A massificação do câmbio automático ganhando força até no Brasil, associada a benefícios fiscais aos modelos híbridos, pode levar a crer que permanecer com a ilusão de uma maior simplicidade inerente à ignição por faísca seja indubitavelmente melhor a longo prazo, principalmente considerando que as gerações de dispositivos de controle de emissões mais complexas usadas em modelos equipados com motores Diesel acabam ocupando algum espaço nas plataformas. Porém, o fato de um tanque para o fluido AdBlue/ARLA-32/ARNOx-32/DEF e um módulo de pós-tratamento consistindo do filtro de material particulado (DPF) e o catalisador onde vá ser injetado o AdBlue para promover a redução de óxidos de nitrogênio (NOx) se tornarem um inconveniente não significa que um sistema híbrido seja isento de desvantagens nesse sentido. A presença de uma bateria tracionária volumosa e pesada, que é essencial para o funcionamento do sistema híbrido, bem como à cablagem de alta tensão que requer cuidados adicionais durante procedimentos de manutenção rotineira e até em caso de acidente, leva a um certo nivelamento no tocante à questão de dificuldades em se adaptar uma plataforma à presença de alguns equipamentos que tem sido exigidos em mercados onde não há a mesma restrição ao Diesel com base nas capacidades de carga e passageiros ou tração, de forma que um viés estritamente anti-Diesel parece ser o que vem balizando a estratégia da Toyota no tocante ao Corolla a nível mundial.
O fato de haver uma diferenciação entre as opções de motor para as versões não-híbridas do Corolla de acordo com cada região, com modelos destinados ao Japão e à China por exemplo usando o motor 8NR-FTS de 1.2L com turbo e injeção direta ao invés do M20A-FKS, ou os motores "flex" 1ZR-FBE de 1.6L e 2ZR-FBE de 1.8L permanecerem em alguns mercados do sudeste asiático, evidencia ainda mais que a proposta de um "carro mundial" não é antagônica ao Diesel. De fato, há diferenças além do custo de fabricação e implementação de ferramentarias novas, e naturalmente não há como ignorar normas de controle de emissões ou a facilidade de prover a manutenção de sistemas mais complexos. Enfim, mesmo diante de alguns desafios de ordem técnica que se apresentam, a idéia de oferecer um "carro mundial" tem caído por terra no tocante às motorizações, reforçando a contradição por trás de tal pretexto ser aplicado em detrimento do Diesel...