segunda-feira, 26 de julho de 2021

Breve reflexão sobre a Fiat Strada de 1ª geração e oportunidades perdidas para fomentar o uso direto de óleos vegetais como combustível

A consolidação da tração dianteira no mercado de veículos compactos, especialmente favorecida pela predominância do motor transversal, naturalmente acabou refletida junto a utilitários leves como a Fiat Strada que desde a geração anterior firmou-se como um dos maiores sucessos no segmento de pick-ups no Brasil mesmo impedida de oferecer no mercado local qualquer uma das diversas opções turbodiesel que chegou a dispor para exportação. Por mais que a própria Fiat tenha chegado a dar início a testes de homologação junto a órgãos oficiais brasileiros para homologar especificações de óleo vegetal natural para um uso direto como combustível veicular que ainda oferecia em alguns países da América Latina e África o motor turbodiesel de 1.7L com injeção indireta, a maior dificuldade para enquadrar em normas de emissões mais rigorosas que consolidaram a injeção direta como um padrão inquestionável também passou a ser vista como um empecilho mais significativo à discussão quanto a uma eventual derrubada das restrições ao uso de motores Diesel com base em capacidades de carga e passageiros ou tração para veículos leves. A empolgação em torno de uma reabilitação do etanol que parecia iminente, culminando no uso dos motores "flex" crescendo meteoricamente por volta de 2004 naquela faixa de cilindrada logo acima dos "populares", também fomentou algum comodismo em torno da ignição por faísca.
Naturalmente, a ilusão em torno do etanol e a imagem que se criou em torno do motor Fire como sendo "à prova de burro" diante dos turbodiesel que precisam recorrer a sistemas de pós-tratamento dos gases de escape cada vez mais sofisticados pareciam justificar num primeiro momento algum desinteresse por buscar alternativas que pusessem em xeque as premissas de priorizar o uso do óleo diesel convencional para veículos pesados destinados ao transporte comercial e outras aplicações estritamente profissionais, enquanto o motor 1.3 Multijet que acabaria sendo o último motor oferecido na Strada para exportação à Europa dispensou o filtro de material particulado (DPF) ao ser enquadrado na Euro-4 mas passou a usar esse dispositivo tão logo surgiu o Multijet II inicialmente homologado na Euro-5. À medida que passou a ser mais comum o DPF na Europa, como se não bastasse a percepção de uma dificuldade ainda maior na partida a frio com o uso de óleos vegetais como combustível em motores de injeção direta como é o caso dos Multijet, ficou mais difícil convencer o público generalista quanto a uma viabilidade futura dessa solução. No entanto, convém destacar como os biocombustíveis de um modo geral permanecem relevantes junto ao motor de combustão interna no tocante à estabilização dos ciclos do carbono e do nitrogênio, de modo que uma alegada defasagem no cumprimento a normas de emissões pudesse na prática se revelar muito menos problemático do que alardeiam alguns ecoterroristas que insistem em apontar a eletrificação como única possibilidade de médio a longo prazo.
Por mais que seja realmente desejável o progresso técnico-científico, e nesse aspecto convenha destacar a importância do desenvolvimento de motores mais eficientes e com menores emissões especialmente à medida que uma operação em áreas urbanizadas e altamente adensadas dificultaria uma compensação regionalizada dessas mesmas emissões, não deixa de ser intrigante como inverteram-se as prioridades e surgiram entraves à uma mobilidade mais sustentável que propostas utópicas simplificadas em torno de uma eletrificação dependente de subsídios e politicagens que atentem contra a liberdade de ir e vir. Uma boa solução tanto para produtores rurais que possam produzir um combustível por conta própria quanto para ser outra opção simples para promover um descarte correto de óleos de cozinha saturados acabou por se perder em meio a burocracias e regulamentações que se revelam contraditórias não somente nas premissas de assegurar a disponibilidade de óleo diesel para aplicações "utilitárias", pondo em xeque ao mesmo tempo as alegações de supostos ecologistas que demonizam o motor de combustão interna pelo que representa no tocante à liberdade. Enfim, apesar do uso direto de óleos vegetais nem ter sido uma idéia tão amplamente difundida no Brasil como merecia ter sido, é mais uma daquelas oportunidades que foram perdidas para abordar benefícios de uma liberação de motores Diesel sem as distinções pelas capacidades de carga e passageiros ou tração lamentavelmente ainda em vigor.

terça-feira, 20 de julho de 2021

Caso para reflexão: motor Renault K9K e inconveniências de uma obsessão por potência

Um motor emblemático da transição entre a hegemonia da aspiração natural associada à injeção indireta para a consolidação de uma presença maciça do turbocompressor conciliado ao sistema common-rail de injeção direta com gerenciamento eletrônico por volta de 20 anos atrás até em modelos com pretensões mais essencialmente utilitárias como a primeira geração do Renault Kangoo, substituindo os motores de 1.9L F8Q de injeção indireta e aspiração natural quanto o F9Q com turbo e injeção direta, o motor K9K de 1.5L sempre com turbo e injeção common-rail tem na simplicidade técnica méritos que o credenciam também para atender à proposta "popular" que delineou o projeto da primeira geração do Dacia Logan comercializado no Brasil como Renault. Há de se destacar que, apesar de não ter sido usado esse motor no mercado nacional, chegou a ser oferecido em versões destinadas à exportação regional e também fez sucesso em outras regiões com condições tão diversas como a Europa Ocidental e a Índia. Inicialmente numa faixa de potência abaixo de 70cv e com um torque de 16,3kgfm que hoje seria considerado muito modesto para um turbodiesel mesmo nessa faixa de cilindrada quando já atendia às normas Euro-4, não faria tanto sentido considerar que essas calibrações fossem insuficientes mesmo com as normas Euro-6d já vigorando na Europa e Bharat Stage 6 na Índia equivalentes à Euro-6.
Mesmo com calibrações de potência e torque mais vigorosas, e que a bem da verdade até são desejáveis em aplicações específicas como viaturas de serviços de emergência, diferenças mais destacáveis entre o K9K configurado para versões antigas do Logan e a versão de 115cv e 26,5kgfm oferecida para o Dacia Duster europeu sem encontrar equivalência nas versões Renault de fabricação brasileira nem indiana se restringem aos sistemas de controle de emissões. Convém destacar ainda como a obsessão desenfreada do público generalista por um desempenho para fazer frente aos análogos de ignição por faísca levou ao atual estágio de complexidade do pós-tratamento de gases de escapamento em motores turbodiesel, não somente quanto ao filtro de material particulado (DPF) mas principalmente pelo uso do sistema SCR de controle da emissão de óxidos de nitrogênio (NOx) com o uso do reagente químico AdBlue/ARLA-32, e para cumprir regulamentações ocorre automaticamente uma limitação de potência e torque quando se consome todo o AdBlue contido no reservatório. Naturalmente soaria um tanto inconveniente cogitar o uso habitual de um veículo sem aproveitar plenamente o desempenho que seria capaz de oferecer, mas é justo observar também como uma configuração mais modesta do K9K eventualmente possa prescindir do SCR e recorrer a sistemas de pós-tratamento mais simples como o catalisador LNT (Lean Nox Trap) de estado sólido sem a necessidade de insumos químicos adicionais e preservando o desempenho mais próximo ao que operadores brasileiros como polícias e guardas municipais encontram no motor H4M flex a gasolina e etanol de 1.6L de 118cv e 16,2kgfm que tornou-se o único oferecido no Renault Duster nacional.
Comparando também com o motor H4Bt de 3 cilindros e 1.0L movido somente a gasolina com a opção por usar também o gás liquefeito de petróleo (GLP - "gás de cozinha") que é até mais popular que o gás natural em alguns países europeus, e hoje é o motor básico para o Duster na Europa, cabe salientar que apesar das diferentes curvas de potência e torque observa-se o mesmo pico de 16,3kgfm que no K9K é sustentado numa faixa entre baixas e médias rotações mais adequada ao uso cotidiano normal. Apesar da potência de 90cv para um motor 1.0 turbo de 3 cilindros poder levar alguns a crerem que a ignição por faísca tenha virado o jogo a ponto de tornar injustificável uma preferência pelos turbodiesel mesmo por operadores que já os preferissem desde outras épocas quando o foco na economia operacional e na robustez eram mais relevantes que essa busca desenfreada por potência mais voltada a conquista de um público com perfil generalista, chegou-se ao ponto de operadores tradicionais poderem ficar satisfeitos com calibrações de desempenho mais "arcaicas" à medida que permaneça viável simplificar os sistemas de controle de emissões. Enfim, por mais que um desempenho apto a fazer frente à ignição por faísca se torne desejável em algumas condições operacionais, em outras a obsessão pela potência é desmedida e entra numa rota de colisão com prioridades na economia operacional e simplicidade de manutenção. 

quarta-feira, 14 de julho de 2021

Breve observação sobre o Renault Duster e o fim da opção por tração 4X4 no Brasil

Um dos SUVs compactos que mais se notabilizaram ao longo dos últimos 10 anos no Brasil, o Renault Duster deixou de ter a opção de tração 4X4 para o mercado nacional no ano passado com a chegada da geração atual, embora ainda conte com esse recurso em países vizinhos como Colômbia e Argentina em versões equipadas com o motor 1.3 turbo a gasolina. Sob a alegação que o Duster 4WD correspondia a só 5% do total de vendas do modelo no Brasil, atendendo principalmente a alguns frotistas que viam na tração nas 4 rodas uma efetiva necessidade para aplicações utilitárias propriamente ditas, pareceu mais fácil simplesmente eliminar esse recurso, além do mais que só estava disponível com o câmbio manual, em contraste com a atual preferência do público generalista pelo câmbio automático nessa categoria. É conveniente lembrar também como a Renault deixou passar a oportunidade de oferecer ao menos uma opção turbodiesel para o Duster no Brasil, tendo em vista que a tração 4X4 qualifica para homologação como utilitário, apesar de recorrer a uma relação mais curta da 1ª marcha ao invés de uma "reduzida" propriamente dita.

Naturalmente, o câmbio automático ter sido oferecido somente com tração simples dificultava vender a opção pela tração integral para um público predominantemente urbano que vê os SUVs como objeto de desejo e prefere dispensar o câmbio manual, mas certamente a ausência de opções turbodiesel no Brasil também pesou contra uma maior presença da configuração 4X4 no mercado. Mesmo considerando uma improvável hipótese de se recorrer a um câmbio automatizado monoembreagem como o Easy-R que foi oferecido anteriormente como uma opção mais em conta ao câmbio automático no equivalente europeu vendido como Dacia Duster enquanto o modelo nacional e o colombiano ofereciam um automático com 4 marchas, a princípio uma maior similaridade entre o câmbio automatizado e um manual já facilitaria a disponibilização de uma opção para quem prefira não trocar marchas em meio a um trânsito caótico nos principais centros urbanos. Por outro lado, uma rejeição do público generalista ao câmbio automatizado frequentemente retratado como inerentemente inferior ao automático também seria difícil de reverter, e a bem da verdade em algumas condições de uso mais severas o conversor de torque usado em câmbios automáticos é mais confiável que as embreagens usadas com os câmbios manuais e automatizados.

Por mais que a logística e os volumes de vendas parecessem num primeiro momento não justificar uma eventual disponibilidade de versões 4X4 turbodiesel com câmbio automático, foi inoportuno ignorar um bom argumento de vendas como o motor turbodiesel mesmo com tração 4X4 só estando disponível em conjunto com o câmbio manual. Mesmo uma procura alegadamente maior pelo Duster 4WD da parte de operadores profissionais já seria um bom pretexto para oferecer um turbodiesel, tanto pelas condições de rodagem mais críticas em alguns serviços como atividades de apoio à mineração ou à aviação e que poderiam ser melhor atendidas por um motor que facilita a padronização dos combustíveis quanto pelas médias de quilometragem em alguns casos mais altas proporcionarem mais rapidez para um retorno do investimento inicial. Enfim, por mais que ainda caiba apontar outras causas, seguramente o fim da opção por tração 4X4 para o Renault Duster no Brasil também pode ter sido um efeito da ausência de um motor turbodiesel.

quinta-feira, 8 de julho de 2021

Mais uma pérola do YouTube: motor Skandia 13 A em funcionamento num barco de madeira antigo

Antes que os motores Diesel propriamente ditos fossem consolidados como os preferidos em aplicações náuticas comerciais, os motores de ignição por incandescência (também conhecidos como motores de ignição por tubo quente, ou por bulbo de incandescência) tiveram seus dias de glória e mantiveram uma participação de mercado bastante expressiva nos países escandinavos (Suécia, Noruega, Finlândia e Dinamarca) ao menos até a década de '60. O custo de produção relativamente baixo em comparação aos motores Diesel propriamente ditos, bem como a resiliência às condições ambientais severas uma vez que estivessem funcionando a um regime de rotações constante e uma grande durabilidade favorecida pela operação em faixas de giro que muitas vezes equivalem à marcha-lenta de motores Diesel náuticos modernos, fazem com que os motores de ignição por bulbo de incandescência mantenham uma legião de entusiastas que não abrem mão dessas fantásticas obras de arte da engenharia. Um bom exemplo é o motor Skandia 13 A, modelo lançado em 1935 que era fabricado na cidade sueca de Lysekil e tem um exemplar destacado no vídeo abaixo:

Um produto da empresa Lysekils Mekaniska Verkstad, que iniciou a produção de motores de ignição por bulbo de incandescência em 1902 para cessá-la somente em 1966 tendo também produzido motores Diesel de 1933 a 1987, o motor Skandia 13 A tinha a operação no ciclo 2-tempos que predominou entre os motores de ignição por bulbo de incandescência pelo menor custo e simplicidade construtiva e tinha a cilindrada de 1.6L na configuração monocilíndrica com diâmetro de 130mm e curso de 120mm que resultavam numa potência entre 9 e 10cv de 900 a 1000 RPM. Alguns exemplares dos últimos anos de produção chegaram a ser equipados com uma vela de incandescência elétrica para o pré-aquecimento do bulbo, de forma análoga ao que ocorre nas pré-câmaras de motores Diesel de injeção indireta. Uma característica bastante curiosa observada no vídeo é a formação de aros de fumaça pelo escapamento, tal como era frequentemente representado naqueles desenhos animados clássicos em cenas retratando embarcações.

sexta-feira, 2 de julho de 2021

Motor e tração traseiros: característica que para alguns operadores ainda pode ser mais desejável até que a tração 4X4

Não dá para negar a importância que a disposição do motor e o sistema de tração podem favorecer mais um determinado veículo em função de alguma condição operacional específica, e um exemplo bastante conhecido é o do Fusca que com motor e tração traseiros conquistou o público generalista no Brasil em outras épocas, mantendo-se até o dia de hoje como uma das referências de maior sucesso entre os carros populares. Lembrado pela aptidão para trafegar por terrenos severos sob as mais diversas condições de carga, tendo em vista que a concentração de peso permanecia mais próxima ao eixo motriz, chegava a se manter competitivo mesmo diante de veículos com tração 4X4 que invariavelmente apresentam uma configuração mais complexa que se refletia nos custos de manutenção e operação. Em que pese o Fusca propriamente dito não encontrar um cenário regulatório tão favorável para ter a produção retomada, não convém ignorar como a disposição de motor traseiro ainda poderia ser apreciada em veículos modernos que pudessem atender ao público generalista.

Mesmo que o Fusca acabe sendo o mais icônico entre os modelos Volkswagen de motor traseiro, outros como a Variant também são igualmente dignos de nota e tiveram seus dias de glória exatamente devido à configuração mecânica que favorecia a trafegabilidade em trechos mais difíceis sem interferências da carga a bordo. Por mais que no caso da Variant uma intrusão do compartimento do motor no habitáculo pareça comprometer em demasia a capacidade volumétrica do bagageiro principal, bem como o volume da suspensão dianteira por barras de torção também impactar o espaço disponível no bagageiro auxiliar dianteiro, a configuração de motor e tração traseiros permaneceu relevante na década de '70 embora já fosse perdendo espaço na década de '80 à medida que na própria linha Volkswagen prevaleciam o motor e tração dianteiros em modelos como a Parati. Considerando as propostas até bastante assemelhadas em que pesem diferenças entre os respectivos projetos que não se limitam à posição do motor, não deixa de ser pertinente observar que modelos como a Variant tenham praticamente sumido em regiões mais urbanizadas, com muitas sendo usadas à exaustão pelo interior na mesma proporção que modelos com tração dianteira levaram mais tempo para ganhar a confiança do público rural.

Considerando ainda aquelas peculiaridades do mercado automobilístico brasileiro nos anos '80 em meio às restrições à importação de veículos, bem como uma tributação menos desfavorável às caminhonetes durante a "era Sarney", convém recordar o caso emblemático da Polauto Look, que era algo como uma "réplica" da Saveiro feita em fibra de vidro sempre com cabine dupla montada sobre o chassi de algum Volkswagen ainda com o motor e tração traseiros. Mesmo que possa ser hoje um tanto subestimada sob as atuais perspectivas, desde a consolidação da tração dianteira em modelos de entrada até a atual força das pick-ups compactas junto ao público generalista ter levado os principais fabricantes a oferecerem a cabine dupla direto de fábrica, não deixa de ser peculiar por ter conciliado a tradição da configuração de motor e tração traseiros do Fusca a um desenho mais de acordo com o que predominava entre a década de '80 e princípios da década de '90. E por mais que não se possa ignorar a intrusão do motor onde seria o compartimento de carga até quando se usava o motor com refrigeração axial da Variant que tinha uma altura menor por não apresentar a "capelinha" igual à do Fusca, e o aumento da altura do assoalho nessa área dificultar operações de carga e descarga em alguns momentos, não deixava de ter a funcionalidade que se esperava do Fusca e derivados em condições de rodagem severas que não eram consideradas as mais favoráveis a concorrentes de tração dianteira.

Naturalmente, um veículo com tração 4X4 pode ter seus méritos e atender às condições de rodagem das zonas rurais e periferias, apesar da classificação arbitrária como "utilitário" em função das capacidades de carga e passageiros ou tração (sendo essa última aplicável a jipes) desencorajar uma oferta de opções aptas ao enquadramento na igualmente distorcida categorização de "populares" baseada na cilindrada. É interessante observar o caso do Suzuki Jimny, que no Brasil teve uma sobrevida para a geração anterior como o jipe 0km de concepção tradicional pelo menor preço da categoria no país, embora a alíquota de IPI aplicável aos utilitários não fazendo distinção por faixas de cilindrada como nos automóveis acabe por inviabilizar uma abordagem semelhante à que permanece em vigor no Japão, onde qualquer veículo enquadrado tanto nos limites de cilindrada (até 660cc) e potência (máximo de 64cv) quanto dimensões externas (até 3,40m de comprimento, 1,48m de largura e 2 metros de altura) é beneficiado pelas normas que definem a categoria kei. Ainda assim, o conservadorismo de grande parte do público generalista no Brasil fomenta uma preferência por veículos mais modestos e não tão "especializados", e portanto seria desejável considerar uma configuração que viabilize a trafegabilidade em condições de terreno adversas com uma menor interferência do peso de passageiros e bagagens ou carga.

A atual predominância da tração dianteira em veículos compactos de categorias tão distintas quanto dos hatches generalistas ou das pick-ups compactas, tomando por referência o Fiat Argo cujas versões com motor 1.0 são enquadradas no segmento dos "populares" e a Fiat Strada que tem se mantido como líder do mercado brasileiro entre os veículos comerciais, até inspira questionamentos referentes à aptidão dos modelos ao enfrentamento de condições de rodagem mais severas longe dos trechos pavimentados. Não se pode ignorar no entanto a influência dos controles de tração e estabilidade presentes em grande parte dos carros e utilitários de projeto mais recente à venda no Brasil sobre a dirigibilidade, embora não seja realista negar os efeitos da lotação sobre a concentração de peso entre os eixos, que é naturalmente mais crítica para os veículos de motor e tração dianteiros, à medida que vai se aproximando da capacidade de carga máxima. Tal situação parece irrelevante para o público generalista hoje majoritariamente urbano, mas vale salientar como não impediu a atual geração de pick-ups compactas também atrair operadores comerciais em função do custo menor em comparação a modelos de porte maior e tração 4X4.

A favor da viabilidade técnica da configuração de motor e tração traseiros em veículos modernos, cabe destacar o exemplo do Porsche 911 da atual geração (992), que apesar da proposta mais especializada de um esportivo puro-sangue preserva o layout da carroceria mais semelhante ao de gerações anteriores da mesma linha sem impedir concessões à modernidade que incluem até mesmo a tração 4X4 integral para versões mais sofisticadas. Também é inevitável uma série de comparações entre o 911 e o Fusca, destacando-se o efeito da posição do motor traseiro na distribuição de peso entre os eixos que no caso do 911 acaba sendo alvo de críticas mais veementes dadas as condições de uso específicas de esportivos em circuitos fechados durante competições ou track-days, onde reações mais equilibradas atribuídas aos concorrentes de motor central-dianteiro ou central-traseiro (e até a outros Porsches que abdicaram dessa tradição do motor traseiro). Naturalmente, mesmo que o maior expoente atual dessa configuração esteja distante das necessidades do público generalista, não deixa de ser um exemplo da viabilidade técnica e conciliação entre modernidade e uma configuração bastante peculiar, que a bem da verdade seria capaz de servir até mais efetivamente usuários de modelos com uma concepção mais modesta aptos a trafegar por trechos mais severos onde um Porsche 911 que não esteja extensamente modificado jamais chegaria perto.

A atual moda de SUV, mesmo que alguns modelos como o Nissan Kicks sejam oferecidos somente com tração dianteira e abdiquem daquela proposta essencialmente utilitária para assumirem uma proposta de conforto na cidade e na estrada, o compartilhamento numa maior proporção de componentes e sistemas com veículos de um perfil mais tradicional como sedans compactos a exemplo da geração mais recente do Nissan Versa acaba ditando a prevalência da tração dianteira em nome da redução de custos através da economia de escala. Tendo em vista que a favor dos SUVs junto ao público generalista e também em segmentos como o dos táxis a imagem de maior robustez e resiliência diante da má conservação de vias públicas que podem ser atribuídas principalmente à altura, mesmo que não apresentem aptidão off-road comparável a veículos 4X4 efetivamente preparados para enfrentar condições de rodagem severas, até seria mais plausível que houvesse alguma presença da configuração de motor traseiro nessa categoria. É até certo ponto surpreendente como a possibilidade de proporcionar uma maior diferenciação entre os SUVs e modelos mais generalistas, sem ter que partir para o custo e complexidade da tração 4X4, acaba sendo subestimada pelos principais fabricantes de veículos.

À medida que a tração 4X4 ganha contornos de prestígio que posicionam esse recurso como um item de luxo, e até nomes tradicionais como o do Land Rover Defender incorporem uma sofisticação que antes soaria como ficção científica em detrimento de uma proposta tradicional e essencialmente utilitária que remonta à época do Land Rover Série 1, até faria mais sentido observar uma desvirtuação da proposta de classificar utilitários pelas capacidades de carga e passageiros ou tração para fins de homologação de versões com motor Diesel no Brasil. Em que pese o fato de algumas condições operacionais realmente favorecerem o recurso à tração nas 4 rodas, é compreensível que o custo e a complexidade afastem uma parte considerável de operadores profissionais, podendo até ser feita uma alusão à forma como o Gurgel Xavante mesmo baseado no layout mecânico do Fusca acabou pressionando a Ford a descontinuar a produção do Jeep CJ-5 no Brasil. Enfim, não dá para negar que motor e tração traseiros chegam a ser mais desejáveis para alguns operadores que a tração 4X4.