quinta-feira, 28 de maio de 2020

5 "sucatões" subestimados que seriam interessantes para reabilitar com um Cummins ISF2.8

Alguns carros já nascem fadados à rejeição por parte do público, seja por uma quebra de tradições do fabricante, seja pelo momento econômico e político em que foram introduzidos. Outros sofreram com a decadência por razões tão diversas quanto dificuldades para encontrar peças de reposição à medida que o tempo avançou. Naturalmente, há aqueles que pela desvalorização acentuada podem tornar-se uma boa base para alguma personalização pouco ortodoxa como a adaptação de um motor Cummins ISF2.8 por exemplo. Ao menos 5 "sucatões" se destacam entre aqueles potencialmente interessantes para essa experiência...

1 - Ford Versailles/Royale: um dos modelos marcantes da fase mais sombria da operação brasileira da Ford, quando a joint-venture AutoLatina instituída junto à Volkswagen foi essencial para garantir a sobrevida do empreendimento. O sucesso do Plano Real no controle da inflação facilitando a entrada de automóveis importados, gerando inclusive um fogo amigo por parte da Ford que trazia da Europa o Mondeo e dos Estados Unidos o Taurus, deixava o Versailles e a station-wagon Royale claramente fora de sintonia com as expectativas de um público que já não se dava por satisfeito com a adaptação do Santana para incorporar algumas referências do estilo da Ford na dianteira e na traseira. Além de ser meio desprezado tanto pelos fãs da Ford quanto pelos da Volkswagen mesmo que tenha o motor EA827 "AP" tão idolatrado por preparadores, sucumbiu ao fim da AutoLatina em '96. Mas o que pode parecer só uma gambiarra sem-graça de fábrica revela um potencial interessante para fazer experiências com conjuntos mecânicos diferenciados tendo em vista que, apesar da plataforma B2 ter sido usada no Brasil somente com tração dianteira, é apta para incorporar tração integral ou somente traseira. Portanto, ficaria até mais fácil chutar o balde e montar um monstrão com o motor Cummins ISF2.8 que a princípio se adaptaria melhor à tração traseira;

2 - Chrysler PT Cruiser: um daqueles modelos que exploraram a moda retrô por volta do ano 2000, a inspiração no desenho do Chrysler Airflow da década de '30 confere um aspecto que seria esperado de uma reinterpretação moderna dos hot-rods mas não condiz com os modestos motores a gasolina de 1.6L co-projetado com a BMW ou de 2.0L e 2.4L com projeto próprio da Chrysler, sendo que o 2.4L era o único a dispor de turbo como opção mas todos eram usados com tração dianteira. Até chegou a ser disponibilizado um turbodiesel de 2.2L da Mercedes-Benz na Europa, Ásia e África do sul, com a mesma tração dianteira. O fato da Cummins atribuir ao ISF2.8 um "envelope" compacto o suficiente para ser instalado nos mesmos espaços onde um concorrente na faixa de 2.2L seria aplicável, já leva a crer que seria uma boa alternativa para repotenciamentos considerando também eventuais upgrades não só no desempenho mas também na certificação de emissões, tendo em vista que o OM646 só foi oferecido na especificação Euro-4 enquanto o ISF2.8 já cumpre as normas Euro-5 no Brasil além de estar pronto para atender à Euro-6;

3 - Chrysler Neon: o fato de ter compartilhado muitos elementos da plataforma com o PT Cruiser já leva a crer que não seria tão difícil valer-se do ISF2.8 para corrigir a falta de ao menos uma opção de motor turbodiesel durante todo o ciclo de produção do modelo, que foi de '93 a '99 para a 1ª geração e de 2000 a 2006 já na 2ª geração;

4 - Subaru Legacy de 1ª geração: ofuscado pela introdução do Impreza, cujo porte menor favorecia o uso como base para versões de rali, o Legacy de 1ª geração não recebe a merecida atenção mesmo dos fãs mais obcecados pela marca que incorporou o motor boxer e a tração integral como identidade. O fato de ser um daqueles modelos trazidos em meio à euforia da reabertura das importações, e que não veio acompanhado de uma rede autorizada satisfatória para atender às especificidades de um país com dimensões continentais como o Brasil, já é convidativo a uma infinidade de gambiarras. Logo, não seria necessariamente má idéia chutar o balde e usar como base para um monstrão de drift ou até fazer algo mais aos moldes das pre-runners para tentar honrar ao menos um pouco o histórico da Subaru no World Rally Championship, já considerando que passar para a tração somente traseira seria muito mais fácil de assegurar não só que um motor Cummins ISF2.8 ficaria bem acomodado numa posição um pouco recuada em comparação ao original de modo a não concentrar um excesso de peso sobre o eixo dianteiro;

5 - Peugeot 504 Pick-Up: um modelo que não teve no Brasil o justo reconhecimento que tem na Argentina e na África, e até hoje é difícil achar algum mecânico que saiba o que está fazendo quando vai fazer algum serviço no motor Indenor XD2 de 2.3L com aspiração natural e injeção indireta que a equipa originalmente. Além de atualmente o motor Cummins ISF2.8 ter se tornado mais conhecido no Brasil devido ao amplo uso não só em caminhões chineses mas também em utilitários nacionais, a princípio já não seria tão difícil contar com uma assistência técnica mais satisfatória. Também é digna de nota a discrição da pick-up Peugeot 504, que mesmo contando com motor Diesel não é tão visada para roubos ou furtos.

segunda-feira, 25 de maio de 2020

Algumas considerações sobre o fim do "carro popular" no Brasil e a viabilidade para uma liberação de motores Diesel

O mercado automobilístico brasileiro tem sofrido profundas transformações nos últimos 20 anos, que podem ser evidenciadas entre outras situações pelo distanciamento do conceito de "carro popular" em meio a modismos que não só diminuíram sensivelmente a procura por hatches generalistas, e ainda da maior presença de equipamentos de conforto e segurança. Até a carroceria de duas portas, que já foi a favorita do público brasileiro, por volta do ano 2000 estava ficando mais restrita a modelos de entrada como o Ford Fiesta. No entanto, por mais que em alguns aspectos tenha ocorrido uma inegavelmente necessária evolução principalmente no tocante a equipamentos de segurança, também vale ponderar a respeito do impacto sobre a oferta de veículos mais acessíveis e até certo ponto como a transformação do mercado nacional possa justificar a viabilidade de motores Diesel em automóveis.
No caso do próprio Ford Fiesta de 4ª geração que em alguns mercados de exportação regional contou com a opção por um motor Diesel de 1.8L naturalmente aspirado, aspectos que iam desde a ênfase na simplicidade técnica até o destaque que se dava à redução no consumo de combustível comparada aos motores a gasolina usados na época já seriam pretextos razoáveis para pôr em xeque tanto a restrição ao uso de motores Diesel em veículos leves no Brasil quanto o uso da cilindrada como parâmetro que definiria se um veículo justifica a categorização como "popular" ou não. Se por exemplo era bastante fácil deduzir que um Fiesta de duas portas com acabamento simples se enquadraria bem no conceito de "carro popular" quando foi produzido por volta de 20 anos atrás, não se pode negar o fato de que a comercialização simultânea tanto da 4ª geração quanto da 5ª do mesmo modelo reposicionada como "compacto premium" nessa fase teria pesado contra a evolução natural do mercado.

Por mais que a "tradição" de se oferecer simultaneamente um modelo mais antigo e outro moderno já venha sucumbindo também à economia de escala em alguns fabricantes, caso da Ford que tirou tanto o Fiesta de 5ª geração quanto o de 6ª geração de linha para concentrar os esforços no segmento básico com o Ka, o fato de um hatch generalista com motor de 1.0L já estar beirando os R$50.000,00 torna-se um empecilho a uma continuação do sucesso que a idéia do carro "popular" teve em outras épocas. Não se pode negar que ar condicionado, direção assistida (atualmente com um recurso mais frequente à direção elétrica ao invés de hidráulica), e até mesmo a maior praticidade que as 4 portas oferecem a um veículo que se proponha ao uso familiar, tem um impacto sobre o custo de produção que reflita no preço de venda, mas se mesmo com a alíquota de IPI menor destinada a veículos com motor até 1.0L ainda fica caro demais a ponto das vendas de veículos de entrada novos estar muito concentrada junto a frotas de empresas e outros consumidores que não podem abrir mão do 0km custe o que custar põe em xeque o sucesso do carro "popular".

Não dá para negar que o custo inicial mais alto inerente não só ao motor Diesel mas também a toda a parafernália que se tem feito necessária para atender aos limites cada vez mais restritivos de emissões resultaria num agravamento desse problema que vem transformando a idéia do carro "popular" numa ilusão. Ainda assim, mesmo que um impacto entre 12 e 15% sobre o preço inicial já possa soar como se tornasse injustificável a opção pelo Diesel, o fato do modelo indiano do Ka conhecido por lá como Ford Figo mantê-la mesmo em meio ao recrudescimento das normas de emissões em virtude da nova regulamentação Bharat Stage-VI mesmo sem diminuição de potência e torque do motor 1.5 TDCi que usa o catalisador LNT (Lean NOx Trap) ao invés de SCR pode ser considerado alentador à idéia de se proporcionar a mesma liberdade de escolha a alguns consumidores brasileiros que ainda compram um carro novo por efetiva necessidade mas não possam se dar ao luxo de migrar para um "utilitário" caro e eventualmente de manutenção mais complexa.
E mesmo que um hatch básico possa não parecer a melhor base para um veículo off-road, a moda dos soft-roaders também chegou a eles, representada no caso do Ka pela versão Freestyle. Evidentemente que a atual geração de carros "populares" está distante de ser tão otimizada para operação em terrenos severos, para a qual seria de se pressupor que veículos com outras configurações estariam mais aptos, mas não se pode ignorar que em algumas condições de uso já acabam por enfrentar uma rodagem até mais dura do que muitos SUVs de luxo e pick-ups de cowboy de posto enfrentarão algum dia. Enfim, mesmo que não seja justificável no tocante à capacidade de carga e passageiros ou tração, ainda cabe supor que uma maior sofisticação técnica em alguns aspectos mesmo tendo afastado uma parcela do público dos carros "populares" soa como um bom precedente para uma eventual liberação do Diesel.

quinta-feira, 21 de maio de 2020

Veículos ou combustíveis: qual deveria ser a real prioridade quanto ao controle de emissões?

Já não é nenhuma novidade que o motor de combustão interna tornou-se um dos bodes expiatórios da moda entre os ecoterroristas, que fazem um alarmismo midiático mas tentam invisibilizar soluções de implementação relativamente fácil para atenuar o impacto nocivo atribuído ao transporte motorizado. E o rigor é especialmente exagerado quando trata-se de motores de concepção mais antiga, sendo até mais crítico no caso de motores Diesel tomando como exemplo o Toyota Bandeirante que lançou mão de motores Mercedes-Benz OM-924, OM-314 e OM-364 ou Toyota 14B de acordo com os anos de fabricação mas sempre com injeção 100% mecânica e sem maiores sofisticações. Naturalmente, não é só aos Diesel que se resume a ira de alguns rebeldes sem causa que usam de uma falsa consciência ecológica para tentar ganhar alguma relevância enquanto tecem críticas ao capitalismo do alto de seus iPhones, ignorando também alguns avanços no controle de emissões de motores de ignição por faísca como o GM Família II que equipou modelos da Chevrolet no Brasil como o Monza e o Vectra, entre os quais não só a transição do carburador para a injeção eletrônica ainda em estágios embrionários mas também a incorporação do conversor catalítico foram dignas de nota já no início da década de '90.
E se por um lado o motor de ignição por faísca sobressaiu inicialmente por uma adaptabilidade que se podia considerar mais fácil a combustíveis alternativos com o gás natural e o etanol, por outro não faz sentido ignorar que um motor Diesel também era capaz de atender a essa opção, e por mais incrível que possa parecer um motor de concepção mais vetusta como os Opel 17D e 17DR de 1.7L aspirados e o Isuzu 4EE1 também de 1.7L mas com turbo e resfriador de ar (intercooler) que foram oferecidos na 1ª geração do Vectra em outros países ofereciam condições até mais propícias tanto com biodiesel quanto em experiências no uso direto de óleos vegetais brutos como combustível veicular, e portanto a neutralização de emissões durante o metabolismo dos cultivares que podem ser destinados ao uso como combustível proporciona um fechamento dos ciclos do carbono e do nitrogênio mais efetivo do que qualquer tentativa envolvendo derivados de petróleo. De fato, se a presença de dispositivos de controle de emissões como filtros de material particulado e o catalisador SCR em modelos mais novos proporcionaram uma sensível redução nos índices de fuligem negra e dos óxidos de nitrogênio (NOx) que eram o calcanhar de Aquiles do ciclo Diesel, não se pode ignorar algumas interferências à adaptabilidade para operar com uma maior variedade de combustíveis alternativos ou a concentrações maiores de biodiesel misturado ao óleo diesel convencional. A injeção indireta que predominava nos motores Diesel leves até fins da década de '90 podia parecer menos conveniente em função da maior sensibilidade a baixas temperaturas ambientes durante a partida, o que a bem da verdade não inibiu a popularidade dessa opção na Europa, mas apresentava condições mais propícias para uma combustão completa de óleos vegetais brutos e evitando o acúmulo de sedimentos de glicerina polimerizada em alguns componentes do motor como os anéis de pistão.

É importante reconhecer que cada ciclo termodinâmico aplicado aos motores automotivos tem suas peculiaridades, e portanto há algumas discrepâncias entre as melhores abordagens para proporcionar um controle de emissões mais efetivo, de modo que não há como tirar leite de pedra sem acarretar em algum comprometimento excessivo de condições que favoreçam a economia de combustível seja nos de ignição por faísca quanto nos Diesel. Considerando algum "pau véio" a gasolina ou etanol que use carburador ou alguma injeção eletrônica não-sequencial, ou também conversões para gás natural com kits de gerações mais defasadas, há as emissões de hidrocarbonetos que são basicamente combustível eliminado ainda cru durante o cruzamento de válvulas entre as fases de escapamento e a admissão no ciclo de combustão subsequente, não apenas gerando desperdício como também poluição. No caso do gás natural, cujo principal componente é o metano e tem uma meia-vida mais longa na atmosfera que o dióxido de carbono (CO² - "gás carbônico") pós-combustão, mesmo que ainda deva ser considerada a emissão de NOx que também acarreta nesse inconveniente e costuma ser mais alta num similar com motor Diesel, apesar da maior resistência do gás natural à pré-ignição em comparação à gasolina e ao etanol servir de pretexto para regular a mistura ar/combustível num valor extremamente pobre com o objetivo de priorizar a economia de combustível, mas apesar de ser praticamente isento de emissões de material particulado acabam equiparando os NOx aos de um motor Diesel.

Diferenças substanciais entre os princípios básicos de funcionamento de um motor a gasolina ou flex e um Diesel também se refletem na adaptabilidade aos métodos de controle de emissões mais comuns na linha automotiva em geral, como por exemplo a recirculação de gases de escapamento por meio da válvula EGR ou passivamente por meio da variação de fase do comando de válvulas que apresenta os melhores resultados junto à ignição por faísca mas também é muito usada em motores Diesel leves no intuito de reduzir a formação de NOx inserindo gases inertes na carga de admissão visando reduzir as concentrações de oxigênio livre para reagir com o nitrogênio naturalmente contido no ar. Interferindo diretamente no chamado "triângulo do fogo" que abrange oxigênio, calor e combustível, sobretudo no caso de motores Diesel que são dependentes basicamente do aquecimento aerodinâmico da carga de ar de admissão para dar início à auto-ignição do óleo diesel convencional ou de substitutivos como o biodiesel, em contraponto a motores de ignição por faísca que tem uma maior facilidade para alterar o avanço de ignição de acordo com faixas de rotação ou até diferenças entre combustíveis como seria o caso ao alternar entre gasolina e etanol ou gás natural, um efeito colateral é o incremento da formação de material particulado que acarreta numa saturação mais rápida do filtro de material particulado com a consequente necessidade de ciclos de autolimpeza forçada ou "regeneração" mais frequentes. Entre outras opções que também costumam ser usadas em motores Diesel, tanto isoladamente quanto junto ao EGR, figuram o já mencionado SCR que recorre ao fluido-padrão AdBlue/ARLA-32 injetado no escapamento para fazer a redução catalítica seletiva dos NOx ou em motores com valores de potência e torque mais modestos o LNT (Lean NOx Trap) que retém parte dos NOx para futura degradação sem a necessidade de aditivos químicos como é usado numa versão Euro-6 com 75cv do motor Fiat Multijet 1.3 que chegou a ter uma versão Euro-4 de 90cv oferecida no Suzuki S-Cross na Índia antes de ser tirada de linha sob a alegação de que não se justificaria inserir o filtro de material particulado e o SCR usado na especificação Euro-6 nessa faixa de potência.

Por mais que o SCR parecesse adequado principalmente às necessidades de veículos pesados que tem menos restrições de espaço para a instalação de alguns dispositivos de controle de emissões, além do mais que em alguns casos o downsizing diminui o impacto sobre o peso do veículo completo como é o caso dos chassis de ônibus Mercedes-Benz OF-1721 Bluetec5 e Iveco 150S21 cujos motores com 4 cilindros abaixo de 5.0L contrastam com a configuração mais tradicional de 6 cilindros em motores como o MWM MaxxForce 7.2 usado pela Volvo no chassi B270F, está longe de ser uma solução tão "perfeita" quanto poderia parecer. O simples fato da uréia industrial usada na produção de AdBlue ser sintetizada majoritariamente a partir de gás natural já pressupõe que um uso direto como combustível tanto isoladamente num motor de ignição por faísca quanto por injeção suplementar sequencial nos pórticos de válvula num turbodiesel faria mais sentido, tanto em função de um saldo energético mais favorável ao se eliminar ao menos um processo industrial quanto do efeito comparável aos do EGR e de uma injeção de água que normalmente é mais difundida em aplicações de alto desempenho do que como um eventual método de controle de emissões, e sem intercorrências como um desgaste anormal que a Volvo detectou em sistemas SCR comprometendo a eficiência na redução dos NOx ao longo da vida útil operacional estimada dos veículos que o utilizam. Enquanto uma injeção suplementar de gás natural acaba reduzindo a proporção de ar fresco na carga de admissão e por extensão a concentração total de oxigênio livre, o fato de já poder substituir em parte o óleo diesel ou biodiesel contribui para manter a proporção correta para uma combustão completa e mais homogênea devido à propagação de chama (flame spread) mais rápida pelo gás já estar na fase de vapor no momento que se inicia a auto-ignição do combustível principal, e no caso de uma injeção de água (podendo ser misturada com um álcool como metanol ou etanol para prevenir o congelamento) a maior condutibilidade térmica comparada a um ar seco reduz a reatividade do oxigênio livre com o nitrogênio sem eliminar calor e pressão que se fazem necessários para ocorrer a ignição por compressão.

Mas outro ponto a se destacar em meio à ilusão de que seria mais fácil conformar-se com em torno da ignição por faísca à medida que foram surgindo motores "flex" aptos a operar com gasolina e etanol é a consolidação do turbo e da injeção direta, eventualmente apontada como um pretexto para deixar de lado o Diesel. Nesse contexto, um caso a se levar em consideração é a 2ª geração do Chevrolet Cruze, que fora da China teve na maioria dos mercados onde foi oferecido somente o motor 1.4 SIDI Turbo não mais complementando mas substituindo de vez os 1.6 e 1.8 a gasolina (também flex no caso do 1.8 para as versões brasileiras) aspirados com injeção nos pórticos de válvula e eliminando o 1.7 e os 2.0 turbodiesel que equipavam a geração anterior de acordo com as preferências ou regulamentações de cada mercado onde o "anti-Corolla" da General Motors foi comercializado. Não entrando tanto no mérito da complexidade inerente ao turbo ou da desconfiança de uma parcela mais conservadora do público das versões a gasolina quanto aos efeitos desse componente na durabilidade e eficiência geral de um motor, convém destacar que as temperaturas mais altas da carga de ar de admissão resultantes não só do aquecimento aerodinâmico mais intenso causado tanto pela indução forçada quanto pela taxa de compressão normalmente mais alta em motores de injeção direta mas também porque deixa de ocorrer o resfriamento causado pela formação de mistura ar/combustível na fase de admissão, e do correspondente incremento na formação de NOx que também é potencializada pela menor proporção de combustível pela massa de ar.

A princípio, o que transformou o turbo e por extensão a injeção direta numa necessidade mesmo para motores de ignição por faísca é a estrutura de impostos com base em faixas de cilindrada que se adota em mercados como o europeu, o japonês e o brasileiro, ainda que na prática um motor com cilindrada mais alta de aspiração natural e injeção nos pórticos de válvula tem um custo de produção menor com desempenho equivalente sem incrementar os NOx e em alguns casos manter os índices de CO² até bastante parelhos. Naturalmente, a ignição por faísca proporciona uma certa facilidade para recorrer a uma proporção ar/combustível mais rica para que o maior volume de combustível que seja injetado absorva mais calor latente de vaporização contido na carga de admissão, mas também dá causa a um incremento na formação de material particulado devido à vaporização incompleta em decorrência não apenas do intervalo mais curto entre a injeção e a ignição mas também de uma menor transferência de calor em proporção ao fluxo de combustível tal qual ocorreria num motor Diesel ou turbodiesel. Vale destacar que, enquanto para o Diesel as elevadas temperaturas e pressões são uma parte essencial do processo de auto-ignição por compressão, para um motor a gasolina ou flex pode não haver vantagem tão significativa ao processo de combustão.

É importante lembrar que a injeção direta não é indissociável do turbo, tendo sido usada também em motores aspirados tanto do ciclo Diesel como o 1.9 SDI da Volkswagen que chegou a equipar versões de exportação do Gol quanto de ignição por faísca como o M20A-FXS da Toyota atualmente usado no SUV híbrido Lexus UX 250h numa configuração de injeção dupla que ao invés de ter só a injeção direta faz uso alternado ou simultâneo com a injeção nos pórticos de válvula conforme as condições de carga e temperatura e pressão atmosférica nas quais que esteja operando, e ironicamente no caso de motores Diesel costuma ser benéfica à redução da formação de NOx por recorrer a taxas de compressão menores que num similar de injeção indireta com pré-câmaras. Em que pesem as óbvias diferenças nas certificações de emissões, com o 1.9 SDI na melhor das hipóteses podendo atender até a Euro-3 em outros modelos na linha Volkswagen enquanto o M20A-FXS já é homologado na Euro 6d-TEMP, convém observar que alguns elementos anteriormente considerados necessários apenas nas novas gerações de motores turbodiesel tornaram-se fundamentais também num motor a gasolina de modo que o argumento da maior simplicidade inerente ao controle de emissões cai por terra ao lidar com um filtro de material particulado por exemplo. Em ambos os casos não deixa de ser importante destacar a questão dos combustíveis alternativos, tendo em vista que motores Volkswagen tanto SDI quanto versões anteriores dos TDI são facilmente adaptáveis ao uso direto de óleos vegetais mesmo sem recorrer ao óleo diesel convencional para facilitar a partida a frio e a Toyota já tem a experiência necessária para oferecer a capacidade de operar com etanol puro no motor M20A, e a humanidade já detendo o domínio de técnicas de extração de óleos vegetais e de fermentação alcoólica há milênios com os mais variados substratos leva a crer que um uso de combustíveis não só capazes de neutralizar emissões mas também facilmente integráveis às vocações agropecuárias de cada região podendo até contar com um impacto ambiental reduzido durante os respectivos ciclos de produção faça mais sentido que aumentar a complexidade e dificuldade de manutenção ao mesmo tempo que se mantém de mãos atadas diante da hegemonia dos derivados de petróleo na matriz energética do transporte.

Embora possa ser considerado que um motor de concepção moderna como o Puma de 2.2L usado na atual geração da Ford Ranger atraia um público que antes via o Diesel com aquele estereótipo que remonta à época de motores "de trator" como o MWM TD-229-4 de 3.9L que marcou época na Ford F-1000, insistir na idéia de que seria mais urgente abordar os índices de emissões de poluentes dos veículos e motores ao invés de promover combustíveis efetivamente mais limpos e cuja produção possa ser regionalizada é um tiro no pé, especialmente em países subdesenvolvidos ou "emergentes" como é o caso do Brasil. Logicamente não se pode ignorar por completo as evoluções tecnológicas no tocante aos motores mais recentes, mas ignorar possíveis contribuições de um congênere mais antigo ao desenvolvimento econômico, social e até mesmo ambiental é uma medida infeliz não apenas por agregar um custo eventualmente excessivo para quem os usa a trabalho mas também por desfavorecer uma maior independência energética para produtores rurais ou mesmo para o país como um todo. Enfim, se por um lado é até conveniente otimizar a eficiência energética dos motores e conciliá-la à preservação ambiental, por outro a histeria ecoterrorista tem promovido uma inversão de prioridades à medida que os biocombustíveis são tratados com descaso.