quarta-feira, 28 de agosto de 2013

GNL: ilusão para o transporte pesado

Uma das alternativas apontadas para substituir o uso do óleo diesel convencional, ao menos parcialmente numa proporção de até 95%, é o gás natural liquefeito, ou GNL, que ainda não é tão usual quanto o gás natural comprimido, ou GNC, que já está disponível em grande escala no mercado brasileiro como GNV (gás natural veicular). A maior vantagem do GNL é na densidade em comparação com o GNV, fazendo com que uma mesma quantidade de combustível, tomando por referência a medida em BTUs, possa ser acondicionada num volume cerca de 6 vezes menor, reduzindo a intrusão na área disponível para a montagem do compartimento de carga.

Ainda assim, para cobrir a distância percorrida com um litro de óleo diesel convencional são necessários quase 3 litros de GNL. Nesse aspecto, até o etanol é mais eficiente, não apresentando um incremento em volume superior a 100% no consumo, além de poder operar com a ignição por compressão sem a necessidade de uma injeção-piloto de óleo diesel para promover a ignição, como se faz necessário com o gás natural quando o motor não é convertido ao ciclo Otto (4-tempos com ignição por faísca). Também há de se considerar que os tanques para armazenamento de etanol podem ser mais simples e leves, sem agregar tanto peso morto ao veículo de modo que possa comprometer a rentabilidade na operação de transporte comercial, além da infra-estrutura de reabastecimento ser muito mais simples de se implantar.

A nível mundial, a infra-estrutura para reabastecimento de veículos com GNL ainda é mínima, sendo que no continente europeu não há mais do que 38 postos que o disponibilizam, enquanto nos Estados Unidos e Canadá concentram-se nas bases operacionais de grandes frotistas, desde empresas de logística até órgãos públicos, acessíveis apenas às respectivas frotas de serviço. No mercado brasileiro, a Volvo iniciou experiências com o GNL usando um cavalo-mecânico Volvo FM 460 6x4 importado da Suécia, contando com uma licença especial para a operação, visto que o sistema ainda não é enquadrado formalmente pelo ao Ibama/Proconve nas atuais normas de emissões, apesar da alegada paridade com o padrão Euro-5.

Vídeo de instruções para condução segura de veículos com sistema GNL, oferecido pela Westport, empresa do grupo Cummins que desenvolve sistemas para combustíveis gasosos. Áudio em espanhol.

Porém, a maior complexidade do sistema de armazenamento traz riscos associados à segurança operacional nos veículos movidos a GNL. A liquefação só é possível por criogenia, resfriando o gás a -162°C, e o tanque de combustível necessita ser isolado termicamente para manter a temperatura a -135°C com o auxílio de fluidos criogênicos até ser regaseificado para o processo de injeção. A pressão no tanque também pode chegar à ordem de 230 libras/pol³. O reabastecimento chega a ser até mais perigoso que com o GNV, demandando proteções adicionais contra incêndio e queimaduras criogênicas.

Em caso de vazamentos, ou da liberação automática de algumas quantidades do combustível por meio de válvulas de segurança para alívio de pressão interna, o gás se expande (regaseifica) muito rapidamente em função da temperatura ambiente mais elevada e pressão atmosférica mais baixa, e durante esse processo "empurra" o oxigênio para fora de locais fechados, tanto numa garagem quanto na própria cabine do veículo, o que pode levar à morte por asfixia, e assim, requerendo protocolos de segurança muito mais rígidos que num veículo movido somente por óleo diesel, biodiesel, óleos vegetais ou etanol. Também acaba requerendo cuidados adicionais na passagem por túneis e um maior perímetro de isolamento em caso de emergências. Não pode ser desconsiderado, ainda, o maior risco de explosões e incêndios.

Apesar das reduções consideráveis nas emissões de material particulado e óxidos de nitrogênio, o GNL tem aspectos controversos relacionados à segurança e custo para implantação de uma infra-estrutura de reabastecimento que colocam em xeque a praticidade e viabilidade como alternativa para substituir tanto o óleo diesel convencional quanto alguns combustíveis alternativos mais tradicionais.

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

SUVs: segmento dominado pelo Diesel

Não é de hoje que os sport-utilities exercem significativa atração junto a consumidores ávidos por conciliar aptidão ao off-roading ocasional e capacidades de carga típicas de um veículo comercial com conforto de automóvel leve em vias pavimentadas. Normalmente, em função do peso, relações de marcha e aerodinâmica pouco apurada, o uso de motores de grande capacidade cúbica (cilindrada) e ignição por faísca predominava para garantir um desempenho que não decepcionasse nos diferentes cenários operacionais que o veículo enfrentaria, apesar do consumo menos favorável...

Ainda hoje, os V8 como o motor Rover de alumínio, derivado de um projeto da Buick e que foi usado até 2004 no Land Rover Discovery, mobilizam uma legião de entusiastas, apesar da maior complexidade inerente a esse layout em comparação com propulsores de 4 a 6 cilindros em faixas de cilindrada, peso, potência e/ou torque comparáveis, considerando tanto modelos de ignição por faísca quanto de ignição por compressão (ciclo Diesel).
Houve uma época em que os turbodiesel de 4 cilindros oferecidos no modelo ainda tinham alguma limitação no desempenho, apesar da maior aptidão a condições ambientais severas.
Num motor com injeção totalmente mecânica, bastava um snorkel para melhorar a capacidade de transposição de terrenos alagadiços

Na atual geração do Land Rover Discovery (LR4), por exemplo, prevaleceu a nível mundial o motor V6 twin-turbo Diesel de 3.0L, com o V8 a gasolina restrito a poucos mercados como o americano, tradicionalmente mais refratário ao Diesel, além da Austrália onde apesar do menor custo operacional com o Diesel a imagem de alto desempenho ainda associada aos V8 ainda é bastante viva, e do Oriente Médio, onde encher o tanque de uma barca é mais barato que água (ou uma Coca-Cola), e na África do Sul onde a gasolina produzida através do processo CTL pela Sasol a partir do carvão mineral abundante por lá manteve o preço estável mesmo quando os sheiks do petróleo restringiram as exportações para chantagear a comunidade internacional após levarem uma trolha de Israel na Guerra do Yom Kippur em 1973. O mercado brasileiro, mesmo com o modismo do gás natural e ainda oferecendo o etanol como alternativa economicamente viável à gasolina, já não tem mais tanto espaço para os opulentos V8 nos SUVs.
Hoje, no entanto, a segurança energética ganhou prioridade, bem como a redução e compensação de emissões, e a maior adaptabilidade do ciclo Diesel a combustíveis alternativos sem comprometimento significativo de desempenho e durabilidade dos motores é mais favorável nesse contexto.

Mesmo em alguns crossovers, de concepção mais leve, como o Land Rover Freelander 2 e o Ssangyong Korando, apesar da capacidade de carga inferior a uma tonelada e do sistema de tração 4X4 não contar com reduzida, o Diesel tem ganhado espaço. Apesar do custo inicial mais elevado em comparação a um similar movido a gasolina ou bicombustível (flex) a etanol e gasolina, diferença que teve um recente acréscimo em função dos novos e mais complexos dispositivos de controle de emissões que vem sendo incorporados, o custo operacional é um grande atrativo. Os níveis de NVH (noise, vibration and harshness - ruído, vibração e aspereza) diminuíram consideravelmente nas novas gerações de motores turbodiesel com injeção eletrônica common-rail, passando a atrair consumidores mais exigentes quanto ao conforto e que antes desprezavam o Diesel em veículos de lazer.

Até num segmento de entrada, há fortes rumores de que a Ford já venha cogitando oferecer localmente um turbodiesel para a atual geração do Ecosport, ao invés de manter tal opção restrita apenas à exportação. Um câmbio de 6 marchas com a 1ª reduzida é, ao que tudo indica, a alternativa mais acertada para se enquadrar numa brecha das barreiras burocráticas em função de capacidades de carga e tração, mesmo esquema usado no Renault Duster apesar de também ainda não ter a opção pelo Diesel no mercado brasileiro.

Pode-se considerar que o domínio no segmento dos SUVs tem alguma semelhança com a popularidade que as conversões artesanais de pick-ups para cabine dupla teve, por ser uma das poucas oportunidades de se ter um motor Diesel legalmente num veículo particular...

domingo, 11 de agosto de 2013

Uma reflexão sobre o "footprint" ambiental

Determinar o quanto um veículo pode ser considerado "ecológico" muitas vezes acaba envolvendo parâmetros extremamente subjetivos e pouco precisos, que acabam desconsiderando as respectivas capacidades técnicas e outros fatores mais relevantes do que eventuais argumentos publicitários em torno de um  projeto supostamente "sustentável". Nada impede que, ao fim das contas, uma caminhonete antiga como a Mercedes-Benz MB-180 D apresente um impacto ambiental menos intenso que o de um Toyota Prius ao longo das expectativas de vida útil operacional.
Uma das maiores desvantagens práticas que se pode observar no Prius ou em outros híbridos de concepção mecânica similar é a menor adaptabilidade ao uso de combustíveis alternativos com a ignição por faísca, enquanto até mesmo uma antiga Chevrolet D-20 leva vantagem no tocante a esse aspecto. Em regiões produtoras de soja não é incomum se deparar com o uso do óleo de soja puro ou misturado ao óleo diesel convencional, em função da fácil disponibilidade e custo baixo, assim como ocorre com o etanol nas frotas de serviços internos das fazendas de cana-de-açúcar e usinas sucroalcooleiras. Vale lembrar, ainda que o próprio Dr. Rudolf Diesel via nos motores Diesel uma boa opção para levar auto-suficiência energética ao produtor rural nos rincões mais remotos, como na antiga África Alemã do Sudoeste (atual Namíbia).
Vale destacar a possibilidade dos biocombustíveis terem uma produção mais regionalizada, de acordo com preferências e as melhores propriedades físico-químicas para enfrentar variações das condições ambientais a serem encontradas, ao contrário dos combustíveis fósseis que, além de lançar "carbono velho" de volta à atmosfera, tem a produção e beneficiamento mais centralizados e por conseguinte geram gastos e incremento nas emissões em decorrência das operações logísticas necessárias para assegurar o suprimento.

Outro ponto polêmico envolve os processos de fabricação dos veículos. Para os híbridos, por exemplo, a composição química das baterias é um dos aspectos mais críticos, visto que demandam uma extração mineral mais intensa e muita energia a ser consumida para o beneficiamento de alguns materiais mais especiais como o níquel ou, mais recentemente, o lítio. E mesmo que muitas baterias usem compostos eletrolíticos recicláveis, o descarte e reprocessamento de uma bateria em fim de vida útil não é exatamente uma tarefa fácil. Há ainda algum temor quanto a um maior risco de incêndios que possam ter o princípio no sistema elétrico tracionário. Considerando uma expectativa de vida útil aproximada em torno de 10 a 15 anos para as baterias num híbrido, enquanto um motor Diesel pode operar facilmente por 20 anos sem maiores intercorrências, apenas com as necessárias manutenções preventivas, já é uma vantagem em função dos intervalos mais espaçados entre a realização de procedimentos mais complexos como uma retificação completa do motor.

Mesmo considerando um decréscimo previsivelmente mais elevado ao usar um determinado combustível alternativo num veículo equipado com motor Diesel sem tração auxiliar elétrica em comparação com um híbrido de ignição por faísca, como partir de 25km/l para 12,5km/l num Peugeot Partner com o motor 1.4e-HDi, e dos mesmos 25km/l para 17,5km/l num Toyota Prius, ambos abastecidos com etanol, ainda assim o menor gasto de energia na produção do Peugeot e das peças de reposição que se fariam necessárias ao longo de uma vida útil operacional prevista na ordem de 10 a 15 anos permaneceria mais favorável.

Mesmo entre os dieselheads pode haver espaço para controvérsias em torno de qual sistema de injeção seria mais adequado, bem como referências a sistemas de controle de emissões menos suscetíveis a danos na operação com o combustível alternativo da preferência de cada um ou às condições ambientais da região onde se vá trafegar com o veículo, de forma que um clássico Land Rover Defender 90 Tdi possa ser considerado tão "limpo" quanto um Freelander 2 SD4.
Para alguns, a injeção eletrônica, apesar de trazer mais precisão na dosagem do combustível, com controle em tempo real do processo de combustão, pode ser vista com uma certa desconfiança em função da maior complexidade de alguns componentes, bem como da maior sensibilidade a variações na qualidade dos combustíveis.

Há ainda quem prefira a injeção direta, como nos motores MWM Sprint 4.07 TCA (e posteriormente 4.07 TCE) que equiparam a S10 "pitbull" por poder operar num espectro mais amplo de combustíveis alternativos, ao passo que a injeção indireta usada entre outros na Peugeot 504 e na Mercedes-Benz MB-180 D ainda é apontada por muitos como a mais adequada à operação com óleo vegetal em função das temperaturas mais altas e o processo de combustão mais lento reduzirem a incidência de problemas decorrentes da presença da glicerina.

E mais recentemente, com a introdução de sistemas como o EGR, o SCR e o DPF nas novas gerações de caminhonetes, desde modelos de luxo como Audi Q7 TDI CleanDiesel até modelos mais orientados ao uso laboral como a Mercedes-Benz Sprinter, visando atender a normas ambientais cada vez mais rígidas, podem ser apontadas algumas incoerências: o EGR, por exemplo, além de aumentar a geração de material particulado (fumaça preta), ao eliminar calor de parte dos gases de escape no sistema de arrefecimento, diminui a energia térmica disponível para promover a oxidação da fuligem que se acumula no DPF, requerendo ciclos de regeneração mais frequentes e que provocam um aumento no consumo de combustível na ordem de 10%. Outro problema é a maior incidência de entupimentos no coletor de admissão, em virtude da fuligem que se precipita ao aderir a vapores oleosos provenientes da ventilação positiva do cárter (PCV). O próprio DPF, que em muitos veículos não tem um bico injetor específico incorporado na carcaça, fica dependendo do mapeamento da injeção eletrônica para que seja liberada através de pós-injeção uma quantidade de óleo diesel durante a fase de escape, e com o uso de concentrações de biodiesel superiores a 20% (B20) há uma maior dificuldade na vaporização do combustível para que o processo oxidativo ocorra.

Já com o SCR, que ganhou mais espaço nos veículos pesados como caminhões e ônibus (e se vacilar ainda pode desbancar o EGR nos leves), a maior controvérsia se dá pela interferência no processo logístico e de armazenamento de insumos para a operação dos veículos. Também, pelo fato da uréia usada na produção do reagente ARLA-32 ser proveniente de sínteses que utilizam como principal matéria-prima metano (gás natural) de origem fóssil, há objeções tanto à emissão de "carbono velho" na atmosfera quanto ao desperdício de energia para processar um composto que poderia ser usado diretamente como combustível por meio de injeção suplementar no coletor de admissão, tendo efeito semelhante à aspersão de água com metanol como uma espécie de "intercooler químico", de modo a promover um efeito semelhante ao do EGR na redução da formação de óxidos de nitrogênio mas sem efeitos colaterais prejudiciais à eficiência do motor.

Invariavelmente, para avaliar de forma justa o "footprint" ambiental de um veículo, deve-se evitar um apego excessivo a artifícios publicitários extremamente subjetivos e voláteis.

quinta-feira, 1 de agosto de 2013

A vez do etanol

Reconhecido como um dos combustíveis alternativos mais bem-sucedidos a nível mundial, o etanol ganhou posição de destaque devido ao amplo uso que teve no mercado brasileiro, favorecido pelas restrições impostas ao uso do óleo diesel em veículos leves.
No entanto, o uso do combustível alternativo ainda é mais difundido em motores de ignição por faísca, como o CHT que equipou modelos da Ford, como a Pampa, e até alguns Volkswagen durante a AutoLatina.


Não há de se ignorar que a maior popularidade da injeção indireta em motores Diesel leves, como o OM616 usado no 240D, mostrava-se menos favorável à maior volatilidade do etanol. No entanto, em motores mais pesados que já incorporavam a injeção direta, como o MWM D-229-6, já se podia comprovar que o combustível alternativo podia funcionar a contento com a ignição por compressão. Chegou a constar como opcional para os caminhões Ford Série F, com duas bombas injetoras, uma para o óleo diesel e outra para o etanol.

Já hoje, com a prevalência da injeção direta em todos os segmentos mundo agora, pouco importando se num Hyundai Acccent CRDi ou num caminhão, o uso do etanol fica ainda mais convidativo. Mostra-se como uma opção mais fácil para cumprir normas ambientais mais rígidas, zerando as emissões de material particulado, dispensando por exemplo o controverso DPF, que tem sido fonte de incomodações para alguns usuários em função de problemas com a regeneração forçada quando o veículo é muito usado em condições de pouca carga e trajetos curtos, ou quando se usa combustíveis alternativos como biodiesel e óleo vegetal, e até contaminação do óleo lubrificante quando não há um bico injetor específico na carcaça do DPF.

O consumo de combustível ao rodar com etanol num motor de ignição por compressão é superior na ordem de 50%, o que parece pouco convidativo em trechos rodoviários de média e longa distância, mas a menor ocorrência de problemas com dispositivos de controle de emissões faz com que seja uma opção até bastante acertada para serviços urbanos em trechos mais curtos e com paradas constantes.

Uma maior difusão das possibilidades da aplicação do etanol em motores de ignição por compressão também pode se mostrar útil como argumento em defesa da liberação do Diesel sem distinção de capacidade de carga ou tração, minimizando temores quanto a um repentino aumento na demanda pelo óleo diesel...