domingo, 27 de outubro de 2019

Uma observação comparativa entre o gás natural e outros combustíveis alternativos

Não é de hoje que o gás natural se destaca como um dos combustíveis que geram mais expectativa no tocante à substituição tanto da gasolina quanto do óleo diesel, mesmo sendo também de origem fóssil. A facilidade de implementação associado a motores a gasolina ou "flex", que em regiões onde já seja devidamente consolidada a rede de gás canalizado tem motivado de certa forma um comodismo e até chega a ser tratada como um pretexto para esfriar a discussão em torno de uma eventual liberação do Diesel em veículos leves, até sustenta uma boa competitividade principalmente diante da gasolina e do etanol. E apesar de ter algum apelo, principalmente para operadores profissionais que não possam contar com a opção por um motor Diesel no Brasil em modelos como a Fiat Strada, é previsível que o gás não seja uma solução tão perfeita em todos os cenários operacionais.
O impacto sobre a capacidade de carga é inevitável, especialmente ao considerarmos que o peso extra dos componentes de um kit de conversão para gás natural veicular não se anula mesmo que o impacto sobre a capacidade de carga volumétrica seja significativamente minimizado caso os cilindros sejam instalados abaixo do assoalho do veículo. Naturalmente, nem todos os usuários seriam efetivamente prejudicados por esse comprometimento, e os custos menores de aquisição e manutenção comparados aos de um utilitário de maiores dimensões e capacidades podem parecer suficientes para que o GNV se justifique em alguns cenários. Porém, mesmo que tenha alguns méritos como a maior resistência à pré-ignição inclusive comparado ao etanol permitir o uso de uma mistura ar/combustível mais pobre, e por ser admitido pelo motor sempre na fase de vapor basicamente eliminar as emissões de material particulado, o simples fato do kit GNV não poder ser removido do veículo e reinstalado conforme a necessidade imediata do operador se torna um inconveniente nos momentos em que se faz necessário trafegar por regiões onde a infraestrutura de abastecimento com gás natural não esteja estabelecida e o equipamento se torne um peso morto.
Para percorrer longas distâncias, também é natural que seja destacada a maior eficiência térmica que normalmente se observa em motores Diesel comparados a similares de ignição por faísca oferecidos num mesmo modelo, como por exemplo o Toyota Land Cruiser Prado da geração J120, bem como a eventual adaptabilidade a combustíveis alternativos. Para sair do Peru, onde somente cerca de 4% de todo o gás natural consumido é efetivamente usado como combustível veicular, não seria tão fácil de se encontrar um trajeto que possa ser percorrido por exemplo até Florianópolis usando somente o gás natural, tendo em vista que as únicas fronteiras do Peru com o Brasil concentram-se no Amazonas e no Acre e apresentam uma geografia bastante complexa, ao contrário do que já ocorre com turistas argentinos que já conseguem chegar ao Brasil usando o gás durante uma maior proporção do trajeto. Mesmo assim, convém lembrar que um motor Diesel teoricamente obsoleto como o 5L-E que chegou a ser oferecido em alguns mercados onde o Prado J120 foi vendido quando novo pode funcionar com relativa facilidade até com óleos vegetais brutos que normalmente seriam mais recomendados para fins culinários. E mesmo que ainda seja usado um motor a gasolina ao invés de um motor Diesel, na pior das hipóteses ainda seria mais fácil recorrer a uma gambiarra com botijão de gás liquefeito de petróleo (GLP - "gás de cozinha") para uso doméstico se não fossem expressamente proibidas as aplicações veiculares desse combustível no Brasil...

A bem da verdade, com a moda dos SUVs no Brasil atraindo um público majoritariamente urbano e nem sempre priorizando aspectos utilitários como tração 4X4 e uma capacidade de incursão off-road mais extrema, o gás natural pode parecer conveniente e até contribuir para minimizar uma percepção em torno desse tipo de veículo como "poluidor". Tendo em vista que muitos modelos dessa categoria podem ser facilmente adaptáveis para efetivamente fazer um uso mais consistente do gás natural para trajetos de longa distância, devido à facilidade que se pressupõe para acomodar mais cilindros de GNV em comparação a um veículo menor que acabaria tendo que sacrificar parte da autonomia para manter alguma capacidade de carga, não deixa de ser razoável esperar que mesmo um SUV do tipo "crossover" derivado de plataformas usadas em alguns carros compactos como ocorre com o Renault Duster acabe se tornando uma boa mula para experiências com combustíveis alternativos. Não seria de se descartar eventualmente até um uso combinado entre o gás natural e óleo diesel convencional, bem como de substitutivos renováveis que podem ser o biogás/biometano para o gás natural de origem fóssil enquanto o biodiesel ou ainda óleos vegetais naturais fazem as vezes do óleo diesel. Vale destacar que a injeção suplementar de gás natural num motor Diesel pode ser ajustada tanto para melhorar o desempenho quanto para substituir parcialmente o combustível líquido mantendo os níveis de potência e torque inalterados, mas em ambos os casos diminui tanto a formação de material particulado devido à propagação de chama mais rápida nas câmaras de combustão proporcionando uma queima mais completa quanto as emissões de óxidos de nitrogênio (NOx) devido à menor concentração de oxigênio livre para reagir com o nitrogênio proporcionada por um enriquecimento da proporção ar/combustível caso o ajuste seja feito para mais desempenho e de um resfriamento que ainda ocorre na carga de admissão mesmo que o gás já seja injetado na fase de vapor.
Eventualmente um recurso ao biogás/biometano para capilarizar mais o gás natural por localidades do interior se reflita no acirramento de uma disputa por participação de mercado tanto com a gasolina e o etanol quanto com o óleo diesel, favorecida pela viabilidade de se efetuar a conversão não apenas em modelos relativamente recentes quanto em outros mais antigos. Considerando especificamente que o biogás/biometano disputaria os holofotes principalmente com o etanol, é relevante salientar algumas peculiaridades principalmente no tocante à partida a frio e estabilização da marcha-lenta em modelos dotados de diferentes sistemas de combustível. No caso dum modelo equipado com um motor "flex" moderno como o Nissan QG16 usado em algumas versões do Renault Duster, o desenvolvimento de tecnologias como o pré-aquecimento dos injetores para facilitar a vaporização do etanol na partida a frio já traz uma maior facilidade, enquanto um Fusca ainda valendo-se de um carburador ou 2 no caso de versões originalmente movidas a álcool sofre mais nessas condições e ainda teria que recorrer ao tanquinho auxiliar de gasolina. Já o gás, apesar de ser muito comum que se recomende o uso apenas depois que o motor atingir a temperatura normal de funcionamento, pode ser usado já desde a partida, e portanto encontraria um bom argumento diante do etanol.
A forte dependência da Volkswagen pela mecânica básica do Fusca tendo perdurado no Brasil até a década de '80, e ainda o breve relançamento entre '93 e '96 do carismático modelo que tornou-se um pioneiro dentre os carros "populares", certamente acabou servindo de pretexto para que se priorizasse um combustível volátil como o etanol e a ignição por faísca ao invés de favorecer uma "dieselização" como a que se intensificou em outros mercados em consequência às oscilações nos preços do petróleo que se observaram entre as décadas de '70 e '80. De fato, enquanto a adaptação de um motor como o EA-827 "AP" que chegou a ter derivações Diesel leva a acaloradas discussões entre fãs do tradicional motor boxer refrigerado a ar, a opção de adaptar algum motor "de trator" esbarra na disponibilidade restrita no tocante a uma relação peso/potência que não só permita uma instalação relativamente fácil mas também não comprometa em demasia o desempenho. Logo, por mais que ainda me pareça muito tentadora a idéia de tentar adaptar um motor como o Agrale M-790 num Fusca e fazer experiências com biodiesel e eventualmente até com óleos vegetais naturais, a princípio para o público generalista um eventual uso do gás natural possa parecer fazer mais sentido apesar de não ser tão fácil instalar cilindros que permitam armazenar uma quantidade de gás que proporcione uma autonomia razoável.

A alegada simplicidade de uma instalação de gás natural, bem como a ilusão de que vá ser a solução mais adequada para minimizar as emissões poluentes em todas as aplicações ignorando a importância que uma mistura ar/combustível correta teria para reduzir os índices de NOx, conquistou um público diversificado tanto em algumas capitais e respectivas regiões metropolitanas quanto em alguns outros centros regionais. De fato, mesmo que esteja longe de ser "perfeito", eventualmente uma rejeição a esse combustível num nível institucional soe tão incoerente e estúpida quanto a proibição ao uso de motores Diesel de acordo com as capacidades de carga e passageiros ou tração de alguns veículos. Enfim, nem sempre uma mesma opção vá ser satisfatória para todos os operadores, e no caso do gás natural o preço relativamente baixo ainda tem se justificado mais em operações estritamente regionais.

quinta-feira, 24 de outubro de 2019

Centenário do nascimento de Eduardo Barreiros

Hoje é um dia muito importante para os dieselheads espanhóis, que celebram o legado de um dos grandes responsáveis por viabilizar a participação de motores Diesel no segmento de veículos leves na Espanha, além do auxílio de valor inestimável para a recuperação que se seguiu à Guerra Civil Espanhola só ter sido possível em grande parte pela engenhosidade de Eduardo Barreiros. Nascido a 24 de outubro de 1919 em Nogueira de Ramuín, província de Orense, comunidade autônoma da Galícia, e falecido a 19 de fevereiro de 1992 em Havana onde estava prestando serviços de engenharia para uma empresa cubano-soviética destinada à fabricação de motores Diesel pesados e caminhões que não prosperou, Eduardo Barreiros foi sem sombra de dúvidas um grande visionário em apostar nos motores Diesel como uma solução para operadores comerciais ainda na época que predominavam caminhões a gasolina.

Envolvido com o setor de transportes desde tenra idade, tendo em vista que auxiliava o pai na operação de uma linha de ônibus em 1925, foi a partir de 1949 que iniciou a conversão de motores a gasolina para Diesel inicialmente visando atender à grande quantidade de caminhões russos ZIS-5 que haviam ingressado na Espanha na época da Guerra Civil e posteriormente encontravam um destino nas mãos de particulares. A grande demanda pelos serviços de conversão fizeram com que Eduardo Barreiros começasse já em 1951 a planejar a mudança para Madrid, começando com a fundação da empresa Galicia Industrial que em 1954 se tornaria Barreiros Diesel e daria início à produção de motores com tecnologia própria com o EB-2 destinado ao uso em tratores, bem como do EB-6 que era uma melhoria do projeto original de um motor Perkins inglês, e a partir de 1955 com o lançamento do motor EB-4 começa a atender ao segmento de veículos leves. Iniciou a produção de caminhões em 1957 para atender a uma concorrência promovida pelo Exército Português, na qual o protótipo TT.90.22 conhecido como "El Abuelo" e que havia sido feito com muitas das peças provenientes de desmanches foi aprovado em grande parte por méritos do motor EB-6. Dificuldades com o diretor do Instituto Nacional de Indústria (INI), descontente com a possibilidade da Barreiros Diesel se tornar uma concorrente contra a estatal ENASA que produzia os caminhões Pegaso, dificultaram a inserção da Barreiros Diesel na venda de veículos completos, ainda que em 1957 tivesse se tornado distribuidora dos caminhões poloneses Star que eram montados a partir de kits CKD na Espanha onde já recebiam motor Barreiros, que também era exportado para a Star usar na Polônia mesmo.

Já em 1958, a autorização para produzir caminhões foi obtida junto ao Ministério de Indústria, tendo em vista que o próprio general Francisco Franco que então governava a Espanha com mãos de ferro tinha conhecimento da importância de veículos utilitários equipados com o motor EB-6 para a economia espanhola a ponto de ser muitas vezes mencionado como "el motor del régimen" em que pese disputar mercado com produtos da ENASA, e no começo da década de '60 a Barreiros Diesel já tomava a liderança do mercado espanhol de caminhões que antes era dos Pegaso. Naturalmente, a iniciativa de vender caminhões a crédito em parceria com o Banco de Viscaya numa época que essa prática não era tão usual serviu para fazer com que autônomos e pequenas empresas considerassem a aquisição de caminhões Barreiros e outros veículos utilitários como os Tempo-Onieva que também eram produzidos pela Barreiros Diesel em parceria com a Hanomag e a Onieva.

Mas aquela que seria talvez a iniciativa mais ousada de Eduardo Barreiros foi o estabelecimento de uma negociação com a Chrysler a partir de 1963 que culminou com a venda de inicialmente 35% do capital da Barreiros Diesel para a empresa americana em 1964 e o início da fabricação de automóveis das marcas Dodge em 1965 e Simca em 1966. Também acabou sendo emblemático tanto em função da presença de um motor Diesel num automóvel de uma categoria considerada prestigiosa quanto pela discrepância na cilindrada em comparação com o modelo a gasolina o lançamento em 1966 do Dodge Dart Diesel, que substituía o motor Slant-Six de 3.7L a gasolina importado da Argentina pelo motor Barreiros Diesel C-65 de 2.0L com somente 65cv a 4000 RPM visando atender principalmente ao segmento de táxis. Apesar de não fazer muito sentido uma comparação com o Slant-Six pelo C-65 ser um motor extremamente rústico de pretensões mais modestas e essencialmente utilitárias, a simples iniciativa de oferecê-lo de fábrica numa "banheira" de concepção tipicamente americana não deixa de se destacar até como uma improvável precursora da atual consolidação da oferta de motores Diesel veiculares leves em uma quantidade menor de faixas de cilindrada...

O afastamento de Eduardo Barreiros da antiga Barreiros Diesel, já transformada em Chrysler España, ocorreu em 1969 e incluía um "acordo de não competir" que o manteve por 5 anos afastado da indústria mecânica e levou a um "auto-exílio" em La Solana onde se dedicou à agropecuária e tornou-se um dos pioneiros no melhoramento genético do gado espanhol e também investiu na produção de vinhos. Paralelamente a essas atividades, ainda fazia experiências por conta própria com motores até ser finalmente liberado das obrigações contratuais com a Chrysler e começou a se reunir com antigos parceiros para retomar atividades nessa área, inicialmente como consultor independente prestando serviços em países como Marrocos, Egito, Filipinas e Cuba. Fundando em 1980 a empresa DIMISA Diésel Motores Industrias S.A. para desenvolver novos projetos de motores Diesel inicialmente nas configurações V6 e V8, e tratar dos acordos de transferência de tecnologia como o que foi firmado com a malfadada empresa Amistad Cubano-Soviética e projetos de conversão de motores russos para Diesel que seriam efetuados em Cuba, continuou ativo até 1992 quando ainda se preparava para uma nova mudança rumo a Angola. Não chegou a concluir o projeto do motor EB112, cuja finalização dos primeiros protótipos tendo ocorrido após o falecimento de Eduardo Barreiros rendendo a esse motor a denominação "El Póstumo", e cuja produção que se planejava levar adiante em Angola acabou por não acontecer.

O vídeo abaixo, de uma celebração promovida no Circuito de Jarama dia 15 de junho durante o IV Jarama Classic com participação da Fundação Eduardo Barreiros em preparação às comemorações do centenário de nascimento de Eduardo Barreiros, é apenas uma pequena mostra da importância do legado desse que foi um dos principais dieselheads espanhóis e segue como uma inspiração tanto na Espanha quanto em outros países da Europa, América Latina, Ásia e África para onde a Barreiros Diesel chegou a exportar.

quarta-feira, 23 de outubro de 2019

Reflexão: até que ponto o downsizing efetivamente mantém a competitividade da ignição por faísca?

Não é de hoje que se recorre à indução forçada para proporcionar a alguns motores de cilindrada mais baixa um desempenho comparável ao de outros maiores que permaneçam com aspiração natural. Até o antigo problema do turbo-lag, causado pela inércia do turbo a ser vencida antes que o fluxo de gases de escapamento gere suficiente pressão para movimentar a turbina e acionar o compressor, bem como na operação a baixas rotações, tem sido minimizado drasticamente e viabilizado que alguns modelos sejam equipados exclusivamente com motores turbo tanto nas versões a gasolina ou "flex" quanto nas Diesel quando aplicável. Um dos casos mais recentes é o da 4ª geração do Mercedes-Benz Classe A e da inédita versão sedan que no Brasil é oferecida somente como A200, usando o motor M282 DE14 LA de 1.3L que é na verdade desenvolvido conjuntamente por Renault e Nissan sendo-lhe atribuídas outras nomenclaturas que são Nissan HR13DDT ou Renault H5Ht mais genericamente e TCe115, TCe140 ou TCe160 de acordo com as faixas de potência.
Dadas as prioridades de mitigar o turbo-lag e incrementar a eficiência geral, muito da experiência que se obteve com a massificação do turbocompressor nos motores Diesel também acabou se estendendo à ignição por faísca, mais notadamente o uso de turbos menores que priorizam boa resposta em faixas de rotação mais baixas e médias normalmente associadas a um uso normal dos veículos, e da geometria variável da entrada dos gases de escape para a turbina favorecendo uma melhor resposta de acordo com cada faixa de rotação. No caso do A200 vendido no Brasil, com potência de 163 cv a 5500 RPM e torque de 250 Nm entre 1620 e 4000 PRM, a comparação mais próxima em termos que abrangem não só desempenho mas também faixas de cilindrada para fins de incidência de imposto é com o A180d equipado com o motor OM608 DE 15 SCR de 1.5L com potência de 116 cv a 4000 RPM e torque de 260 Nm entre 1750 e 2500 RPM que nada mais é do que uma versão do motor Renault K9K anteriormente usado até em alguns veículos de fabricação brasileira para exportação. Levando em consideração que o motor a gasolina já incorpora filtro de material particulado devido às exigências da norma de emissões Euro 6c, de certa forma já se aproxima um pouco do grau de complexidade dos sistemas de pós-tratamento aplicáveis à linha Diesel. Nesse aspecto, a única grande desvantagem que ainda afeta um turbodiesel é ter de recorrer ao SCR para neutralizar óxidos de nitrogênio (NOx) pela reação com o fluido-padrão AdBlue/ARLA-32/ARNOx-32, que se torna um inconveniente prático por requerer o reabastecimento periódico em reservatório próprio.
Num primeiro momento pode parecer difícil entender algumas diferenças básicas entre os processos de combustão em um motor do ciclo Otto com ignição por faísca e um do ciclo Diesel de ignição por compressão, além do mais com o recente aumento da participação de mercado de motores equipados com turbo e injeção direta sendo diversas vezes apontado como pretexto para que a ignição por faísca encontre algum favoritismo junto a adeptos de uma economia porca. É previsível que alguns usuários possam se dar por satisfeitos com a possibilidade de um motor a gasolina enriquecer a proporção de gasolina para que o fluxo de ar da admissão sofra um resfriamento mais intenso devido à vaporização do combustível e seja diminuída a proporção de oxigênio livre para reagir com o nitrogênio contido no ar, ou ainda um aumento na recirculação de gases de escape que pode ser controlada tanto por uma válvula EGR quanto pela variação de fase no comando de válvulas mantendo as válvulas de escape abertas por mais tempo avançando sobre a fase de admissão do ciclo de combustão subsequente. Já no caso de um motor turbodiesel, e considerando o caso específico do Classe A que as versões A180d não contam com variador de fase do comando de válvulas e portanto requerem uma válvula EGR, a própria dependência do ciclo Diesel pelo aquecimento aerodinâmico da carga de admissão durante a compressão antes do combustível ser injetado torna indispensável uma proporção mais pobre até para que a autoignição do óleo diesel ou substitutivos como o biodiesel ocorra, tendo como efeito colateral intensificar as condições de temperatura e pressão que favorecem a formação dos NOx. Pode parecer loucura, mas nesse caso o SCR até faz algum sentido, apesar de que uma injeção suplementar de água junto à admissão ou uma integração com o gás natural possam fazer mais sentido.

Mesmo que a combinação da ignição por faísca com o turbo e a injeção direta possa fazer parecer que um motor como o usado no Chery Tiggo 7 em configuração "flex" no Brasil alcance condições como as que levam um turbodiesel a ser a melhor opção para veículos comerciais como o JAC V260, além de favorecer a partida a frio mesmo usando etanol, está longe de ser perfeita. Um tópico que tem sido particularmente controverso é o incremento na dificuldade para se fazer conversões para gás natural, decorrente da necessidade de ainda se manter algum fluxo de combustível líquido nos bicos injetores originais para mantê-los devidamente lubrificados e refrigerados em função do risco de danos que a exposição direta à frente de propagação de chama pode causar, e assim passa a fazer menos sentido a dependência exclusiva pela ignição por faísca para se aproveitar combustíveis gasosos como ainda é mais comum, e portanto recorrer à injeção suplementar de gás natural num motor turbodiesel pode se tornar uma opção racional. Em que pese a diferença entre as faixas de cilindrada de 1.5L no motor "flex" usado no Tiggo 7 e 2.0L no turbodiesel que equipa o V260, e que no mercado chinês ainda se refletiria numa discrepância na incidência de impostos para motores acima de 1.5L análoga à situação dos motores até 1.0L no Brasil, o simples fato de se abrir mão da facilidade para usar um combustível que tem sido constantemente apontado como "sucessor" do óleo diesel convencional até mesmo em aplicações comerciais mais pesadas tanto nos países desenvolvidos quanto nos emergentes como Índia e China é mais um tiro no pé que pode ser associado a essa aposta desenfreada no downsizing em motores de ignição por faísca.

Naturalmente, diferentes aplicações de um mesmo motor influem tanto numa melhor adequação entre distintas soluções de controle de emissões em função de condições de carga ou de faixas de potência e torque. Tomando por referência o motor DV6 de 1.6L usado em diversos modelos como o Peugeot Expert também no Brasil e o SUV Peugeot 2008 de 1ª geração somente em outros países, passando por diferentes fases de controle de emissões nos mercados onde foi oferecido, a calibração necessária para atender bem às condições operacionais de um utilitário comercial pode soar exagerada para um SUV compacto que pudesse até ter simplificada a configuração do sistema de controle de emissões com um ajuste mais modesto, ainda que pareça preferível ir com muita sede ao pote e valer-se de um desempenho vigoroso como pretexto para apresentar a opção turbodiesel não no aspecto estritamente utilitário mas como algo efetivamente "desejável". No caso específico do Peugeot Expert, que diga-se de passagem deixou de contar com a opção de motor a gasolina na 3ª geração, até poderia ser o caso de considerar uma versão mais mansa de algum motor maior com o intuito de dispensar o SCR, mas a incidência maior de impostos sobre motores Diesel acima de 1.6L para aplicações não-comerciais em alguns países europeus faz com que o DV6 permaneça competitivo. Já no 2008 ainda há a questão da quantidade de cilindros nas versões européias, com as motorizações a gasolina por lá se resumindo ao EB2 de 1.2L e 3 cilindros tanto em opções de aspiração natural e injeção sequencial nos pórticos de válvula quanto com turbo e injeção direta, mais compactas que a configuração de 4 cilindros do DV6 de modo que o tamanho do motor possa se tornar tão relevante quanto a complexidade do sistema de pós-tratamento de gases de escape para acomodação do conjunto num veículo de menores dimensões. Por outro lado, no Brasil os únicos motores oferecidos no 2008 são "flex" de 1.6L e 4 cilindros, sendo o velho EC5 com injeção sequencial nos pórticos de válvula e aspiração natural ou o Prince THP com turbo e injeção direta. Portanto, nem sempre tentar equiparar o desempenho entre a ignição por faísca e o Diesel seja a estratégia mais conveniente para atender de uma só vez distintos perfis operacionais, especialmente à medida que se torne inevitável algum impacto negativo sobre a capacidade de carga ou a troca de fogo amigo com um motor a gasolina ou "flex" se intensifique no tocante ao preço.

De um modo geral, o downsizing pode ser visto como um distanciamento das premissas originais das propostas de um carro "popular" fomentadas no Brasil, apesar de que uma parte do valor agregado às novas tecnologias acrescidas a um motor de ignição por faísca possa ser compensada pela incidência de IPI mais baixa aplicável a motores de até 1.0L no Brasil, de modo que por exemplo a atual geração do Hyundai HB20 que é exclusivamente "flex" já ofereça uma versão dotada de turbo e injeção direta para o motor de 1.0L além da básica de aspiração natural e injeção nos pórticos de válvula, enquanto o de 1.6L só esteja disponível na configuração mais simples. À medida que uma parte cada vez mais expressiva do público generalista aceita nos "flex" o aumento dos custos de aquisição e manutenção que levam alguns antigos usuários do Diesel em veículos leves no exterior se voltarem à ignição por faísca, cabe considerar que uma situação inversa possa ser desejável no Brasil até para fomentar uma transição para o biodiesel. Enfim, se num primeiro momento o downsizing pode parecer ideal para a ignição por faísca se destacar, por outro lado é possível salientar que não seja tão perfeita...

domingo, 20 de outubro de 2019

4 segmentos improváveis mas que são particularmente prejudicados com as restrições ao uso de motores Diesel em automóveis no Brasil

Os prejuízos num âmbito estritamente econômico causados pela restrição ao uso de motores Diesel de acordo com as capacidades de carga ou passageiros e tração em veículos leves no Brasil tem sido abordados com relativa frequência, embora estejam muito longe de ser uma situação isolada. Convém destacar que uma série de desenvolvimentos tecnológicos que poderiam ser aproveitados também em outras aplicações acabam sendo menos difundidos como um reflexo dessa grave distorção, e portanto alguns dos problemas mais apontados como eventuais pretextos para impedir uma liberação do Diesel se intensificam. Ao menos 4 segmentos que hoje são prejudicados por esse cenário merecem uma atenção especial:

1 - aviação: da mesma forma que se desenvolveu no Brasil um uso frequente do etanol na aviação agrícola inicialmente com o Embraer Ipanema oferecendo essa opção diretamente de fábrica, e depois aviões de outros tipos como o Piper Pawnee C também passaram a poder ser convertidos para usar esse combustível mediante certificação de tipo suplementar (STC - supplemental type certificate), bem como no caso do Pawnee C terem sido feitas experiências com motores automotivos Ford Essex canadense V6 de 3.8L para uso como rebocadores de planador na Austrália, a própria especificidade da operação aero-agrícola poderia fazer com que alguma solução baseada em motores turbodiesel de alta rotação originalmente destinados a aplicações em automóveis e utilitários pudessem se tornar um importante aliado. Mesmo que a ANAC insista em não considerar nenhuma especificação de óleo diesel como um combustível para uso aeronáutico, o que levaria eventuais operadores à obrigação de usar querosene de aviação caso passassem a operar com motores do ciclo Diesel, vale lembrar que a pulverização aérea de grandes lavouras pode até ser mais econômica em comparação à convencional feita com tratores e pulverizadores em solo, além de reduzir consideravelmente a compactação do solo que é particularmente crítica no cultivo de arroz.
Naturalmente que eventuais vantagens não seriam exclusivas da aviação agrícola, podendo atender igualmente bem às necessidades de operadores da aviação geral no transporte de passageiros e/ou cargas e até missões especiais como o transporte aeromédico. Para permanecer tomando como exemplos algumas aeronaves originalmente desenvolvidas pela Piper, também vale lembrar do Seneca que chegou a ser produzido sob licença pela Embraer. E mesmo que motores convencionais de pistão dificilmente ofereçam uma relação peso/potência competitiva diante de um turboélice, não se pode ignorar que a eficiência térmica de motores Diesel ainda costuma ser superior, e portanto ainda haveria perspectiva de uma boa economia operacional.

2 - máquinas agrícolas e de construção de pequeno porte: sendo apenas mais recentemente alvo de regulamentações de emissões mais rigorosas no Brasil, mas ainda acometidas frequentemente por uma relação peso/potência extremamente precária, equipamentos que vão desde microtratores de duas rodas tipo Tobatta até microescavadeiras poderiam ser beneficiados não apenas no tocante ao desempenho. Há de se considerar que nem sempre um retrofit vá ser tão fácil de implementar numa máquina já em operação, mas desenvolvimentos mais recentes poderiam eventualmente ser beneficiados pela maior economia de escala de algumas soluções para controle de emissões inicialmente difundidas no uso automotivo, ou proporcionem mais uma série de condições para que se avalie a eficiência dos mesmos. Além de uma diminuição das emissões, vale considerar que uma redução de peso possa proporcionar melhores condições para operar em superfícies instáveis.

3 - grupos geradores: até poderia parecer irrelevante a questão da relação peso/potência no caso de equipamentos estacionários instalados permanentemente no local de operação, mas no caso de equipamentos móveis uma redução de peso e tamanho mais compacto do motor podem ser úteis tanto para facilitar o transporte quanto para proporcionar um melhor isolamento acústico ou prolongar a capacidade de operação com um determinado volume de combustível. O fato de ser mais comum que se use para acionar os geradores algum motor de concepção mais antiga e pesada com a qual haja uma maior familiarização por parte de encarregados de manutenção, e eventualmente similares aos que se usam em caminhões mesmo, até pode levar alguns operadores a subestimar alguma melhoria que um motor de concepção mais leve venha a proporcionar. Vale destacar que a presença maior do turbocompressor também faz com que as curvas de torque tenham se tornado mais planas, de modo que mesmo um motor leve possa atingir o pico de torque num regime semelhante ao que outro mais pesado e operando a faixas de rotação mais estreita atingiria, viabilizando uma operação tão econômica e segura quanto.

4 - propulsão de embarcações leves: tanto para uso profissional quanto de lazer, como veleiros que usem um motor para a propulsão apenas em situações excepcionais mas eventualmente necessitem do mesmo para acionar um gerador on-board, um menor peso morto já é desejável. Recordando que alguns fabricantes de motores Diesel automotivos leves como a Volkswagen, a Fiat e a Isuzu fornecem ou em algum momento forneceram motores marítimos ou para serem maritimizados por terceiros, e que no segmento náutico os preços de peças de reposição eventualmente sofram um incremento injustificável, uma rede de distribuição mais abrangente que teria como objetivo inicial atender às aplicações veiculares também se tornaria eventualmente uma facilidade para operadores do segmento náutico. A princípio, uma maior aceitação de motores modernos com gerenciamento eletrônico permaneceria mais restrita a aplicações de lazer, embora não seja de se descartar tanto que uma maior presença de motores turbodiesel modernos no mercado automobilístico brasileiro levaria a uma ampliação da oferta de assistência técnica quanto que algumas séries de motores contam com uma modularidade que permitia oferecer ainda versões mais rudimentares que estariam mais de acordo com a preferência de usuários temerosos quanto a eventuais dificuldades de manutenção e susceptibilidades a condições ambientais severas de um motor eletrônico.

domingo, 13 de outubro de 2019

Reflexão: como ainda seria possível o Diesel atender bem a modelos "populares"?

A recente chegada do Chevrolet Onix Plus no mercado brasileiro, sempre "flex" a gasolina e etanol mas ainda com injeção sequencial nos pórticos de válvula mesmo na versão turbo ao contrário do que acontece na China onde usa só gasolina mas já incorpora injeção direta, não deixa de ser um pretexto para refletir sobre a eventual viabilidade que o ciclo Diesel ainda teria para atender a necessidades de modelos com uma proposta mais popular/generalista. Mesmo que a atual geração dos motores "flex" de 1.0L e 3 cilindros atualmente esteja consolidada nos carros carros "populares" brasileiros tanto em versões naturalmente aspiradas quanto turbo, e no caso especifico do Onix Plus o recurso à injeção nos pórticos de válvula facilite eventuais conversões para gás natural, também não faz sentido ignorar eventuais benefícios que uma liberação do Diesel poderia agregar até mesmo no segmento de entrada. Mesmo considerando as dificuldades que vem surgindo para manter o enquadramento em normas de emissões cada vez mais rigorosas, tanto no tocante ao custo inicial e complexidade de manutenção, já não impossibilitariam o Diesel de se manter competitivo à medida que a ignição por faísca também se aproxima de uma condição crítica nesse mesmo aspecto.

Até chama a atenção no caso do Chevrolet Onix Plus nacional o recurso à injeção sequencial, tendo em vista não só o custo menor mas também o receio de que prejudicasse demasiadamente o consumo de combustível comparado à concorrência direta, além de requerer algum auxílio à partida a frio com o etanol. No entanto, à medida que a histeria ecoterrorista tem levado à adoção de filtros de material particulado até em motores de ignição por faísca quando equipados com injeção direta, não deixa de ser vantajoso para o Onix Plus recorrer à injeção nos pórticos de válvula, e por conseguinte dispensar ao menos um dispositivo que tem se tornado necessário para atender às metas de redução de consumo sem desconsiderar as normas de emissões mundo afora em outros modelos. Naturalmente, à medida que o controle de emissões tem se tornado ainda mais crítico para motores Diesel, é indispensável ver como conciliar tanto a manutenção de um custo competitivo quanto uma instalação conveniente para o usuário final sem abrir mão da versatilidade que um carro "popular" acaba precisando ter. Pode não parecer fácil à primeira vista, mas já há algumas possíveis soluções que se mostrariam adequadas até mesmo se houvesse um interesse por parte da General Motors de voltar a operar no mercado indiano, onde chegou a valer-se de uma parceria com a Fiat para desenvolver um motor de 3 cilindros e 936cc baseado no motor Fiat Multijet de 1.3L (1248cc) e 4 cilindros que é um dos mais usados em veículos leves na Índia quando especificados com motor turbodiesel.

Por mais improvável que possa soar o uso de um "motor de Tobatta" para um consumidor com perfil mais generalista, lembrando que nenhum automóvel alcançou um alto volume de vendas recorrendo a um motor monocilíndrico, eventualmente uma quantidade menor de cilindros não seja tão inoportuna como parte de uma estratégia para amortizar ao menos em parte a diferença nos custos iniciais entre o motor de ignição por faísca e um Diesel. Considerando desde a modularidade que costuma nortear o desenvolvimento de motores produzidos por fabricantes independentes, que possibilita recorrer a uma variação na quantidade de cilindros visando cobrir distintas faixas de cilindrada e potência mantendo uma logística de reposição de peças relativamente simples, vale lembrar o caso da VM Motori que já chegou a licenciar direitos de produção de motores de 2.0L e 4 cilindros para a GM, enquanto um de 1.5L e 3 cilindros derivado do mesmo projeto básico equipava alguns modelos da Hyundai. Não seria portanto de se estranhar que eventualmente tivesse surgido uma versão de 1.0L e 2 cilindros, como é o caso da linha de motores Leap atualmente produzida pela fabricante indiana de motores Greaves Cotton tanto nessa configuração quanto em versões de 1.5L a 2.0L e 3 a 4 cilindros respectivamente.

Um ponto a se destacar na questão do controle de emissões e um mesmo projeto básico que atenda a diferentes faixas de cilindrada variando a quantidade de cilindros, é o fato de já proporcionar também um grau de escalabilidade e modularidade que favoreça redução nos custos de desenvolvimento como pode ser observado com relativa facilidade em algumas séries de motores normalmente destinadas ao uso em veículos e equipamentos mais pesados. Um compartilhamento de componentes que vai além da maioria das partes móveis do motor e engloba até alguns dos novos periféricos como os já citados filtros de material particulado e quando aplicável os reservatórios de fluido-padrão AdBlue/ARLA-32/ARNOx-32 ao ser especificado o sistema SCR para controle das emissões de óxidos de nitrogênio (NOx), acaba proporcionando uma amortização mais rápida do investimento inicial devido à escala de produção e intercambialidade de componentes entre diferentes modelos e até aplicações alheias ao mercado automobilístico que possam recorrer a uma mesma série de motores. E mesmo que possa ser dispensado o uso do SCR, é relevante destacar a questão da recirculação de gases de escape através do sistema EGR que pode ter ou não refrigeração, visto que a carga de gases inertes pós-combustão acaba favorecendo uma redução nas condições propícias para a formação dos NOx ao diminuir a concentração de oxigênio nas câmaras de combustão de forma análoga ao que seria obtido por meio de um enriquecimento da proporção de combustível pela carga de ar de admissão. Alguma energia térmica a ser recuperada junto a gases de escape não-refrigerados recirculados pode de fato ser útil para promover uma estabilização mais rápida das temperaturas operacionais do motor, bem como durante a fase de autolimpeza ou "regeneração" do filtro de material particulado. Portanto, a variação de fase nos comandos de válvulas tanto para a admissão quanto para o escapamento já frequente nos motores de ignição por faísca pode favorecer até a competitividade dos motores turbodiesel à medida que seja incorporada em maior proporção neles também, podendo valer-se do "cruzamento" de válvulas para promover o efeito análogo ao de um EGR externo não-refrigerado mas com uma menor quantidade de componentes.

Por mais que eventualmente em algum ponto se torne inevitável recorrer ao SCR para enquadrar-se a limites de emissões sem comprometer em demasia o desempenho em gerações mais recentes de motores turbodiesel veiculares, e o nível do fluido-padrão AdBlue/ARLA-32/ARNOx-32 necessário ao funcionamento desse sistema se torne um item a mais para verificar nas manutenções preventivas, o grau de sofisticação crescente nos motores de ignição por faísca até em modelos de entrada também acarreta em maior complexidade e elevação do preço inicial de um automóvel 0km. A massificação do turbo se consolidando em meio à onda do downsizing nos motores de 1.0L mesmo num mercado conservador como o brasileiro, e que ainda associa essa faixa de cilindrada a uma imagem menos prestigiosa devido ao programa de carros "populares", não torna a eventual possibilidade de oferecer a opção pelo Diesel tão inoportuna para quem deseje simplesmente uma motorização mais econômica e adequada a uma proposta utilitária que não deveria estar atrelada a tipos de carroceria e capacidades de carga ou passageiros e tração. Enfim, mesmo com desafios de ordem técnica pela frente, ainda é possível o Diesel atender bem a modelos "populares".

terça-feira, 8 de outubro de 2019

Óleos vegetais como combustível veicular: um tabu que vale a pena combater

Ao avistar uma Volkswagen Transporter T4 que está sendo usada numa expedição da Argentina até o Alasca, anunciada como "vegan road trip", é previsível que também sejam fomentadas questões sobre um eventual uso de combustíveis de base vegetal. Por mais que a princípio toda vez que se mencione algo como vegan tenha relação com alimentação e uma infinidade de produtos que não tenham partes feitas com substratos de origem animal, o que faz com que derivados de petróleo também possam ser considerados aceitáveis por esse segmento do público, também é relevante considerar que alguns dos principais substitutivos para carnes em dietas vegetarianas a exemplo da soja tem um teor de óleo que pode servir tanto a aplicações culinárias quanto especialidades das indústrias petroquímica, cosmética e farmacêutica. Mas eventuais fatores que possam acabar se tornando mais favoráveis a um uso direto de óleos vegetais como combustível veicular vão muito além de uma eventual abstenção do consumo de proteína animal.
Sem distinção entre produtos destinados a vegetarianos ou algum alimento mais tradicional contendo alguma carne, frituras por imersão ainda são muito apreciadas por uma grande parte da população em função do preparo relativamente rápido, e em algum momento o óleo usado na preparação vai ter que ser descartado após tornar-se inservível para uso culinário. Logo, pouco importando se a preferência para um lanche rápido se dê por um steak à base de soja imitando um filé de frango empanado ou por um bolinho de mandioca com carne seca tradicional do Brasil e a respectiva variação mais recente de batata-doce com frango atendendo ao público "fitness", em algum momento vai surgir a oportunidade de considerar algum reaproveitamento do óleo de fritura. Naturalmente a popularização mais recente de fritadeiras sem óleo, ou que apenas usem uma quantidade menor de óleo ainda fresco apenas para proporcionar crocância às preparações, também seria algo a se considerar à medida que uma menor demanda por óleos vegetais para aplicações culinárias se torna outro bom pretexto para considerar um eventual uso como combustível automotivo, afinal de contas a mesma soja usada na produção de concentrado de proteína para atender aos vegetarianos sempre vai ter também algum teor de óleo que devido ao custo ainda é o mais usado para tanto frituras quanto para a produção de biodiesel no Brasil.

Mas se algumas iguarias típicas brasileiras podem ser modernizadas sem perder a essência, a exemplo da tradicional coxinha que já ganhou variações feitas até com carne bovina ao invés de frango, outras como o acarajé não apresentam justificativas para descaracterizações. Uma coxinha pode ser frita sem óleo ou até assada, mas um acarajé autêntico não só é frito por imersão como é mais especificamente no azeite de dendê. Diga-se de passagem, é justamente o azeite de dendê a principal matéria-prima para a produção de biodiesel na Malásia, onde a derrubada de florestas nativas que serviam de habitat para orangotangos visando abrir áreas para o cultivo se tornou uma controvérsia mundial no que se refere a aplicações em especialidades industriais que vão desde cosméticos e produtos químicos até alimentos processados. Comercializado em alguns mercados internacionais sob a denominação "óleo de palma" e muito usado para frituras em geral devido à maior resistência à oxidação em altas temperaturas, o azeite de dendê quando fresco também apresenta excelente desempenho como um lubrificante para motores equivalente a alguns óleos sintéticos de marcas conhecidas. Pode parecer que o dendê seria mais um alvo para críticas infundadas de ecoterroristas tanto nascidos no Brasil quanto estrangeiros, mas a possibilidade de cultivar o dendê em algumas localidades na Amazônia como estava sendo pesquisado pela Embrapa Amazônia Ocidental há 10 anos atrás seria até útil para conter a erosão em barrancas de rios, além de um combustível autóctone ser particularmente útil para populações ribeirinhas devido ao custo menor ao se eliminar algumas despesas e emissões relativas à logística para levá-lo aos rincões mais remotos do país.
Além do uso na preparação de acarajé e outras iguarias especialmente populares na Bahia, o dendê já foi apontado como uma oportunidade para recuperação econômica na região cacaueira baiana onde a introdução criminosa da praga conhecida como "vassoura de bruxa" que é endêmica na Amazônia foi a responsável por um dos maiores desastres que já se abateram sobre a agricultura brasileira. Produzir localmente um cultivar tão importante para a tradição gastronômica baiana desde a época colonial, e lembrando que o Brasil hoje é dependente da importação do azeite de dendê da Malásia e o acarajé já não é mais tão restrito à região Nordeste e portanto a demanda por esse insumo se justifica, chega até a soar estúpido que se tenham perdido oportunidades de fomentar esse cultivo e eventualmente ainda desenvolver um excedente de produção que pudesse justamente atender às necessidades do mercado de combustíveis, para não entrar no mérito do misterioso motor Elko Multifuel desenvolvido já com a intenção de se usar qualquer óleo vegetal bruto como combustível. O uso do dendê como matéria-prima para biodiesel no Brasil chegou a ser pleiteado pelo já falecido engenheiro químico Hernani Sá, natural de Ilhéus e grande defensor do qual se referia como "Dendiesel", e que testou em veículos leves numa parceria com Embrapa, Ceplac e Volkswagen desde a década de '80 até ter o projeto encerrado por entraves burocráticos em '93 já na presidência de Itamar Franco que preferiu priorizar o relançamento do Fusca...
Com um retorno ao mercado motivado mais por questões políticas que efetivamente técnicas, o Fusca Itamar chegou a ser oferecido também na opção movida a álcool mesmo com a memória então ainda recente do desabastecimento durante a safra '89-'90 que fez o etanol cair em desgraça junto à opinião pública. Vale ressaltar não só o domínio da cana de açúcar como matéria-prima do álcool carburante e a maior concentração da produção em São Paulo, Alagoas e Pernambuco, mas também o fato de que o Fusca já não exercia o mesmo fascínio sobre o público generalista que não só estava cada vez mais urbanizado como inebriado pela reabertura das importações que incluiu a chegada de concorrentes na categoria que viria a ser definida como "carros populares". A centralização mais intensa da produção do etanol também contrasta com a grande variedade de oleaginosas aclimatadas a diferentes regiões, o que já tornaria o uso direto de um óleo vegetal como combustível particularmente mais desejável no tocante à auto-suficiência energética aos olhos duma população rural que a princípio seria a maior beneficiada pela breve volta do Fusca entre '93 e '96...

Naturalmente, durante a década de '90 já estavam em curso algumas mudanças um tanto drásticas na tecnologia de motores Diesel automotivos, como uma presença mais maciça do turbo em meio a uma obsolescência da injeção indireta em aplicações leves. Um caso digno de nota foi o da última geração do Ford Escort produzida na Argentina e na Europa, que chegou a ter versões do motor Endura-D de 1.8L com injeção indireta tanto naturalmente aspirado quanto turbo e de injeção direta somente com turbo de acordo com cada mercado onde fosse permitido recorrer a essa motorização, ao invés de ficar limitado à ignição por faísca como ocorreu no Brasil onde foram oferecidos os motores Zetec de 1.8L e Zetec-Rocam de 1.6L movidos a gasolina. A maior sofisticação fez o Diesel deixar de ser só um quebra-galho para quem queria economizar e se via obrigado a sacrificar um desempenho mais vigoroso por ter que usar um motor mais pé-duro, tornando-se efetivamente desejável aos olhos dum público mais generalista, mas já se tornava um tanto desafiadora no tocante à aptidão ao uso de óleos vegetais como combustível alternativo, tendo em vista que motores de injeção indireta costumam ter uma temperatura operacional mais elevada que acaba proporcionando uma combustão mais completa da glicerina naturalmente contida nos óleos vegetais. Nada que se tornasse um impedimento para que se recorresse a esse combustível alternativo, tendo em vista ser possível recorrer ao pré-aquecimento que pode ser iniciado com auxílio de aquecedores elétricos e posteriormente mantido com recurso à troca de calor entre o fluido de refrigeração e o combustível, para diminuir a viscosidade de modo a facilitar a fluidez.

Se nas duas últimas décadas a ignição por faísca estava confinada a uma relativa simplicidade, diante de uma evolução significativamente mais rápida que se desenrolava com os motores Diesel, já não é tão justificável essa alegação. Tomando como referência a 4ª geração do Mercedes-Benz Classe A, que recorre ao turbo e à injeção direta em todas as motorizações disponíveis, pode parecer à primeira vista que a discrepância observada nos métodos de controle de emissões seria suficiente para ocorrer um novo distanciamento mais intenso. De fato, a necessidade de recorrer ao sistema SCR e ao fluido AdBlue/ARLA-32/ARNOx-32 para controlar as emissões de óxidos de nitrogênio (NOx) nos motores turbodiesel contrasta com a facilidade para simplesmente enriquecer a proporção ar/combustível num motor a gasolina ou "flex" valendo-se da ignição por faísca para tentar uma combustão completa, em que pese a maior dificuldade para se alcançar a vaporização completa do combustível num intervalo mais curto em motores a gasolina de injeção direta comparados aos antecessores dotados de injeção nos pórticos de válvula. A situação ganhou contornos tão críticos que até mesmo filtros de material particulado, antes vistos como um problema específico para as novas gerações de motores Diesel, já se tornam frequentes também em motores a gasolina. E até no Brasil a 4ª geração do Classe A faz uso de filtro de material particulado, mesmo vindo somente a gasolina...

Essa maior aproximação que alguns motores de ignição por faísca tiveram com relação ao Diesel, que pode ser observada também através do compartilhamento de um mesmo projeto modular em alguns casos como o da atual geração de motores da linha de automóveis e SUVs Volvo abrangendo também as versões híbridas como o XC60 T8, e no caso específico da Volvo convém salientar como tem sido pouco aproveitada qualquer oportunidade para fomentar o uso de biocombustíveis. Nem mesmo uma maior dificuldade para se efetuar a conversão de um motor a gasolina com injeção direta para usar o gás natural faz muito sentido, tendo em vista que já dispensaria um pré-aquecimento do etanol para as partidas a frio por exemplo, além da própria abordagem com relação aos híbridos em apresentá-los de forma antagônica ao Diesel acaba inibindo o aperfeiçoamento de soluções mais efetivas na promoção de um gerenciamento térmico que possa atender melhor às condições de operação mais intermitente do motor de combustão interna num híbrido. E por mais improvável que venha a ser a busca por uma solução de fábrica para viabilizar o uso direto de óleos vegetais num veículo 0km, que iria envolver desde um ou mais métodos de pré-aquecimento do combustível até uma dosagem de recirculação de gases de escape (sem distinção entre ser através de válvula EGR ou de variação dos comandos de válvula) que proporcione um maior controle das emissões de material particulado durante a fase fria ou condições de pouca carga que não favorecem a autolimpeza ou "regeneração" do filtro de material particulado, ignorar um combustível inerentemente mais sustentável e com disponibilidade a nível mundial relativamente estável não só se torna uma estupidez do ponto de vista estratégico como também contradiz a alegada defesa da "sustentabilidade" que tanto auxiliou na difusão da tecnologia híbrida.

E mesmo que não venha a se tornar tão relevante no mercado de veículos novos, o uso direto de óleos vegetais como combustível pode ser uma opção interessante para prolongar a vida útil operacional de veículos de gerações anteriores como no caso da Ford Ranger, tanto originalmente em versões com um motor a gasolina que já possa estar em vias de precisar de uma retífica ou substituição quanto os equipados com algum motor Diesel antigo e a princípio menos vulnerável aos efeitos colaterais que podem ocorrer nos dispositivos de controle de emissões mais avançados nos similares modernos. Um combustível limpo, que proporcione uma neutralização mais fácil das emissões e assim contribui para a estabilização biológica dos ciclos do carbono e do nitrogênio, acaba fazendo mais sentido do que se pode supor num primeiro momento, mesmo que se recorra a motores tidos como defasados. Portanto, apesar de já não despertar tanto interesse, o uso de óleos vegetais como combustível veicular é um tabu que vale a pena questionar.

domingo, 6 de outubro de 2019

5 veículos subestimados porém melhores que muito SUV

O atual estágio de popularidade dos SUVs faz com que muitos outros modelos com outras opções de carroceria acabem perdendo espaço no mercado, seja por entraves burocráticos que podem tornar mais lucrativo classificar um crossover como "caminhão leve" para reduzir a incidência de impostos e enquadrar em normas de emissões menos restritivas dependendo do mercado que estejam inseridos, seja porque tentar concentrar o público generalista numa quantidade menor de modelos favorece a economia de escala. E considerando ainda as condições brasileiras, com fatores meramente subjetivos como capacidades de carga e passageiros ou tração servindo de parâmetro para restringir o direito de se usar motores Diesel sob o pretexto de assegurar disponibilidade de combustível para aplicações profissionais, eventualmente a escolha por um SUV acaba sendo mais motivada pela "Lei de Gérson" que por uma efetiva necessidade ou preferência pessoal. Naturalmente, tal medida acaba se refletindo na eventual dificuldade para atender a usuários com perfis tão distintos que podem ter sido induzidos a migrar para os SUVs meio que a contragosto quando poderiam até ser melhor atendidos com modelos de categorias diferentes. Dentre tantos veículos eventualmente melhores que muito SUV, ao menos 5 merecem um destaque especial.

1 - Gurgel Supermini: última interpretação do projeto de carro popular idealizado pelo engenheiro-mecânico João Augusto Conrado do Amaral Gurgel a ser comercializada, o modelo era desmerecido até por parte do público generalista nos segmentos de entrada, devido ao preço proporcionalmente alto em comparação aos modelos dos fabricantes de origem estrangeira favorecidos tanto pela escala de produção quanto pelo tamanho. No entanto, o simples fato de ter sido projetado como um pé-duro apto a enfrentar condições de rodagem pesadas desde o início, sem precisar de "tropicalização", não deixa de ser digno de nota. E mesmo com motor dianteiro e tração traseira, a distância entre-eixos curta proporciona uma maior concentração de peso próxima ao eixo motriz à medida que vai se aproximando da capacidade de carga máxima, favorecendo a tração em terrenos irregulares.

2 - Fiat Idea: assim como outros modelos da mesma fabricante, chegou a dispor da versão Adventure com pretensões semelhantes às dos SUVs da moda. O volume interno, uma característica que já é de se esperar nas minivans, proporciona uma versatilidade e um conforto superiores ao de SUVs que priorizam a forma sobre a função.

3 - Honda Fit: com um interior que permite diferentes arranjos da posição dos bancos de modo a acomodar objetos volumosos, oferece uma versatilidade acima da média. Convém destacar que a mesma configuração de carroceria, apenas com alterações na parte frontal, foi aproveitada pela Honda com o WR-V que é oferecido como mais uma opção de SUV mesmo não sendo nada além de um Fit modificado.

4 - Mitsubishi Expo LRV: um modelo que chegou ao Brasil em doses homeopáticas durante a década de '90, acabou por se tornar parte da memória afetiva de toda uma geração por causa das miniaturas de brinquedo. A disposição de motor dianteiro transversal e tração dianteira, com a opção por tração 4X4 tendo permanecido pouco comum fora do Japão, de certa forma guarda semelhanças com o que se vê na maioria dos SUVs crossover modernos, embora a carroceria de minivan montada sobre um chassi tipo escada acabe sendo um grande diferencial. Diga-se de passagem, é literalmente um ancestral do atual Mitsubishi ASX, com o qual compartilha o nome Mitsubishi RVR no mercado japonês.

5 - Kombi: um modelo que realmente dispensa apresentações, já foi o sonho de muitos aventureiros em função de conciliar generoso espaço interno a uma simplicidade mecânica extrema e um tamanho pouca coisa maior que o do Fusca. A configuração tradicional dos primeiros modelos da Volkswagen, com motor e tração traseiros, também proporcionava uma boa tração em diversas condições de terreno mesmo sem recorrer à complexidade da tração 4X4. A combinação de um espaço amplo e protegido de intempéries à relativa facilidade para trafegar por trechos rústicos faz com que a Kombi seja ainda muito apreciada por adeptos do camping, que fazem diferentes modificações no interior para ter mais comodidades durante viagens.