segunda-feira, 27 de dezembro de 2021

Tração dianteira: uma isca às vezes mais palatável ao pescador que ao peixe

A consolidação do motor dianteiro transversal e da tração dianteira como mais habituais para carros de proposta generalista tanto no Brasil quanto no exterior, com exemplos como o Dacia Logan rebatizado Renault em alguns mercados onde as marcas do leste europeu são vistas com algum ceticismo, foi uma das medidas que mais beneficiaram no tocante à economia de escala para a indústria automobilística de um modo geral. Frequentemente reputada mais segura para a imensa maioria dos motoristas, tem outros atrativos que a tornam uma isca ainda mais atraente ao pescador que ao peixe, como a possibilidade de usar na suspensão traseira um modesto eixo de torção que costuma ter custo de produção mais baixo em comparação a sistemas mais sofisticados, e ainda é capaz de proporcionar resultados satisfatórios diante das necessidades de um público mais conservador como o da primeira geração do Renault Logan. Com as limitações inerentes à tração dianteira em algumas condições de terreno, principalmente as alterações na concentração de peso entre os eixos à medida que são acomodadas a bordo cargas mais pesadas, vale considerar uma infinidade de distorções que surgiram em gerações mais recentes de carros "populares".
Grandes fabricantes de automóveis como a francesa Renault e por extensão a subsidiária Dacia, que foi originalmente uma estatal romena mas já beneficiada pela cooperação técnica com a Renault que diga-se de passagem havia sido estatizada ao final da II Guerra Mundial, sob acusações de colaboração com os nacional-socialistas que pesaram contra o fundador Louis Renault, já haviam iniciado uma migração para a tração dianteira com mais intensidade entre as décadas de '60 e '70. Além de uma austeridade do imediato pós-guerra favorecer a busca por automóveis mais econômicos de adquirir e manter, as crises do petróleo deflagradas especificamente a partir da década de '70 também proporcionaram a imagem de uma maior "especialização" à configuração de motor dianteiro longitudinal com tração traseira, e ainda uma maior facilidade que havia para incorporar também tração nas 4 rodas reforçando um viés utilitário que se viu refletido no surgimento na década de '70 de algumas das restrições ao uso de motores Diesel em veículos leves ainda hoje em vigor no Brasil. E enquanto uma configuração mais próxima à dos pioneiros calhambeques ficava distante dos modelos de perfil "popular" e generalista, permanecia firme e forte entre os utilitários com configuração tradicional tomando por exemplo o clássico Toyota Bandeirante/ Land Cruiser 40 e ainda marca presença em sucessores tanto diretos quanto indiretos.
Naturalmente se espera que um sedan pé-duro e um jipão tenham perfis de uso muito discrepantes, mas é até comum ver Toyota Bandeirante em uso urbano, favorecido pelo mesmo porte compacto que para o jipe de entre-eixos curto proporciona uma boa mobilidade em trechos mais travados em trilhas e ainda se revela conveniente para manobrar em espaços exíguos como vagas de estacionamento. Em que pese a maior proporção do compartimento do motor em relação ao comprimento total do veículo, bem como a necessidade de ter a carroceria mais alta para livrar o espaço ocupado pelo sistema de transmissão, no fim das contas impactando também a aerodinâmica considerando uma capacidade de carga volumétrica, a tração traseira está longe de ser uma característica indesejável aos olhos de consumidores generalistas. Mesmo diante de um atual predomínio da tração dianteira, mais favorecido pela economia de escala, é o caso de se considerar tanto a tração traseira quanto os 4X4 aparentemente muito "especializados" uma opção distante da obsolescência que alguns podem insistir em alegar.

quinta-feira, 23 de dezembro de 2021

Uma observação sobre o Volvo XC40 e a imposição da eletrificação

Já faz algum tempo que a Volvo Cars tem decepcionado os entusiastas e apreciadores que reconhecem o valor histórico da marca, hoje propriedade da chinesa Geely, e no caso do Brasil os planos para encerrar a importação do Volvo XC40 híbrido em virtude da entrada em vigor das normas de emissões Proconve L7 chamam a atenção pela proposta de passar a oferecer o XC40 somente como elétrico. Modelo mais vendido da marca no Brasil até o momento, o XC40 nos Estados Unidos já é oferecido só com motores a gasolina ou totalmente elétrico, porque por incrível que pareça o modelo híbrido não foi homologado nas normas de emissões evaporativas em vigor nos Estados Unidos e com as quais o Brasil vai passar a estar alinhado, com uma redução do limite de vapores de combustível a serem exauridos diminuindo de 1,5g por duas horas numa câmara especial usada nos testes de homologação para somente 0,5g durante 24 horas. Lembrando que a Volvo Cars já eliminou os motores turbodiesel da linha atual, e tem insistido especificamente nos híbridos plug-in para o Brasil mesmo quando ainda oferece para outros mercados algumas configurações somente a gasolina ou "semi-híbridas" com conjunto moto-gerador de 48 volts no lugar de um alternador convencional, a princípio seria perfeitamente viável até se beneficiar daquela isenção aplicável aos híbridos quanto ao rodízio de veículos em São Paulo e ainda manter uma imagem "ecologicamente correta" mesmo com um sistema de propulsão elétrica auxiliar bem menos vigoroso e estritamente.. auxiliar.

A princípio, como seriam desnecessários ajustes no motor para cumprir as novas regulamentações que entram em vigor em janeiro de 2022, promover o enquadramento do híbrido junto a uma norma que já tem equivalência nos Estados Unidos seria fácil, até porque nas versões de especificação americana um cânister dimensionado para atender a esse limite de emissões evaporativas é usado nas versões somente a gasolina. Naturalmente, também deve ser levado em consideração o espaço ocupado pelas baterias de tração no híbrido, o que aparentemente soa como um empecilho para a acomodação de um cânister com maior capacidade, mas na prática denota um desinteresse da Volvo Cars em oferecer essa opção não só ao público brasileiro como também ao americano, e ainda ocorre um aumento no preço do modelo mais vendido da marca em mais de 34% abrindo mão daquela praticidade que somente veículos com motor convencional é capaz de oferecer para percorrer trajetos mais longos, em função da maior rapidez para reabastecer um veículo com algum combustível líquido num posto em comparação à dificuldade para encontrar pontos de recarga expressa das baterias de um elétrico. E mesmo lançando mão da injeção direta, que se adapta melhor ao etanol na partida a frio e viabiliza recorrer a taxas de compressão mais altas até quando estiver usando gasolina, ter negligenciado a tecnologia flex que outros fabricantes ditos premium como a BMW já lançam mão em modelos da mesma categoria do XC40 é outra demonstração de equívocos da Volvo Cars no tocante à estratégia para o Brasil.

terça-feira, 21 de dezembro de 2021

Refletindo sobre uma hibridização associada ao downsizing

Uma consolidação da presença de veículos híbridos nos principais mercados mundiais já se revela algo irreversível, até mesmo em países um tanto conservadores como o Brasil onde já se pode observar uma quantidade razoável de híbridos plug-in em segmentos mais prestigiosos como o de sedãs "executivos". Da geração dos BMW Série 5 com a designação G30 por exemplo, que em todas as versões conta com motores dotados de turbo e injeção direta, um caso a se destacar é o BMW 530e iPerformance que une o motor B48 de 2.0L e 4 cilindros a um motor elétrico e, além de gerar energia elétrica a bordo como é habitual dos híbridos e da recuperação de energia cinética com a frenagem regenerativa, também se vale da possibilidade de recarregar a bateria tracionária na rede elétrica. Mas ainda é de se considerar que os sistemas híbridos, quando associados a um motor turbo, podem oferecer mais oportunidades de explorar a recuperação de uma maior quantidade de energia e eventualmente prescindir de alguns dispositivos de controle de emissões que tem se proliferado até junto aos motores de ignição por faísca.

A presença do turbocompressor, que em algumas circunstâncias já pode constituir uma notável melhoria no âmbito da eficiência energética por aproveitar uma energia cinética contida nos gases de escape, leva a questionamentos quanto à viabilidade de incorporar a veículos híbridos homologados para tráfego em vias públicas um sistema como o MGU-H que marcou presença na Fórmula 1 entre 2014 e 2021. Tendo em vista até a mitigação do turbo-lag quando o conjunto moto-gerador atua como uma espécie de motor de arranque dedicado ao turbo, especialmente desejável à medida que uma mais natureza intermitente no funcionamento do motor de combustão interna associada à hibridização se revela durante a operação em ambiente urbano, vale destacar que uma carga adicional para geração de eletricidade ainda pode ser útil para controlar a velocidade da massa rotativa e evitar ressonância nas extremidades das palhetas da turbina e do compressor, recuperando a energia cinética desperdiçada ao se recorrer à válvula wastegate que é o método mais comum em motores a gasolina ou flex quando especificados com turbo. E mesmo que a injeção direta possibilite usar uma taxa de compressão estática relativamente alta para a gasolina sem um enriquecimento excessivo da mistura ar/combustível para evitar a pré-ignição, um resfriamento mais intenso da carga de admissão que pode ser obtido ao usar o etanol como combustível já favorece a hipótese de emular uma taxa de compressão variável ao modular a rotação do turbo e a recuperação de energia cinética, embora acarretasse numa desvantagem mais acentuada para o consumo de etanol em volume comparado à gasolina.

Como nem tudo são flores, a maior presença da injeção direta junto a motores de ignição por faísca tem se revelado uma faca de dois gumes, ao considerar a necessidade dos filtros de material particulado para responder a um recrudescimento das normas de emissões que antes pareciam ser mais problemáticas só no tocante aos motores Diesel. Eventualmente pudesse ser tentador e até mais barato recorrer ao mesmo expediente que a Toyota e a Ford costumam aplicar a modelos híbridos, com motor de aspiração natural e injeção nos pórticos de válvula, com uma duração prolongada da abertura das válvulas de admissão já avançando sobre a fase de compressão, proporcionando uma compressão dinâmica reduzida e o efeito Atkinson, caracterizado por uma fase de expansão mais longa que a de compressão, além da formação de material particulado menos intensa com vaporização mais completa do combustível e facilidade para também incorporar uma capacidade de operar com gás natural em comparação à injeção direta. Mas ainda pesam a favor do downsizing algumas regulamentações que favorecem uma cilindrada menor mesmo entre modelos com uma proposta inerentemente mais "sustentável" como dos automóveis híbridos, que em outros países como o Equador estão em efeito na tentativa de inibir o uso dessa tecnologia para evasão fiscal em categorias mais prestigiosas, além do turbo proporcionar alguma compensação dos efeitos da altitude que diga-se de passagem seriam ainda melhores com a mitigação do turbo-lag que poderia ser proporcionada pelo sistema MGU-H.

É inegável que a hibridização vem se apresentando como uma alternativa menos controversa que toda a paranóia midiática que tem demonizado o motor de combustão interna de um modo geral, embora tenha o problema de ser apresentada em alguns casos como um contraponto aos motores Diesel no tocante às perspectivas de apresentar uma maior eficiência diante de similares movidos somente a gasolina. Com o downsizing também ganhando força junto à indústria automobilística, especialmente ao longo das duas últimas décadas, também acabava sendo de esperar que em algum momento ambas as estratégias viriam a apresentar novos desafios de ordem técnica, e nem sempre se mostra tão fácil conciliar as eventuais vantagens de cada método num mesmo produto. Portanto, considerando que algumas peculiaridades inerentes ao downsizing como a massificação do turbo e da injeção direta levam a algumas condições operacionais mais próximas das anteriormente observadas em motores Diesel, a integração que se vem implementando em alguns sistemas híbridos também denota alguma precipitação em torno das políticas anti-Diesel que vem sendo levadas adiante em algumas regiões.

quarta-feira, 15 de dezembro de 2021

5 motores que poderiam ter dado mais certo no Invel Microbus

Um modelo bastante peculiar que pode de certa forma ser considerado uma dentre tantas tentativas para preencher lacunas específicas enquanto as importações de veículos estiveram proibidas de '76 a '90 com pouquíssimas exceções, o Invel Microbus foi basicamente uma Kombi anabolizada e de aparência mais próxima aos furgões tipo "walk-thru" ou "step-van" estereotipicamente americanos que tanto figuravam em filmes da Sessão da Tarde. Chegou a usar entre '78 e '81 o mesmo motor boxer 1600 da Volkswagen que à altura já equipava a Kombi, posteriormente substituído por motores de refrigeração líquida usados no Passat incluindo o 1.6 Diesel que na linha de automóveis estava destinado à exportação e a princípio era a opção mais óbvia para quem precisasse de um motor Diesel para veículos leves no Brasil à época. Por não ter sido exatamente um modelo tão leve que o motor Volkswagen pudesse ter atendido melhor, é o caso de destacar ao menos 5 motores que poderiam ter dado mais certo no Invel Microbus:

1 - Isuzu 4FB1/4FC1: essa linha de motores entre 1.8L e 2.0L que chegou a ser usado em modelos da Chevrolet, inclusive em versões fabricadas no Brasil para exportação, até guardava alguma semelhança com o motor Volkswagen que originalmente equipava o Invel. A princípio seria preferível recorrer a um motor mais rústico e de acordo com o habitual entre utilitários à época, e a própria Isuzu dispunha de alguns motores até com comando de válvulas no bloco e sincronização direta por engrenagens, mas o 4FB1 e o 4FC1 seriam eventualmente até mais fáceis de implementar uma produção no Brasil junto à General Motors com quem a própria Isuzu ainda coopera no setor de caminhões em alguns países;

2 - Perkins 4-108: lembrando que a própria Perkins chegou a instalar um exemplar desse motor de 1.8L numa Kombi para demonstrações na Europa, e essa iniciativa acabou se mostrando providencial para que conseguisse fornecer motores em outras faixas de cilindrada para alguns caminhões Volkswagen brasileiros e até alguns modelos europeus, o simples fato desse motor ter sido "esquecido" quando a Perkins era o principal fornecedor independente de motores Diesel veiculares já é algo a se lamentar. A simplicidade desse motor o teria tornado uma opção satisfatória para uso em alguns exemplares do Invel Microbus configurados como motorhome, tendo em vista haver uma quantidade até menor de itens susceptíveis a falhas devido à sincronização do comando de válvulas e da bomba injetora por engrenagens, em que pese o desempenho modesto ainda impor um ritmo lento às viagens;

3 - Toyota 2C/3C: assim como outros motores Toyota chegaram a ser populares para adaptações na linha Volkswagen em países como a África do Sul, embora por lá o maior interesse fosse em motores a gasolina, o 2C de 2.0L e o 3C de 2.2L atenderiam mais satisfatoriamente ao Invel Microbus;

4 - VM HR 492 OHV: esse motor de 2.4L com 4 cilindros e injeção indireta chegou a ser cogitado para produção sob licença no Brasil para equipar pick-ups Ford F-1000 em versões turbo ainda na década de '80 em antecipação ao que viria a se tornar o fenômeno do downsizing, mas a idéia não deu certo. Esse mesmo motor chegou a ser produzido na Argentina, onde foi oferecido principalmente para o mercado de reposição quando tornou-se difícil obter peças de reposição para alguns veículos importados entre '79 e '82 devido à eclosão da Guerra das Malvinas. Uma versão naturalmente aspirada chegou a ser oferecida brevemente no Ford Falcon argentino, mas foi um voo de galinha;

5 - Indenor XD88: esse motor de 2.0L fez muito sucesso na Argentina onde equipava principalmente alguns modelos Peugeot, mas também serviu a outros fabricantes e pode ser creditado entre os motores que tornaram o Diesel tão apreciado naquele país. Trata-se de um motor bastante rústico e durável até em condições relativamente extremas, contrariando alguns estereótipos que se firmaram com relação aos carros franceses no Brasil.

quinta-feira, 9 de dezembro de 2021

Toyota 4Runner de 3ª geração e Ford Modelo T: uma comparação menos absurda do que pode parecer inicialmente

Os mais distintos mercados automobilísticos mundo afora impõem uma série de desafios aos principais fabricantes de veículos, em aspectos tão complexos quanto normas de segurança e as divergências entre as classificações de emissões em cada região. Portanto, acaba sendo mais difícil atender às expectativas de consumidores com perfis variados sem negligenciar algumas regulamentações técnicas ou em alguns casos meramente políticas, tomando por referências o Toyota 4Runner de 3ª geração mais conhecido no Brasil como Toyota Hilux SW4 e o Ford Modelo T para uma comparação até mais justa do que se podia supor considerando um distanciamento histórico das premissas de cada projeto. Saltando imediatamente aos olhos o contraste entre o 4Runner que dispôs de uma variedade de motores entre gasolina ou Diesel, tanto de aspiração natural com uma disponibilidade mais limitada a mercados periféricos que apreciam a rusticidade quanto turbodiesel de injeção indireta e posteriormente injeção direta, e no Ford Modelo T um único motor a gasolina que até podia operar com etanol visando atender aos produtores americanos de milho capazes de produzir o álcool "moonshine" nas propriedades rurais.

Uma configuração de chassi independente da carroceria com motor longitudinal e tração primariamente traseira por eixo rígido guardava inegáveis semelhanças entre um SUV com pretensões até certo ponto sofisticadas e o calhambeque reconhecido como pioneiro entre carros de proposta "popular", apesar das evoluções no tocante aos sistemas de freios e de suspensão ao longo do distanciamento histórico de 68 a 87 anos entre o lançamento do Toyota 4Runner de 3ª geração em '95 e respectivamente encerramento da produção do Ford Modelo T em 1927 e lançamento em 1908. A maior ênfase dada ao uso recreativo dos SUVs, com destaque especial para a predominância da tração 4X4 que foi imprescindível para o Toyota 4Runner/Hilux SW4 ser reconhecido como "utilitário" no Brasil num âmbito burocrático que assegurou o direito de ter oferecido o motor 1KZ-TE turbodiesel, contrasta com a austeridade da época que o Ford Modelo T era usado em condições de terreno severas por efetiva necessidade mesmo dispondo somente de tração traseira. Kits de tração 4X4 desenvolvidos especificamente para o Ford Modelo T a partir de 1914 por Jesse Livingood estiveram disponíveis em tempo hábil para um batismo de fogo já na I Guerra Mundial, mas ainda era algo tido como supérfluo até em viaturas militares pelo custo e complexidade.

A extrema rusticidade do motor do Ford Modelo T, desenvolvido numa época que nem os mais ousados devaneios de ficção científica ousavam prever uma obrigatoriedade de catalisadores ou uma hegemonia do gerenciamento eletrônico que durante o ciclo de produção do Toyota 4Runner de 3ª geração chegava também aos motores Diesel, fomenta observações quanto a uma adaptabilidade ao uso de combustíveis com especificações muito diferentes da originalmente recomendada a cada veículo. Um ponto inusitado em comum é como o querosene iluminante acaba tendo uma aplicabilidade em ambos os casos, embora no "Ford Bigode" a partida a frio possa ser mais problemática que com o etanol, enquanto para motores Diesel as maiores preocupações sejam a compatibilidade do querosene com alguns materiais usados em componentes do sistema de combustível e a lubrificação da bomba injetora, e portanto pode causar uma estranheza ao público generalista as adaptações destinadas ao uso de algum motor Diesel específico em viaturas militares dê atenção especial às juntas e retentores principalmente nas bombas injetoras do tipo distributiva ou rotativa que predominam em motores como o Toyota 1KZ-TE que equipa a maioria dos exemplares do 4Runner de 3ª geração comercializados como Hilux SW4 no Brasil.

Diferenças econômicas e sociais que se revelaram condições mais desafiadoras à proposta "popular" do Ford Modelo T foram posteriormente abordadas tanto por meio de outras características técnicas quanto por políticas de incentivo à indústria automobilística também em países como o Brasil, e ironicamente a concepção "de calhambeque" encontrou sobrevida mais longa em veículos de porte maior com proposta declaradamente utilitária a exemplo do Toyota 4Runner de 3ª geração. Levando em conta que ambos os modelos tiveram uma presença global comparável mesmo em meio ao grande distanciamento histórico, e o sucesso da linha de utilitários em regiões que preservam condições ambientais severas foi essencial para a Toyota ser alçada a uma condição de liderança mundial que Henry Ford tomava por garantida na época dos calhambeques até se ver superado por uma ampla concorrência, a atual hegemonia dos SUVs entre os veículos de passageiros nos Estados Unidos e a percepção da categoria como objeto de desejo da classe média emergente brasileira acaba por guardar mais uma semelhança. Enfim, uma comparação entre o Ford Modelo T e o Toyota 4Runner de 3ª geração é menos absurda do que poderia inicialmente parecer.

sexta-feira, 3 de dezembro de 2021

Caso para reflexão: Jeep "flatfender" modernizado

Para quem se apega facilmente a certas tradições, a idéia de um veículo com aparência mais antiga e um conjunto mecânico modernizado soa bastante atrativa, como no caso desse protótipo com um visual que remete a um Jeep CJ-3A numa escala maior e aplicado à base de uma Toyota Hilux SW4 da geração de 2005 a 2015. Muito me agrada a concepção tradicional de modelos como os Jeep CJ e até alguns SUVs derivados de pick-ups médias como ainda é o caso da SW4, também conhecida em alguns países como Toyota Fortuner, tendo em vista que algumas semelhanças conceituais improváveis entre calhambeques e caminhonetes modernas no tocante ao uso de um chassi separado da carroceria estão longe de ser um impedimento à incorporação de algumas modernizações como uma suspensão dianteira independente e sistemas de freio mais adequados às necessidades do tráfego tanto na cidade e estrada quanto no campo e áreas mais convidativas à prática do off-road recreativo. E apesar do Jeep CJ ser visto de modo geral como um utilitário austero, cuja rusticidade do projeto original contrasta com a moda dos SUVs e ainda dificulta a percepção como uma opção eventualmente racional até para uso cotidiano, convém destacar a viabilidade de implementar equipamentos de segurança obrigatórios para veículos novos como freios ABS e cintos de 3 pontos para todos os ocupantes, mesmo diante de uma isenção da obrigatoriedade de airbags para os jipes eventualmente sendo alvo de objeções do público generalista.

Embora me pareça preferível uma capota rígida para a eventualidade de um Jeep ainda servir para o uso urbano, tanto por ser teoricamente menos vulnerável a vandalismo quanto pela melhor vedação proteger das intempéries e facilitar a climatização considerando a possibilidade de equipar com ar condicionado, a viabilidade técnica de implementar melhorias a um projeto tão reconhecido e historicamente relevante é inegável. O porte maior desse exemplar específico comparado a um CJ-3A original, ou até a um CJ-5 que é o Jeep clássico visto com mais frequência no Brasil mesmo em uso cotidiano, chama uma atenção considerável e pode fomentar questionamentos em torno da adequação de um modelo dessa categoria a diferentes perfis de utilização, sendo inevitável fazer uma analogia à cultura do "owner-type Jeep" das Filipinas que me parece ser facilitada pela prevalência dos "flatfenders" na Ásia e as linhas mais retas que podem ser replicadas com ferramentais mais simples. E lembrando também que algumas gerações mais recentes de carros compactos apresentaram uma "engorda" significativa, inclusive no contexto dos "populares" brasileiros, a bem da verdade esse jipão ainda parece fazer bastante sentido, e justificar um eventual interesse em utilitários homologados para uso de motores Diesel no Brasil diante das restrições ainda em vigor com base nas capacidades de carga e passageiros ou tração inviabilizando esse recurso em carros generalistas.