sexta-feira, 27 de setembro de 2019

5 eventuais boas mulas para testar um motor horizontal monocilíndrico

Não é novidade que motores Diesel monocilíndricos horizontais numa faixa de cilindrada que vai de 0.9L a 1.6L persistem como uma opção bastante comum para aplicações tão diversas quanto máquinas agrícolas de pequeno porte como microtratores Tobatta e similares, equipamentos estacionários/industriais como motobombas e grupos geradores, e pequenas embarcações de trabalho, mas eventuais adaptações para uso automotivo ainda costumam ser vistas com desdém. De fato, pela rusticidade refletida num peso exagerado e também numa faixa de rotações um tanto estreita com potência entre 13cv e 30cv e regimes de potência máxima entre 2200 e 2600 RPM estão longe de oferecer as melhorias que levaram alguns motores de 2 a 4 cilindros numa faixa de cilindrada entre 0.8L e 1.6L a se tornarem uma boa opção para cobrir a necessidade de conciliar desempenho e economia de combustível em veículos leves mas, tendo em vista que muitos carros compactos já conseguem manter uma velocidade de cruzeiro confortável entre 90 e 120km/h usando só de 15 a 25cv, motores horizontais de 1 cilindro ainda podem não ser de todo inadequados a algumas condições operacionais com velocidades moderadas e pouco peso. A princípio, uma grande dificuldade seria o fato desse tipo de motor na grande maioria dos casos recorrer ao acoplamento por polias e correias de um só lado tanto para tração quanto para acessórios como um alternador e uma ventoinha de radiador. Nada impede no entanto que se faça um novo volante de motor sob medida que permita o acoplamento direto à capa seca de um câmbio, e de eventualmente ser possível instalar uma polia de acessórios do lado onde normalmente se acopla uma manivela de partida (mesmo quando já se disponha também da partida elétrica).
Por mais que também caibam considerações quanto à realocação ou substituição do radiador, e ainda o uso do tanque de combustível original do veículo ao invés do que vai acoplado ao motor, pode não ser mesmo uma opção tão inadequada, e ao menos 5 modelos seriam excelentes mulas de teste para a adaptação.
1 - Nissan 1400 LDV/Bakkie: muito popular na África do Sul e no Equador, com alguns exemplares ainda em operação regular no Uruguai também, contava somente com motores Nissan A12 de 1.2L e A14 de 1.4L a gasolina com 4 cilindros, derivados de um projeto licenciado da Austin e já um tanto limitado no tocante ao desempenho em função da baixa compressão requerida para operar de forma segura com gasolina de baixa qualidade em países terceiro-mundistas. O baixo peso vazio ao redor de 800kg, bem como a capacidade de carga na faixa de 750kg, levam a crer que um motor monocilíndrico de 1.5L na faixa de 25 a 30cv com a relação de diferencial apropriada não ficaria sobrecarregado.

2 - Renault 6: a disposição de motor central-dianteiro tem como principal vantagem proporcionar uma diminuição do impacto do peso de um motor a ser adaptado no lugar do original a gasolina. O modelo valeu-se originalmente dos motores Billancourt/Ventoux em versão de 845cc e dos Cléon-Fonte/Sierra entre 956cc na Espanha e 1108cc em outros países como a Argentina. Talvez a questão do espaço no cofre do motor possa se tornar um tanto crítica tendo em consideração a posição da coluna de direção, mas a princípio pode não ser tão problemática mediante realocação do radiador e uso do tanque de combustível original do veículo, e eventualmente um acoplamento entre motor e câmbio por eixo sólido semelhante ao que se usa em reversores para aplicação náutica permita manter um motor horizontal mais recuado e livrando espaço para a coluna de direção passar no ângulo correto e sem requerer maiores gambiarras que ponham em risco a confiabilidade do sistema.

3 - Chevette: em se tratando de adaptação de motores diferentes, tanto de ignição por faísca quanto Diesel, o céu é o limite para o primeiro compacto feito pela Chevrolet no Brasil. Até a questão do peso de um motor monocilíndrico horizontal e respectivo impacto sobre a manobrabilidade não seria tão impossível de resolver, tendo em vista que não era exatamente incomum adaptar outros motores mais pesados que os Isuzu série G de 1.0L a 1.6L originalmente usados no modelo nacional em versões a gasolina ou etanol. E como um motor "de Tobatta" acabaria ficando mais largo mas também mais curto no cofre do motor dum Chevette em comparação por exemplo a um motor Chevrolet "Stovebolt Six" de 6 cilindros em linha a gasolina ou etanol, além de ser fácil evitar alguma interferência com a coluna de direção mesmo que o cilindro fique projetado para o lado esquerdo, o peso do motor "de trator" ainda tenderia a permanecer pouca coisa mais recuado.

4 - Zé do Caixão: como outros modelos derivados do projeto básico do Fusca, a configuração de motor traseiro tem a vantagem de não provocar nenhuma interferência entre o motor e o sistema de direção, o que já acaba facilitando a adaptação. Também é digna de nota uma relativa facilidade para alterar a suspensão traseira de modo a readequar para que a diferença de peso entre o motor original e o que vá ser adaptado não afete o nivelamento do assoalho. Naturalmente, ao invés de rebaixar, seria o caso de considerar a substituição do sistema de semi-eixos oscilantes pelo de braços semi-arrastados e molas helicoidais usado na Kombi após '76, contando também com a possibilidade de recorrer a molas reforçadas normalmente usadas no caso de conversões para gás natural.

5 - Kombi: apesar de ter sido oferecida a opção de motor Diesel no modelo pela própria Volkswagen, os problemas de refrigeração fizeram com que prevalecesse na preferência da maior parte do público o tradicional motor boxer refrigerado a ar com opções a gasolina ou etanol. Além das vantagens já mencionadas para o Zé do Caixão e outros modelos de motor traseiro da Volkswagen, cabe destacar que na Kombi o acesso ao motor também se torna crítico, e um motor monocilíndrico horizontal ficar "deitado" como acontece com o boxer original facilita nesse aspecto por não requerer um alçapão de acesso no assoalho do compartimento de carga como foi usado tanto nas versões Diesel originais quanto nas equipadas com o motor EA-111 de 1.4L em configuração "flex" a gasolina e etanol. Outro ponto que não deixa de ser relevante é a possibilidade de montar o radiador em posição lateral no próprio cofre do motor, sem ter que descaracterizar a frente do veículo.

domingo, 22 de setembro de 2019

Justificar que o uso de motores Diesel seja estendido a carros tomando hatches compactos como exemplo?

O mercado automobilístico brasileiro é repleto de distorções um tanto difíceis de explicar, e uma que merece atenção é a definição sobre o que seria um carro "popular" tomando por base tão somente um aspecto que às vezes se revela incoerente. O limite de cilindrada fixado em até 1.0L pleiteado pela Fiat em '90, viabilizando lançar no mercado local o Uno Mille que já era exportado para a Itália onde era comercializado como Innocenti Mille, é uma dessas situações que pareciam bem fundamentadas num primeiro momento mas já se revelavam contraditórias em outros aspectos. Não é novidade que as curvas de potência e torque podem ser tão decisivas quanto ou até mais relevantes que a cilindrada para se determinar a adequação de um motor a uma aplicação específica, assim como um motor com cilindrada superior eventualmente possa dispensar características técnicas mais complexas que iriam refletir num custo de manutenção mais elevado.
Nesse sentido, considerando também que o lançamento do Fiat Uno Mille coincidiu com o momento de uma crise histórica no suprimento do etanol então mais conhecido no Brasil como "álcool etílico carburante", não deixa de ser relevante observar um aspecto em que os motores Diesel poderiam ser a opção mais adequada para conciliar facilidade de manutenção e redução de custos operacionais com a proposta de um fortalecimento da segurança energética que foi o estopim do ProÁlcool. Levando em consideração que o próprio motor de 1.0L antes era usado apenas para exportação, enquanto versões de 1.05L do mesmo motor já haviam sido oferecidas anteriormente no Brasil justamente porque ainda não havia sido instituída a vantagem fiscal que justificasse a ligeira redução de cilindrada, também é conveniente ressaltar o caso de um motor Diesel de 1.3L derivado da mesma linha de motores Fiasa que foi muito usado em versões de exportação a partir da década de '80, e destacado na Argentina por equipar a partir de '84 o Fiat 147 que foi o primeiro carro compacto regularmente oferecido com uma opção de motor Diesel por lá. Sendo ainda um motor de injeção indireta, característica muito comum durante o início da "dieselização" no segmento de veículos leves e permanecendo com alguma força até o final da década de '90, se mostrava particularmente adequado à implementação do uso direto de óleos vegetais como combustível alternativo, e a própria Fiat chegou a conduzir testes nesse sentido visando o uso de óleo de mamona durante a década de '80.

Considerando posteriormente o sucesso comercial que o Mille conquistaria não só junto a um público essencialmente urbano mas também em regiões rurais, justificando a criação da versão Way com uma proposta de oferecer melhor aptidão ao tráfego em condições de rodagem mais pesadas mas ainda de tração somente dianteira, mesmo que a difusão da tecnologia bicombustível tenha sido essencial para reacender um interesse do público generalista no etanol, novamente se tornaria relevante abordar essa questão da segurança energética em um contexto geral mas também no tocante à auto-suficiência em combustível para o produtor rural. Sendo oferecido em mercados de exportação não apenas regionais como Argentina e Uruguai mas até mesmo numa versão RHD (right-hand drive, com cockpit do lado direito) destinada à África do Sul, mantinha no exterior o nome Uno ao invés de Mille, devido ao fato de ter usado nesses mercados o motor de 1.3L a gasolina que chegou a ter uma versão "flex" usada no Uno Furgão destinado ao mercado brasileiro, e um motor de Diesel de 1.7L ainda de injeção indireta e aspiração natural chegando a ser oferecido para o Uno Way ao menos no Uruguai. E apesar de que o processo de fermentação alcoólica aplicado à produção de etanol ter evoluído relativamente pouco, além de ser conhecido pela humanidade há milênios e aplicado a uma grande variedade de substratos com alta concentração de carboidratos na produção de bebidas alcoólicas tanto em escala artesanal quanto industrial, a hegemonia da cana de açúcar desde o ProÁlcool acabou desencorajando o uso de outras matérias-primas que poderiam agregar maior estabilidade nos preços do etanol carburante nas entressafras da cana sem depender tanto dos "estoques reguladores" instituídos pela ANP (Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis), com alguns avanços mais recentes no uso do milho para a produção de etanol no Centro-Oeste quebrando essa infeliz "tradição" canavieira que de certa forma é tão crítica para que esse combustível alternativo seja levado a sério longe das regiões de clima tropical quanto as dificuldades inerentes à partida a frio desde a época do primeiro motor só a álcool ainda com carburador até a consolidação da injeção eletrônica ter viabilizado o motor "flex". O motor Diesel, por sua vez, acabaria sendo adequado para fomentar o desenvolvimento do biodiesel e eventualmente o uso direto de óleos vegetais como combustível e beneficiar-se da ampla variedade de oleaginosas já cultivadas para fins alimentícios e para algumas especialidades da indústria química, podendo ganhar economia de escala ao compartilhar tecnologias tanto com maquinário agrícola quanto com veículos de porte maior que se enquadrem nas definições arbitrárias de "utilitário" baseadas na capacidade de carga e passageiros ou tração de modo a permitir o uso de motor Diesel no Brasil.

O fim da produção do Fiat Mille em 2013 marcada pela versão Grazie Mille, e por alegações a bem da verdade infundadas quanto a uma suposta inviabilidade técnica de cumprir com a obrigatoriedade de freios ABS e airbag duplo para os automóveis 0km produzidos no Brasil ou importados a partir de 2014 e curiosamente com a mesma norma usada para definir quais seriam os "utilitários" aptos a usar motor Diesel servindo de parâmetro para exonerar a obrigatoriedade do airbag em veículos de outras categorias, não tornou obsoleta a pauta de uma liberação do Diesel em veículos leves. Naturalmente a questão das emissões se tornou mais complicada a partir de 2012 com a implementação das normas Euro-5 no Brasil, e o custo agregado pela presença de sistemas de redução de poluentes como o filtro de material particulado (DPF), bem com o turbo e a injeção direta como gerenciamento eletrônico sendo imprescindíveis para atender a algumas condições que favoreçam o correto funcionamento dos principais dispositivos de controle de emissões usados na geração atual de motores Diesel veiculares, mas não justificam desconsiderar eventuais aplicações do biodiesel apesar de ter surgido uma série de dificuldades de ordem técnica em função de como concentrações mais elevadas de biodiesel podendo causar problemas para a vaporização durante a autolimpeza forçada do DPF (ocasionalmente tratada como "regeneração"). E para o uso direto de óleos vegetais como combustível em motores Diesel de injeção direta há a necessidade de pré-aquecimento do combustível durante todo o funcionamento do motor, de modo a inibir problemas com a polimerização da glicerina naturalmente presente nos óleos vegetais, outro aspecto que pode causar alguma controvérsia apesar de atuais gerações de automóveis "flex" com injeção multiponto sequencial nos pórticos de válvula incorporarem pré-aquecimento dos injetores como auxílio à partida a frio, eliminando o anacrônico tanquinho auxiliar de gasolina que se usava desde a época que o motor a álcool era opcional antes do "flex" se consolidar como o único que estaria disponível em modelos como os últimos Mille.

Hoje o principal modelo oferecido pela Fiat no Brasil é o Argo, que é oferecido com opções de motor de 1.0L e 3 cilindros ou 1.3L e 1.8L com 4 cilindros sempre "flex" no mercado nacional ou versões a gasolina dos motores maiores, tendo que abranger desde a faixa de entrada que já se distanciou muito da proposta dos "populares" até segmentos mais prestigiosos, indo de encontro inclusive com a moda dos SUVs crossover compactos. Tendo em vista o perfil cada vez mais urbano do público dos SUVs, incluindo das versões que se valem da tração 4X4 para credenciá-los ao uso de motores Diesel, não é de se desconsiderar que mesmo versões de pretensões aventureiras de um modelo generalista como o Fiat Argo Trekking acabam sendo inerentemente mais eficientes que um SUV "flex" de tração simples no tocante à leveza e à aerodinâmica menos desfavorecida. Até a tração simples, que não foi impedimento para o Uno Mille encarar com maestria a lida campeira, também favorece uma redução no consumo de combustível em condições de rodagem que não sejam tão extremas a ponto de chegar a exigir tração 4X4.

quarta-feira, 18 de setembro de 2019

Breve observação sobre auto-suficiência energética sendo alçada a privilégio

Muito se tem apostado na eletrificação como um caminho sem volta no setor automotivo, e a Renault já oferece no Brasil alguns modelos 100% elétricos ainda importados como o Zoe sob encomenda. É de se esperar que não atenda bem a todo o público generalista, mas o fato do primeiro exemplar que eu vi rodando pertencer a uma empresa do setor de energia não deixa de ser um pretexto interessante para abordar a questão de como a auto-suficiência energética acaba deixando de ser mais próxima de um direito para ganhar ares de privilégio. Naturalmente, o fato de alguns operadores poderem contar com uma certa facilidade para usufruir da tração elétrica não deve ser desprezado, mas o descaso com relação a outras alternativas ainda envolvendo tanto o motor de combustão interna de um modo geral quanto os motores Diesel mais especificamente tem sido frequente no âmbito político, e os reflexos na questão ambiental não deveriam ser negligenciados...
A tão alardeada "emissão zero", com destaque para o dióxido de carbono (CO² - "gás carbônico") e de uns tempos para cá também os óxidos de nitrogênio (NOx) historicamente mais críticos no caso de motores Diesel, é uma faca de dois gumes, afinal mesmo uma energia "limpa" como a hidrelétrica ou mais recentemente a eólica e a fotovoltaica tendem a não proporcionar alguma facilidade que o motor de combustão interna oferece para que se feche mais facilmente os ciclos do carbono e do nitrogênio. E considerando também que em algumas regiões ainda se usa muito a energia termelétrica gerada em usinas acionadas com carvão mineral, eventualmente até um "pau véio" como um Toyota Bandeirante acaba não sendo tão "sujo" à medida que se fomente a oferta de combustíveis alternativos no varejo, e diga-se de passagem mesmo que alguns veículos antigos não se enquadrem em normas de emissões tão restritivas acaba resultando numa maior facilidade para promover adaptações que visem melhorar o funcionamento com biodiesel ou mesmo óleos vegetais que podem ser provenientes de aplicações culinárias e evitar o descarte inadequado nos mesmos em cursos d'água, tendo em vista a ausência de incompatibilidades que possam surgir por exemplo entre um filtro de material particulado (DPF) e o biodiesel em concentrações superiores a 20% (B20) ou a óleos vegetais brutos. Além do mais, o fato de um veículo elétrico dispensar a queima de combustíveis mesmo que esses sejam renováveis não elimina o fato da matéria orgânica com algum potencial energético se tornar um problema mais grave com a decomposição mais lenta liberando metano cru que tem uma meia-vida mais longa na atmosfera em comparação ao CO² pós-combustão que por sua vez é reabsorvido pela vegetação em geral e também pelas oleaginosas e outros cultivares que possam ser facilmente integrados à cadeia produtiva dos biocombustíveis.
Seguramente, não se pode esquecer que nem todo Toyota Bandeirante vá necessariamente pertencer a um agricultor que pudesse fazer uso de resíduos agropecuários ou mesmo destinar diretamente uma parte da safra de algum produto agrícola para servir de matéria-prima do próprio biodiesel, etanol ou o que julgar mais adequado tanto à propriedade rural quanto para atender às outras necessidades que apresente em atividades externas. Há de se destacar também que muitos pequenos produtores rurais já nem fazem tanta questão da complexidade e peso acrescentados pela tração 4X4 num veículo, como é perceptível desde épocas passadas quando os próprios japoneses da Toyota viam a Gurgel começar a ganhar presença no mercado de utilitários off-road com modelos como o X-10 baseados na mecânica Volkswagen. Guardadas as devidas proporções, seria no mínimo ingenuidade supor que a Toyota não acabou sendo então beneficiada com uma espécie de reserva de mercado para utilitários com motor Diesel, tendo em vista que foi incluída nas normas de homologação a equiparação da 1ª marcha tipo crawler a uma "reduzida" numa época que a Toyota ainda equipava o Bandeirante uma com caixa de transferência de velocidade única, enquanto os jipes Gurgel ainda dispunham do layout mecânico do Fusca.
Devo confessar que, por mais que a história do engenheiro João Augusto Conrado do Amaral Gurgel seja fascinante, a ferrenha oposição dele ao ProÁlcool principalmente depois que o regime militar foi encerrado me parecia exagerada e ao mesmo tempo favorecia questionamentos quanto a um eventual erro em priorizar o etanol e simplesmente fazer vista grossa para o uso direto de óleos vegetais como combustível veicular e de maquinário agrícola ou o biogás/biometano. Era frequente Amaral Gurgel dizer que o ProÁlcool era "movido a diesel", tendo em vista o óleo diesel convencional ser usado não só na lavoura mas também na logística da cana de açúcar e do próprio etanol, e portanto poderia soar lógico que se procurasse atender à renovação da matriz energética também em aplicações pesadas ao invés de enxugar gelo em veículos leves. Não faria muito sentido alegar que Amaral Gurgel estivesse falando sem conhecimento de causa quando criticava o ProÁlcool e a destinação de terra agricultável para a produção de combustível ao invés de alimentos, mas o foco tão específico numa monocultura canavieira ao invés de diversificar as matérias-primas foi um erro maior do que teria sido fazer como os europeus que cederam demais à pressão da Arábia Saudita em troca de uma maior estabilidade no preço do barril de petróleo. Vale lembrar que Amaral Gurgel também apostava alto na tração elétrica, que realmente pode atrair uma parte considerável do público que vá fazer um uso majoritariamente urbano de um veículo e possa ser atendida de forma satisfatória por um Renault Twizy ou um Mitsubishi i-MiEV
Lançando um olhar sobre a questão da autonomia ainda frequentemente limitada e das recargas lentas das baterias num veículo 100% elétrico, mantendo-os um tanto restritos à operação num raio menor, é conveniente destacar o caso dos híbridos plug-in como um meio-termo. Afinal de contas, mesmo que alguém bem capitalizado possa instalar painéis fotovoltaicos ou uma turbina eólica para atender a um Renault Twizy ou um Mitsubishi i-MiEV, ao suprimirem totalmente o motor de combustão interna já se colocam em desvantagem aos olhos de quem prefira não se limitar a modelos tão "especializados", e apesar de estar numa faixa de tamanho consideravelmente maior é inevitável uma comparação com o BMW 530e iPerformance devido à maior flexibilidade que o simples fato de dispor de um motor de combustão interna proporciona. E por mais altamente improvável acontecer de algum proprietário de BMW aventar a possibilidade de recorrer a um remapeamento para viabilizar o uso do etanol e tentar fazer "maria-louca" para usar como combustível veicular quando não encontrar etanol no posto mais próximo, ou somente quiser fazer uma experiência de produzir o próprio combustível, não se pode ignorar que um motor de ignição por faísca com injeção direta seria o mais adequado para operar com etanol em função da maior facilidade para a partida a frio diante de concorrentes que façam uso da injeção nos pórticos de válvula. Eventualmente a injeção direta acabaria se tornando um empecilho para integrar também o gás natural e o biogás/biometano como um substitutivo que pode ser obtido a partir de qualquer matéria orgânica, mas talvez pudesse se tornar um pretexto para que eventualmente se faça uma releitura moderna do motor Hesselman para aproveitar combustíveis pesados e substituir o óleo diesel convencional pelo biodiesel.
Pouco importando se é na sofisticação de uma BMW ou na rusticidade de um microtrator Tobatta, é digna de nota a variedade de fontes de energia alternativa que possam ser bem integradas ao contexto da auto-suficiência energética de alguma maneira. Apesar da dificuldade em definir tanto qual seria a melhor opção para valer-se das matérias-primas disponíveis, que podem incluir até mesmo esgoto no caso do biogás/biometano e ser implementável praticamente em qualquer lugar, é no mínimo estúpido fazer com que uma das alternativas seja explicitamente vetada em veículos leves quando poderia até servir de argumento a favor dos biocombustíveis de um modo geral. Enfim, com os aspectos técnicos viabilizando em uma infinidade de materiais orgânicos o uso como fonte de energia para aplicações veiculares e de maquinário especializado ou equipamentos estacionários/industriais, o atual cenário extrapolando restrições ao Diesel e avançando para a insistência na tração elétrica é um tiro no pé...

domingo, 15 de setembro de 2019

5 veículos improváveis de serem repotenciados com motor Cummins ISF2.8 mas que ficariam interessantes...

Considerando a proposta da Cummins para os mercados americano e canadense, oferecendo naqueles países para uso em repotenciamentos o motor R2.8 baseado no mesmo ISF2.8 já conhecido no Brasil, não deixa de ser interessante destacar alguns veículos que poderiam ter um bom resultado recorrendo à adaptação de um desses motores. Naturalmente, há de se recordar que algumas questões referentes à certificação de emissões levaram a Cummins a recomendar a instalação do motor R2.8 nos Estados Unidos e no Canadá apenas em veículos fabricados até '95, enquanto no Brasil já não são novidade as restrições baseadas nas capacidades de carga e passageiros ou tração independentemente do ano de fabricação eventualmente inviabilizando a regularização de um repotenciamento. Mas deixando de lado as burocracias, convém destacar ao menos 5 modelos improváveis de atrair interessados nessa modificação mas que ficariam no mínimo interessantes...

BMW Série 7 da geração E38: a 3ª geração da Série 7, que casualmente foi a primeira a contar com a opção de motor turbodiesel de fábrica, é um daqueles modelos que foram um sonho de consumo na década de '90 mas hoje sofrem com a desvalorização e dificuldade de manutenção. Produzida entre os anos de '94 e 2001, foi oferecida de acordo com cada mercado em opções de 6 cilindros em linha ou V8 a gasolina ou Diesel, e V12 só a gasolina. Cabe destacar que no caso das versões Diesel, durante o ciclo dessa geração esteve em curso a transição da hegemonia da injeção indireta em veículos leves para a consolidação do sistema common-rail, e atualmente em alguns países onde o modelo contou com opções turbodiesel como é o caso de Portugal não é incomum substituir motores originais pelos de um equivalente mais moderno ao invés de partir para uma retífica. Logo, a adaptação de um R2.8 ou ISF2.8 em substituição ao M51 de 6 cilindros e 2.5L com injeção indireta usado até '98 não soaria tão herética, e não seria de se duvidar que pudesse despertar o interesse também para adaptações em exemplares equipados com o M57 de 6 cilindros e 3.0L ou com o M67 V8 de 3.9L já equipados com injeção common-rail. E caso fosse finalmente liberado o uso de motores Diesel em veículos leves no Brasil sem as restrições por capacidades de carga e passageiros ou tração hoje em vigor, também seria uma idéia muito tentadora...

Alfa Romeo 156: outro modelo que também foi oferecido em versões a gasolina ou turbodiesel, com a injeção common-rail já tendo se tornado padrão para os motores JTD de 1.9L e 4 cilindros ou 2.4L e 5 cilindros, ambos derivados da série de motores modulares Pratola Serra que também deu origem ao Twin Spark de 2.0L a gasolina oferecido inicialmente no Brasil antes do motor Busso V6 de 2.5L passar a ser o único disponibilizado no mercado nacional. Naturalmente, no caso de uma liberação do Diesel no Brasil poderia soar mais racional a adaptação do motor Multijet de 2.0L que já é oferecido nos Jeep Renegade e Compass e na Fiat Toro, por ser também derivado da série Pratola Serra, mas o tamanho relativamente compacto do ISF2.8 ainda seria convidativo...

Minivans da Chrysler/Dodge: outra série de veículos afetada pela transição entre a injeção indireta e a common-rail na Europa e outros mercados onde o Diesel era mais relevante, recorriam a motores VM Motori de 2.5L a 2.8L sempre com 4 cilindros. Vale destacar que o uso de motores Cummins nas pick-ups Dodge Ram e posteriormente Ram Trucks talvez fizesse as soccer-moms assimilarem bem até se o R2.8 passasse a contar com uma especificação de emissões que o credenciasse a ser oferecido de fábrica nas Dodge Grand Caravan da atual geração...

Nissan 350Z: já sei que vai ter quem queira me fuzilar em praça pública por sugerir que algum dia a simples possibilidade de adaptar motor Diesel nesse modelo seja aventada, mas faz já bastante tempo que essa idéia me persegue... Houve uma época que eu considerava o motor Cummins B3.9 o melhor para usar na eventual "dieselização" de um Nissan 350Z, tomando como referência o uso desse motor em alguns caminhões leves, que sendo desfavorecidos no tocante ao peso e aerodinâmica me levavam a crer que seria capaz de proporcionar bons resultados num carro esportivo. Guardadas as devidas proporções, mas lembrando que a proposta inicial do ISF2.8 era de atender ao mercado de caminhões leves na China e apresentando em comparação ao B3.9 um tamanho mais compacto e peso reduzido, a idéia ainda soa tentadora...

Jaguar S-Type: outro daqueles modelos que podem parecer irretocáveis aos olhos daqueles fãs mais fervorosos, digno de nota por ter conciliado alguma modernidade a um estilo aristocrático claramente britânico, contou com motores V6 de 2.5L e 3.0L ou V8 de 4.0L posteriormente ampliado para 4.2L dentre as opções a gasolina, complementados no mercado europeu pelo twin-turbo Diesel V6 de 2.7L co-projetado pela Ford em parceria com a PSA Peugeot-Citroën. Pode parecer loucura considerar o ISF2.8 como uma opção para repotenciar um Jaguar S-Type, além do mais que a opção Diesel que foi originalmente oferecida de fábrica apresenta uma maior sofisticação que seria condizente à proposta do modelo, mas ainda seria no mínimo interessante...

sábado, 14 de setembro de 2019

Chevrolet Caravan e Bonanza: breve reflexão histórica em torno da ascensão dos SUVs

Uma questão um tanto polêmica, o fogo amigo que as station-wagons sofreram principalmente com a ascensão dos SUVs junto ao público urbano ainda fomenta discussões acaloradas que remontam aos tempos das Chevrolet Caravan e Bonanza. Não apenas no tocante às diferenças na dirigibilidade que o tipo de carroceria podem proporcionar, mas também com relação a motorizações, exerceram algum grau de influência sobre consumidores com perfis variados. Naturalmente, uma maior diferenciação entre as faixas de tamanho de um automóvel médio-grande e de um SUV de concepção tradicional no início da década de '90 faziam com que nem sempre uma mesma solução pudesse atender a ambos os segmentos, de modo que o motor "153" de 2.5L e 4 cilindros oferecido a gasolina ou etanol pudesse conciliar um desempenho ainda satisfatório a um consumo menor que o do motor "250" de 4.1L e 6 cilindros em linha compartilhado com a Bonanza nas mesmas opções de combustível, e mesmo que a oferta de um motor Diesel não pudesse ser estendida à Caravan por entraves burocráticos seria difícil redimensionarr a estrutura para suportar o Perkins 4-236 de 3.9L e 4 cilindros que foi oferecido por um breve período na Bonanza com homologação por base na capacidade de carga ultrapassando o mínimo de 1000kg requerido para ser enquadrada como "utilitário" mesmo com tração simples e menos de 10 assentos já contando o do condutor.

Convém recordar que, de '76 até '90 quando vigoravam no mercado brasileiro severas restrições à importação de automóveis, uma pick-up transformada ou um SUV já encontravam boas condições para atrair uma parcela do público urbano que associava pura e simplesmente o tamanho do veículo a uma pretensão de sofisticação. Não se pode negar que havia uma maior facilidade para instalar alguns acessórios numa caminhonete, indo desde uma geladeira e uma televisão a um sofá-cama, até mesmo devido à estrutura que apesar do peso agregado por tais comodidades permanecia superdimensionada para o uso análogo ao de um automóvel comum. E mesmo que a tração 4X4 ainda estivesse longe de se tornar o método mais usado para que um SUV seja classificado como "utilitário", e portanto apto a usar motor Diesel no Brasil, a imagem de maior robustez associada a uma caminhonete grande exerce um certo apelo junto a consumidores esperando desde uma maior resiliência às condições de rodagem severas até uma equivocada sensação de segurança atribuída à posição mais alta do habitáculo ou de "impor respeito" em disputas contra motoristas de veículos mais compactos por espaço sobre o leito carroçável. Logo, por mais que o atual cenário do mercado automobilístico não apenas no Brasil esteja cada vez mais saturado de SUVs, não seria de todo equivocado atribuir parte dessa distorção aos entraves burocráticos para se regularizar a opção de motor Diesel em automóveis mais tradicionais.