segunda-feira, 27 de setembro de 2021

Breve reflexão sobre calhambeques e diferentes gerações de carros "populares" em contraste com utilitários

Diferentes graus de polivalência ou uma maior "especialização" podem ser exigidos de alguns veículos, e certamente as condições de cada época acabam influenciando nas estratégias de cada fabricante, como pode ser observado até numa comparação um tanto improvável à primeira vista entre o Ford Modelo T e a atual geração do Suzuki Jimny Sierra. Certamente há quem considere absurdo apontar semelhanças entre um carro generalista cujo projeto original já tem mais de 100 anos e um jipe que apesar de ter uma concepção bastante conservadora é efetivamente moderno, mas o simples fato de ambos recorrerem ao chassi separado da carroceria e eixos rígidos já é suficiente para fomentar reflexões em torno da infeliz persistência das restrições ao uso de óleo diesel como combustível em algumas categorias de veículos leves no Brasil. Muito embora uma grande evolução técnica no tocante a sistemas de freios e suspensão tenha ocorrido desde a época do "Ford Bigode", bem como o desenvolvimento da tecnologia da tração 4X4 que hoje até possibilitaria a eventual instalação de um motor turbodiesel no Jimny em substituição ao original a gasolina, o fato de um carro considerado generalista para a época que foi projetado mas até se assemelha mais a um trator agrícola a princípio ter proibida uma conversão para Diesel acaba tendo contornos curiosos diante de um utilitário moderno que preserve uma configuração técnica austera.

Já entre os carros "populares" atuais, para os quais tem prevalecido a estrutura monobloco com o motor dianteiro transversal e a tração dianteira em nome da economia e até de uma "manufaturabilidade" que remonta à época do Ford Modelo T, mesmo ao observarmos um modelo de projeto mais recente como o Renault Kwid, é conveniente destacar alguns aspectos eventualmente mais subjetivos como um mote de publicidade apresentando o hatch inicialmente destinado à Índia como "o SUV dos compactos" tão logo chegou ao mercado brasileiro. Tendo em vista que alguns SUVs mais recentes também incorporam uma configuração até bastante semelhante com monobloco associado a motor e tração dianteiros enquanto a tração 4X4 foi alçada a uma condição mais prestigiosa, a ponto de alguns operadores profissionais que ainda poderiam se beneficiar desse sistema em determinadas condições operacionais como prestadores de suporte técnico em telecomunicações e segurança eletrônica recorram a veículos de tração simples, a diferenciação entre um carro generalista e modelos contemporâneos que possam ser classificados como "utilitário" vai ficando mais tênue. Portanto, assim como já acaba sendo justificável fazer uma analogia entre os calhambeques e alguns jipes modernos que preservem uma configuração tradicional, é bastante claro que impor uma restrição ao uso de motores Diesel arbitrariamente contra determinadas categorias de veículos pode não ser necessariamente benéfico às aplicações estritamente utilitárias.

Considerando modelos que chegaram a ser contemporâneos no mercado brasileiro como o Jeep CJ-5 e o Fusca, e apesar da grande maioria dos exemplares do Jeep comercializados no país terem sido 4X4, as raras versões de tração somente traseira chegaram a custar menos que um Fusca e serem tecnicamente o mais próximo de um calhambeque ao longo do ciclo de produção. Mesmo que ambos tivessem o chassi separado da carroceria, uma diferenciação técnica mais expressiva se fazia presente, e os eixos rígidos do CJ-5 contrastavam com o uso de suspensão independente nas 4 rodas na antiga linha Volkswagen de motor e tração traseiros cuja própria configuração impossibilitaria usar o eixo de torção que predomina na suspensão traseira dos "populares" atuais de tração dianteira, na prática a concentração de peso entre os eixos mais à frente devido à posição do motor exige tração 4X4 para o Jeep transpor irregularidades de terreno que um Fusca vencia sem grandes dificuldades nas mais variadas condições de carga, apesar de apenas um deles ser reconhecido como "utilitário" para fins de homologação e autorização para uso de um motor Diesel. Enfim, algumas diferenciações técnicas podem ser substanciais a ponto de se levar a crer que a comparação entre carros "populares" e os utilitários tanto de cada época quanto de períodos distintos pareça injustificável, mas na prática evidenciam como pode ser imprecisa essa classificação.

segunda-feira, 20 de setembro de 2021

Biodiesel: longe de ser o maior dos problemas

Um tema bastante polêmico, a adição obrigatória de biodiesel ao óleo diesel convencional parecia ser a tábua de salvação para atender à necessidade de manter lubrificadas as bombas injetoras em motores de concepção antiga como o OM-352 que foi equipou uma infinidade de caminhões e chassis para ônibus Mercedes-Benz, mesmo diante da redução no conteúdo de enxofre que se fez necessária para o correto funcionamento dos dispositivos de controle de emissões que são especificados para as gerações atuais de motores como o Cummins ISB6.7 que foi usado em algumas das últimas versões brasileiras do Ford Cargo. E apesar do enxofre reagir com o níquel contido em algumas ligas metálicas usadas na produção de componentes dos sistemas de combustível totalmente mecânicos que equipam alguns utilitários mais antigos e de certa forma incorporar essa função de lubrificante, é frequente que o óleo diesel com teores elevados de enxofre apresente um índice de cetano mais baixo, e portanto uma propagação da frente de chama nas câmaras de combustão mais lenta resultando numa maior formação daquela mesma fuligem tão associada aos motores Diesel no imaginário do público generalista. No caso específico dos motores Cummins da série B, que na produção brasileira recorriam ao SCR para reduzir os óxidos de nitrogênio (NOx), dispensar o EGR ainda podia soar insuficiente para evitar problemas, tendo em vista a presença do filtro de material particulado (DPF) que também é frequentemente apontado como problemático para a operação com percentuais elevados de biodiesel, tanto que a própria Cummins só certificava para um teor de até 20% (B20) desse combustível alternativo que parecia ser literalmente a salvação da lavoura.
Embora as recentes reduções no teor de biodiesel de 12% para 10% pleiteadas junto ao presidente Jair Bolsonaro por representantes da classe dos caminhoneiros tenham se dado mais por razões econômicas, e também pela falta de garantias quanto à compatibilidade da frota circulante com teores mais altos de biodiesel que até já tinham um cronograma pronto para implementação, seria inoportuno ignorar que os biocombustíveis de um modo geral constituem uma ótima oportunidade para conciliar desenvolvimento econômico e eventualmente proporcionar uma maior estabilidade de custos a exemplo do ocorrido com o ProÁlcool durante o regime militar. Por mais que o álcool/etanol esteja longe de ser um combustível tão eficiente para o transporte pesado, e a infra-estrutura ainda inviabilize uma ampliação do uso do gás natural em caminhões tanto quanto as peculiaridades de algumas aplicações, rechaçar o biodiesel como se fosse totalmente imprestável soa exagerado, especialmente à medida que o óleo diesel convencional ainda é oferecido com teores de enxofre de 10ppm no caso do Diesel S-10 que é indicado para motores Euro-5 e 500ppm no "Diesel S-500 Rodoviário" cuja comercialização dentro dos perímetros urbanos a princípio deveria ter sido proibida. O fato de serem mantidas duas especificações bastante discrepantes de óleo diesel para venda a varejo em postos de combustível até poderia soar como um pretexto válido para que o biodiesel puro (B100) fosse disponibilizado para venda direta e conferir ao consumidor final a oportunidade para fazer a escolha caso a especificação do veículo e as condições operacionais possam ser atendidas satisfatoriamente com o biodiesel puro, a exemplo do que já é observado nos automóveis "flex" com relação à gasolina e ao etanol.
Uma série de fatores leva a alguma rejeição pelo biodiesel, destacando-se a maior retenção de umidade em comparação ao óleo diesel convencional que pode ser problemática para grandes consumidores nas mais diversas atividades tanto em função do período menor que o combustível possa ficar armazenado antes de servir a um caminhão ou trator quanto das condições ambientais no caso de embarcações que ficam ainda mais expostas a índices extremos de umidade e névoa salina, e o risco de desenvolvimento microbial que pode ser atribuído em parte à diminuição dos teores de enxofre, cujas propriedades anti-sépticas permanecem amplamente aproveitadas em diversas especialidades da indústria farmacêutica. O alto custo também é apontado como um problema, mesmo num país como o Brasil que é uma potência no setor agropecuário e tem no cultivo da soja uma atividade de grande importância para a estabilidade da balança comercial, embora uma atenção eventualmente excessiva ao mercado externo com o grão in natura fomente algum ceticismo quanto à capacidade de se desenvolver uma escala de produção maior para derivados de soja incluindo o biodiesel e as mais variadas especialidades petroquímicas altamente requisitadas para uso industrial. Em meio ao atual cenário de rescaldo da crise causada pela deflagração do coronavírus chinês e interferências do embaixador da ditadura comunista chinesa sobre as políticas internas do Brasil, uma simples demonização do biodiesel extensiva a outros biocombustíveis torna-se inoportuna ao lembrarmos de outras soluções como o HVO, produzido a partir de óleos hidrogenados que se costumava usar com maior intensidade na indústria alimentícia sob a denominação genérica de "gorduras trans".

Outro ponto a se levar em consideração é o desenvolvimento dos combustíveis sintéticos produzidos a partir de carbono extraído da atmosfera, que diga-se de passagem vem sendo apresentados como uma esperança contra a imposição de restrições à operação de veículos com motor de combustão interna que acabam fomentando uma demanda artificial para veículos elétricos nos principais mercados mundiais. E mesmo que essa questão da "neutralização do carbono" possa ser atendida satisfatoriamente tanto pelo biodiesel quanto pelo etanol ou ainda pelo biometano, os combustíveis sintéticos oferecem a vantagem de uma compatibilidade total com veículos enquadrados nas mais diversas certificações de emissões, e a implementação das unidades de produção em regiões onde seja mais fácil usar energias renováveis já pode torná-los mais "sustentáveis" a longo prazo que depender de uma usina a carvão para recarregar as baterias de carros elétricos como um JAC iEV20 chinês. Enfim, para não entrar no mérito de como os combustíveis sintéticos podem ser produzidos até a partir de lascas de madeira e praticamente qualquer resíduo agrícola eventualmente inservível para a produção de biodiesel através do processo de Fischer-Tropsch já aplicado em escala comercial pela Sasol usando carvão mineral na África do Sul, convém evitar que uma rejeição ao biodiesel feche os nossos olhos diante de alternativas melhores que ficar mais uma vez refém da China, que agora usa a pauta dos carros elétricos para continuar o dumping e se manter relevante depois de tanto tempo fazendo cópias medíocres de motores convencionais a gasolina ou Diesel.

sexta-feira, 17 de setembro de 2021

Pode a "engorda" dos carros compactos justificar que não se abra mão do Diesel?

Uma característica que reflete a necessidade de atender às diversas condições de uso às quais pode estar sujeito um carro "popular" quando acabe sendo o único no núcleo familiar, ainda mais nítida nos sedans compactos que se firmam como uma das poucas categorias praticamente imunes à canibalização com os SUVs, o tamanho de modelos como o Chevrolet Onix Plus tem alcançado patamares mais semelhantes aos de carros considerados médios de 20 anos atrás. Tendo em vista o foco dessa categoria mais voltado aos mercados ditos "emergentes", onde um modelo médio tradicional já pode ser alçado a uma imagem prestigiosa que contrarie o perfil generalista atribuído nos mercados mais desenvolvidos, até faz sentido que se procure oferecer uma apresentação mais sofisticada dentro do segmento "popular" especialmente considerando como os preços exorbitantes dos carros novos no Brasil tem feito até antigos compradores migrarem para um compacto. Não convém ignorar como a proliferação do turbo junto a motores 1.0 foi decisiva para atrair uma parcela desses consumidores, que ainda viam essa faixa de cilindrada como um tanto insuficiente para atender a um médio propriamente dito.
Tomando por referência a linha Chevrolet, sem ignorar como a excessiva interferência da joint-venture chinesa SAIC-GM causa controvérsias junto a um público que preferia a época do alinhamento à Opel, chama a atenção logo de cara o Onix Plus ser mais comprido, alto e largo que o Astra Sedan da geração produzida no Brasil entre '99 e 2011, embora a distância entre-eixos 14mm maior para o médio raiz seja frequentemente apontada como uma das medidas que mais beneficiam o conforto. Mas é importante ter em mente como as diferenças em posicionamento de mercado tendem a ser usadas como desculpa para a falta de opções Diesel em países onde não se aplicam as mesmas restrições com base nas capacidades de carga e passageiros ou tração ainda em vigor no Brasil, de onde o Astra seguia para alguns destinos de exportação regional com uma opção por motores Isuzu turbodiesel entre 1.7L e 2.0L de procedência polonesa. Diga-se de passagem, o uso de motores relativamente sofisticados (e portanto mais caros) em modelos de proposta "popular" como ainda seria o caso do Onix já abre margem a um questionamento quanto à efetiva dificuldade em amortizar o impacto que um eventual turbodiesel pudesse acarretar ao custo inicial.
É oportuno recordar também como politicagens pretensamente "ecológicas" vem culminando em toda a demonização do motor de combustão interna que se vê na grande mídia, com a caça às bruxas tomando proporções ainda maiores no tocante aos Diesel. Enquanto na época do Astra pouco se especulava sobre as eventuais incompatibilidades de alguns dispositivos de controle de emissões ao uso de combustíveis alternativos como o biodiesel, e até óleos vegetais brutos para os quais era relativamente consolidada a oferta de kits de conversão em alguns países europeus, hoje os filtros de material particuladdo (DPF) já apresentam problemas com biodiesel principalmente em concentrações acima de 20% (B20), e acabam fomentando um ceticismo em torno da viabilidade de substituir o óleo diesel convencional sem ter que fazer uma transição para os combustíveis voláteis como o etanol ou o gás natural mais frequentemente associados à ignição por faísca. Portanto, fica mais fácil deduzir que alguns interesses escusos estejam mais relacionados com o cerco ao Diesel em tempos mais recentes, contrastando com a visão simplória de redução das emissões de dióxido de carbono que se tinha anteriormente e ignorando a utilidade que um bom turbodiesel pode oferecer para auxiliar no fechamento dos ciclos do carbono e do nitrogênio ao operar com combustíveis renováveis.
Com a faixa de tamanho antes tratada como média hoje abrangendo carros compactos, também é o caso de salientar como algumas alegações quanto à disponibilidade de espaço para instalar os dispositivos de controle de emissões atualmente exigíveis para manter o enquadramento nas normas ambientais deixam de fazer tanto sentido. E à medida que a injeção direta deixou de ser exclusividade da linha Diesel entre a época do Astra para ter sido incorporada ao equivalente chinês do Onix Plus nacional, que manteve na motorização turbo o sistema de injeção sequencial nos pórticos de válvula tal qual o motor naturalmente aspirado, o simples fato de serem mensuradas também nos motores a gasolina ou "flex" equipados com injeção direta as emissões de material particulado a partir da Euro-6 e normas regionais equivalentes já torna mais plausível considerar uma eventual competitividade do Diesel. Enfim, além da possibilidade de atender a operadores comerciais no Brasil como taxistas hoje reféns das políticas desastrosas para o gás natural e da sabotagem institucionalizada ao etanol em governos anteriores, o "inchaço" dos carros compactos mais recentes já seria suficiente para manter uma relevância para o Diesel.

quinta-feira, 9 de setembro de 2021

Breve reflexão sobre a Ford e o outsourcing de motores como "muleta"

Já não é novidade que um dos maiores erros da operação brasileira da Ford enquanto ainda fabricava no país foi quanto à linha de motores, e até modelos mundiais como o Escort precisaram recorrer a muletas como o uso dos motores Volkswagen EA827 "AP" tanto a gasolina quanto etanol no âmbito da extinta joint-venture AutoLatina para assegurar um mínimo de competitividade no mercado nacional. No caso específico da geração mais conhecida como Mk.5 entre os fãs da Ford, última a ser fabricada no Brasil entre '92 e '96 antes da transferência da produção para a Argentina, nas regiões que não foram atendidas pela exportação de modelos brasileiros ou argentinos só se usavam motores da própria Ford, inclusive o Endura-D inglês em países onde era permitido oferecer a opção pelo Diesel em veículos leves. Mas francamente, esse motor não era tão maravilhoso, ao ponto que até um motor rústico como o Perkins 4-108 poderia ter sido mais adequado às expectativas de robustez a toda prova que ainda eram a regra aos olhos dos consumidores na década de '90.
Hoje os tempos são outros, e aquela rusticidade que ainda seria facilmente assimilada 25 anos atrás teria poucas chances de se manter competitiva, levando em consideração tanto uma presença massificada do gerenciamento eletrônico quanto do turbo e da injeção direta em motores Diesel veiculares de um modo geral, e portanto o que atenderia bem a um Escort ficaria claramente defasado para um Ka de 3ª geração se tivesse contado com essa mesma opção no Brasil como dispunha na Europa e ainda dispõe na Índia. Vale destacar que no caso do Ka a opção Diesel quando oferecida no mercado europeu era beneficiada por uma cooperação entre a Ford e o grupo PSA Peugeot/Citroën, que deu origem à atual Stellantis após a fusão com a FCA Fiat-Chrysler. Embora esse compartilhamento de motores Diesel entre Ford e grupo PSA fizesse parte de uma estratégia mundial, ao invés de ser um quebra-galho regional para compensar a inércia da Ford diante da necessidade de renovar as linhas de motores a gasolina só a nível de Brasil e Argentina, sem ignorar a importância que inicialmente tiveram os motores a etanol e posteriormente os "flex" no Brasil, não deixa de soar um tanto óbvia uma dependência que a Ford tinha por terceiros para oferecer motores competitivos em alguma circunstância.
E ao contrário do que ainda se observa entre os motores a gasolina ou os flex, ainda é mais fácil levar o público a assimilar um eventual outsourcing no tocante ao Diesel também por influência de aplicações fora do segmento veicular. Tomando por referência o cenário da assistência técnica rural, um serviço de extrema importância para o setor agropecuário brasileiro seguir destacando-se no cenário internacional e dando orgulho ao país, um motor "de trator" ser proveniente de um fornecedor independente não é um empecilho para aceitação junto aos proprietários e operadores de maquinário agrícola, e certamente essa mesma situação seria mais fácil de replicar até num carro compacto que fosse efetivamente direcionado a uma aplicação que venha a se enquadrar mais na busca por economia operacional que em provar uma superioridade dos motores Diesel até eventualmente no tocante ao desempenho. Enfim, considerando os precedentes históricos, não seria totalmente descabido supor que o outsourcing poderia ter permanecido uma boa "muleta" para a Ford no Brasil se as restrições ao uso de motores Diesel em veículos leves fossem derrubadas antes da empresa desistir de produzir carros no país.

sexta-feira, 3 de setembro de 2021

Como pode um Monza hatch exemplificar as distorções em se restringir o uso de motores Diesel com base nas capacidades de carga e passageiros ou tração?

Um dos maiores sonhos de consumo da classe média brasileira durante a década de '80, que chegou até a ser o único carro médio a liderar o ranking de vendas no país por alguns anos, o Monza foi marcante entre outros motivos por ter sido o primeiro Chevrolet brasileiro de motor transversal e tração dianteira, configuração que hoje é a mais habitual nos carros nacionais de todos os fabricantes instalados no país. Lançado em '82, inicialmente na carroceria hatchback que durou até '88 e não recebeu a remodelação da década de '90 destinada ao sedan que permaneceu em produção até '96, acabou chegando num momento em que já vigoravam as restrições ao uso de motores Diesel em veículos leves no Brasil com base nas capacidades de carga e passageiros ou tração. Nada que impedisse a produção de versões com motores Diesel para exportação mas, ao invés de seguir a mesma estratégia do Opel Ascona C europeu que tinha uma versão "dieselizada" do motor Família II de 1.6L que no Brasil foi oferecido nas versões a gasolina ou a etanol (à época denominado simplesmente por álcool), o Monza dispunha principalmente do motor Isuzu 4FB1 de 1.8L que também foi aplicado ao Chevette no Uruguai e até nos Estados Unidos.

Assim como hoje virou moda referir-se a alguns carros usados de luxo como "resto de rico", houve com o Monza um fenômeno parecido quando passou a ser visto como um "carro velho" numa época em que a cultura da preservação de carros antigos com base no valor histórico e cultural era pouco difundida no Brasil. E além de ter permanecido por menos tempo no mercado que o sedan, o Monza hatch ficou mais escasso também porque uma proporção maior de exemplares sucumbia às condições de uso severo para as quais a abertura mais ampla do porta-malas e o banco traseiro rebatível facilitavam a acomodação de cargas mais volumosas e pesadas em algumas utilizações efetivamente profissionais e bastante severas. Na prática, faz algum sentido observar como um carro de concepção mais tradicional e porte médio que ocupava uma posição de destaque junto à classe média tal qual ocorre na atualidade com os SUVs que às vezes dispondo de tração 4X4 ficam aptos a lançar mão de um bom motor turbodiesel, pode oferecer (mais) uma perspectiva para apontar incoerências nas restrições ainda em vigor contra o uso do mesmo tipo de motor em carros mais generalistas.

quinta-feira, 2 de setembro de 2021

Triciclo com trailer: pretexto surpreendente para uma ampla reflexão

Por mais que triciclos baseados num conjunto mecânico da Volkswagen sejam relativamente comuns no Brasil para uso recreativo principalmente em viagens, alguns com o antigo motor boxer refrigerado a ar enquanto outros já contam com refrigeração líquida usando mais frequentemente o EA827 "AP", chama ainda mais a atenção quando um veículo dessa categoria é visto acoplado a um trailer. Naturalmente, só de usar um conjunto mecânico apto a equipar veículos cujo peso bruto total (PBT) já pode exceder com folga um peso bruto total combinado (PBTC) atribuído ao conjunto formado por um triciclo e um trailer compacto como os do tipo teardrop, a princípio resta pouca margem a dúvidas quanto à efetiva aptidão para sustentar uma velocidade de cruzeiro segura em rodovia. Guardadas as devidas proporções, ainda é um bom pretexto para fazer observações acerca das restrições ainda em vigor contra um uso de motores Diesel em veículos leves, que diga-se de passagem também afeta motocicletas e triciclos.

Tendo em vista o predomínio de métodos artesanais e os volumes de produção pequenos na montagem desse tipo de veículo, que se refletem tanto no preço quanto numa maior flexibilidade para incorporar desde acessórios meramente estéticos quanto algum recurso técnico estritamente funcional podendo até ser considerado demasiadamente caro pelo público generalista para aplicação num carro compacto. Ao tratar-se de um veículo "vocacional" e direcionado a um hobby, ao invés de buscar atender às premissas exageradas pelos marqueteiros em torno da tal "mobilidade urbana" recentemente alçada à condição de um mantra pela maioria dos grandes fabricantes tanto de automóveis quanto de motocicletas, também é um contraponto às insistentes narrativas que tentam demonizar os motores de combustão interna de um modo geral. Nesses tempos sombrios em que defender a honestidade e acreditar em Deus são apontados como "discurso de ódio", e alguns setores da mídia vinculados à esquerda insistem em tentar justificar a imposição de ameaças ao direito de ir e vir sob o pretexto de um falso sanitarismo, um debate em torno de triciclos e trailers pode ir além de aspectos estritamente técnicos e ganhar contornos políticos que até poucos anos atrás chamavam menos a atenção do povo brasileiro.

É importante destacar como regulamentações do Ibama basicamente inviabilizavam que se convertesse uma moto para o gás natural antes que a injeção eletrônica tivesse uma maior presença no mercado, e os triciclos por serem considerados assemelhados a motocicleta também sofriam com essa burocracia, bem como a decadência do setor canavieiro levando o etanol a um descrédito após aquele vôo de galinha na época que a Volkswagen introduzia oficialmente um motor flexfuel no Brasil em 2003, e portanto não é nenhuma novidade que a gasolina ainda seja mais usada em triciclos. Mas assim como nos motorhomes baseados em veículos cuja capacidade de carga nominal supere o mínimo de uma tonelada exigido dos modelos de tração simples com acomodações para até 10 pessoas já contando o motorista para garantir o direito de usar um motor Diesel, essa poderia ser uma opção adequada também ao conjunto formado por um triciclo e um trailer de camping ao considerar que a mesma capacidade de reboque também seja aplicável a um implemento destinado especificamente ao transporte de carga, e nesse caso pode ser feita uma analogia com os caminhões tipo cavalo-mecânico quando acoplados a um semi-reboque. Ao invés de eventualmente fomentar uma aquisição de veículos que nem sempre estejam muito de acordo com a personalidade do dono, e possam acabar tendo uma menor eficiência geral em função de um peso morto maior, mesmo conseguindo tracionar trailers de dimensões mais generosas em que pese a exigência de CNH categoria E dependendo do peso tanto só do trailer quanto do conjunto formado com o veículo de tração, enquanto para as motos e os triciclos permaneça exigida somente a CNH categoria A, liberar o uso de motores Diesel sem restrições quanto às capacidades de carga e passageiros ou às configurações dos respectivos sistemas de transmissão pode fazer sentido também para fomentar uma maior demanda pelo biodiesel que pode ter a produção mais regionalizada e melhor integrada às mais diversas vocações agropecuárias ao longo do Brasil.

A cultura motociclística é muito forte no Brasil, como pode ser observado pela adesão às motociatas em apoio ao presidente Jair Bolsonaro reunindo desde profissionais que se valem da motocicleta como uma ferramenta de trabalho até entusiastas que priorizam uma maior aptidão para o uso recreativo de motos e assemelhados. No caso dos triciclos, além de eventualmente agregarem uma versatilidade que se nota por exemplo numa capacidade de reboque que venha a ser especificada, acabam constituindo ainda uma plataforma mais viável para ir além da tradicional receita dos motores Volkswagen a gasolina, etanol ou flex, sendo mais fácil arranjar um espacinho para acomodar um filtro de material particulado ou até um sistema SCR em comparação a uma moto. Enfim, mesmo que num primeiro momento esse aspecto até possa passar despercebido, um triciclo custom com motor Volkswagen pode ser um bom pretexto para defender uma "dieselização", principalmente quando acoplado a um trailer de camping...