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terça-feira, 27 de maio de 2025

Favorecimento aos veículos 4X4 para fins de homologação como utilitário: até que ponto restringiu a pauta da liberação do Diesel em veículos leves?

Um aspecto que às vezes passa despercebido, o favorecimento aos veículos com tração 4X4 para fins de homologação como utilitários mesmo com capacidade de carga abaixo de uma tonelada e acomodações para menos de 9 passageiros além do motorista naturalmente chama a atenção, especialmente à medida que alguns veículos hoje antigos como um Jeep CJ-5 chegam a ser mais compactos por fora que muitos carros modernos, até mesmo os "populares". Tendo em vista o próprio custo adicional de um sistema de tração 4X4, que em outros momentos os tornava mais favorecidos tanto por uma parte mais específica do público interiorano que usava veículos com essa configuração em usos efetivamente profissionais, e também as forças militares para as quais até a regulamentação que permitia a homologação de veículos 4X4 chegou a tomar por base o Jeep CJ-5 mesmo que o modelo nunca tenha sido oferecido com a opção por motor Diesel original de fábrica no Brasil, chama ainda mais a atenção diante da antiga prevalência de veículos de tração simples nas mais diversas aplicações utilitárias/comerciais, a ponto de ainda ter sido comum até a década de '90 que sacos de areia semelhantes aos usados para treinamento de artes marciais fossem oferecidos comercialmente com a função de servir de lastro para as pick-ups de motor dianteiro e tração traseira terem um melhor assentamento do eixo motriz em trechos sem pavimentação. Vale lembrar que essa situação do Brasil destoava de outros países onde a imposição de sobretaxas aos veículos 4X4 foi insuficiente para desenvolver uma cultura distinta em torno do Jeep, como as Filipinas onde por muitas décadas a produção local de derivados baseados no Willys MB da época da II Guerra Mundial tanto para uso privado (OTJ - owner-type Jeep) quanto para transporte de passageiros (PUJ - public utility Jeep) mas com tração somente traseira chegou a ser uma das representações mais comuns em iconografias sobre a cultura filipina por algumas décadas.

Naturalmente a própria situação política em meio ao Milagre Econômico Brasileiro no regime militar e o fomento à substituição da gasolina pelo álcool/etanol, bem como o antigo predomínio da Volkswagen no mercado de veículos quando Fusca e Kombi ainda eram as principais referências, foram pouco ou nada convidativos até para outros fabricantes estrangeiros de veículos e motores com operação no Brasil como a Mercedes-Benz e a Perkins oferecerem localmente opções de motores Diesel de alta rotação que fabricavam em outros países e poderiam ter atendido a veículos leves com mais facilidade que motores "de trator" adaptados às pressas para uso em pick-ups full-size de projeto americano. Lembrando que o próprio Jeep CJ-5 chegou a ser oferecido entre os anos de 1961 a 1965 com a opção pelo motor Diesel Perkins 4-192 de 3.1L nos Estados Unidos, enquanto no Brasil o motor Perkins 4-203 de 3.3L foi usado só na Pick-Up Willys e na Rural opcionalmente a partir de 1962 para já sair de catálogo em 1964, e na Espanha motores Perkins 4-108 de 1.8L e 4-165 de 2.7L atenderam a diversos modelos Viasa-Jeep entre as décadas de '60 e '80 com sucesso a ponto de terem eliminado as opções de motores a gasolina, ainda que diferentes circunstâncias políticas, e mais especificamente no caso da Espanha toda uma cultura que foi desenvolvida em torno dos motores Diesel desde princípios do século passado até o rescaldo da Guerra Civil Espanhola tenham levado desde fabricantes 100% espanhóis como Barreiros e Matacás até players internacionais como Perkins e Mercedes-Benz que operavam joint-ventures com empresas como Motor Ibérica e IMOSA a terem oferecido opções tanto de motores para repotenciamentos em veículos originalmente movidos a gasolina quanto disponibilizado motores para versões espanholas de modelos que às vezes nem sequer tinham tal opção em outros mercados. E mesmo que a partida a frio de motores Diesel também pudesse ter algum grau de dificuldade, quando chegaram as primeiras crises do petróleo que motivou o regime militar brasileiro a instituir o ProÁlcool já eram conhecidas soluções para esse problema com relação aos motores Diesel até em países de clima frio do hemisfério norte, e algumas até poderiam ter sido mais úteis no Brasil com o álcool/etanol que o tanque auxiliar de gasolina para partida a frio que só foi abolido dos modelos flex modernos em 2022.

Até tendo em vista a forma como veículos 4X4 deixaram de ser vistos como algo inerentemente rústico e destinado tão somente ao público interiorano ou a operadores profissionais muito específicos que vão de forças militares a serviços de manutenção de infraestruturas, sendo alçados à condição de veículos de lazer em atividades off-road recreativas com alguns modelos modernos trazendo tal característica como se fosse um luxo, ou uma concessão à "Lei de Gérson" para assegurar o direito ao uso de motor Diesel que as restrições baseadas nas capacidades de carga e passageiros ou tração implementadas em '76 no Brasil visavam evitar para assegurar o suprimento de combustível para aplicações utilitárias, é evidente que a atual moda de SUV contrastando com a austeridade de um Jeep Willys clássico pode levar a crer que uma liberação do Diesel em veículos leves seja irrelevante para uma parte do público que disponha de uma capacidade financeira confortável para migrar de um sedã para um SUV ou pick-up 4X4. Ainda que a ascensão de dispositivos de controle de emissões como os filtros de material particulado (DPF) ou o SCR agregou um custo mais difícil de amortizar em segmentos mais austeros, nos quais uma presença da tração 4X4 costuma ser tratada como impraticável pelo tema do custo e complexidade técnica assim como na maioria das pick-ups brasileiras antigas, é claramente um contra-senso impedir o acesso à opção de motores turbodiesel que poderiam servir de pretexto para fomentar o biodiesel como resposta a uma descredibilização do etanol e ao alto custo e complexidade de conversões para gás natural ainda apreciada por alguns taxistas e por motoristas de aplicativo. Enfim, mesmo havendo outros fatores que também atrapalham a pauta da liberação do Diesel, a desvirtuação de função da norma que permitiu a veículos como o Jeep um eventual repotenciamento com motores Diesel por serem utilitários ainda tem reflexos na atualidade, com cowboys de apartamento usando pick-ups como um carro de luxo enquanto motoristas profissionais ficam reféns da gasolina ou das limitações atribuídas ao etanol e ao gás natural.

quinta-feira, 22 de maio de 2025

Caso para reflexão: Chevrolet Montana de 2ª geração e a estupidez de se restringir o direito ao uso de motores Diesel pela capacidade de carga

Mesmo surgida já quando pick-ups compactas estavam consolidadas junto a um público essencialmente recreativo, a 2ª geração da Chevrolet Montana que foi produzida entre os anos-modelo 2011 e 2021 teve certo sucesso junto a operadores estritamente profissionais, tanto no Brasil quanto em alguns destinos de exportação como a África do Sul, onde vale destacar teve uma distinção ao ter sido a última pick-up Chevrolet vendida oficialmente antes da desastrosa retirada da GM da África do Sul e da Índia entre o final de 2017 e o início de 2018. Oferecida só com cabine simples, embora o efeito estético das janelas auxiliares atrás das portas sugerisse uma cabine estendida, tinha uma concepção geral bastante austera, e a princípio podia remeter ao menos em parte à estética do conceito GMC Bare Necessities Truck que foi apresentado em 2009, e com uma concepção mecânica modesta de acordo com o que se costumava oferecer entre as pick-ups compactas brasileiras do período em que foi lançada. Enquanto um motor 1.4 flex a gasolina e álcool/etanol era o único oferecido no Brasil, sendo disponível também em versão só a gasolina para exportação juntamente com o 1.8 a gasolina e opções turbodiesel que podiam ser o 1.7 de origem Isuzu ou o 1.3 proveniente da Fiat de acordo com os anos de fabricação, o câmbio era manual de 5 marchas e a tração simples dianteira, característica que com a capacidade de carga de 735kg a deixava de fora da classificação como utilitário para fins de homologação e uso de motor Diesel no Brasil, o que restringiria uma parte dos operadores comerciais a terem que se conformar com o etanol ou com alguma conversão para gás natural que comprometeria ainda mais a capacidade de carga.

Naturalmente até a tração dianteira eventualmente ainda enfrentasse certa resistência junto a uma parte mais conservadora do público de pick-ups, especialmente em classes acima das compactas onde ainda é mais comum uma concepção mais tradicional com o chassi separado da carroceria e motor longitudinal com tração traseira ou a opção pela tração 4X4, embora o custo de utilitários maiores já favorecesse os modelos menores especialmente em serviços onde uma capacidade de incursão off-road fosse mais um luxo que uma efetiva necessidade. Diferentes perfis de uso das pick-ups em cada região também levam a algumas discrepâncias quanto às capacidades de carga homologadas, tendo até sido bastante comum que alguns modelos médios na especificação americana e similares de fabricação brasileira ou argentina mantivessem nas versões a gasolina capacidades de carga nominal igualmente abaixo do mínimo que se exige para homologação como utilitário para poder usar motor Diesel no Brasil, e as versões Diesel que foram oferecidas especificamente para a América Latina fossem ajustadas para atender a esse patamar arbitrário, sem que isso significasse que as versões a gasolina ou flex fossem de fato inservíveis para fins profissionais. Enfim, por mais que o mercado de pick-ups tenha sofrido uma série de distorções ao longo das últimas 3 décadas, e alguns modelos oficialmente reconhecidos como utilitários passassem a ser tratados como artigo de luxo até pela classe média urbana, restringir arbitrariamente o direito ao uso de um motor Diesel com base na capacidade de carga é uma medida cada vez mais contraproducente.

sexta-feira, 16 de maio de 2025

Honda Ridgeline: a falta de uma opção turbodiesel atrapalha mais a internacionalização que a ausência da opção de cabine simples?

Desenvolvida inicialmente sob a premissa de atender a uma parte muito específica de 18% da clientela da Honda nos Estados Unidos que também tinha ao menos uma pick-up em casa, conforme estatísticas do início dos anos 2000, a Honda Ridgeline teve a primeira geração lançada em 2005, substituída em 2016 pela atual que já incorpora uma aparência até certo ponto mais conservadora para os padrões das pick-ups médias e recebendo um ligeiro facelift em 2021. E apesar da configuração de motor transversal parecer pouco ortodoxa para uma pick-uo média, especialmente lembrando que até o ano-modelo 2021 as versões básicas tinham tração simples dianteira enquanto a tração 4X4 era opcional, ter sempre usado só um motor V6 a gasolina naturalmente aspirado acabava enfatizando um aspecto bastante conservador quanto à motorização para os padrões da categoria, além do mais agora que outras pick-ups médias para os Estados Unidos já estão oferecendo motores com 4 cilindros e turbo também a gasolina. E apesar do modelo apresentar um perfil mais essencialmente recreativo, situação que fica ainda mais nítida quando a Honda Ridgeline é oferecida em outros mercados fora dos Estados Unidos como o Uruguai onde uma maior presença de concorrentes otimizados também para usos profissionais mais pesados, bem como a maior presença de motores turbodiesel para as pick-ups médias na maioria dos mercados internacionais, é de se esperar que diferentes fatores influenciem na percepção de uma aptidão para ampliar a presença mundial desse modelo, e naturalmente convém analisar outros aspectos como opções de cabine também.
Até pelo perfil mais recreativo ou ainda familiar ao qual a Honda Ridgeline foi direcionada, enfatizado por apresentar somente a cabine dupla em todas as versões, mesmo em alguns países mais receptivos às pick-ups com motorização turbodiesel, dispor somente de um motor V6 de 3.5L a gasolina talvez possa parecer o menor dos problemas para uma maior aceitação junto a uma clientela com perfil parecido em outras regiões, pese o custo dos combustíveis que historicamente costuma balizar uma preferência pelo Diesel a exemplo do que acontece no Brasil também junto a um público que já usa caminhonetes como se fossem um carro normal. Até pelas restrições ainda em vigor ao uso de motores Diesel de acordo com as capacidades de carga e passageiros ou tração, e nesse caso uma equivalência da relação da 1ª marcha com uma "reduzida" pudesse fazer uma Ridgeline ser considerada utilitário para fins de homologação no Brasil e permitir o uso de um motor turbodiesel competitivo, uma parte expressiva de quem compra pick-ups e SUVs no mercado brasileiro optava pelos 4X4 como uma "Lei de Gérson" para poder usar óleo diesel convencional subsidiado, situação que tem sido mais questionada à medida que as gerações de sistemas de controle de emissões como o filtro de material particulado (DPF) e catalisadores SCR agregam uma complexidade às rotinas de manutenção que só pareceria mais fácil de justificar no caso de um veículo de uso estritamente profissional cuja própria operação amortize os custos associados. No fim das contas, considerando que algumas aplicações estritamente profissionais acabariam requerendo a cabine simples e um motor turbodiesel simultaneamente, a princípio a ausência de um motor turbodiesel ainda seria um fator determinante para limitar a presença global da Honda Ridgeline tanto ou mais que a ausência da opção pela cabine simples, que isoladamente ainda seria insuficiente para atrair à maioria dos operadores estritamente comerciais caso tivessem que arcar com o consumo de um motor V6 a gasolina e cuja presença da injeção direta dificultaria a conversão para o gás natural por exemplo...

terça-feira, 15 de abril de 2025

Gás natural: pode atender bem a algumas condições operacionais, mas longe de ser um substituto adequado a todas as circunstâncias para o óleo diesel convencional

Após experiências com o etanol tanto no Brasil quanto na Suécia, a Scania parece ter ficado convencida a priorizar o gás natural como eventual substitutivo para o óleo diesel convencional, já podendo até ser vistos caminhões Scania movidos a gás natural pelas estradas brasileiras com relativa facilidade. Porém, vale destacar que essa aposta no gás natural nunca foi encarada como pretexto para ignorar uma aptidão superior dos motores Diesel em algumas aplicações mais específicas, entre as quais viaturas militares e de serviços de emergência para os quais o peso e volume dos reservatórios de gás natural a bordo é um empecilho e uma dificuldade para acessar suprimentos do combustível com a rapidez necessária possa impossibilitar a implementação, lembrando que a Scania também oferece motores compatíveis até com o biodiesel puro (B100) além do óleo diesel convencional e portanto uma transição para combustíveis alternativos permanece tecnicamente viável. Naturalmente, alguns operadores podem ser favoráveis ao gás natural por diferentes fatores, indo desde metas de redução ou neutralização de emissões alinhadas à pauta ESG até um acesso mais fácil ao gás em rotas regionais com itinerários fixos, passando também por considerações quanto à maior simplicidade dos sistemas de pós-tratamento de gases de escape para os motores de ignição por faísca aptos ao uso do gás natural ou do biogás/biometano.

A mais substancial diferença de um motor a gás natural em um caminhão é recorrer ao ciclo Otto, como em veículos leves a gasolina ou os flex também aptos a operar com etanol, embora predomine o uso do gás natural sem provisões para um eventual uso emergencial de gasolina ou etanol, e portanto as rotas a serem atendidas com um caminhão a gás devem ser muito bem planejadas para assegurar o suprimento do combustível, em contraste com os caminhões mais convencionais movidos a óleo diesel que contam tanto com a maior facilidade do manejo de um combustível líquido quanto uma maior disponibilidade nos postos de abastecimento mesmo mais distante dos principais eixos rodoviários. Naturalmente seria rechaçado o uso da gasolina tanto devido à menor densidade energética em comparação ao óleo diesel quanto pela principal motivação para a implementação do gás natural em caminhões ter a ver com uma alegada "sustentabilidade", nesse caso favorecendo especialmente o biogás/biometano que pode ser obtido em aterros sanitários ou em estações de tratamento de efluentes, e até alguns resíduos gerados na atividade agropecuária podem ser úteis como matéria-prima para uma produção integrada de fertilizante agrícola orgânico e gás combustível. Já com relação ao etanol, outro fator a considerar é o gás natural apresentar menos intercorrências para a partida a frio por já ser injetado na fase de vapor, além de ter uma resistência ainda melhor à pré-ignição mesmo com uma mistura ar/combustível mais pobre como é mais comum nos motores Diesel e portanto fomenta uma aceitação mais fácil junto a alguns operadores.

Convém lembrar também que o gás natural ainda é frequentemente usado na síntese de uréia industrial, que pelo grau elevado de pureza é usada na formulação do fluido-padrão AdBlue/ARLA-32/ARNOx-32 aplicado pelo sistema SCR para controle das emissões de óxidos de nitrogênio (NOx) em praticamente todos os motores turbodiesel modernos, de modo que para alguns operadores que possam conciliar uma instalação mais pesada e volumosa do sistema de combustível o uso direto do gás natural pode até fazer mais sentido simplesmente por evitar o gasto de energia para a produção de outro insumo. O controle de emissões de NOx em motores de ignição por faísca estando mais frequentemente associado a métodos como a recirculação de gases de escape (EGR) para reduzir a concentração total de oxigênio na carga de admissão, tal qual ocorreria com uma mistura ar/combustível mais rica, também já chegou a ter alguma aplicação em motores turbodiesel entre as vigências das normas Euro-4 e Euro-5, mas perdeu espaço em motores para veículos pesados a partir da Euro-6 tanto pelo maior impacto sobre a eficiência geral quanto por causar uma saturação mais rápida do filtro de material particulado (DPF), e mesmo que em motores leves do ciclo Otto uma maior massificação da injeção direta ao longo da última década tenha levado à necessidade de também incorporar filtros de material particulado esses tendem a ser ausentes em motores movidos exclusivamente a gás natural. E como motores do ciclo Otto ainda costumam ter taxas de compressão mais conservadoras mesmo ao usar somente o gás natural, e com esse combustível ainda predomine a injeção sequencial no coletor de admissão em vez da injeção direta, uma vaporização sempre mais completa em comparação tanto ao óleo diesel e outros combustíveis pesados que possam ser usados como substitutivos quanto a combustíveis líquidos voláteis como a gasolina e o etanol cuja vaporização tende a ser mais difícil em associação à injeção direta faz com que alguns operadores sejam facilmente convencidos a incorporar o gás natural, e o biogás/biometano caso as condições operacionais proporcionem fácil acesso a esse combustível para atender a metas de neutralização de emissões.

É natural que diferentes condições operacionais possam ser desafiadoras, e historicamente os motores Diesel tenham sido os que melhor demonstraram aptidões para atender às mais variadas necessidades do transporte pesado e também em serviços especializados, de modo que tentar apresentar exclusivamente uma opção como substitutivo possa se revelar insuficiente na prática, e assim uma aplicabilidade do gás natural ou do biogás/biometano facilmente integrável a rotas regionais com itinerários rígidos esteja distante de atender às condições um tanto imprevisíveis para as quais uma viatura de bombeiros precise estar de prontidão. Deixar-se levar por uma histeria travestida de preocupação com o meio-ambiente, e abrir mão de opções mais eficientes para conciliar uma almejada "sustentabilidade" com a capacidade operacional em condições extremas, pode resultar em problemas que seriam facilmente evitáveis usando o bom senso, e para os quais qualquer falsa solução que seja apresentada alcance um custo incalculável. Enfim, por mais que alguma lógica possa dar a entender que o gás natural seja um combustível próximo da perfeição no tocante a aspectos como uma combustão eficiente e uma facilidade no pós-tratamento dos gases de escape, e haja viabilidade técnica para usar também o biogás/biometano e agregar valor a subprodutos da atividade agropecuária, de fato o gás natural pode atender bem a algumas condições operacionais, mas está longe de ser efetivo para substituir totalmente o óleo diesel convencional.

quarta-feira, 26 de março de 2025

Alteração no teor de etanol adicionado à gasolina no Brasil: ainda mais prejudicial ao turismo regional

Numa daquelas medidas politiqueiras sem nenhum embasamento técnico realista, o aumento na mistura obrigatória de etanol anidro à gasolina no Brasil dos atuais 27% (E27) para 30% (E30) tem sido tratado por uma parte chapa-branca da mídia como uma medida que possa ser benéfica, sob uma falsa alegação de "sustentabilidade" pelo etanol ter as emissões de dióxido de carbono (CO²) totalmente neutralizadas durante o crescimento dos cultivares usados na produção desse biocombustível, e também a expectativa por uma redução do preço por litro da gasolina no varejo. Pelo visto, os defensores dessa infeliz medida esquecem que o etanol também acaba sendo cotado em dólar por ser uma commodity, tal qual o açúcar que também é produzido majoritariamente a partir da cana-de-açúcar no caso do Brasil e o milho que é o principal insumo para a produção de etanol nos Estados Unidos mas já usado na produção de etanol no Brasil com destaque para Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e em menor proporção no Paraná e até em São Paulo e Alagoas. Instituições outrora respeitadas como o Instituto Mauá de Tecnologia até anunciaram resultados de testes preliminares com os quais endossam esse incremento na proporção do etanol na gasolina brasileira, o que é questionável tanto pela metodologia confusa quanto pela falta de um maior rigor quanto a efeitos potencialmente nocivos a longo prazo em motores sem preparação para suportar teores de etanol muito além de 5 a 15% que costumam ser mais comuns em outros países.

No caso específico do Brasil, onde a discrepância no conteúdo de etanol na gasolina tem historicamente sido controverso também pelas dificuldades em adaptar carros importados às condições locais, apesar da ascensão da injeção eletrônica ao longo das últimas 3 décadas e que já alcançou até as motocicletas dar a entender que uma capacidade de correção em tempo real da mistura ar/combustível e do avanço da ignição de acordo com a velocidade de propagação de chama de diferentes especificações da gasolina, e causado temor a alguns turistas estrangeiros que viajam rumo ao Brasil com veículos próprios. Além do mais, em testes de homologação que costumam ser conduzidos pela Cetesb para aprovação de veículos novos à venda no Brasil e homologação do consumo de combustível junto ao Inmetro, ainda é utilizada gasolina com somente 22% de etanol (E22) já impossível de encontrar nos postos brasileiros há mais de 20 anos, e portanto sem condizer com a realidade tendo em vista que até a gasolina Podium disponível só em alguns postos de bandeira BR/Petrobras foi a única a permanecer com o também demasiadamente elevado teor de 25% de etanol (E25) e preços estratosféricos. Convém recordar que o etanol tem menor poder calorífico (quantidade de energia por litro) que a gasolina, de modo que um aumento na mistura à gasolina vai naturalmente resultar em aumento do consumo de combustível, e portanto a previsão de um preço menor passe longe de proporcionar uma redução efetiva em despesas com o combustível durante um mesmo trajeto para o qual a gasolina brasileira ainda com 27% de etanol já é problemática.

Sendo também comum a presença de turistas estrangeiros no Brasil, principalmente durante o verão, já é frequente alguns veículos de residentes no exterior apresentarem inconsistências no desempenho em função dos ajustes a serem feitos pela injeção e ignição eletrônicas em motores a gasolina no intuito de proteger o motor contra maiores danos na falta de mapeamentos de injeção e ignição que permitam ao motor reconhecer especificamente alterações no teor de etanol, mesmo que as tecnologias mais recentes da injeção eletrônica com sensores de oxigênio (sonda Lambda) tanto sequencial no coletor de admissão como a injeção direta hoje muito usada em motores turbo a exemplo do Ecoboost da Ford F-150 Raptor seja basicamente a mesma que viabilizou os carros flex hoje à venda principalmente no Brasil. Valendo lembrar que o teor excessivo de etanol adicionado à gasolina brasileira fomenta um descrédito e até uma antipatia ao uso direto do etanol hidratado puro como combustível nos veículos flex, mesmo na safra da cana que é quando o preço por litro do etanol no varejo fica mais convidativo também nas regiões onde falta uma produção mais expressiva desse biocombustível, além da principal temporada turística durante o verão com uma presença mais significativa de turistas estrangeiros rumo ao litoral brasileiro coincidir com a safra da cana que vai de novembro a março, seria até mais lógico que o teor de etanol na gasolina fosse menor, e uma maior parte da produção do etanol direcionada ao hidratado para uso direto nos flex, o que seria vantajoso para todos e poderia ser um primeiro passo para recuperar uma credibilidade que o etanol perdeu a partir da safra '89-'90 quando houve um maior direcionamento da cana para a produção do açúcar devido às cotações mais favoráveis para exportação.

Enquanto motores a gasolina e por extensão os flex vinham sendo apontados como mais simples que os turbodiesel modernos, sobretudo pela maior simplicidade nos sistemas de pós-tratamento dos gases de escape que também podem apresentar incompatibilidades com altos teores de enxofre na gasolina e no óleo diesel convencional, e até especificamente com o biodiesel no caso de motores Diesel com filtro de material particulado (DPF) e o EGR que causaram muitos problemas para alguns brasileiros que foram com veículos modernos de motor Diesel em países vizinhos com uma regulamentação mais leniente de emissões, o Brasil desgovernado corre o risco de ter escancarada a condição de republiqueta de bananas com o teor de etanol de 30% sendo implementado na gasolina. Alguns medíocres que se acomodaram diante da ascensão dos carros flex no Brasil, lembrando que permanecem as restrições ao uso de motor Diesel em veículos leves e até o gás natural está mais difícil de integrar a alguns motores flex modernos por causa da ascensão da injeção direta em meio ao downsizing, e mesmo o Brasil ainda sendo o maior produtor de automóveis e utilitários leves na América do Sul a "diplomacia do etanol" já foi provada um fracasso em outras ocasiões. Enfim, além de ser problemática para quem opta por um carro importado, e em proporção ainda para quem por estrita necessidade usa um carro "velho" sem ser flex ou uma moto, a alteração do teor de etanol à gasolina tem tudo para ser um duro golpe contra o turismo regional.

sexta-feira, 7 de março de 2025

Híbridos em série: poderiam eventualmente justificar um uso de turbinas a gás na propulsão automotiva?

Em meio a uma injustificável demonização que vem sendo promovida contra os motores de combustão interna de um modo geral, mas ainda com uma maior intensidade contra o Diesel a ponto de modelos como o Nissan X-Trail ter perdido a opção pelos motores turbodiesel na 4ª geração enquanto a opção híbrida tem um sistema de propulsão mais semelhante ao de algumas locomotivas e navios valendo-se do motor de combustão interna somente para acionar um gerador a bordo enquanto motores elétricos tracionam as rodas, o regime de operação em rotação constante mais característico de equipamentos estacionários e que também é observado em motores aeronáuticos fomenta questionamentos quanto a uma possibilidade de recorrer a turbinas a gás para o acionamento do gerador. Experiências anteriores com o uso de turbinas a gás para tração direta já chegaram a ser testados, tanto em protótipos voltados a um uso mais normal quanto em competições esportivas, embora tenha sido demonstrada uma inaptidão aos regimes de rotação mais intermitentes que os motores convencionais tanto de ignição por faísca quanto Diesel podem operar com mais desenvoltura. Naturalmente algumas condições mais específicas das turbinas a gás podem dificultar a implementação, principalmente o gerenciamento térmico tendo em vista as temperaturas dos gases de escape costumeiramente mais extremas efetivamente inviabilizando o recurso à recirculação de gases de escape através de um sistema EGR para diminuir a formação dos óxidos de nitrogênio (NOx), e também a integração com outros sistemas embarcados substancialmente diferentes entre um automóvel e uma aeronave ou até um tanque de guerra.
Embora uma turbina a gás, apesar do nome sugerir que funcionasse só com combustíveis gasosos, opere com qualquer combustível que possa ser vaporizado abrangendo desde gasolina e etanol até óleo diesel e substitutivos tão diversos quanto o biodiesel ou óleos vegetais, passando obviamente pelo querosene de aviação que também acaba sendo muito utilizado em veículos e equipamentos militares com motor Diesel para simplificação da logística em campos de batalha, o gerenciamento térmico e implementação de métodos para controle de emissões tendem a ficar demasiado complexos no espaço mais restrito que um automóvel vá disponibilizar comparado a um avião ou um grande navio. Proporcionalmente, ficaria mais adequado a aplicações de porte maior que o de um carro ou SUV de proposta generalista, mesmo considerando eventualmente até um uso de ar sangrado do compressor para um sistema de climatização por ciclo de ar como o de grandes aviões comerciais em vez do sistema de ar condicionado por ciclo de vapor normalmente usado em automóveis. Enfim, mesmo que uma aparente simplicidade atribuída às turbinas a gás pudesse as favorecer também no tocante à manutenção devido a uma menor quantidade de peças móveis, especialmente se fossem usados compressores centrífugos por serem mais simples e terem semelhança com o que se vê nos turbocompressores já massificados tanto em motores do ciclo Otto, especificidades de cada tipo de motor podem fazer com que uma percebida vantagem do menor peso e volume de turbinas a gás poderia ser anulado por uma parafernália de controle de emissões ainda mais complexa que a já observada em automóveis e utilitários.

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2025

Caso para reflexão: Fiat Strada e a ascensão do downsizing junto à ignição por faísca como um falso pretexto para ignorar eventuais preferências pelo Diesel

Um modelo que certamente é emblemático quando são abordadas as evoluções das décadas recentes no tocante aos motores Diesel leves, a Fiat Strada da primeira geração produzida entre '98 e 2020 chegou a contar com tal opção para atender a mercados de exportação, desde o 1.9 que ainda dispunha de injeção indireta e aspiração atmosférica e o 1.7 turbodiesel com injeção indireta até os 1.3 e 1.9 turbodiesel que já contavam com injeção direta common-rail gerenciada eletronicamente. No caso do Brasil, em função de regulamentações extremamente restritivas que impediram a venda de versões Diesel tão somente por conta das capacidades de carga e passageiros e da tração simples, prevaleceu a ignição por faísca, tanto em versões só a gasolina e apenas uma rara versão do antigo motor 1.5 Fiasa só a álcool que acabariam dando lugar às versões flex já a partir de 2004, enquanto para exportação a oferta de motores a gasolina variava de acordo com as regiões onde o modelo foi oferecido. No caso da Europa, onde se observava a clara preferência pelo Diesel no mercado de veículos utilitários, a única opção a gasolina costumava ser o menor motor disponível na linha, situação que de certa forma reforçava uma posição de "prestígio" do turbodiesel que estivesse disponível em simultâneo, embora em países como a Argentina ou o Paraguai nunca tenha sido nenhum problema o motor 1.3 Multijet turbodiesel ter cilindrada menor que o e.Torq 1.8 a gasolina quando ambos eram oferecidos em configurações de exportação para a versão Adventure.
Se na geração anterior prevalecia a aspiração atmosférica nos motores de ignição por faísca, enquanto o turbo e a injeção direta ficaram claramente consolidados entre adeptos dos motores Diesel, atualmente a disseminação do downsizing que fez um motor 1.8 como o antigo e.Torq perder espaço para uma versão 1.0 turbo flex do GSE/Firefly introduzida em 2023 para o ano-modelo 2024 pode ser equivocadamente apontada como um pretexto para ignorar eventuais preferências de uma parte até bastante conservadora do público por um turbodiesel, que o 1.3 Multijet ainda poderia atender confortavelmente caso estivesse ainda em produção. Naturalmente um comodismo em torno da aparente simplicidade que hoje tem sido atribuída com maior frequência à ignição por faísca, somada à maior facilidade para partida a frio com o álcool/etanol tanto no Firefly 1.3 atmosférico em função de um pré-aquecimento do combustível nas versões flex à venda no Brasil quanto no 1.0 turbo flex por conta da injeção direta, até poderiam levar a crer que uma disponibilidade do motor turbodiesel ficasse redundante, e também o uso do sistema SCR para controle dos óxidos de nitrogênio (NOx) que tem sido inevitável nos motores turbodiesel diante do recrudescimento das normas de emissões acabaria sendo outro aspecto difícil para uma parte do público assimilar tão facilmente. Tendo em vista ainda haver operadores profissionais, para os quais ainda possa haver o apelo de padronizar um único combustível em veículos de diferentes categorias ou maquinário especializado mesmo necessitando do fluido-padrão AdBlue/ARLA-32/ARNOx-32 para o sistema SCR funcionar satisfatoriamente, o motor 1.0 turbo flex ter um pouco mais de potência e um torque próximo ao da última especificação do 1.3 Multijet passa longe de ser um motivo totalmente coerente para tratar o downsizing associado à ignição por faísca como única opção viável, além do mais que a injeção direta em motores de ignição por faísca mais recentes vem sendo apontada como empecilho para um eventual sucesso de conversões para o gás natural que já é frequentemente tratado como alternativa para reduzir uma dependência pelo óleo diesel convencional e também pelo biodiesel em utilitários pesados como caminhões e ônibus.
Em diferentes momentos históricos, a aparente "desvantagem" dos motores Diesel no tocante à potência e torque específicos (proporcionalmente à cilindrada) era solenemente ignorada por aqueles operadores com um perfil mais tradicional, mais apegados à economia de combustível esperada dos motores Diesel na comparação aos concorrentes de ignição por faísca, e portanto a maior aceitação do downsizing entre os motores de ignição por faísca na atualidade acaba basicamente replicando aquele contexto quando os motores Diesel atmosféricos terem cilindrada maior que os de ignição por faísca também atmosféricos e em faixas de potência ou torque o mais diretamente comparáveis possível era absolutamente normal. As diferentes regulamentações quanto à incidência de impostos atrelada à cilindrada talvez desfavoreçam o Diesel até mais que a percepção de inconvenientes práticos como a necessidade de repor o AdBlue para o SCR funcionar, ou ainda o maior custo inicial que ainda tende a ser mais frequente nos veículos leves onde o uso em veículos sem distinção por capacidades de carga e passageiros ou tração é permitido, e a obsessão de uma parte dos gestores dos principais fabricantes de veículos pelos sistemas híbridos como a própria Fiat já oferece em outros modelos equipados com o mesmo motor Firefly 1.0 turbo flex usado na Strada. Enfim, apesar de circunstâncias mais políticas que estritamente técnicas darem mais destaque ao downsizing associado à ignição por faísca, permanece incoerente tratar como pretexto válido para a eventual preferência de uma parte do público pelo Diesel passar a ser solenemente ignorada.

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2025

Triciclos: mesmo que pudessem ser favorecidos pela restrição ao Diesel em automóveis, seguem desfavorecidos culturalmente no Brasil

Um país como o Brasil às vezes apresenta situações difíceis de explicar para muitos estrangeiros, ou até mesmo entre brasileiros podem surgir observações quanto a peculiaridades relacionadas aos temas mais variados, e o mercado de veículos motorizados proporciona perspectivas inusitadas para avaliar os mais diferentes cenários e como eventualmente uma solução técnica específica pareça ser pouca aproveitada frente aos benefícios que seja capaz de oferecer. O caso dos pequenos triciclos utilitários, desde antigos modelos configurados de fábrica como tal e baseados em projetos italianos como o Lambrecar derivado da Lambretta até adaptações feitas a partir da Honda CG, é um daqueles que poderiam ser considerados até uma eventual reação diante das arbitrárias e obsoletas restrições ao uso de motores Diesel tanto em carros quanto em caminhonetes e outros utilitários compactos. Percepções um tanto equivocadas acerca do tamanho do motor como se fosse o aspecto mais determinante para alcançar a economia operacional, especialmente destacados pela proporção entre motores de carros "populares" e os que equipam alguma motocicleta ou assemelhado com proposta declaradamente utilitária, certamente poderiam exercer uma influência até junto a uma parcela do público generalista, bem como uma manobrabilidade em espaços exíguos que possa ser atribuída à maioria dos modelos dessa categoria.
Talvez a indústria motociclística ter sido considerada menos prioritária no âmbito político quando ainda começava a ganhar espaço a fabricação brasileira de automóveis e principalmente de caminhões durante o governo JK, sendo inegável uma grande influência técnica dos então maiores fabricantes de veículos a nível mundial sediados nos Estados Unidos antes da meteórica ascensão da Volkswagen beneficiada pelas condições geográficas brasileiras muito mais desafiadoras e um contraste cultural que emergia em meio ao último grande fluxo de imigrantes europeus e japoneses buscando reconstruir no Brasil as vidas duramente afetadas pela II Guerra Mundial, ainda ecoe hoje entre quem vê triciclos como um improviso típico de países menos desenvolvidos que deva ser repelido em vez de incentivado. E mesmo agora com a injeção eletrônica acabado com a hegemonia do carburador até em motos de proposta popular, além de proporcionar aptidão para reabilitar o álcool/etanol com os motores flex e eventualmente ainda poder ter bons resultados com o gás natural caso o Ibama liberasse o uso em motos e assemelhados, continua mais fácil ver triciclos de pequena cilindrada em aplicações estritamente utilitárias/profissionais que em uso como um veículo privado, tendo em vista como ficam distantes daquela imagem de ascensão social que ainda se atribui com frequência à propriedade de veículos motorizados no Brasil. Enfim, mesmo com condições técnicas e econômicas que os pudessem favorecer, especialmente à medida que o custo de um carro "popular" os distancia daquela premissa consolidada entre os governos Collor e Itamar, os triciclos só permanecem relevantes no Brasil em aplicações essencialmente comerciais, menos afetadas por aspectos desfavoráveis de uma cultura automobilística um tanto confusa e favorecidos em parte pela restrição ao uso de motores Diesel em utilitários que ainda possam ser visto como mais "nobres".

quarta-feira, 22 de janeiro de 2025

Teria a pauta da liberação do Diesel em veículos leves enfraquecido diante da popularidade do motor Fiat Fire junto a um público mais conservador?

Um motor cuja chegada ao Brasil em '99 pode ser considerada meio tardia tendo em vista o lançamento mundial em '85, mas certamente foi de suma importância para a Fiat romper em 2001 a longa sequência de liderança da Volkswagen no mercado brasileiro, o motor Fire tornou-se favorito tanto de uma parte do público generalista pela simplicidade e facilidade de manutenção quanto de operadores profissionais como taxistas também pela adaptabilidade a combustíveis alternativos que foi do álcool/etanol no Brasil ao gás natural também em outros países. Apesar da produção européia ter iniciado ainda valendo-se até de carburadores e da injeção eletrônica monoponto, bem como do comando de válvulas simples e duas válvulas por cilindro como ficaria bem sucedido também junto à clientela brasileira mais conservadora, a chegada ao Brasil no final de '99 com comando duplo e 4 válvulas por cilindro e a injeção eletrônica multiponto foi apresentada em peças publicitárias da época como grande progresso tecnológico devido à presença do acelerador eletrônico com primazia entre automóveis de fabricação nacional, enfatizado em propagandas como tecnologia oriunda da Fórmula 1. Com o encerramento da produção do motor Fire no Brasil em meio à transição da linha 2024-2025, tendo como substituto o motor GSE/FireFly que teve lançamento mundial em 2017 precisamente no Brasil e também agradando desde então ao público consevador, é possível apontar o Fire entre daqueles motores mais influentes na história automobilística recente, e em alguns momentos a popularidade desse motor até possa ter inibido avanços para a pauta da liberação do uso de motores Diesel em veículos leves no Brasil, até pela circunstância política que ainda favorece os motores de 1.0L com tributação menos desfavorável no âmbito dos carros populares.
A percepção de simplicidade, consolidada à medida que versões com comando simples e duas válvulas por cilindro cobrindo as faixas de cilindrada de 1.0L e 1.4L acabaram fazendo que já em 2003 saísse de cena a configuração com 4 válvulas por cilindro, tendo em vista que ficava mais econômico produzir os motores acima de 1.0L com só duas válvulas por cilindro em detrimento da versão 1.0 de 16 válvulas, e assim superando aquele estigma que o brasileiro médio tinha acerca dos motores de 16 válvulas como letárgicos em baixas rotações e de manutenção mais complexa. Com a chegada das versões flex ainda em 2003 inicialmente com o motor 1.3 de 8 válvulas que passou a 1.4 no ano seguinte, e em 2006 o 1.0 também incorporava a capacidade de operar com gasolina e álcool/etanol, o motor Fire já estava bem aceito pelo público conservador, e alguns daqueles breves momentos de euforia nacionalista em torno do álcool como combustível do futuro certamente pesaram para fazer com que propostas pela liberação do Diesel em veículos leves ficassem em segundo plano, além de ter sido apresentada ainda em 2006 a versão 1.4 Tetrafuel apta a operar tanto com gasolina e álcool quanto gás natural que era exclusiva para o Siena mas tornou-se muito apreciada pelos taxistas. Enfim, após ter servido tanto a inúmeras famílias brasileiras que associavam pequena cilindrada a uma expectativa de economia de combustível quanto a usuários profissionais que em determinadas circunstâncias podiam apostar no gás natural ou no álcool como paliativos diante de restrições ao uso de motores Diesel em veículos leves, é inegável que o motor Fire pode ter sido tão decisivo quanto a antiga hegemonia da Volkswagen desde a época áurea do Fusca até como pretexto para desacreditar eventuais propostas e iniciativas pela liberação do Diesel.

sexta-feira, 27 de dezembro de 2024

Breve observação sobre como a Fiat eventualmente perdeu chances de tentar firmar o gás natural como sucessor do Diesel em segmentos leves

Em modelos tão diversos quanto o Fiorino de 3a geração europeu ou o Siena, o motor FIRE foi muito importante na história recente da Fiat, com versões aptas ao uso do gás natural paralelamente à gasolina e ao etanol tendo sido oferecidas. Embora exemplares do Fiat Fiorino Qubo europeu vendido na Argentina fossem movidos exclusivamente a gasolina, e qualquer conversão para gás natural tivesse de ser feita por terceiros, vale destacar que o Siena chegou a ter como grande destaque na versão Tetrafuel uma aptidão tanto ao uso da gasolina sem adição de etanol que ainda era disponível em alguns países vizinhos ao Brasil em 2006 quanto à gasolina brasileira cuja mistura obrigatória de etanol é a mais alta do mundo, além do etanol hidratado e do gás natural. Naturalmente a simplicidade do motor FIRE atraía a um público mais austero que se conformava com o gás como um paliativo diante das restrições ao uso de motores Diesel em algumas categorias de veículos no Brasil, embora a princípio seja um equívoco atribuir à Fiat uma abordagem especificamente avessa à liberação do Diesel.
E além de modelos mais despretensiosos nos quais um motor 1.4 de aspiração atmosférica já atendia satisfatoriamente, versões turbo do Fire sob denominações T-Jet ou Multiair chegaram a atender também a modelos como o Fiat 500X como alternativa ao motor Tigershark de 2.4L a depender da incidência de impostos atrelada à cilindrada em cada país ou região onde foi oferecido. Convém destacar que, ao contrário de gerações mais recentes de motores de ignição por faísca que vão massificando a injeção direta nas versões turbo, o FIRE nunca dispôs desse recurso, o que se por um lado dá a entender que ficaria demasiado gastador de gasolina, por outro torna desnecessário recorrer a um filtro de material particulado como os que já vinham sendo associados aos motores turbodiesel anteriormente. Também seria até interessante pontuar que, além do gás natural ser injetado em qualquer motor sempre na fase de vapor, o que por si só já é suficiente para considerar desprezível uma emissão de material particulado, também apresenta maior resistência à pré-ignição e detonação em comparação ao etanol que em outros momentos também teve enfatizada tal vantagem perante a gasolina entre adeptos da preparação de motores.

Da austeridade de algumas versões da Fiat Strada efetivamente destinadas ao trabalho e sem turbo, até um modelo de proposta mais declaradamente esportiva como o Fiat Bravo T-Jet, chega a ser até curioso que a Fiat tenha sido mais comedida em ampliar a oferta de modelos Tetrafuel no Brasil, embora alguns veículos pudessem impor maiores desafios na hora de acomodar os cilindros do gás natural sem comprometer a versatilidade do modelo normal de linha. Naturalmente seria mais lógico que uma parte do público que faz usos efetivamente laborais de uma Fiat Strada preferisse poder dispor da opção por motores turbodiesel como os que chegaram a ser disponibilizados na geração anterior para exportação, enquanto quem quisesse um Fiat Bravo T-Jet para "tirar onda" ficasse mais propenso a tentar ocultar a eventual presença de um kit GNV que fosse instalado para economizar no reabastecimento ou pagar menos IPVA em lugares como o Rio de Janeiro. A experiência brasileira no âmbito do álcool/etanol também teve seus méritos, em que pese o intuito inicial de substituição parcial da gasolina ter servido também como pretexto para impor restrições ao uso de motores Diesel que ainda perduram, e nem a liberação do gás natural para o público generalista tenha sido explorada como um precedente para reavaliar a situação do Diesel no Brasil.
Haverá ainda quem tente dissociar o motor T-Jet da imagem mais austera das versões de aspiração atmosférica do motor FIRE que por mais de 20 anos foi o principal atrativo da Fiat junto a operadores com perfis muito diversos, especialmente entre um público profissional que precisamente recorre às conversões para gás natural em modelos como o Fiorino cuja 3a geração brasileira é muito diferente do congênere europeu, com a instalação de cilindros do GNV por baixo do assoalho sendo uma possibilidade para manter o volume interno inalterado. Cabe apontar também como o peso e volume dos sistemas de gás natural pode ser reavaliado como um eventual contraponto às críticas feitas por quem aborda a complexidade das gerações mais recentes dos dispositivos de controle de emissões como um empecilho à presença da opção por motores turbodiesel em veículos de proposta mais austera que acabam sendo mais susceptíveis ao impacto do custo inicial para atrair e reter o público. A exigência de inspeções específicas para o sistema do GNV também acabam afastado uma parte dos potenciais interessados em um combustível mais econômico, além da disponibilidade do gás natural ainda ser mais restrita que a de combustíveis líquidos mais convencionais.
Se a simplicidade técnica do motor FIRE foi um valioso ativo para a Fiat no Brasil mesmo sem considerar as restrições ao Diesel ainda em vigor sob um viés mais político, também é justo lembrar como uma percepção que a ignição por faísca estaria mais "à prova de burro" em comparação às gerações mais recentes de motores turbodiesel, embora ter opções diferentes para maior adequação às condições operacionais permaneça desejável especialmente no uso profissional. Enquanto o etanol foi desacreditado em meio a tantas interferências políticas, e o biometano que poderia ser útil para expandir e interiorizar mais a oferta do gás natural é solenemente ignorado pela maior parte do público, talvez as especificidades de operações relacionadas de alguma maneira ao agribusiness fossem bem servidas por uma possibilidade de reaproveitar desde algum subproduto do abate de gado como o sebo para a produção de biodiesel até outros resíduos sem muito valor comercial que precisariam passar por beneficiamento para extração de biometano e produção de compostos nitrogenados que sirvam à formulação de fertilizante agrícola. Seria equivocado atribuir somente à Fiat uma "culpa" por induzir o brasileiro a aceitar passivamente paliativos como o etanol ou o gás natural enquanto é vetado o uso de motores Diesel em algumas categorias de veículos, até porque se tivesse tal intenção certamente seguiria oferecendo opções de modelos aptos ao uso do gás natural de fábrica.

A substituição do motor FIRE pelo FireFly iniciada em 2017, e que já está encaminhada à medida que modelos como o Fiat Cronos já foram lançados sem qualquer versão dotada de algum motor FIRE ou a 2a geração da Strada que consolidou o FireFly tanto em configuração atmosférica quanto turbo, fica bem clara à medida que segmentos como o dos táxis já assimilaram bem esse motor, e a maior utilização de pick-ups compactas em aplicações profissionais também o alçaram rapidamente a uma popularidade no Brasil. A configuração de duas válvulas por cilindro ter permanecido nas versões atmosféricas é no mínimo curiosa, enquanto versões turbo tem 4 válvulas por cilindro e o acionamento das válvulas de admissão por um sistema eletro-hidráulico que permitiria até eliminar a borboleta de aceleração como ocorria em motores Diesel mais antigos, além de já ser usada a injeção direta em modelos turbo. É natural que a injeção direta seja vista como um empecilho às conversões ao gás natural que uma parte dos operadores estritamente profissionais e também alguns generalistas apreciam, de modo que ainda priorizassem as versões atmosféricas que permanecem com injeção sequencial convencional.
E se por um lado a concepção mais modesta inicialmente atribuída ao motor FIRE, e que pode ser observada em versões atmosféricas do FireFly, ainda podia ser mais facilmente assimilada por uma parte do público que de outra maneira iria preferir um turbodiesel, a imposição da injeção direta praticamente como uma regra geral tornou-se uma faca de dois gumes em outros modelos como o Jeep Renegade cuja única motorização disponível hoje no Brasil é uma versão turbo do FireFly. Em que pese o motor turbodiesel Pratola Serra antes oferecido no Renegade precisar do sistema SCR se fosse o caso para atender a regulamentações de emissões mais recentes, e tal fator favorecer a percepção de maior simplicidade, já fica mais difícil apontar uma eventual conversão para gás natural como opção devido à injeção direta no FireFly. Enfim, por mais que algumas experiências de sucesso com o motor FIRE e combustíveis alternativos sejam bem conhecidas, hoje fica mais difícil apontar o gás natural como um efetivo substituto ao Diesel.