terça-feira, 25 de abril de 2023

Pick-ups alçadas à condição de veículos de luxo: uma consequência mais política que técnica

Está longe de ser novidade que as pick-ups foram alçadas a uma condição de objeto de desejo para uma parte considerável do público generalista, tanto pela inegável influência dos Estados Unidos quanto por eventualmente a tributação menos desfavorável para utilitários torná-las uma opção interessante para os fãs incondicionais de motores a gasolina de alta cilindrada como os V8 oferecidos na Ram 1500. Com o foco mais direcionado ao uso recreativo, as cabines duplas com um espaço mais amplo em comparação a modelos antigos acaba por atrair mesmo uma parte do público que antes ficaria bem mais tentada por sedãs full-size tão somente pelo tamanho ou pela percepção de ser um veículo de luxo devido ao preço, e até a tração 4X4 que segue como um dos parâmetros para um veículo ser considerado "utilitário" para fins burocráticos incluindo o direito ao uso de motor Diesel no Brasil é às vezes até mais aproveitada a lazer enquanto alguns usuários estritamente profissionais continuam usando modelos de tração simples devido a um custo menor. E a bem da verdade, uma bela pick-up full-size ainda pode ser desejável, mas a disponibilidade menor de utilitários rústicos que preservem algumas funcionalidades essencialmente destinadas ao trabalho pode ser considerada algo preocupante...
Por mais que me pareça absolutamente insano que se tentasse proibir ou restringir o uso de modelos da categoria de uma Ram 1500 por exemplo, uma comparação aparentemente sem pé nem cabeça com um modelo substancialmente diferente como o Kia Bongo é inevitável até considerando perfis tão distintos de utilização. Se por um lado o longo capô que permite à Ram 1500 contar com um motor grande com mais facilidade em comparação ao Kia Bongo cuja configuração de cabine avançada mais próxima ao que hoje predomina em caminhões efetivamente destinados ao uso laboral torna invariavelmente muito mais desafiador, bem como eventuais considerações quanto à segurança em caso de colisão frontal, por outro a percepção de uma maior racionalidade inerente a um utilitário que mesmo com dimensões mais modestas e um conjunto motriz consideravelmente mais austero seja capaz de desempenhar atividades profissionais com razoável desenvoltura e eventualmente no caso de versões com cabine dupla pode até ser um quebra-galho para quem precisasse de um único veículo multiuso também se revela interessante. Com a Kia tendo recentemente voltado a oferecer versões 4X4 do Bongo no Brasil, agora fabricado no Uruguai e com motor turbo gerenciado eletronicamente ao invés do J2 aspirado de injeção indireta, bem que podia voltar ao mercado brasileiro também a opção pela cabine dupla ainda disponível no Paraguai por exemplo, e se considerarmos uma condição mais favorável a alguns serviços mais especializados até um câmbio automático seria bem-vindo, mas cabe destacar a melhor manobrabilidade em espaços exíguos desejável tanto na cidade quanto no campo que só um utilitário mais estreito e curto com uma distância entre-eixos também mais contida em proporção à superfície útil para acomodação de carga e passageiros é capaz de oferecer, além do mais lembrando que o peso bruto total de uma Ram 1500 e de um Kia Bongo é até bastante próximo e as capacidades de carga em peso e a área útil da carroceria favoreçam o Bongo em detrimento de uma capacidade de reboque bem mais modesta...
Naturalmente para alguns serviços mais pesados uma caminhonete menor como o Kia Bongo apesar de ter mais semelhança estética com alguns caminhões de PBT acima de 3500kg torne imprescindível uma caminhonete mais pesada, como por exemplo a Ram 3500 que pelo PBT já exige CNH categoria C ou superior em virtude de ser homologada como caminhão, e até o viés declaradamente mais urbano que se atribuiu aos utilitários de cabine avançada no contexto dos VUCs também fomenta de certa forma uma impressão de "fragilidade" que dificilmente vá ser associada a uma pick-up full-size de concepção mais americanizada e tão declaradamente redneck que o fato da atual geração das Ram Heavy Duty ser feita exclusivamente no México até para exportação aos Estados Unidos se torna um mero detalhe... Mesmo diante de algumas dinâmicas cada vez mais difíceis de explicar tanto com relação ao mercado brasileiro quanto outras regiões, e a busca incessante por aumentar a percepção de valor agregado até a veículos que são essencialmente caminhões e preservam algumas raízes profissionais acabe afastando uma parte do público de modelos que efetivamente atenderiam a algumas condições operacionais a um custo mais contido, é um tanto óbvio que ainda há bastante espaço para uma certa austeridade em meio à ascensão das pick-ups como um símbolo de status tanto em regiões rurais quanto entre "cowboys urbanos". E até no caso específico brasileiro, com as pick-ups figurando entre as opções para escapar das restrições ao uso de motores Diesel podendo valer-se ou da capacidade de carga ou do sistema de tração, vale mais a pena considerar a possibilidade de utilitários com um tamanho mais prático receberem algum incentivo, mas sem atacar modelos mais opulentos cujo destaque é mais uma consequência das infelizes restrições ao uso de motores Diesel atrelada às capacidades de carga e passageiros ou tração.

quarta-feira, 19 de abril de 2023

Mitsubishi L300, um modelo da década de '90 que hoje faz falta

Trazido ao Brasil de forma oficial somente em versão para transporte de passageiros, homologada como microônibus e portanto sendo ao menos oficialmente proibida a condução por detentores da carteira de habilitação categoria B, o furgão Mitsubishi L300 também teve versões de carga que ainda chegaram a ser vendidas em países como o Chile. Durante a década de '90, quando os motores Diesel de aspiração natural e injeção indireta ainda eram bem aceitos por usuários com um perfil estritamente comercial, foi bem recebido no Brasil especialmente em função da reabertura das importações e de uma percepção de prestígio que normalmente se associava aos veículos importados, que talvez tenha inibido a chegada das versões de carga ao país porque a cultura automotiva brasileira era mais favorável a pick-ups para esse perfil de uso, ao contrário de países como o próprio Chile ou também a Argentina onde o uso recreativo de furgões são também um ótimo pretexto para a cultura do camping ter sido bem mais consolidada por lá. A configuração de motor dianteiro-central sob os assentos dianteiros e tração traseira, com distância entre-eixos curta, a bem da verdade ainda seria bastante conveniente para o uso urbano, considerando a capacidade volumétrica comparável a furgões modernos com motor dianteiro mais compridos e largos que são considerados principalmente mais seguros.
Além do recrudescimento de normas de emissões, que ao menos teoricamente seria fácil de conciliar ao uso de algum motor mais moderno que o antigo 4D56, e eventualmente pela própria concepção de uma época de motores mais austeros com desempenho mais moderno seria viável usar uma calibração mais compatível com sistemas como o P-SCR que dispensa o fluido-padrão AdBlue/ARLA-32/ARNOx-32, a questão da segurança eventualmente fosse um empecilho a considerar para a continuidade de modelos semelhantes. Eventualmente alguns dispositivos eletrônicos como freios ABS e até mesmo controles de tração e estabilidade não fossem tão problemáticos para conciliar com a eletrônica embarcada cada vez mais presente nos veículos mais austeros, e novamente seria o caso de lembrar como normas referentes a utilitários poderiam servir para dispensar a exigência de airbags no Brasil onde são obrigatórios desde 2014. E mesmo lembrando que a capacidade de carga nominal já superasse uma tonelada nas versões de carga, que teria até viabilizado trazê-las para o Brasil, a compatibilidade do Mitsubishi L300 para tração 4X4 que chegou a ser oferecida regularmente em alguns países também teria vindo a calhar, e portanto é um modelo que embora tenha chegado ao mercado nacional explorando somente uma das situações que viabiliza a homologação como utilitário podia se enquadrar simultaneamente em ao menos duas de acordo com cada configuração entre passageiros e carga se considerarmos também a compatibilidade dos sistemas de tração, e eventualmente até uma versão de uso misto com menos de 10 assentos e capacidade de carga nominal inferior a uma tonelada que recorresse somente à tração 4X4 para ser homologada como utilitário já ficaria mais conveniente que muitos SUVs modernos recorrendo ao mesmo expediente...

terça-feira, 11 de abril de 2023

Breve reflexão: Haval H6 de 3ª geração

Um daqueles primeiros fabricantes chineses a ganhar notoriedade mundial, quando ainda se limitava a produzir cópias de pick-ups médias japonesas, a Great Wall Motor já estabelecia uma presença também na América Latina antes de direcionar os SUVs para a submarca Haval, com a qual a empresa iniciou a incursão pelo mercado brasileiro focando em versões híbridas de modelos como o H6 que até é vendido em países vizinhos como a Bolívia em versões sem hibridização. Deixando de lado o fato da Bolívia ter desde 2005 algumas restrições ao licenciamento de veículos com motor Diesel mas, ao contrário do que ocorreu no Brasil onde as capacidades de carga e passageiros ou tração e com o objetivo declarado de promover o uso do álcool etílico hidratado agora formalmente denominado etanol para fins comerciais, lá os motores Diesel com cilindrada inferior a 4000cc foram o alvo da proibição, e ao menos na teoria o gás natural ganhava destaque. A bem da verdade, com fabricantes chineses também recorrendo ao turbo e à injeção direta nos motores de ignição por faísca tal qual já ocorre quanto aos Diesel há décadas, e no caso específico da Great Wall ainda é possível crer que mesmo o motor 2.0 turbo a gasolina disponível para o Haval H6 na Bolívia preserve algum vínculo com motores Isuzu Diesel da série J anteriormente copiados à exaustão, soa ainda mais inoportuno que motores turbodiesel passem a ser deixados de lado.

É previsível que fatores como a economia de escala acabem por favorecer um motor 1.5 ao menos por enquanto só a gasolina e associado a um sistema híbrido no Brasil, tendo em vista que na própria China onde o Haval H6 é feito essa faixa de cilindrada tem uma tributação mais favorável, e pela ascensão do turbo também passou a ser viável a aplicação em modelos relativamente pesados como um SUV médio, bem como os híbridos estarem isentos do incoerente rodízio de placas implementado em São Paulo que permanece como o maior mercado automobilístico brasileiro. E com a ausência de ao menos uma opção de motor turbodiesel nessa que é a 3ª geração mundial do Haval H6, mesmo sendo a primeira a chegar oficialmente ao Brasil e com o respaldo do fabricante que até comprou uma antiga fábrica da Mercedes-Benz com vistas a consolidar a operação brasileira, é no mínimo curioso o motor GW4D20 turbodiesel ser simplesmente descartado enquanto o motor GW4C20 a gasolina ainda é disponível em outros países tanto em versões sem qualquer hibridização quanto com um sistema mild-hybrid que pode ser integrado com facilidade também aos motores turbodiesel por simplesmente valer-se do alternador como motor elétrico auxiliar em algumas condições. Tendo em vista tanto uma maior facilidade de implementação do sistema mild-hybrid quanto o fato de já ser reconhecido para fins de isenção do rodízio paulistano, e certamente a tração 4X4 como pretexto para permitir o uso de motores Diesel e enquadrando-se na Lei de Gérson ter alçado os SUVs à condição de sonho de consumo da classe média desde a reabertura das importações, me parece inoportuno ignorar esse aspecto brasileiro e até possibilidades para a GWM ter no Brasil mais um forte hub de exportação tanto a nível de América Latina quanto até para a África que também é banhada pelo Oceano Atlântico e já existirem rotas de frete marítimo usadas na exportação de veículos e maquinário pesado de fabricação brasileira.

Por mais que a implementação de dispositivos de controle de emissões mais complexos como o filtro de material particulado (DPF), e em alguns modelos o SCR para redução dos óxidos de nitrogênio (NOx) possa ser um empecilho devido à necessidade de usar o fluido-padrão AdBlue/ARLA-32, enquanto para uma eventual pauta de exportação regional as variações na qualidade do óleo diesel convencional sejam um problema ainda mais sério pela incompatibilidade que acarretem com tais componentes, agir como se uma demanda por caminhonetes com motor Diesel fosse "coisa do passado" é inoportuno, ainda mais diante das pretensões aparentemente grandiosas da Great Wall Motor para a operação brasileira. De fato a imagem de modernidade e alta tecnologia que se pode atrelar à proposta da hibridização, bem como a eventual incorporação do sistema flexfuel para operar também com etanol até ser facilitada pela injeção direta que dispensa auxílios à partida a frio, podem ser bons argumentos de vendas e contribuir para um fim da imagem de mera copiadora de caminhonetes médias japonesas que deu projeção internacional à GWM, embora seja um tanto incoerente essa busca por uma maior sofisticação ignorar parte do público que só começou a olhar com certa simpatia para o fabricante graças ao "motor Isuzu". Enfim, apesar da hibridização estar longe de ser isoladamente um problema, é inconveniente que mais uma vez tenha um viés claramente antagônico ao Diesel.


 

sexta-feira, 7 de abril de 2023

5 veículos à primeira vista improváveis que o motor DW8 poderia ter servido satisfatoriamente

O motor DW8 de 1.9L desenvolvido pela antiga PSA, atualmente parte da Stellantis após a fusão com a Fiat Chrysler Automobiles, foi usado na Europa Ocidental de '99 a 2007, tendo um ciclo de produção mais longo em algumas regiões como a América Latina onde até 2011 ainda chegou a ser especificado em modelos feitos na Argentina, era daqueles motores Diesel à moda antiga e manteve a austeridade da injeção indireta e da aspiração natural até que a progressão das normas de emissões Euro-3 para Euro-4 ditou o fim da linha para o DW8. Mais destacado em pequenos utilitários e em algumas versões mais despretensiosas de carros Peugeot e Citroën entre compactos e médios, ainda podia ter servido a outros modelos, até de outros fabricantes que associaram-se à PSA ou para co-projetar motores turbodiesel ou para fazer outsourcing. Ao menos 5 modelos que poderiam ter sido bem servidos pelo motor DW8 podem ser usados como exemplo:

1 - Citroën C4 de 1ª geração: produzido entre 2004 e 2010 na Europa, e de 2007 a 2013 na Argentina, teve a maior parte do ciclo de produção durante a vigência da Euro-3, e portanto um motor mais rústico ainda podia ser útil para atender a um segmento mais austero do público tradicional dos motores Diesel, que se mantinha um tanto receoso quanto à maior complexidade acarretada pela presença do turbo e da injeção direta tipo common-rail nos motores DV6 de 1.6L e DW10 de 2.0L que chegaram a ser usados no modelo. O fato do DW8 ser parte de uma mesma linha de motores modulares que originou tanto o DW10 quanto o EW10 a gasolina e posteriormente flex que chegou a ser usado em alguns modelos de especificação brasileira, inclusive o C4, teria pesado a favor da economia de escala e favorecido o DW8 mesmo em um modelo de aparência arrojada e com pretensões modernas à época que foi apresentado;

2 - Citroën Xsara Picasso: produzido entre '99 e 2010 na Europa, e de 2000 a 2012 no Brasil, é outro que poderia ter sido beneficiado pela escala de produção considerando tanto ter sido oferecido com o motor DW10 (só até 2004 nos modelos europeus, quando o DV6 passou a ser o única opção de motor turbodiesel) quanto por um perfil essencialmente utilitário, em que pese uma aparência pouco ortodoxa que também se propunha moderna diante do que era mais usual na época do lançamento. Tendo usado no Brasil o motor EW10 de 2.0L que seria complementado pelo TU5 de 1.6L inicialmente a gasolina e posteriormente flex, e para exportação regional o DW10 estava disponível, a princípio o DW8 além do viés mais essencialmente utilitário e austero podia manter a diferença de preço menos desfavorável em comparação às versões a gasolina;

3 - Citroën C3 de 1ª geração: a aparência lembrava propositalmente o lendário Citroën 2CV, então a princípio uma opção de motor mais austera que os turbodiesel DV4 de 1.4L e o já mencionado DV6 em alguns mercados reforçaria a "homenagem" por ser um motor apreciado pela durabilidade e facilidade de manutenção. Apesar de ter sido tratado como um "compacto premium" no Brasil em contraste com a austeridade de outros modelos que eram enquadrados no segmento dos "populares", em outras regiões era considerado também um hatch generalista;

4 - EcoSport de 1ª geração: produzido de 2003 a 2012, chegou a contar somente para exportação com o motor DV4, ou DLD-414 conforme a nomenclatura usada pela Ford. Em que pese a própria Ford ter o motor Endura-D que já estava sendo oferecido somente com turbo e injeção direta à época e rebatizado DLD-418, o simples fato da Ford ter unido forças com a PSA para o desenvolvimento dos motores da linha DV/DLD e também o já mencionado motor DW10 e o DW12 de 2.2L que eram rebatizados como ZSD-420 e ZSD-422 de acordo com o padrão então adotado pela Ford até surpreende que o DW8 tenha ficado de fora desse negócio;

5 - Toyota Corolla da geração E120/"Brad Pitt": foi oferecido na Europa com os motores 1ND-TV de 1.4L e 1CD-FTV de 2.0L entre as opções turbodiesel, ambos incorporando também a injeção direta do tipo common-rail. Tendo em vista que algumas raras versões da geração imediatamente anterior do Corolla (E110) chegaram a usar na Europa o motor DW8 rebatizado como 1WZ pela Toyota, ao invés do 2C de 2.0L que ainda foi oferecido como opção no E120 em alguns mercados ou do 3C-E de 2.2L  que o E120 usou no Japão, e tanto a aspiração natural quanto a injeção indireta ainda estavam presentes no 2C e no 3C-E, um eventual uso do DW8/1WZ ainda faria sentido, mesmo sem entrar no mérito de alguns outros precedentes históricos do downsizing por parte da Toyota junto a fornecedores europeus para obter motores Diesel.