segunda-feira, 23 de maio de 2022

Como explicar que os motores Steyr Monoblock M1 sejam tão subestimados?

Com uma tradição já centenária na produção de motores com bloco e cabeçote integrados, e a partir da década de '90 mais focada em motores turbodiesel com 4 cilindros e 2.1L ou 6 cilindros e 3.2L que se destacam especialmente em aplicações marítimas e também em viaturas militares, a empresa austríaca Steyr Motors já foi parte da antiga Steyr-Daimler-Puch, depois esteve sob controle acionário chinês, e desde 2019 após quase falir foi adquirida pelo conglomerado francês Thales Group que é uma potência nos segmentos de segurança e defesa a nível mundial. Da atual linha dos motores M14 com 4 cilindros e M16 com 6 cilindros, lançada na década de '90 já com injeção direta enquanto predominava a injeção indireta em similares produzidos por fabricantes mais conhecidos, o público generalista tem pouco ou quase nenhum conhecimento, mas a aplicação em alguns veículos militares feitos por uma subsidiária australiana do Thales Group foi o que mais pesou a favor da aquisição da Steyr, tanto em função de características como uma aptidão ao funcionamento em condições ambientais severas e também pela relativa facilidade para operar com alguns combustíveis pouco convencionais no âmbito civil mas que podem ser compartilhados com aviões e embarcações para simplificar a logística durante uma operação militar. Enquanto motores ao menos teoricamente inferiores encontraram uma maior receptividade em meio a períodos nos quais o outsourcing prevalecia em categorias como pick-ups e SUVs médios, e até para versões de especificação européia de minivans americanas, pode-se considerar que uma excessiva ênfase nos mercados náutico e militar tenha sido um empecilho.

Naturalmente algumas características peculiares como o bloco e cabeçote em ferro fundidos num único conjunto, por mais que apresente a vantagem de dispensar uma junta de cabeçote que acaba sendo um ponto especialmente vulnerável em motores que podem ser apontados como concorrentes, ainda eram pouco compreendidas pelo público e acabam suscitando dúvidas quanto à viabilidade de efetuar alguns procedimentos como uma retífica, ainda que a refrigeração fique mais homogênea e até favoreça uma maior durabilidade. Possivelmente essa peculiaridade de um motor "monoblock" acabasse despertando desconfianças até de uma parte do público que necessitasse ou simplesmente desejasse fazer uso de um combustível alternativo, tendo em vista que operar com óleo diesel convencional quando o débito de injeção estivesse ajustado para um volume maior de biodiesel causaria uma sobrecarga térmica, assim como o uso de alguns óleos combustíveis marítimos mais pesados com o débito ajustado para o uso de óleo diesel convencional incorreria nesse mesmo risco, e acabaria sendo mais difícil reparar uma trinca no cabeçote em comparação a um concorrente com bloco e cabeçote fundidos separadamente. Pode-se considerar que a ascensão dos sistemas de injeção eletrônica common-rail em motores turbodiesel mais direcionados ao mercado generalista, mas também oferecidos tanto em versões de especificação militar  quanto para aplicações náuticas recreativas ou de trabalho, acabaria sendo suficiente para minimizar o problema devido à capacidade de ajustar em tempo real o débito de injeção de acordo com parâmetros ambientais e as especificações dos mais distintos óleos combustíveis aplicáveis, e até dos querosenes de aviação que em algumas operações militares são usados também em viaturas terrestres e embarcações com motores Diesel em função dos custos menores da logística ao ser incorporado um combustível unificado.

A bem da verdade o sistema de injeção com as bombas injetoras formando conjuntos únicos com os bicos injetores, sistema conhecido por "Pumpe Düse" e que nos motores M14 com 4 cilindros e M16 com 6 cilindros oferece como vantagem especialmente apreciável tanto em embarcações quanto para o uso militar uma possibilidade de operar em caráter emergencial mesmo que o gerenciamento eletrônico se encontre inoperante. Tal característica hoje causaria controvérsias junto às entidades responsáveis pela homologação de veículos, tendo em vista que as atuais regulamentações de emissões requerem que um motor tenha potência e torque diminuídos quando um sistema de controle dos óxidos de nitrogênio (NOx) esteja com algum empecilho à operação como por exemplo o SCR num veículo que lance mão desse dispositivo e acabar a provisão do fluido-padrão ARLA-32/AdBlue durante um trajeto, embora a viabilidade técnica de implementar a injeção tipo common-rail que até já é disponibilizada em algumas versões marítimas do motor Steyr M16 pudesse ser suficiente para mantê-lo competitivo em segmentos veiculares mais generalistas. Na prática, assim como aplicações navais proporcionaram visibilidade aos motores Diesel em estágios de desenvolvimento mais primitivos, e algumas categorias de veículo hoje tão apreciadas pelo público generalista na atualidade como utilitários 4X4 tenham sido validadas em campo de batalha, esse aspecto mais cultural também torna ainda mais difícil explicar como os motores Steyr Monoblock M1 são tão subestimados.

terça-feira, 17 de maio de 2022

Breve observação sobre sistemas de combustível com unidades injetoras individuais

Um método de controle da injeção de combustível pouco conhecido pelo grande público, embora esteja  presente no dia-a-dia de uma parte expressiva da população brasileira tomando como exemplo o uso em motores de caminhões e chassis de ônibus como os Mercedes-Benz OF ainda muito comuns nos ônibus urbanos, o sistema de unidades injetoras individuais para cada cilindro é um tanto ignorado em meio ao maior sucesso comercial dos sistemas common-rail em veículos leves tanto em países onde é permitido o uso de motores Diesel em qualquer categoria de veículo quanto nas pick-ups e nos SUVs da moda. Há de se considerar uma série de fatores que influenciam tanto no desempenho quanto na operacionalidade, especialmente ao considerarmos alterações na formulação do combustível como um teor mais elevado de biodiesel que se adicione ao óleo diesel convencional, ainda que o gerenciamento eletrônico exigido até para assegurar o enquadramento nas normas de emissões em vigor diminua eventuais desvantagens observadas por operadores e gestores de frota. No entanto, seria certamente precipitado classificar como obsoleto esse recurso, que tanto facilita a modularidade no desenvolvimento de motores com diferentes quantidades de cilindros para aplicações utilitárias e até simplifica a logística de reposição de peças.

Em veículos leves, o fabricante que mais deu destaque a um sistema de injeção individualizado com os bicos injetores integrados às bombas injetoras foi a Volkswagen, tendo lançado mão desse recurso entre outros modelos na 4ª geração do Golf em algumas especificações dos motores 1.9 TDI ao invés de uma bomba injetora do tipo distributiva usada anteriormente ou de partir para uma injeção common-rail logo de uma vez. De fato a Volkswagen posteriormente seguiria a prática mais comum no mercado, aderindo à common-rail em substituição ao que chamava de Pumpe-Düse, embora tenha chegado a se beneficiar da maior modularidade que esse sistema proporciona e desenvolvido o motor 1.4 TDI com 3 cilindros e o aplicado em modelos menores, e na prática esse motor era basicamente o 1.9 TDI PD com 1 cilindro a menos, e tinha tanto os custos de desenvolvimento quanto da produção da maioria das peças muito mais amortizado em comparação ao que poderia ser o projeto de outro motor totalmente novo. Vale destacar que um sistema de unidades injetoras costuma operar com altas pressões de injeção, embora seja menos susceptível a falhas por dispensar o duto único de pressurização que serve a todos os bicos injetores em sistemas common-rail, apesar de recorrer a uma bomba alimentadora para fazer o combustível chegar às unidades de injeção.
Naturalmente o fato dos motores Volkswagen 1.4 e 1.9 TDI terem o comando de válvulas no cabeçote é fundamental para o sistema Pumpe Düse ter sido viável, embora motores com comando de válvulas no bloco como o Mercedes-Benz OM-926 LA usado no chassi para ônibus Mercedes-Benz O 500 M usem bombas injetoras individuais no bloco do motor sincronizadas também pelo comando de válvulas, com os bicos injetores sempre no cabeçote. Em ambos os casos, a intercambialidade de peças entre motores em diferentes faixas de cilindrada e uma amortização mais rápida dos custos de desenvolvimento são vantagens que merecem destaque, tal qual a eventual viabilidade de projetar um sistema de combustível que ainda funcione ao menos em emergência de forma 100% mecânica para atender a viaturas militares e propulsão de embarcações, embora tal possibilidade seja inviável de aplicar a veículos normais ao ser a princípio incompatível com a redução obrigatória de potência e torque exigida em motores com SCR caso falte o fluido ARLA-32/AdBlue/ARNOx-32. Sistemas de injeção individualizados por cilindro até são subestimados, mas ainda seriam desejáveis em veículos mais generalistas para eventualmente levar a uma redução de custos e auxiliar a preservar a viabilidade técnica em distintas categorias de veículos.

quarta-feira, 11 de maio de 2022

5 modelos da linha atual da Volkswagen que poderiam ser bem servidos pelo motor 1.4 TDI de 3 cilindros

A relevância que a Volkswagen já teve no âmbito do desenvolvimento de motores Diesel para veículos leves dispensa maiores apresentações, apesar do escândalo Dieselgate ter levado a um descrédito que pôs em xeque a viabilidade dos turbodiesel de médio a longo prazo. Dentre os motores que acabaram se tornando subestimados, embora ainda pudessem estar atendendo bem a consumidores com perfis muito variados, o 1.4 TDI de 3 cilindros certamente merece ser lembrado, e a bem da verdade ainda cairia como uma luva em alguns modelos atuais da Volkswagen. Ao menos 5 exemplos são fáceis de apontar:

1 - Nivus: o modelo que teve o lançamento mundial no Brasil, onde é oferecido somente com o motor 1.0 TSI flex a gasolina e etanol e câmbio automático de 6 marchas, mas para exportação regional tem a opção pelo câmbio manual, é conhecido na Europa como Volkswagen Taigo onde é oferecido tanto com o 1.0 TSI quanto com o 1.5 TSI em ambos os casos só a gasolina mas com opção entre câmbio manual de 5 ou 6 marchas e o automatizado DSG de dupla embreagem com 7 marchas. A princípio o motor 1.4 TDI de 3 cilindros poderia ser satisfatório, com um desempenho mais vigoroso que o do único motor usado no Brasil.
A bem da verdade, considerando a maior dificuldade para converter um motor de injeção direta tanto só a gasolina quanto flex para gás natural, uma versão turbodiesel poderia cair como uma luva para servir como táxi, embora as perspectivas para uma derrubada das restrições com base na capacidade de carga e passageiros ou tração no Brasil sejam nebulosas. Ainda assim, tanto para exportação regional a partir do Brasil quanto na Europa suprida pela produção na Espanha, o motor 1.4 TDI permaneceria desejável aos olhos de uma parte do público, e considerando como outros fabricantes seguem oferecendo motores de cilindrada próxima e projetos relativamente antigos em linha mesmo incorporando os dispositivos de controle de emissões exigidos pelas legislações ambientais em vigor, a viabilidade técnica para que esse motor fosse oferecido é bastante clara mesmo que precisasse recorrer a dispositivos como o SCR para controle das emissões de óxidos de nitrogênio (NOx);

2 - Taos: oferecido na América Latina somente com o motor 1.4 TSI produzido em São Carlos-SP só a gasolina em outros países ou flex para o Brasil, sem dispor de qualquer opção turbodiesel em nenhuma região onde é comercializado a nível mundial, dispõe de outros motores sempre a gasolina com turbo e injeção direta de acordo com as regulamentações e preferências de cada mercado. A princípio o motor 1.4 TDI conseguiria superar ao menos o 1.2 TSI a gasolina oferecido com câmbio manual de 6 marchas ou DSG de 7 marchas e tração dianteira no modelo chinês, comercializado como Volkswagen Tharu, e que dispõe ainda dos motores 1.4 TSI com as mesmas opções de câmbio e o 2.0 TSI oferecido somente com o DSG e tração 4Motion nas 4 rodas. Considerando o caso das versões de especificação americana, feitas no México com o motor 1.5 TSI Evo e câmbio automático de 8 marchas com tração dianteira ou o mesmo DSG de 7 marchas nas 4Motion, chega a causar alguma estranheza que o modelo argentino comercializado no Brasil venha só com tração dianteira quando uma versão 4X4 poderia muito bem ser oferecida com um turbodiesel a exemplo de alguns concorrentes, embora a princípio fosse desejável um câmbio automático convencional ao invés do DSG devido às condições operacionais brasileiras;

3 - Jetta: tomando por referência a geração anterior que veio inicialmente do México e posteriormente teve um breve ciclo de produção brasileira, e a atual que voltou a vir do México e marcou a retirada do Jetta tanto da Europa quanto de países de mão inglesa em outras regiões, o motor 1.4 TDI permaneceria adequado para fisgar um consumidor mais austero que ainda deseje um motor turbodiesel. Tomando por referência outra vez a produção chinesa, onde motores 1.2 TSI com 4 cilindros no modelo antigo e 3 no atual foram oferecidos e chegaram também a ser exportados, o desempenho do 1.4 TDI atenderia bem à efetiva necessidade do público. O distanciamento técnico com relação ao Golf, visando uma redução de custos, também acabaria favorecendo um uso de motores com apenas 3 cilindros, ao invés dos 1.6 e 2.0 TDI que chegaram a ser usados na geração anterior e a ausência de qualquer opção turbodiesel na atual;

4 - Virtus: alçado à condição de um novo xodó dos taxistas brasileiros desde o lançamento em 2018, recuperando uma participação nesse segmento que parecia perdida após o fim do Santana, dispõe dos motores 1.0 TSI de 3 cilindros e 1.4 TSI com 4 cilindros que pela presença da injeção direta são muito mais difíceis de converter para o gás natural, e o 1.6 MSI naturalmente aspirado de injeção sequencial que é melhor para conversões ao gás e casualmente é o único oferecido regularmente para a maioria dos destinos de exportação regional. Levando em consideração o viés "emergente" desse modelo, o 1.4 TDI seria satisfatório para atender a quem preferisse um motor turbodiesel, tanto na pauta da exportação regional suprida pela produção brasileira quanto na Índia onde o modelo foi lançado somente em 2022 e dispõe apenas de motores 1.0 e 1.5 TSI mesmo que o Diesel ainda seja apreciado por lá em que pese a Volkswagen ter desistido de oferecer essa opção com a entrada em vigor das normas Bharat Stage VI em 2020;

5 - Saveiro: certamente o motor 1.4 TDI poderia ser útil para a atual geração manter relevância em mercados de exportação regional, e talvez servir de pretexto no Brasil para um lobby visando ao menos uma flexibilização das restrições hoje em vigor contra o uso de motores Diesel em veículos leves. Com o precedente histórico da Saveiro quadrada que tem exemplares ainda em circulação no país com motor 1.6D naturalmente aspirado de injeção indireta, seria algo a levar em consideração...

quinta-feira, 5 de maio de 2022

Por quê a eventual possibilidade de usar combustíveis voláteis em motores turbodiesel com injeção eletrônica common-rail faz algum sentido?

Em meio a uma histeria que tenta demonizar o motor de combustão interna de um modo geral, mas com uma ênfase ainda mais exagerada contra os motores Diesel, é previsível que uma série de medidas nem sempre coerentes sejam apontadas como possíveis soluções ou meros quebra-galhos. Consideremos que um mesmo modelo de motor possa equipar desde um caminhão para carga geral até outro especializado como uma viatura do Corpo de Bombeiros, uma adaptabilidade a diferentes condições de uso ainda faz dos turbodiesel uma escolha bastante equilibrada em termos de desempenho e eficiência geral, tomando por referência também a massificação do sistema de injeção eletrônica tipo common-rail que já equipa por exemplo a linha Volkswagen Constellation desde 2005 e se mantém em meio a uma progressão das normas ambientais que também abrange a integração de diferentes sistemas de controle de emissões. É relevante considerar desde a operação rodoviária de longa distância ser melhor servida pelo óleo diesel que por estações de recarga para veículos elétricos ou híbridos plug-in, até um eventual incremento na segurança ao operar com um combustível menos volátil em veículos de combate a incêndios e resgate. 

A ascensão da eletrificação em automóveis e utilitários leves com uma proposta mais generalista, como o Volvo C40 que é oferecido somente com conjunto motriz totalmente elétrico, além do viés político em detrimento ao motor de combustão interna com destaque para as restrições à circulação que já tem sido implementadas em alguns grandes centros urbanos, suscita uma série de questionamentos em torno das aptidões dessa abordagem em outras condições operacionais para as quais é inegável que a liberdade de usar combustíveis líquidos proporciona uma maior flexibilidade. Portanto, a hipótese levantada por uma professora do Instituto de Tecnologia de Illinois (Illinois Tech) quanto a um aproveitamento da gasolina que vá deixar de ser usada em veículos leves ou totalmente elétricos ou com alguma hibridização já tem um certo embasamento. A professora Carrie Hall demonstra um ceticismo quanto à aptidão de veículos elétricos para o transporte rodoviário de longas distâncias, e aposta na adaptabilidade dos sistemas de injeção eletrônica common-rail predominantes na atual geração de motores turbodiesel para simplificar uma adaptação ao uso de combustíveis voláteis mais concentrada no gerenciamento eletrônico que nos componentes físicos do motor, e o uso de simulações por computador para buscar otimizar o processo de combustão da gasolina em motores de ignição por compressão.

A hipótese de contar ao menos com a capacidade de usar combustíveis voláteis em motores turbodiesel pode fazer mais sentido do que pareça num primeiro momento, sem no entanto abrir mão do óleo diesel convencional e outros substitutivos mais pesados que iriam desde o querosene até o biodiesel, tendo em vista outras aplicações além do transporte comercial abrangendo desde especificidades militares até um uso predominantemente recreativo em motorhomes. Avaliando até eventuais discrepâncias nos teores de enxofre do óleo diesel convencional em algumas rotas tanto nacionais quanto internacionais, bem como o risco de danos ao motor ou a alguns sistemas de controle de emissões, uma paridade às vezes maior desse parâmetro na gasolina também tende a justificar um uso ao menos em caráter emergencial, e vale ainda destacar que o refino do petróleo ou de algum outro óleo-base por destilação fracionada nunca vai render exclusivamente gasolina ou exclusivamente óleo diesel, tal qual é impossível criar um boi que vá resultar só em picanha e filé-mignon. Enfim, mesmo que aparentemente venha sendo deixada de lado a utilização do etanol que seria especialmente benéfica à agricultura e atividades correlatas, faz sentido a eventual possibilidade de usar combustíveis voláteis num motor turbodiesel com injeção common-rail.