terça-feira, 23 de julho de 2019

Outsourcing de motores Diesel ainda faria sentido nas pick-ups e SUVs médios?

A dependência por motores Diesel fornecidos por terceiros já foi muito comum em utilitários médios no mercado brasileiro, principalmente em modelos que a princípio não contavam com essa opção nos mercados para os quais eram originalmente destinados, como ocorria no Nissan XTerra e na geração anterior da Chevrolet S10 que diga-se de passagem até chegaram a recorrer ao mesmo motor MWM Sprint 4.07 em versões TCA com injeção 100% mecânica e TCE já com gerenciamento eletrônico a depender do ano de fabricação e classificação de emissões. Por motivos que podiam variar desde uma maior facilidade para alcançar algum índice mais expressivo de nacionalização de componentes até a disponibilidade mais fácil de peças de reposição e assistência técnica, apesar de terem sido oferecidos no exterior motores Diesel tanto de fabricação própria quanto de subsidiárias ou joint-ventures e que até poderiam servir satisfatoriamente nas respectivas plataformas, o outsourcing era confortável. Mas levando em conta diferentes fatores que vão desde a nacionalização de componentes, ou mesmo uma regionalização no âmbito do Mercosul, até questões logísticas mais complexas, será que esse recurso ainda faria sentido na atualidade?
No caso particular da S10, que em mercados de exportação regional ainda enfrentou o fogo amigo da Isuzu D-Max que também chegou a ser oferecida como Chevrolet LUV D-Max e montada em CKD no Chile e na Colômbia, talvez o alto volume de vendas ainda pudesse ter justificado uma produção regional de algum motor Isuzu da série J em instalações da GM de modo a suprir ambos os modelos. Lembrando que tanto o MWM Sprint com comando de válvulas no cabeçote quanto os Isuzu 4JB1, 4JH1 e algumas versões do 4JA1 ainda dotados de comando no bloco eram sincronizados apenas por engrenagens, essa característica leva a crer que qualquer um desses motores pudesse ser assimilado facilmente pelos públicos-alvo da S10 e da D-Max. No entanto, se faz necessário destacar algumas especificidades da "dieselização" brasileira feita meio às pressas a partir da década de '70 culminando numa maior aceitação do outsourcing de motores fornecidos por terceiros com uma base de produção regional devidamente consolidada, contrastando com a estratégia dos fabricantes japoneses como a Isuzu que já priorizavam o desenvolvimento dos próprios motores, de modo que eventualmente seja mais difícil convencer os compradores tradicionais das pick-ups de fabricantes japoneses a aceitarem um motor de fornecedor independente, embora talvez em países onde se vendia modelos Isuzu como Chevrolet essa situação favorecesse a receptividade ao outsourcing.

A consolidação da Tailândia como hub mundial de produção e exportação de pick-ups médias acabou por favorecer o uso de motores próprios de cada fabricante, e no caso da S10 também afetou versões de fabricação brasileira que passaram a contar com o mesmo motor que no exterior é designado como Duramax em versões de 2.5L e 2.8L de acordo com as opções disponíveis em cada mercado, mas no Brasil só é oferecido como 2.8 CDTI mesmo. Baseado num projeto original da VM Motori italiana, o atual motor da S10 passou a ter a sincronização do comando de válvulas por correia dentada, que não deixa de ser considerada um inconveniente aos olhos de uma parte considerável de gestores de frota e outros operadores profissionais. Como por questões contratuais a General Motors do Brasil terceiriza a montagem desse motor nas instalações da MWM-International em Canoas-RS, pode soar um tanto contraproducente ocupar espaço no chão de fábrica para um motor que vai ter aplicabilidade limitada a um único cliente ao invés de aproveitar a economia de escala que um produto próprio da MWM teria em função do compartilhamento tanto no segmento veicular quanto para outras finalidades, mas é até compreensível essa preferência da GM em usar o motor próprio.
Às vezes uma decisão estratégica aparentemente tomada da forma mais confusa possível pode não ser tão absurda, quando se deixa o bairrismo um pouco de lado para analisar os novos desafios de ordem técnica num contexto mais amplo. Do mesmo modo que tem ocorrido uma concentração entre faixas de cilindrada mais estreitas em motores destinados a veículos de diferentes faixas de peso e perfis de utilização, não somente para se manter em faixas de tributação menos extorsivas na União Européia mas também para favorecer a escala de produção dos sistemas de controle de emissões destinados a um único motor, é possível fazer uma analogia no caso da S10 à medida que similares de fabricação tailandesa vendidos em mercados internacionais não possam eventualmente se dar ao luxo de contar com motores de procedência regional fornecidos por terceiros, e portanto acaba fazendo sentido usar um feito por conta própria, apesar de boa parte do projeto básico desse motor ter sido feita de forma independente pela VM Motori. Naturalmente, a situação poderia ser diferente se uma maior parte das exportações fossem em CKD para montagem final no país de destino, o que facilitaria instalar outros motores de acordo com o que fornecedores independentes tenham a oferecer em cada região.

Ainda que possa não ser tão difícil mesmo para fabricantes menos tradicionais lidarem com normas de emissões, como é o caso da chinesa JMC que usa uma plataforma já obsoleta (das Ford Transit "smiley") e cópias de fabricação própria do motor Isuzu 4JB1 na van Teshun/Touring em mercados onde não encontra as mesmas restrições a motores Diesel com cilindrada abaixo de 4.0L em vigor na Bolívia, outros como a Foton cuja pick-up Tunland tem feito sucesso no Paraguai preferem valer-se de motores com uma marca mais tradicional como é o caso do Cummins ISF2.8 que foi desenvolvido justamente para competir com as imitações do 4JB1 e melhorar as perspectivas de utilitários chineses em mercados de exportação à medida que não só os níveis de controle de emissões recrudescem mas também o consumidor se torna mais exigente. Por mais que um motor de concepção antiga possa ser atualizado com injeção eletrônica common-rail, filtro de material particulado e até SCR, o que chega a surpreender mais devido à adaptabilidade desse recurso mesmo em plataformas desenvolvidas num período em que o atual estágio de controle de emissões soaria mais próximo de uma ficção científica, por outro a força do nome de um fornecedor independente de motores já consagrado e com presença global consolidada agrega uma confiança que fabricantes como a Foton precisam para se firmarem não com aquela proposta de serem fáceis de fazer gambiarra com peças de algum "pau véio" mas por terem soluções integradas ao projeto original.

Outro caso que chama atenção é o da Volkswagen, que tem se destacado pela produção própria de motores Diesel para automóveis e utilitários leves por algumas décadas, e atualmente oferece o único motor V6 turbodiesel opcional numa pick-up média enquanto a concorrência tem se consolidado somente em 4 cilindros até na faixa de cilindrada de 3.0L atendida pela Amarok V6. Vale destacar ainda que muitos países tem uma incidência de impostos em proporção às faixas de cilindrada, como é o caso no Brasil e na maior parte da Europa Ocidental, de modo que uma pick-up acaba se convertendo na opção mais viável para os adeptos da idéia de que "quem gosta de motorzinho é dentista". Além das desvantagens fiscais inviabilizarem que se usem motores de configuração semelhante à do 3.0 TDI em automóveis que não sejam de alto luxo, já afetando consideravelmente a economia de escala, também não deixa de ser relevante destacar que a maior presença de pick-ups como um novo símbolo de status mesmo junto a consumidores com perfil cada vez mais urbano não anula o desejo de que ainda ofereçam uma aptidão a usos mais severos do que carregar meia dúzia de sacolas de supermercado, além da própria concepção mais pesada de um veículo dessa categoria exigir um bom torque em baixas rotações para proporcionar uma agilidade mais próxima do que consumidores que as procuram para substituir um automóvel estariam acostumados.
No caso específico da Amarok V6, ainda que grande parte do encanto se dê mais pela quantidade de cilindros como um fator de prestígio, o fato desse motor não ser oferecido numa variedade tão ampla de modelos tanto no Brasil quanto outros em mercados sul-americanos atendidos pela fabricação na Argentina parece um bom pretexto para especular quanto à aptidão do motor Cummins ISF3.8 usado em alguns modelos da atual geração de caminhões Volkswagen Delivery para proporcionar um bom desempenho numa pick-up média e racionalizar a escala de produção regional pelo fato desse motor já ter produção brasileira e uma demanda maior também a nível de Mercosul. Possivelmente, além de questionamentos em torno da concepção mais modesta do ISF3.8 com somente 4 cilindros e comando de válvulas no bloco desagradar alguns consumidores de pick-ups modernas mais acostumados com a sofisticação cada vez maior dos motores turbodiesel de alta rotação nas últimas duas décadas, ainda há margem para controvérsias em torno de preferências pelo downsizing ou downrevving, apesar do uso em condições mais severas aos quais um motor "de caminhão" costuma estar exposto e a própria configuração mais rústica viriam a ser bons argumentos diante de críticas um tanto exageradas quanto a motores modernos serem muito mais frágeis que os antigos...
A bem da verdade, diante de uma maior aplicabilidade que motores fornecidos por terceiros possam ter, e da maior celeridade que essa condição proporcionaria ao retorno do investimento nos sistemas de controle de emissões, não seria tão chocante que o outsourcing hoje mais difundido em utilitários mais pesados pudesse conquistar um bom espaço também na linha leve. É importante salientar que no tocante a motores Diesel já está consolidada uma maior receptividade a fornecedores independentes, em contraponto ao que ocorre no caso de motores de ignição por faísca cuja fabricação do próprio motor por mais que seja baseado em algum projeto muito defasado ainda é vista como obrigação por parte do público generalista. Enfim, mesmo que ainda possa soar bem menos provável de voltar a ser uma prática corriqueira em pick-ups médias, o outsourcing talvez ainda possa ser relevante até para assegurar a viabilidade futura do Diesel à medida que poucos fabricantes sigam motivados a continuar desenvolvendo tecnologia própria em conformidade com normas de emissões cada vez mais restritivas.

segunda-feira, 22 de julho de 2019

Caso para reflexão: Toyota Land Cruiser Prado 150 e o Bandeirante, retratos da glamurização dos utilitários ao longo do tempo

Já não é nenhuma novidade que novas gerações de SUVs tem atendido a um público muito diverso, que não necessariamente prioriza a capacidade de incursão off-road mesmo ao optar por modelos de séries já bastante tradicionais no tocante a esse atributo como é o caso dos Toyota Land Cruiser. Pode ser até difícil de assimilar, por exemplo, a idéia de que caso fosse atualmente oferecido no mercado nacional o Toyota Land Cruiser Prado 150, atenderia também consumidores que em décadas passadas se viam obrigados a sacrificar muito do conforto pela versão de capota rígida e entre-eixos longo do Bandeirante. Em alguns mercados com normas de emissões menos restritivas e a prevalência de um aspecto meramente utilitário como o principal argumento para a compra de um jipão 4X4, ainda se encontra o Prado com o motor 5L-E de aspiração natural e injeção indireta em versões de acabamento mais simples, que no entanto já se distanciam muito do perfil do Land Cruiser da série J40 que deu origem ao Bandeirante mas ainda mantém evidente as vocações originais desse tipo de veículo. Também há de se destacar que o apelo a mercados internacionais, onde não necessariamente ocorra o mesmo escalonamento da incidência de impostos com base nas dimensões exteriores de um veículo que se aplica no Japão, se por um lado proporciona uma relativa facilidade para proporcionar mais conforto e conciliar o enquadramento a normas de segurança em impacto mais atuais, por outro não deixa de eventualmente dificultar a operação de um modelo moderno como o Prado 150 em trechos mais travados onde o tamanho relativamente compacto de um Bandeirante ainda proporciona uma melhor manobrabilidade. Enfim, se hoje um SUV mesmo de concepção tradicional segue capaz de rivalizar na preferência de consumidores por motivos que vão desde a glamurização da categoria nas últimas décadas até uma eventualmente maior facilidade para aplicar blindagens mais robustas em comparação a veículos de outras classes, muito ainda se deve ao aspecto utilitário, que diga-se de passagem foi um motivo para veículos de tração 4X4 com caixa de transferência de dupla velocidade terem sido incluídos como "utilitários" para fins de homologação e autorização para o uso de motores Diesel desde a época do Bandeirante...

quinta-feira, 18 de julho de 2019

Até que ponto a injeção convencional nos pórticos de válvula poderia favorecer a ignição por faísca em competitividade contra o Diesel?

Numa época em que alguns veículos nem contam mais com qualquer opção de motor de ignição por faísca mais modesto que ainda recorra à injeção convencional de combustível nos pórticos de válvula de admissão, como por exemplo o Volkswagen Jetta de 7ª geração, é natural que se fomente alguma dúvida em torno do quão benéfica a presença da injeção direta seria para manter a competitividade contra os motores Diesel. A possibilidade de recorrer a uma proporção menor de gasolina ou etanol em relação à massa de ar da admissão sem tanto risco de pré-ignição, bem como manter uma taxa de compressão mais alta que beneficie mais o etanol do que a gasolina quando o motor é "flex", também tem atraído uma parcela cada vez mais significativa do público. Mas será que não poderia ocorrer que a aparentemente obsoleta injeção convencional nos pórticos de válvula ofereça vantagens que possam assegurar uma relação custo/benefício que se mantenha atraente para o público generalista?

Se por um lado a economia de combustível inicialmente é beneficiada à medida que a injeção direta é mais difundida nos motores a gasolina e/ou "flex", por outro também já se observam efeitos colaterais antes tidos como um calcanhar-de-Aquiles mais específico dos motores Diesel, destacando aumentos nos índices de emissão de óxidos de nitrogênio (NOx) por conta do menor resfriamento da carga de admissão que estaria associado à formação de mistura ar/combustível por uma injeção nos pórticos de válvula e de material particulado fino em função da vaporização incompleta do combustível antes que a ignição ocorra. A própria Volkswagen, entre as medidas que tomou durante o rescaldo do escândalo de manipulação de resultados de testes de emissões "Dieselgate" deflagrado em 2015, passaria a usar filtro de material particulado não só em versões equipadas com motor Diesel em modelos como a 2ª geração do SUV Tiguan, lançada em 2016 e inaugurando o uso do dispositivo nos motores do ciclo Otto. Mas assim como a própria injeção direta a princípio tem um custo inicial mais alto, também se torna dispendioso incorporar elementos que venham a contornar alguma desvantagem desse sistema...

Ainda observando a linha Volkswagen, considerando o atual motor EA211 de 1.0L e 3 cilindros que é oferecido simultaneamente em versões de aspiração natural ou com turbo em modelos como o Polo, a diferença entre os sistemas de injeção em função da presença ou não da indução forçada é um aspecto relevante. Tendo em vista as maiores pressões internas em decorrência da maior carga de admissão no motor TSI devido à presença do turbo, a injeção direta proporciona uma maior economia do que seria possível esperar caso alguém se dispusesse a turbinar por conta própria o motor MSI e mantivesse a injeção nos pórticos de válvula. Antes que a injeção direta se fizesse mais presente em motores turbo de ignição por faísca, uma experiência anterior da Volkswagen com o turbo no motor EA111 não fez tanto sucesso comercial em parte pela necessidade de um enriquecimento da mistura ar/combustível, além de um maior conservadorismo do público tradicional de modelos como a Parati que chegou a ser oferecida entre 2000 e 2004 com a versão turbo do EA111 fazendo com que se tornasse difícil de justificar diante do EA827 "AP" cuja versão de 1.6L a gasolina foi cotada para ser substituída por essa primeira tentativa de levar à frente o downsizing no mercado brasileiro.

Mas se a injeção nos pórticos de válvula parece ser um empecilho ao downsizing, por outro lado hoje é um pretexto para que motores de concepção mais simples permaneçam competitivos em algumas circunstâncias. Uma vantagem ainda muito clara é a maior facilidade para converter para gás natural, opção frequente nos táxis mas que também ganhou um novo impulso em veículos particulares devido à possibilidade de serem usados como uma fonte de renda extra na operação com aplicativos como o Uber e o Cabify. A exposição dos bicos injetores originais à frente de propagação de chama quando o motor recorre à injeção direta torna imprescindível que se mantenha algum volume do combustível original para mantê-los adequadamente refrigerados quando se usa o gás natural, inconveniente que não se repete nos motores com injeção convencional como o 1.6 MSI oferecido como alternativa ao 1.0 TSI no Volkswagen Virtus. E além do motor de cilindrada mais alta com aspiração natural ter um custo de produção menor, vale destacar uma vantagem para taxistas e deficientes que é o abatimento do IPI proporcionalmente maior em comparação ao das versões equipadas com o motor menor que se enquadram na alíquota mais baixa originalmente destinada aos carros "populares".

A presença da injeção direta em motores de ignição por faísca não tem sido restrita aos turbo, com os motores Ecotec 2.5 SIDI atualmente oferecido pela Chevrolet nas versões "flex" da S10 e o Duratec Direct da Ford que hoje no Brasil só equipa o EcoSport Storm servindo de exemplos de motores com aspiração natural recorrendo a esse método de injeção. Ainda que sejam proporcionadas melhorias no desempenho diante dos motores anteriores com injeção no pórtico de válvulas, na S10 isso se deve à configuração de 16 válvulas com duplo comando variável e ao ligeiro aumento de cilindrada frente ao antigo Família II de 2.4L com comando simples e 8 válvulas, e até causa alguma surpresa que a taxa de compressão de 11,2:1 do motor atual seja um pouco menor comparada à de 11,5:1 do anterior. Já no EcoSport, a especificação anterior do Duratec de 2.0L tinha taxa de compressão 10% inferior à do Direct. A princípio, para versões 4X4 que seria de se pressupor terem uma maior procura por parte de usuários que venham a efetivamente explorar esse recurso em condições de rodagem mais severas em trechos distantes de um fornecimento regular de gás natural, seria de se esperar que a injeção direta parecesse não ser tão indesejável, e até eventualmente inspirasse a fazer uma reinterpretação moderna dos motores Hesselman que apesar da ignição por faísca podiam operar até com óleo diesel devido à utilização de injeção direta. Diga-se de passagem, a primeira aplicação da injeção direta em motores de ignição por faísca deu-se justamente nos motores Hesselman com o intuito de fazê-los funcionar com óleo diesel. Se tal estratégia hoje poderia soar estúpida de se tentar numa S10, que já conta com versões turbodiesel no mercado brasileiro, não deixaria de parecer até certo ponto tentadora num modelo como o EcoSport que nunca teve uma única versão Diesel homologada para venda no Brasil apesar de serem feitas para exportação...

Uma possível esperança para o ressurgimento da injeção nos pórticos de válvula em motores turbo de ignição por faísca poderia partir da China. A participação de uma subsidiária da Chery em projetos de sistemas de comando de válvulas hidropneumáticos sem eixos de comando, que além de melhorias no desempenho e consumo de combustível ainda prometem com a injeção nos pórticos de válvula alguns benefícios hoje associados à injeção direta no tocante à mitigação do risco de pré-ignição com taxas de compressão elevadas e facilidade de partida a frio com o etanol, poderia cair como uma luva em modelos como o Tiggo 5x já oferecido no Brasil pela joint-venture CAOA-Chery com um motor de 1.5L turbo de injeção direta. Tendo em vista que os fabricantes chineses tentam se distanciar daquela imagem de copiadores com qualidade duvidosa de tecnologias obsoletas da Toyota, Isuzu ou Mitsubishi, bem como o uso de combustíveis gasosos na China ser historicamente bastante difundido e com perspectivas bastante favoráveis que o biometano pode encontrar diante da necessidade de reduzir a dependência chinesa por combustíveis importados para atender à crescente frota, é ainda mais promissora a oportunidade.
Suponhamos que um sistema de comando de válvulas revolucionário pudesse não apenas reduzir as emissões dos motores de ignição por faísca e recuperar a competitividade da injeção nos pórticos de válvula, mas também eliminar os custos de componentes que iriam desde o corpo de admissão até o pré-catalisador e ainda dispensar a eventual inclusão de um filtro de material particulado que poderia se tornar necessário para atender a regulamentações de emissões cada vez mais rigorosas. Seria até um tanto previsível que uma parte considerável do público generalista com um perfil mais urbano e com facilidade para encontrar combustíveis sem tanta variação nas especificações se dê por satisfeita, mas está longe de ser uma unanimidade. Eventualmente a combinação entre a simplicidade da injeção nos pórticos de válvula e a variabilidade praticamente ilimitada na abertura das válvulas que pode ser proporcionada por um comando de válvulas sem eixo viabilizasse o uso de querosene para atender às eventuais restrições que o transporte de gasolina e outros combustíveis mais voláteis em operações militares devido ao maior risco de explosão, o que também seria um motivo para nem considerar uma utilização tanto do gás natural quanto do gás liquefeito de petróleo (GLP - "gás de cozinha") cujo manejo é muito mais complexo em comparação aos combustíveis líquidos em geral. Portanto, ao menos nas aplicações militares, fica mais difícil crer que o Diesel viesse a perder totalmente a relevância caso a injeção nos pórticos de válvula efetivamente favoreça a competitividade da ignição por faísca.

Atendo-se tão somente à maior adaptabilidade de motores Diesel ao uso de uma grande variedade de combustíveis líquidos, tendo como um dos expoentes máximos o clássico caminhão militar REO M35 "Deuce and a Half" americano, mesmo tendo um projeto que remonta a épocas em que normas de controle de emissões poderiam soar como um devaneio de ficção científica, é justificável esboçar uma dúvida quanto à viabilidade de propostas para que a ignição por faísca volte a ser hegemônica em todas as aplicações automotivas. Guardadas as devidas proporções e considerando que o princípio básico de cada ciclo termodinâmico aplicado a motores automotivos permaneça inalterado diante das evoluções dos sistemas de combustível, comando de válvulas e ignição, não faz sentido descartar de antemão vantagens nem da ignição por faísca com os combustíveis gasosos e voláteis nem do Diesel com combustíveis pesados. Enfim, as especificidades de diferentes aplicações se sobrepõem à ilusão de uma solução única e incontestável para todos os desafios...

terça-feira, 16 de julho de 2019

Pick-ups médias: haveria ainda espaço para motores com faixas de rotação mais modestas?

Apesar de terem se tornado uma espécie de símbolo de status mesmo em ambiente urbano, a origem utilitária das pick-ups fomenta o questionamento em torno de mudanças que essa categoria passou ao decorrer do tempo. A consolidação da preferência pelo Diesel em parte considerável dos mercados, e que levou à necessidade de dispor desse tipo de motorização para versões da Ford Ranger da geração anterior feitas na Argentina, também foi muito influenciada pela maior receptividade que os motores Diesel de alta rotação passaram a conquistar inclusive no mercado brasileiro. Mas considerando que a prioridade tenha sido uma redução dos custos operacionais, faria sentido crer que motores com faixas de rotação mais modesta ainda pudessem contar com uma maior aceitação pelo público generalista?

Não causa surpresa que nas pick-ups full-size, como a Ford F-250 que em algumas versões chegava a ser homologada como caminhão devido ao peso bruto total superando o limite de 3500kg para que se pudesse conduzir com CNH categoria B como uma caminhonete normal, uma parte considerável do público tenha se mantido fiel à concepção mais bruta de motores como o Cummins série B, que em versões com 4 cilindros e 3.9L foi oferecido em diferentes fases do ciclo de produção do modelo no Brasil. O porte mais avantajado, que comporta até com mais facilidade um motor de cilindrada maior, também faz com que o público generalista já associe tal opção como algo inerente a essa classe. Mas não se vê um movimento nesse sentido com a mesma frequência no tocante às pick-ups médias como a Ranger, cujas opções Diesel na geração anterior partiram de 2.5L passando por 2.8L para culminar em 3.0L até 2011, sempre de alta rotação.

O início da "dieselização" no Brasil tendo se desencadeado numa época de restrição a importações de forma um tanto imediatista, quando pick-ups full-size como a Ford F-100/F-1000 e motores de trator eram o que estava prontamente disponível, desencorajava investimentos mais ousados no âmbito dum downsizing que fosse mais direcionado especificamente a aplicações veiculares, tendo em vista ainda que ficaria difícil promover uma amortização mais rápida dos custos num mercado já prejudicado por restrições ao uso de um mesmo motor Diesel tanto em utilitários quanto em veículos leves. Enquanto na ignição por faísca se tornava facilmente justificável o compartilhamento de um motor como o 2.3 OHC da Ford em versões a etanol ou gasolina tanto em utilitários como a F-100 quanto no Maverick que foi o único automóvel a usar esse motor no Brasil, o mesmo não seria tão facilmente aplicável a um motor Diesel que pudesse proporcionar desempenho satisfatório a uma pick-up ao mesmo tempo que coubesse num automóvel médio sem alterações tão drásticas para suportar o peso excessivo sobre o eixo dianteiro.

Já nas pick-ups médias, que foram ganhando uma participação cada vez mais expressiva no mercado, os motores de alta rotação marcaram presença desde o início justamente pela proposta de serem mais leves e compactas que uma full-size, mesmo que alguns modelos como a Volkswagen Amarok já se aproximem mais do porte de gerações anteriores das full-size. Considerando fatores que vão desde o menor apreço pelo outsourcing de motores Diesel leves entre os fabricantes generalistas com maiores volumes de vendas como é o caso da Volkswagen, até a economia de escala em âmbito mundial tendo em vista o compartilhamento do motor 2.0TDI com veículos de passageiros em outros países, poderia soar mais óbvio priorizar essa opção. O perfil mais abrangente do consumidor de pick-ups moderno, que não se restringe mais tanto às aplicações meramente utilitárias e se firma também num contexto recreativo, também favoreceu a presença de motores cada vez mais sofisticados.

Naturalmente, evoluções que vão desde a massificação do turbo e do gerenciamento eletrônico foram necessárias tanto para atender ao rigor cada vez maior das regulamentações de emissões quanto para o desempenho alcançar patamares que alçassem motores turbodiesel de alta rotação com 4 cilindros à posição de desafiar os V6 e V8 de ignição por faísca sedentos por gasolina, o que pode fazer com que alguns consumidores das novas gerações de pick-ups médias questionem até que ponto pudesse fazer sentido oferecer algo mais fiel à proposta utilitária que permanece mais clara nas versões com cabine simples de modelos como a Chevrolet S10. Convém destacar que, embora seja possível conduzir uma pick-up média com habilitação para automóveis, algumas características como o centro de gravidade mais alto interferem na estabilidade e exigem um maior cuidado principalmente em altas velocidades. Portanto, apesar de que uma eventual oferta de motores com uma menor elasticidade decorrente dum regime de rotação mais modesto pudesse ser vista como um retrocesso, o resultado prático não seria de todo insatisfatório, além do mais que atualmente costuma ser comum a limitação eletrônica da velocidade máxima por volta de 160 a 180km/h.

Outro aspecto cada vez mais relevante para as novas gerações de motores Diesel tanto para utilização profissional quanto particular, o controle de emissões tem onerado muito o desenvolvimento de novos projetos, e nesse sentido pode até se tornar mais relevante explorar mais a modularidade de algumas séries de motores com regimes de rotação mais modestos em comparação por exemplo aos Duratorq que equipam a atual geração da Ford Ranger em versões com 4 cilindros e 2.2L ou 5 cilindros e 3.2L mas sempre com duplo comando de válvulas no cabeçote sincronizado por corrente. Por mais que soe difícil convencer o público com perfil mais destinado a um uso recreativo do motor de 3.2L a cogitar algo mais modesto, pode até não ser tão absurdo destacar possibilidades eventualmente desperdiçadas para um hipotético motor de 3 cilindros entre 2.9L e 3.4L que viesse a compartilhar o projeto básico com os Cummins série B que fizeram história nos caminhões Ford Cargo nas versões de 3.9L e 4.5L com 4 cilindros ou de 5.9L e 6.7L com 6 cilindros de acordo com as faixas de peso e potência, bem como o enquadramento em diferentes limites de emissões. O fato dos motores Cummins série B não terem corrente nem correia de comando de válvulas também se torna mais conveniente para veículos de trabalho, sendo um componente a menos para ser inspecionado na rotina de manutenção.

Por mais que uma parte do sucesso da atual geração de pick-ups médias junto a consumidores com perfis mais diversificados possa ser atribuída ao menos parcialmente aos motores turbodiesel de alta rotação, e também à evolução tecnológica que se apresenta principalmente nas últimas duas décadas, é compreensível que a essência utilitária desse tipo de veículo ainda seja convidativa para o recurso a soluções tecnicamente mais conservadoras. A bem da verdade, eventuais vantagens na durabilidade e economia de combustível que possam estar relacionadas a regimes de rotação mais modestos podem beneficiar tanto usuários particulares/recreativos quanto profissionais. Enfim, tanto para oportunizar uma maior liberdade de escolha quanto beneficiar o usuário final, ainda faria sentido oferecer essa alternativa.