quinta-feira, 27 de janeiro de 2022

5 motores Diesel que poderiam ter servido à 3ª geração do Ford Fiesta eventualmente até melhor que o Endura-D

Um modelo que fez bastante sucesso na Europa, o Ford Fiesta de 3ª geração teve uma grande variedade de motores, em contraste com o uso exclusivo do 1.3 HCS a gasolina durante a breve passagem desse modelo no Brasil. Para um modelo compacto europeu da década de '90, naturalmente era de se esperar ao menos uma opção de motor Diesel, e o Endura-D de 1.8L que também equipava outros modelos da Ford na Europa acabou sendo a escolha mais óbvia numa configuração de aspiração natural e injeção indireta que ainda era habitual no segmento durante o ciclo de produção da 3ª geração do Fiesta. Apesar de ter sido bastante conveniente para a Ford usar um motor que já tinha pronto, vale destacar que estava longe de ser o melhor na faixa de cilindrada principalmente em função da sincronização mais complexa do comando de válvulas e da bomba injetora. Outros motores Diesel poderiam até eventualmente servir melhor, cabendo mencionar ao menos 5 opções um tanto improváveis à primeira vista:

1 - PSA TUD5: uma faixa de cilindrada menor em torno de 1.5L podia até soar "inferior" num primeiro momento, mas estava longe de estar em desacordo com o segmento considerando tanto a aplicação em modelos Peugeot e Citroën quanto o fornecimento para outros fabricantes como a Nissan. Até mesmo a Ford posteriormente recorreu à PSA quando precisou reformular a linha de motores Diesel na Europa;

2 - Volkswagen EA827 1.6D: além da joint-venture AutoLatina com a Volkswagen tendo se tornado momentaneamente uma tábua de salvação para a Ford no Brasil entre '87 e '96, convém lembrar que a atual fábrica da Volkswagen em Portugal havia sido implementada também como uma joint-venture com a Ford e operando como tal até 2006. E mesmo que o Fiesta nunca tenha sido produzido em Portugal, e a 3ª geração tenha sido trazida ao Brasil ainda importada e um tanto às pressas em meio à dissolução da AutoLatina, descartar de antemão a hipótese de eventuais tratativas para o outsourcing de motores seria um tanto precipitado;

3 - Perkins 4-108: um motor que pode parecer exageradamente rústico, além do mais por ser da mesma faixa de cilindrada do Endura-D, mas a rusticidade estaria longe de ser totalmente indesejável diante das pretensões mais austeras do público-alvo de veículos com motor Diesel à época O fato do Endura-D ter sido derivado do motor Ford LT de 1.6L co-projetado pela Deutz acaba sendo outro precedente que pudesse ter justificado um outsourcing. Só de dispensar o complexo arranjo de corrente sincronizadora para a bomba injetora e correia dentada para o comando de válvulas já seria uma vantagem, ainda que alguns motores de concepção mais moderna que o Perkins 4-108 já contassem com uma única correia para sincronizar tanto a bomba injetora quanto o comando de válvulas;

4 - Mercedes-Benz OM636: um motor bastante improvável, tendo em vista que na década de '70 já era descontinuado o uso em furgões Mercedes-Benz feitos na Espanha sendo substituído pelo OM615, mas a rusticidade comparável ao Perkins 4-108 se mantinha até interessante. Esse motor ter permanecido em linha até '90 para outras aplicações eventualmente facilitasse a manutenção e reposição de peças, apesar de ser improvável que a então Daimler-Benz se dispusesse a fornecer um motor teoricamente obsoleto à época ou mesmo a licenciar os direitos de produção para a Ford como fez com a ENMASA na Espanha;

5 - Lombardini LDW1404: um motor bastante improvável mesmo, embora tenha chegado a ser usado em alguns veículos comerciais leves feitos pela Piaggio ao menos até 2003. O desempenho ficaria mais próximo ao da primeira geração dos carros "populares" brasileiros da década de '90, mas novamente vale lembrar que uma parte considerável dos que optavam por motores Diesel àquela época tinham outras prioridades. O fato da antiga Lombardini (atual Kohler Power) ter sido uma das mais importantes fábricas de motores Diesel leves para finalidades agrícolas e estacionárias/industriais na Europa poderia também ser conveniente quanto à obtenção de peças de reposição e assistência técnica.

sexta-feira, 21 de janeiro de 2022

3 motores turbodiesel que poderiam ter caído como uma luva no Toyota Corolla Cross

Em contraste com a estratégia da Toyota em apresentar a hibridização como inerentemente antagônica a motores turbodiesel, a ponto de no Brasil apostar na integração com a tecnologia flex mesmo que hoje o etanol se mantenha competitivo frente à gasolina somente em poucas regiões, modelos como o Corolla Cross já são oferecidos em alguns países somente em configuração híbrida, inclusive alguns mercados de exportação supridos pela filial brasileira da fabricante. De um modo geral, modelos da categoria dos SUVs ainda costumam encontrar uma maior receptividade da parte do público generalista para motores turbodiesel, e no caso do Toyota Corolla Cross mesmo que as versões brasileiras não ofereçam a opção de tração 4X4 que poderia ser usada para assegurar o direito ao uso de motores turbodiesel por meio de uma homologação como "utilitário" ainda há outros tantos países onde essa restrição é inexistente. Vale destacar ao menos 3 motores que poderiam ter caído como uma luva para o modelo, caso a Toyota não estivesse tão focada em antagonizar o Diesel em veículos leves:

1 - Peugeot DV5: tendo em vista que a Toyota já mantém algumas parcerias estratégicas com a atual Stellantis desde a época da PSA Peugeot/Citroën, principalmente no segmento de furgões na Europa, a possibilidade de usar um motor Peugeot pareceria relativamente fácil de implementar. Além do mais que a Toyota já chegou a usar brevemente o motor Peugeot DW8 em algumas versões de uma geração hoje antiga do Corolla;

2 - BMW B37: como a Toyota já chegou a usar motores BMW N47D16 e N47D20 de 1.6L a 2.0L com 4 cilindros em alguns modelos destinados ao mercado europeu, um eventual uso do motor B37 de 1.5L e 3 cilindros estaria longe de soar tão absurdo. Além do precedente histórico, a tributação diferenciada para os motores Diesel na União Européia sendo mais extorsiva com relação aos motores acima de 1.6L favoreceria esse motor em comparação ao B47 de 2.0L e 4 cilindros por exemplo;

3 - Toyota 1ND-TV: produzido entre 2002 e 2020, voltado aos mercados europeu, japonês e indiano, o 1ND-TV certamente poderia ter contado com uma sobrevida. Em que pese incorporar a sofisticação do bloco de alumínio, tem uma configuração relativamente austera como ainda é típico da Toyota na linha Corolla para a maior parte dos mercados. A cilindrada de 1.4L está longe de prejudicar o desempenho.

segunda-feira, 17 de janeiro de 2022

Breve reflexão sobre a incoerência nas alegações quanto à prioridade no uso do óleo diesel convencional para veículos pesados

É bastante comum apontar temores quanto a eventuais impactos na disponibilidade de combustível para o transporte pesado entre os principais entraves a uma liberação de motores Diesel para uso em veículos leves num país ainda tão rodoviarista e dependente de caminhões como o Brasil. No entanto, em meio a diferenças entre as condições operacionais e até tecnologias de controle de emissões aplicáveis a tantos veículos comerciais em circulação, restringir a discussão em torno de alternativas que possam servir tão bem quanto ou até melhor que o óleo diesel convencional acaba atrapalhando mais ainda, e dificultando a busca por soluções que minimizem o alegado risco de faltar combustível para os caminhões e também possam proporcionar tanto uma maior rentabilidade ao agribusiness brasileiro quanto aproveitar alguns recursos energéticos hoje negligenciados. Do biodiesel ao etanol, passando pelo biogás/biometano, não faltam opções integráveis com diferentes graus de facilidade a uma cadeia logística de combustíveis já consolidada, bem como para expandir a oferta de combustíveis gasosos para facilitar a implementação em rotas regionais além de alguns grandes eixos de transporte rodoviário onde o gás natural vem tendo uma presença relevante mediante adaptações para um uso simultâneo ao óleo diesel convencional.

Uma operação declaradamente mais regionalizada, como dos ônibus urbanos e intermunicipais, oferece condições bastante propícias para expandir o uso do gás natural, e eventualmente do biogás/biometano, tanto recorrendo a uma injeção suplementar mantendo o motor turbodiesel original quanto recorrendo a um motor do ciclo Otto com algumas otimizações para o uso do gás, que tende a suportar altas taxas de compressão até melhor em comparação ao etanol mesmo com uma mistura ar/combustível mais pobre. Naturalmente o conservadorismo predominante entre os gestores de frotas de transporte coletivo acaba sendo um empecilho para a busca por outras opções, destacando-se até a preferência pelos chassis para ônibus com motor dianteiro mesmo em rotas onde o motor traseiro possa servir melhor aos passageiros, e o fato de ser relativamente mais fácil vender um ônibus usado de motor dianteiro é outro aspecto que desencoraja tentativas de fomento a combustíveis alternativos porque nem todos os operadores fora dos grandes centros teriam acesso fácil a biodiesel puro (B100) ou etanol e muito menos ao gás natural. Se por um lado a consolidação do óleo diesel convencional como principal combustível para o transporte pesado parece inquestionável, por outro ainda convém salientar que nada impede um motor a gás ou até etanol compartilhar o bloco e alguns componentes internos com as versões turbodiesel, facilitando uma conversão caso seja desejável tanto pelo operador original quanto no mercado de usados.

O fato de alguns tipos de veículo cujo perfil de utilização ser mais frequentemente relacionado ao lazer ter um predomínio dos motores Diesel, como é o caso dos motorhomes, também acaba por colocar em xeque uma argumentação quanto à prioridade do óleo diesel convencional para aplicações "utilitárias" e estritamente profissionais. Até seria o caso de considerar como diferentes especificações do óleo diesel podem impactar no funcionamento dos dispositivos de controle de emissões aplicáveis a cada geração de motores, principalmente o teor de enxofre que é um problema ainda mais crítico quando equipados com EGR ou incompatibilidades entre o filtro de material particulado (DPF) e a adição de biodiesel em proporções elevadas que tende a dificultar a vaporização durante a autolimpeza ou "regeneração" desse componente, o que poderia justificar tanto o fomento a combustíveis alternativos que sejam facilmente integrados ao veículo quanto sistemas de controle de emissões mais compatíveis com peculiaridades do biodiesel ou até mesmo do uso direto de óleos vegetais brutos como combustível quando aplicável. Vale destacar que são proibidas alterações nos sistemas de controle de emissões que contrariem as normas da época que um veículo tenha sido homologado, mas no fim das contas o maior problema é o comodismo em torno do óleo diesel convencional para uso profissional em detrimento da busca por alternativas que proporcionem uma melhor eficiência para atender tanto às necessidades do transporte comercial quanto sejam viáveis para aplicações particulares nas mais variadas categorias de veículo que nem sempre são autorizadas a usar um motor Diesel no Brasil.

Pode num primeiro momento até parecer mais difícil justificar que se derrubem as restrições ao uso dos motores Diesel em veículos leves no Brasil, especialmente à medida que algumas políticas beneficiam a participação de veículos híbridos ou puramente elétricos, e um domínio do mercado automobilístico por empresas estrangeiras mais susceptíveis à pressão do ecoterrorismo internacional acaba tendo reflexos também em países onde a infra-estrutura está longe de ser a mais recomendada para se promover uma eletrificação maciça do transporte tanto particular quanto comercial. Considerando desde um descrédito que o etanol sofreu no Brasil em decorrência de antigas sabotagens políticas que até contrastavam com a chamada "diplomacia do etanol", passando pela apresentação dos híbridos a gasolina na Europa e nos Estados Unidos como pretexto para ignorar os melhores motores turbodiesel, uma série de medidas sem boa fundamentação técnica e incoerentes com a realidade brasileira causam mais problemas ao invés de resolver. Além de um comodismo que ignora o potencial do setor agropecuário brasileiro na provisão de soluções energéticas adequadas à realidade nacional, uma imposição político-midiática da eletrificação tornou-se outro empecilho para corrigir uma distorção que se revela mais burocrática que técnica.

terça-feira, 11 de janeiro de 2022

Uma observação sobre a estratégia de motores para o Volkswagen Polo de 6ª geração

Modelo que chegou ainda importado da Argentina na 3ª geração como sedan, produzido no Brasil na 4ª geração tanto em versões sedan quanto hatch, o Volkswagen Polo retornou na 6ª geração novamente com fabricação nacional e a oferta de motores flex para o mercado interno priorizando as configurações turbo e dependendo de um motor 1.6 aspirado somente a gasolina para exportação regional que não tem similar nas versões européias e sul-africanas. Como já seria de se esperar, a proibição ao uso de motores Diesel em veículos leves no mercado brasileiro e uma percepção dos motores a gasolina com aspiração natural como inerentemente mais simples que os turbodiesel modernos tem favorecido o motor 1.6 MSI na pauta de exportação regional, tendo em vista que os benefícios fiscais aos motores 1.0 MSI e TSI no Brasil não encontram semelhança em outros países atendidos pela produção brasileira. Outro aspecto a considerar com relação ao motor de 1.6L e aspiração natural com injeção nos pórticos de válvula, além da maior simplicidade construtiva e portanto menor custo inicial comparado aos 1.0 e 1.4 TSI dotados de turbo e injeção direta, é a maior facilidade para instalar um kit de conversão para gás natural, que já o tornaria mais recomendável para cariocas por conta da redução de IPVA em veículos convertidos para gás quanto para operadores comerciais como taxistas pela isenção de IPI e ICMS proporcionalmente mais alta que para um exemplar equipado com o motor 1.0 TSI, em que pese algum comprometimento no volume útil do compartimento de bagagens diminuir a probabilidade de ver um Polo táxi.

Mas se o motor 1.0 TSI encontrou uma boa receptividade tanto no Brasil quanto na Europa e na África do Sul, enquanto o 1.0 MSI é oferecido somente em versões básicas brasileiras e européias, somente na Europa foram feitas versões turbodiesel com um motor de 1.6L que não deixa de guardar semelhanças com o 1.9 TDI que chegou a ser produzido em São Carlos e equipar alguns veículos Volkswagen feitos no Brasil para exportação. A grande modularidade que tem caracterizado as principais linhas de motores Volkswagen poderia pressupor uma relativa facilidade em implementar uma produção local do 1.6 TDI para atender à exportação regional, ou mesmo recorrer a outro motor mais simples como o 1.4 TDI de 3 cilindros que era basicamente o 1.9 TDI com menos 1 cilindro e a princípio podia manter o custo mais competitivo a nível de América Latina, África e Oriente Médio, mesmo que fosse necessário recorrer a uma calibração de potência e torque mais conservadora para eventualmente evitar a complexidade de um sistema SCR e focar em operadores que priorizem o aspecto essencialmente utilitário de um motor turbodiesel ao invés de direcioná-los para um público mais generalista. Não há de se desconsiderar que, além da maior sofisticação da atual geração de sistemas de controle de emissões destinada aos motores turbodiesel já desencorajar essa opção em veículos compactos mesmo na Europa, a politização da pauta da "sustentabilidade" e o desgaste na imagem da Volkswagen e dos motores Diesel após a discrepância observada principalmente nos índices de óxidos de nitrogênio (NOx) em condições de teste laboratorial e de uso normal ter deflagrado o escândalo do Dieselgate também se revela especialmente desafiadora.

A massificação da injeção direta em motores turbo tanto só a gasolina quanto nos flex aptos também ao uso de etanol, e que começou a ser mais difundida no Brasil para o público generalista exatamente pela Volkswagen, também traz alguns desafios no controle das emissões de material particulado a ponto de hoje ser exigido em motores a gasolina com injeção direta na Europa um filtro de material particulado análogo ao DPF, além da mesma possibilidade de usar uma proporção menor de combustível pela carga de ar da admissão que beneficia a economia de combustível favorecer a formação dos NOx tal qual nos motores Diesel. Por mais que o uso de combustíveis voláteis pareça simplificar o controle dos NOx por um enriquecimento da proporção de combustível em algumas condições de modo a resfriar as câmaras de combustão mais intensamente, os intervalos mais curtos para vaporização acabam sendo um aspecto crítico numa comparação com a injeção nos pórticos de válvula que não deixa de ter uma formação de mistura ar-combustível mais homogênea, e portanto não convém negar que a injeção direta chegar aos motores de ignição por faísca esteja longe de ser um pretexto válido para ignorar uma viabilidade futura dos turbodiesel para atender a outras condições operacionais. Enfim, por mais que pareça conveniente o atual favoritismo por motores a gasolina ou flex e eventualmente incluindo o gás natural tanto adaptado quanto em motores como o 1.0 TGI oferecido na Europa e apto a manter o uso temporário de gasolina em condições emergenciais, não convém subestimar o Diesel.

sexta-feira, 7 de janeiro de 2022

5 veículos altamente improváveis que o motor Mercedes-Benz OM636 poderia ter servido relativamente bem

Um motor tão rústico que chega a ser derivado de um flathead a gasolina da década de '30, mas chegou a ser usado em automóveis Mercedes-Benz "Ponton" até o início da década de '60, o motor OM636 foi certamente um dos mais importantes para o Diesel ser apresentado como uma opção viável aos olhos do público. Com um projeto iniciado ainda durante a II Guerra Mundial concluído em '48, lançado em '49 e oficialmente usado em alguns furgões Mercedes-Benz até ao menos '74, teve a produção continuada até '90 para atender a outros segmentos como o agrícola e o náutico por exemplo. A bem da verdade, e considerando que outros motores Diesel com injeção indireta e aspiração natural continuaram em linha mesmo quando já vigoravam as normas Euro-3 na União Européia ou similares em outras regiões, seria o caso de eventualmente justificar uma eventual sobrevida para o motor Mercedes-Benz OM636 até em automóveis e utilitários leves, mesmo que se fizessem necessárias algumas atualizações discretas, e ao menos 5 modelos estariam particularmente bem servidos se pudessem ter disposto desse motor:
1 - Suzuki Samurai: mesmo tendo contado a partir de '98 com a opção por motores Peugeot XUD9 e posteriormente Renault F8Q no mercado europeu enquanto o modelo foi produzido na Espanha pela Santana Motor, certamente um público mais conservador apreciaria uma concepção mais austera com sincronização do comando de válvulas e da bomba injetora diretamente por engrenagens. Mesmo diante do desempenho mais vigoroso alcançado por versões equipadas com motores Peugeot e Renault, que além da cilindrada um ligeiramente alta incorporavam o comando de válvulas no cabeçote sincronizado por correia dentada, vale lembrar que algumas versões do Samurai chegaram a usar motor Suzuki F10A de 1.0L a gasolina, que além da sincronização do comando por correia dentada tinha um desempenho mais modesto do que seria possível alcançar com o OM636 caso fosse disponibilizado. Outro aspecto a se levar em conta seria a possibilidade de oferecer mais cedo ao menos uma opção Diesel tanto para a Europa quanto outras regiões, até mesmo o Brasil onde o Suzuki Samurai é reconhecido como utilitário para fins de homologação e portanto pode até receber adaptações com outros motores mais facilmente encontrados no mercado nacional;

2 - SEAT Ibiza: um caso bastante complexo a analisar em função da história desse fabricante espanhol, que antes de ser adquirido pela Volkswagen durante a privatização foi coligado à Fiat e teve precedentes do uso de motores Mercedes-Benz feitos sob licença na Espanha em modelos para os quais o projeto da Fiat previa somente motores a gasolina. Tendo em vista que a 2ª geração do SEAT Ibiza foi projetada já com participação da Volkswagen, outro tópico que vale a pena abordar é a linha de motores Volkswagen EA827 "AP" que chegou a equipar esse modelo tanto em algumas versões a gasolina quanto em todas as Diesel é resultado de um projeto da Daimler-Benz recebido pela Volkswagen com a compra da Auto Union. Conexões com a Mercedes-Benz desde a época que a SEAT era estatal, e também a Volkswagen só ter dado mais destaque aos motores de refrigeração líquida quando passou a ser proprietária da Auto Union, seriam uma justificativa tão plausível para que o Ibiza tivesse sido oferecido com a opção por um motor como o Mercedes-Benz OM636 quanto a facilidade para pescadores da região de Barcelona familiarizados com a versão desse motor marinizada pela Solé Diesel assimilarem os procedimentos de manutenção numa aplicação automotiva;

3 - Volkswagen Polo Classic: modelo que fez muito sucesso na Argentina, onde contou com as versões Diesel de 1.6L a 1.9L com injeção indireta ou de 1.9L e injeção direta, além do motor AP 1.8 a gasolina que foi o mais conhecido nas versões exportadas ao Brasil. Além do histórico da origem dessa linha de motores ter relações com a Mercedes-Benz, convém recordar que muitos argentinos passam longe de ser tão criteriosos com manutenção, e portanto um motor consideravelmente mais rústico ainda poderia atender bem aos cupins-de-ferro de plantão;

4 - Escort Mk.6: embora tenha sido oferecido com o motor Endura-D fabricado pela própria Ford, que contou tanto com uma especificação de aspiração natural e injeção indireta quanto turbodiesel variando entre a injeção indireta e a injeção direta de acordo com o ano-modelo, a sincronização mais complexa com corrente duplex entre o virabrequim e a bomba injetora e a correia dentada entre a bomba injetora e o comando de válvulas no cabeçote pode se tornar um inconveniente. Apesar do motor OM636 com a cilindrada de 1767cc nas especificações mais conhecidas parecer desfavorecido de antemão com apenas 3 mancais principais de virabrequim e as faixas de rotação mais estreitas na comparação ao Endura-D, que mesmo com 1753cc oferecia potência notavelmente maior e um pouco mais de torque até quando aspirado além de ter 5 mancais de virabrequim e as opções turbodiesel, a possibilidade de dispensar as correias já seria um atrativo. Outro aspecto que poderia justificar o uso de um motor Mercedes-Benz foi a Ford ter recorrido à Deutz para consultoria durante o desenvolvimento do motor LT que daria origem ao Endura-D, e posteriormente a uma cooperação com a antiga PSA Peugeot-Citroën (atual Stellantis) para ter acesso aos motores DV4 e DV6 rebatizados como Ford DLD-414 e DLD-416, e então fazer um outsourcing de algum projeto de motor Diesel junto à Mercedes-Benz poderia ter feito algum sentido. Talvez se Henry Ford tivesse recebido e aceitado uma oferta do projeto do OM636 como espólio de guerra, ao invés da fábrica da Volkswagen e do projeto do Fusca que ele foi bastante infeliz de recusar, a história teria sido outra;

5 - Peugeot 205: outro que pareceria simplesmente impossível de justificar uma eventual instalação do motor Mercedes-Benz OM636, embora pudesse ser justificável tanto no tocante a reparações de guerra quanto à logística. Quando chegou a ser produzido na Espanha, teve entre as opções de motor algumas versões da linha Simca Poissy cujo ferramental de produção havia sido instalado na fábrica de Madrid ainda na época que a antiga Barreiros Diesel estabeleceu uma cooperação técnica com a Chrysler para a produção de automóveis. Apesar de ter contado com a opção pelo motor XUD7 para quem preferia uma opção Diesel e que se beneficiava da escala de produção alcançada por um projeto modular que previa também versões a gasolina, o uso de outra linha de motores somente a gasolina na Espanha durante um período que já abrangia uma produção continuada do motor Mercedes-Benz OM636 para aplicações em outros segmentos teria justificado com relativa facilidade um fornecimento de exemplares desse motor feitos sob licença na Espanha para a operação local de um fabricante francês, até mesmo como parte de eventuais reparações de guerra.

segunda-feira, 3 de janeiro de 2022

Breve observação sobre a desvirtuação do conceito de SUV e das características de utilitário

A minha geração cresceu influenciada pela reabertura do mercado aos automóveis importados, podendo atribuir à chegada de utilitários com um rodar mais suave que o dos jipões de concepção tradicional um maior apreço pelos SUVs junto a consumidores com um perfil mais urbano. Um modelo que acabou se tornando especialmente marcante nesse contexto foi o Suzuki Vitara de 1ª geração, rapidamente alçado à posição de um sonho de consumo da classe média-alta tanto em função do fascínio do mercado pelos importados de um modo geral quanto pelo fim do isolamento tecnológico que começava a ser delineado na frota brasileira. Por mais inegáveis que sejam algumas semelhanças entre um SUV raiz ainda dotado de chassi separado da carroceria e eixo traseiro rígido e os poucos 4X4 nacionais anteriores a '90, e até certo ponto comparáveis sem exageros também aos calhambeques, a "suvização" que viria a tomar uma proporção cada vez maior foi facilitada por um aproveitamento da escala de produção dos "caminhões leves" destinados aos Estados Unidos, que norteou a atuação de alguns fabricantes e importadores.

É inegável também a influência da primeira geração do Ford EcoSport, originalmente desenvolvida em função especificamente do Brasil e lançada em 2003 como um derivado do Fiesta "Amazon" produzido na Bahia, e portanto a maior similaridade técnica com um "popular" consideravelmente mais austero foi benéfica à fábrica de calhambeques quanto aos custos de produção. O maior prestígio que já se atribuía aos "utilitários-esportivos" frente a automóveis generalistas, ainda que uma proporção considerável dos principais componentes mecânicos e estruturais fosse rigorosamente a mesma, fazia a balança pesar por uma "suvização" cada vez mais agressiva, tomando até mesmo uma parte do público que anteriormente optaria por um automóvel de segmento imediatamente acima e uma configuração mais conservadora de carroceria. No caso específico do EcoSport, que teve uma participação mais expressiva das versões 4X2 nas vendas e chegou a oferecer posteriormente a opção por tração 4X4, convém destacar que o sistema ControlTrac II com acoplamento viscoso do diferencial traseiro sem uma caixa de transferência ou um diferencial central e a relação de marchas não foram suficientes para que fosse autorizado no Brasil o uso do motor Ford DLD-414/Peugeot DV4 turbodiesel de 1.4L e 68cv que chegou a equipar o modelo em mercados de exportação, e também foi aplicado ao Fiesta.

À medida que os SUVs tornaram-se cada vez mais relevantes a nível mundial, e que no Brasil continua em vigor uma restrição baseada em capacidades de carga e passageiros ou tração impedindo o uso dos mais modernos motores turbodiesel em automóveis, até pode parecer tentador num primeiro momento a "suvização" como uma brecha para ter essa liberdade de escolha. O enfoque cada vez maior ao público urbano, a ponto de modelos como o Mercedes-Benz GLB terem disponibilizadas no Brasil só versões de tração dianteira mesmo quando oferecem no exterior motores turbodiesel e tração nas 4 rodas com uma relação de marchas equivalente à presença da "reduzida" para fins de homologação como utilitário, leva a crer que o grande público está cada vez mais condicionado a aceitar passivamente a "suvização". Mas a bem da verdade, tendo em vista um distanciamento cada vez maior das premissas efetivamente utilitárias, uma adesão aos SUVs acaba perdendo sentido quando deixa de servir como um quebra-galho para quem prefira um tipo de motor mais que um tipo de carroceria.