sexta-feira, 14 de dezembro de 2018

Lamparina para pré-aquecimento de motores "cabeça-quente"/semi-Diesel num antiquário de Porto Alegre

Ao passar na frente de um antiquário daqui de Porto Alegre ontem pelo final da tarde, essa lamparina a querosene que estava na vitrine me chamou a atenção. Embora a loja estivesse já fechada no momento, o que impossibilitou a obtenção de informações mais precisas sobre o objeto, tudo leva a crer que se trate mesmo de uma daquelas que serviam para pré-aquecer os motores de ignição por bulbo quente, que já tiveram seus dias de glória nos segmentos agrícola, náutico e estacionário/industrial até aqui na região de Porto Alegre antes que os motores Diesel se tornassem hegemônicos para uso em serviços pesados. Embora já faça quase 16 anos que eu não vejo um motor de ignição por incandescência em efetiva operação e daquele último ter sido pré-aquecido com uma mecha de papel ou pano embebida em álcool ao invés de uma lamparina a querosene como essa, apesar de ter conhecimento de alguns que foram restaurados e ainda se encontram em condições de funcionamento no Museu do Motor localizado no prédio antigo da Escola de Engenharia da UFRGS, é pouco provável que essa lamparina volte a ser usada para a finalidade original, permanecendo como uma curiosidade histórica.

quarta-feira, 12 de dezembro de 2018

Gás natural e biogás/biometano: sufocados pelo monopólio estatal

O gás natural foi por alguns anos uma opção tida como de fácil adaptação à maioria dos veículos e com um custo razoável comparado à gasolina, principalmente em capitais e outros centros regionais. Muitos "espertos" aderiram a esse combustível como a tábua de salvação para "ostentar" uma barca que não teriam condições de sustentar na gasolina, e muito menos no etanol que de 2006 em diante voltou a ser alvo de desconfiança mesmo com a disponibilidade dos motores "flex". Ao ver a propaganda da Sulgás num ônibus da Carris ontem aqui em Porto Alegre, me vieram à memória questões referentes ao biometano e ao monopólio da Petrobras e outras empresas públicas na distribuição de gás natural canalizado, e como tal situação acabaria por efetivamente inviabilizar uma maior participação de mercado para os combustíveis gasosos tanto em regiões já servidas por ramais do gasoduto Bolívia-Brasil quanto outras onde não há a mesma facilidade.

A vocação agropecuária ainda muito forte no Rio Grande do Sul poderia soar como pretexto para firmar o biometano de forma comparável à que ainda ocorre com o etanol em São Paulo e parte do Nordeste, mediante o tratamento de rejeitos tanto do manejo de animais quanto do beneficiamento industrial da produção. Usinas de biogás/biometano tem a facilidade de poder operar com uma variedade maior de materiais orgânicos, inclusive de menor valor comercial que as matérias-primas predominantes para o etanol e o biodiesel, o que viria ao menos em teoria a justificar investimentos nesse setor, e a maior interiorização da distribuição faria do biometano uma alternativa mais competitiva não só em Porto Alegre e região mas também em cidades menores e mais distantes tanto daqui quanto de outras cidades-pólo como Pelotas e Santa Maria. Eventualmente, até as perspectivas para o gás natural figurar como um "combustível regional" a nível de Mercosul ficariam fortalecidas, viabilizando a redução na demanda por óleo diesel convencional nas operações de transporte rodoviário também em rotas para a Argentina e talvez o Uruguai.

Seria relevante abordar também, além do uso como combustível principal em motores de ignição por faísca como é o mais usual, tratar de uma eventual integração entre o biometano e o óleo diesel convencional ou o biodiesel em motores Diesel e o controle de emissões. Pode soar estranho num primeiro momento, mas no fim das contas não seria tão incoerente valer-se de uma substituição parcial do óleo diesel convencional por gás natural ou biometano, tendo em vista que ocorre um resfriamento da carga de ar ao fazer a injeção do combustível gasoso no coletor de admissão e assim diminui as condições que levam a uma maior formação de óxidos de nitrogênio (NOx) sem necessitar uma excessiva recirculação de gases de escape através do EGR para introduzir gases inertes no fluxo de admissão. E como o gás já adentra as câmaras de combustão em fase de vapor, a propagação da frente de chama também fica mais homogênea, proporcionando queima mais completa e com menos fuligem, o que em veículos equipados com filtro de material particulado (DPF) seria refletido numa menor frequência dos ciclos de autolimpeza (também conhecida como "regeneração") desse dispositivo. O predomínio do gás natural de origem fóssil entre as matérias-primas para a síntese da uréia industrial usada na formulação do fluido-padrão AdBlue/ARLA-32/ARNOx-32, essencial para o funcionamento do sistema SCR de pós-tratamento de gases de escapamento por redução catalítica dos NOx, é outro ponto a favor da integração ao óleo diesel convencional ou biodiesel, tendo em vista que ocorreria uma diminuição no gasto de energia com processos industriais.

No entanto, o monopólio estatal na operação de gasodutos e a destinação de uma eventual produção de biometano em escala comercial sendo a simples mistura ao gás natural fóssil tornam-se um empecilho, tendo em vista que o escoamento do combustível e a composição de preços ficam na mão de uma única entidade ao invés de fomentar a livre concorrência. Mesmo em algumas regiões do estado de São Paulo onde a distribuição de gás natural canalizado foi concedida à iniciativa privada, o modelo de negócio permanece monopolizado, e assim fica difícil apontar perspectivas de remuneração justa ao produtor de biometano e um custo que viesse a ser atrativo para o usuário final. A impressão que se tem é de uma sabotagem deliberada a qualquer opção que venha a libertar o público generalista de interferências políticas no preço dos combustíveis, como se podia observar com assustadora clareza antes do impeachment da Dilma, para não entrar no tópico de como a Venezuela ruiu em função de expedientes semelhantes.

Com os preços do gás natural se aproximando do etanol, cuja venda direta das usinas para os postos poderia amortizar mais dessa diferença sem incorrer nos problemas alegados pela Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) no tocante à logística e ao controle de qualidade, a viabilidade de mais um combustível passa a sofrer desconfiança por parte do público generalista, sendo talvez até mais impactante que o custo inicial de uma conversão do veículo. Lembrando ainda que a mesma tecnologia já aplicada ao uso do gás de origem fóssil também serviria ao biometano, soa mais estúpido e prejudicial ao cidadão de bem o atual cenário regulatório que na prática inviabiliza esse que por incrível que pareça poderia ser importante até para a pauta da liberação do Diesel em veículos leves devido à menor demanda por óleo diesel convencional que acarretaria em operações de transporte comercial e no uso em maquinário agrícola. Enfim, o gás natural e o biogás/biometano estão sufocados pelo monopólio estatal...

terça-feira, 4 de dezembro de 2018

Redução no IPI para híbridos: impacto mais visível nos segmentos de luxo

Não é nenhuma novidade que o Brasil é um país bastante confuso em algumas circunstâncias. O caso da redução nas alíquotas de IPI para veículos híbridos, beneficiando até modelos como uma suntuosa Porsche Panamera 4 e-hybrid Sport Turismo, também instiga à reflexão sobre até que ponto a redução nas alíquotas de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para automóveis elétricos e híbridos  de 25% para faixas de 7 a 18% para elétricos e de 9 a 20% para híbridos seria eficaz para aprimorar a eficiência energética e diminuir as emissões de poluentes da frota brasileira. E antes que pederastas ou meretrizes semi-analfabetos adeptos de lamber testículos de ricaços venham alegar que uma suposta "inveja" motive o questionamento, embora eu não os deva satisfação alguma, cabe recordar que a crítica de hoje é dirigida somente às políticas que norteiam a expansão na presença de mercado dos híbridos.
No caso específico da Panamera Sport Turismo que eu vi no último sábado (01/12), ainda é plug-in, o que suscita dúvidas quanto à capacidade do sistema elétrico nacional de suportar uma maior presença de veículos com essa configuração. Apesar de alguns condomínios na região onde eu vi a barca terem grupos geradores próprios para atender aos moradores em caso de quedas de energia, não é possível ignorar que esse problema acontece com relativa frequência até em bairros mais glamurizados quase sempre que chove e venta forte, problema agravado pela falta de poda preventiva das árvores aqui em Porto Alegre. E mesmo que se alegue que a maior parte da energia elétrica consumida no Brasil seja proveniente das usinas hidrelétricas, reputadas como uma fonte "limpa", não se pode ignorar que o uso de combustíveis fósseis permanece relevante principalmente quando o volume das barragens dos reservatórios atinge níveis muito baixos, como é o caso da CGTEE (Companhia de Geração Térmica de Energia Elétrica) que opera com gás natural aqui em Porto Alegre mesmo. A falta de investimento em infraestrutura ao longo de sucessivos governos cleptocráticos, cuja podridão começou a revelar-se no embalo da Operação Lava-Jato, também fomentou desconfianças durante ocorrências como a "crise do apagão" de 2001 e falhas técnicas como a queda dum raio numa subestação de Furnas em 2009.

De um modo geral, também é importante lembrar que pobre não compra carro híbrido no Brasil, ao contrário do que ocorre em países desenvolvidos com destaque para Japão e Estados Unidos que já eram mais refratários ao Diesel mesmo enquanto a Europa não se encaminhava para tomar o mesmo rumo. É possível que uma maior aceitação do câmbio automático pelo público generalista no exterior tenha favorecido a hibridização, em virtude da possibilidade de proporcionar uma transição suave da operação somente do(s) motor(es) elétrico(s) para o funcionamento em simultâneo com o motor de combustão interna, mas o custo inicial e a precariedade da assistência técnica independente ainda são uma barreira à massificação dos sistemas híbridos mesmo que até em segmentos menos prestigiosos que o disputado pela Porsche já se tenha uma presença mais maciça do câmbio automático. Mesmo que hoje se possa contar com motores elétricos "pancake" compactos o suficiente para ocupar pouco espaço entre o motor de combustão interna e o câmbio, bem como podendo assumir em simultâneo as funções do motor de arranque e do alternador, o custo de baterias com uma boa densidade energética e que não imponham um impacto tão exacerbado sobre o peso dos veículos e o volume interno do habitáculo e bagageiro permanece mais fácil de ser amortizado nos segmentos mais prestigiosos e/ou com maior valor agregado, mas permanece mais distante da realidade do público generalista.
É natural que modelos mais sofisticados e de custo inicial elevado se tornem early-adopters de novas tecnologias até mesmo para de certa forma subsidiar uma futura adequação das mesmas à proposta de modelos mais generalistas, mas a preferência institucionalizada pela hibridização está impulsionada por motivações mais politiqueiras do que técnicas e se torna inócua até diante de uma participação de mercado até certo ponto meramente figurativa de modelos de alto luxo como a Porsche Panamera 4 e-hybrid Sport Turismo. A idéia de apresentar os híbridos como antagônicos ao Diesel também não é muito desejável por ignorar tanto uma eventual aptidão ao uso de combustíveis alternativos quanto a incorporação de tecnologias como o turbo e a injeção direta ter sido impulsionada antes no Diesel. Enfim, mesmo que um híbrido de luxo possa dar tanta satisfação ao proprietário quanto um similar não-híbrido e ainda leve vantagem na redução do custo operacional a longo prazo, basicamente não se vê a mesma celeridade que se poderia inicialmente supor para os mesmos benefícios chegarem a segmentos mais modestos do mercado automobilístico.

segunda-feira, 3 de dezembro de 2018

Reflexão: poderia um retorno do motor 2-tempos de ignição por faísca proporcionar competitividade com o Diesel para operação em ambientes severos?

Esse é um tópico que sempre me vem à mente toda vez que eu vejo um DKW, especialmente se for um Candango que foi a versão brasileira do Munga alemão. A absoluta simplicidade de um motor 2-tempos em comparação a outros de ignição por faísca, a ponto de valer-se da adição de óleo direto no combustível em detrimento de um sistema de lubrificação por recirculação, poderia ser mais reconhecida como uma vantagem tanto no tocante à menor quantidade de componentes que pudessem acarretar num problema grave em caso de falha quanto pela eventual diminuição da incidência de descarte irregular de óleo lubrificante usado. Mas poderia um improvável retorno do motor 2-tempos ao segmento automobilístico ser competitivo diante do Diesel para operação em ambientes severos?
A bem da verdade, os motores 2-tempos de ignição por faísca costumam apresentar uma excelente tolerância a inclinações até um tanto extremas durante a operação, exatamente em função do método de lubrificação usado. Mesmo em modelos que já recorressem à injeção de óleo acondicionado num reservatório separado, que não foi usada no Candango mas equipou outros modelos da DKW-Vemag e algumas motocicletas Yamaha, o lubrificante não se acumula de forma irregular em diferentes áreas de um circuito de recirculação como pode ocorrer em motores 4-tempos de cárter úmido tanto de ignição por faísca quanto Diesel ao trafegar por trechos montanhosos ou desnivelados. Seria portanto uma característica muito apreciável tanto para uso civil em áreas rurais ou canteiros de obra quanto em aplicações militares, embora o desinteresse do Exército Brasileiro pelo Candango seja o motivo mais frequentemente mencionado para o fim precoce da produção do modelo no Brasil que se deu de '58 a '63. Vale lembrar que, embora o sistema de cárter seco possa ser implementado também em motores 4-tempos com lubrificação por recirculação tanto do ciclo Otto quanto Diesel, tornaria-se necessária a presença de um radiador de óleo que não se encontra nos motores 2-tempos de ignição por faísca.

Mesmo sem o Lubrimat, denominação comercial adotada pela DKW-Vemag para o mecanismo de lubrificação automática incorporado a outros modelos da marca como a Vemaguet, vale destacar a questão do etanol que é adicionado à gasolina e eventuais interferências na solubilidade do óleo. Cerca de 20 anos atrás, era muito mencionado um costume de se usar óleo de base vegetal para kart ao invés dos convencionais derivados de petróleo por esse mesmo motivo. Pode-se até considerar o uso direto de etanol com óleo de mamona como algo análogo ao direcionamento dos mesmos para a produção de biodiesel, embora as proporções entre ambos sejam diferentes nessas circunstâncias distintas. Por mais que não pareça muito provável que um colecionador queira forçar a barra e abastecer com etanol um Candango como se costuma fazer em karts, nos quais a dosagem de óleo para um dado volume de combustível é menor mas acaba compensada pelo maior consumo do etanol em comparação à gasolina, não há maiores impedimentos. A única incomodação que a ausência do Lubrimat poderia causar seria caso houvesse interesse em uma conversão para combustíveis gasosos, dificultando uma eventual aceitação de novos motores 2-tempos de ignição por faísca em operações urbanas e rodoviárias de curta distância em áreas bem servidas de gás natural, ou ainda de integrar-se a uma inserção do biometano em larga escala que pudesse ser atrativa a operadores em áreas rurais.
Embora em automóveis e utilitários o motor 2-tempos de ignição por faísca seja lembrado mais como algo extremamente rudimentar e destinado a veículos sem muita sofisticação, nos quais a concepção minimalista se reflete não apenas na parte mecânica, avanços já difundidos no mercado náutico em motores de popa como a injeção direta e a ignição eletrônica estática sem distribuidor possivelmente ainda tivessem condição de torná-lo novamente desejável aos olhos de uma parcela mais generalista do público, tendo em vista a percepção ainda um tanto generalizada de que a ignição por faísca seja mais "à prova de burro". Vale lembrar que, em função da ausência de válvulas de admissão ou escape (o uso de palhetas na admissão e de restritores móveis nas janelas de admissão como o YPVS da Yamaha não conta), só mesmo a injeção direta daria conta de reduzir as emissões de hidrocarbonetos crus que nada mais são do que vapores de combustível sendo desperdiçados enquanto a transferência da carga de admissão e o scavenging dos gases de escape se cruzam. No entanto, apesar do combustível ser injetado apenas próximo ao final do curso ascendente dos pistões, o óleo lubrificante ainda é dosado no cárter e faz transferência junto com a carga de ar de admissão. Considerando que algumas pequenas embarcações militares americanas já estão usando motor de popa 2-tempos de ignição por faísca com injeção direta, até mesmo visando contar com um mapeamento específico para combustíveis pesados como querosene de aviação e eventualmente óleo diesel convencional, não seria de se estranhar que novos projetos visando aplicações militares pudessem incorporar essas características, além do mais que a exposição às condições ambientais adversas como umidade e névoa salina seria um bom indício de que não haveria muito motivo para temores diante dos progressos no gerenciamento eletrônico de motores.
Tendo em vista ainda o recrudescimento nas normas de emissões, não só para o Diesel mas também levando até motores 4-tempos de ignição por faísca a precisarem recorrer até ao filtro de material particulado (DPF) em função da maior presença da injeção direta, soaria menos absurdo esperar por um retorno dos motores 2-tempos ao menos em aplicações veiculares especiais. Não é surpresa que a concorrência com o Diesel seria árdua, além do mais que a evolução tecnológica na ignição por faísca vinha priorizando o ciclo Otto (4-tempos). Enfim, mesmo que atualmente seja tratado mais como uma mera curiosidade do passado, algumas características inerentes ao projeto fariam com que o motor 2-tempos pudesse se manter relevante para uso em ambientes severos.

sábado, 1 de dezembro de 2018

Observações sobre perspectivas de reabilitar o etanol no governo Bolsonaro

O destino das políticas energéticas durante uma transição de governo costuma ser um tanto nebuloso, e não seria diferente agora com Michel Temer saindo de cena e Jair Bolsonaro chegando. No entanto, algumas circunstâncias já podem levar a crer que o etanol possa sair até mais fortalecido, mesmo que não seja o momento para encarar com pessimismo o futuro do biodiesel e a pauta de uma liberação de motores Diesel em veículos leves no Brasil. Desde a formação militar tanto do presidente eleito e do vice quanto de outros membros do gabinete até a proximidade com o agribusiness em pautas como a criminalização do MST e o fomento a tecnologias israelenses visando incrementar a produtividade no Nordeste, passando pela importância que o milho vem conquistando como matéria-prima para etanol no Centro-Oeste, há condições aparentemente favoráveis a esse combustível que já foi considerado um motivo de orgulho para o Brasil na época do ProÁlcool implementado durante o regime militar.

Tratar os biocombustíveis como mutuamente excludentes seria precipitado, especialmente lembrando que o milho serve não apenas para produzir etanol mas também tem óleo que pode servir tanto para fazer biodiesel quanto usado diretamente como combustível em alguns motores Diesel antigos. Cabe levar em consideração outras circunstâncias que possam aparentemente estar virando o jogo a favor do etanol e do gás natural ou biogás/biometano em detrimento do óleo diesel convencional, biodiesel e outros substitutivos, tanto em âmbito nacional como as normas de emissões MAR-I para máquinas agrícolas e equipamentos de construção quanto internacionalmente como as restrições à circulação de veículos com motor Diesel antigo em algumas cidades européias, de modo que oportunidades para a "diplomacia do etanol" tomar um novo rumo mesmo diante da estagnação da produção canavieira que dificultaria uma expansão da produção sem abrir espaço para alternativas como o milho. Mesmo com a imagem de que a cana de açúcar seria imbatível no saldo energético em comparação aos cereais e a outras matérias-primas como a beterraba açucareira usada em alguns países europeus, seria estúpido ignorar a possibilidade de integrar diferentes cultivares mais de acordo com as vocações agrícolas de cada região.

Até mesmo na região amazônica, o etanol de milho produzido no Mato Grosso se torna mais viável que o de cana que teria de ser escoado a partir de São Paulo ou de Pernambuco e Alagoas que são outros destaques no setor sucroenergético. No entanto, a umidade relativa do ar bastante elevada em função da hidrografia fomentaria temores de que estoques desse biocombustível fiquem inservíveis por ser altamente higroscópico e reter alguma umidade, diminuindo a concentração alcoólica em volume e eventualmente favorecendo o desenvolvimento microbial. É possível que o uso do cânister tendo se tornado obrigatório até nas motos novas dificulte um pouco mais a contaminação com água no etanol, tendo em vista que o tanque de combustível não tenha a ventilação aberta direto para a atmosfera, e aqui em Porto Alegre alguns postos já adotam um sistema vagamente semelhante nos próprios tanques alegadamente em função de regulamentações ambientais mas que também deve representar alguma economia ao prolongar a manutenção dos padrões de qualidade dos combustíveis. Mas apesar de ser viável algum otimismo em torno do etanol mesmo na Amazônia, não convém deixar de lado outras alternativas como um eventual cultivo de dendê próximo às barrancas de rios e igarapés para atender não só tantas embarcações que às vezes são o principal meio de integração entre povoados ribeirinhos e cidades grandes como Manaus, ou a geração de energia elétrica em áreas mais remotas, mas também eventualmente usos automotivos.

Em âmbito internacional, motivos tão diversos quanto as restrições ao Diesel levadas a cabo em cidades como Paris ou Madrid e pesquisas para uso do hidrogênio como combustível em viaturas militares americanas podem soar como oportunidades promissoras para promover o etanol como uma opção para ser implementada com relativa facilidade na maioria dos cenários operacionais. Nem mesmo a proibição ao transporte de gasolina a bordo de embarcações da Marinha dos Estados Unidos se tornaria um empecilho tão grande se tomarmos por referência pesquisas da Nissan com as células de combustão de óxidos sólidos (SOFC - Solid Oxide Fuel Cell) aptas a operar com hidrocarbonetos como o etanol sem precisar separar o hidrogênio, e permitindo até mesmo uma diluição em água que inviabilizaria o uso do etanol em motores convencionais mas viria a ser imprescindível para minimizar os riscos de incêndio e explosão que serviram de pretexto para as restrições a combustíveis voláteis na frota naval americana e levaram à necessidade de se adaptar até motores de popa para usar querosene de aviação ao invés de gasolina de modo a atender às necessidades dos Marines. Embora a implementação das células de combustão em larga escala ainda pareça distante, e já venham sendo testadas no Japão células de combustão de óxidos sólidos ao menos desde a década de '90, inclusive com óleo diesel convencional de acordo com o que me foi dito por um americano que chegou a ficar numa base por lá durante o serviço militar, tal situação acaba evidenciando que o etanol e o Diesel não seriam necessariamente excludentes.

A concorrência com o gás natural para se firmar como um combustível regional do Mercosul e países vizinhos que não sejam membros do bloco também é digna de nota, e assim a maior facilidade que se costuma atribuir ao manuseio de combustíveis líquidos pode fazer com que o etanol reconquiste boa parte da competitividade que tinha antes. Instabilidades políticas que possam influenciar os preços do gás natural, que ainda depende de importação da Bolívia em algumas regiões, também favoreceriam a busca por alternativas para a independência energética brasileira. No caso do etanol de cana, o uso do bagaço como "volumoso" na alimentação de gado em confinamento e o processamento de dejetos dos animais para obtenção de biogás/biometano e fertilizante agrícola também pode ser considerado bom. Já com o milho como matéria-prima do etanol, além de serem produzidos concomitantemente óleo e concentrado proteico, é relevante tratar do potencial para manter uma maior estabilidade nos preços durante a entressafra da cana, além do cultivo desse grão ser mais espalhado pelas diversas regiões do país.

Naturalmente, algumas dificuldades práticas do etanol não devem ser subestimadas, como a partida a frio em motores equipados com carburador ou sistemas de injeção eletrônica mais simples do que a injeção direta já incorporada a alguns veículos "flex" recentes. Discussões em torno da dificuldade para vaporizar o etanol em temperatura ambiente baixa ou a inclusão de filtro de material particulado em motores do ciclo Otto equipados com injeção direta também podem fomentar uma discussão em torno de soluções que foram implementadas para atender às especificidades do mercado brasileiro, com destaque para o pré-aquecimento do combustível que passou a ser incorporada em automóveis com motor "flex" para eliminar o tanquinho auxiliar de gasolina destinado à partida a frio, e como poderiam impactar o controle de emissões caso viessem a ser adaptadas à injeção direta. Há de se ter em mente que o etanol não seria "perfeito", bem como recordar que a injeção direta ao supostamente aproximar a economia de combustível do ciclo Otto com a do Diesel também acarretou que alguma deficiência no controle das emissões de óxidos de nitrogênio (NOx) e material particulado deixasse de ser exclusiva do Diesel.

De fato, é possível que o etanol possa servir como uma parte desse resgate ao respeito pelo Brasil no cenário internacional apregoado pelo presidente eleito Jair Bolsonaro, ainda que não convenha tratar um único combustível como uma opção isolada e efetivamente adequada às necessidades de todos os operadores profissionais ávidos por uma liberação do Diesel ou mesmo por usuários particulares que desejam uma maior liberdade de escolha. Parece um tanto óbvio que o mesmo ufanismo da época do ProÁlcool também exerça alguma influência nas decisões a serem tomadas pela nova administração, mas é necessário muito cuidado para fazer com que erros históricos como a proibição ao Diesel sejam corrigidos ao invés de perpetuados, e nesse sentido uma integração com outras opções faz muito mais sentido que segregar políticas energéticas em torno do etanol. Enfim, o desafio está lançado, mas não parece impossível que o governo Bolsonaro possa dar conta do recado da melhor forma possível.