segunda-feira, 29 de março de 2021

Até que ponto uma maior sofisticação técnica em motores de projeto mais recente tem afastado operadores com um perfil historicamente mais favorável à liberação do Diesel?

Não é de hoje que operadores profissionais, com destaque por exemplo para os taxistas, costumam ser apontados como os que seriam mais beneficiados por um eventual fim das restrições ao uso de motores Diesel baseada em capacidades de carga ou passageiros e tração. As perspectivas de uma economia de combustível associada a intervalos mais espaçados entre alguns procedimentos de manutenção soavam especialmente desejáveis, em que pese o custo inicial mais alto que se mantém como um calcanhar de Aquiles para o ciclo Diesel diante da ignição por faísca, de modo que às vezes pareça mais conveniente até se iludir com a idéia do carro "popular" que acabou desvirtuada à medida que mudanças de gerações em modelos como o Chevrolet Onix fomentaram a consolidação da presença de mercado para recursos mais sofisticados no tocante a motores. E mesmo que da geração anterior do Chevrolet Onix à atual seja nítida a evolução em outros aspectos além da configuração com 4 cilindros ter dado lugar ao layout de 3 cilindros hoje predominante na faixa de 1.0L de cilindrada, destacando-se a substituição do bloco de ferro por um de alumínio e o cabeçote com 4 válvulas por cilindro e comando duplo dotado de variador de fase na admissão e no escape, o simples fato de não precisarem recorrer a uma sofisticação excessiva nos sistemas de controle de emissões como a observada entre os motores turbodiesel de concepção mais recente reforça uma imagem da ignição por faísca como "mais simples" por uma dose de conformismo.

Até modelos que em algumas gerações anteriores chegaram a oferecer pelo menos uma opção de motor Diesel mesmo que mais voltada à exportação, tomando por referência na linha Volkswagen a Saveiro cujas pretensões utilitárias justificam mais facilmente essa característica em outros mercados onde não sofre impedimentos de ordem burocrática para eventualmente dispor de um turbodiesel moderno, hoje a ignição por faísca predomina confortavelmente acomodada em torno de uma aparente simplicidade da aspiração natural e injeção sequencial nos pórticos de válvula. Evidentemente há de se destacar também como a adaptabilidade a combustíveis alternativos pode ser abordada, pela consolidação do mercado brasileiro em torno dos motores "flex" aptos a operar também com etanol mesmo que para exportação prevaleça a calibração para usar somente gasolina com no máximo uma pequena proporção de etanol, e pela imagem de relativa simplicidade que se atribui às conversões para o gás natural em regiões onde é disponibilizado regularmente e como os kits GNV de 5ª geração não prejudicam tanto o desempenho se não houver um empobrecimento excessivo da mistura ar/combustível valendo-se da maior resistência à pré-ignição ao usar o gás. Mesmo considerando que eventualmente se façam necessários dispositivos de controle de emissões complexos para manter um enquadramento nas normas ambientais cada vez mais estritas caso seja reconsiderada a disponibilidade de ao menos um motor turbodiesel, no fim das contas o impacto que o filtro de material particulado (DPF) ou mesmo o SCR acarretariam podem não ser mais difíceis de acomodar que 2 cilindros de gás natural posicionados sob o assoalho da carroceria.

Um alinhamento de mercados periféricos e "emergentes" tanto à China quanto à Índia, exemplificado na presença de modelos como o SUV Brilliance V3 de fabricação chinesa no Paraguai quanto o Renault Kwid direcionado originalmente ao mercado indiano sendo produzido também no Brasil, também acaba favorecendo um comodismo em torno da ignição por faísca. No caso de veículos chineses, a insistência em recorrer a cópias de motores antigos principalmente da Toyota e da Mitsubishi apenas discretamente modificadas para atender às normas de emissões contemporâneas e eventualmente acrescidos do turbo para enquadrar-se numa faixa de tributação menos desfavorável na China e alguns outros mercados sem sacrificar em demasia o desempenho destaca não apenas o desrespeito à propriedade intelectual que tem a anuência da ditadura comunista chinesa mas também reflete uma mediocridade técnica na insistência pela ilusão da ignição por faísca como sendo invariavelmente mais "limpa" enquanto são ignoradas as evoluções que os motores turbodiesel modernos e alguns sistemas de controle de emissões associados aos mesmos apresentam. Já no tocante ao Renault Kwid, assim como outros hatches subcompactos que fazem tanto sucesso na Índia pela combinação de um tamanho conveniente ao uso urbano e a incidência de impostos por lá levar em conta tanto a cilindrada quanto o comprimento (com até 1.2L para motores de ignição por faísca e 1.5L para os turbodiesel, enquadram-se modelos de comprimento menor que 4 metros numa classe mais favorável), o pouco espaço disponível para o compartimento do motor tende a dificultar a refrigeração caso se recorra ao turbo, e atualmente não é tão fácil conciliar o cumprimento a normas de emissões como a Bharat Stage VI indiana e um desempenho que assegure a versatilidade se fosse o caso de incorporar um motor Diesel aspirado de pequena cilindrada e de porte suficientemente compacto para atender a um carro da mesma categoria.

Apesar de não haver tantas perspectivas para modelos com capacidades de carga que os credenciem ao uso de motor turbodiesel no Brasil como o Iveco Daily deixarem de recorrer a tal opção, tendo em vista a diferença de custo comparada à ignição por faísca parecer proporcionalmente mais fácil de amortizar que num utilitário de porte menor como a Fiat Strada atualmente oferecida somente com motores "flex" Fire de 1.4L nas versões mais modestas ou Firefly de 1.3L nas intermediárias e na top de linha, convém observar como a massificação de sistemas de injeção eletrônica do tipo common-rail nos turbodiesel e a eventual inviabilidade de perpetuar a aparente simplicidade da aspiração natural que chegou a ser usada em gerações anteriores dos modelos. Se por um lado a manutenção de motores turbodiesel gerenciados eletronicamente deixa de ser um tabu tanto junto a gestores de frotas quanto autônomos e agregados no caso de modelos reconhecidos como utilitários no Brasil para fins de homologação, por outro pode soar tentadora uma abordagem mais imediatista em torno de um custo inicial mais palatável para a ignição por faísca e da aparente simplicidade que possa soar favorável ao custo operacional de médio a longo prazo. Enfim, mesmo que os motores turbodiesel tenham alcançado um grau de sofisticação técnica até mais alto diante dos similares de ignição por faísca, a hegemonia em algumas categorias de utilitários já esbarra em alguns desafios de ordem técnica e num temor quanto aos custos por parte de operadores tradicionalmente mais favoráveis à liberação do Diesel em veículos leves.

terça-feira, 23 de março de 2021

Restrições em função das capacidades de carga e passageiros e tração ou normas de emissões: qual seria o principal fator para a cultura dieselhead ser consolidada em torno de caminhonetes?

Além de fatores como a relação peso/potência ter feito com que motores Diesel de gerações anteriores se adaptassem melhor a veículos utilitários de um porte maior, refletindo-se ainda na imagem dos atuais turbodiesel permanecendo mais associada tanto a caminhonetes de uso particular quanto às aplicações efetivamente profissionais, não convém ignorar como a concepção eventualmente mais rústica de uma pick-up média ainda proporcione uma relativa facilidade para justificar a permanência de bons motores Diesel junto a um público fiel. Ao avistar essa Ford F-75 caracterizada de uma forma que me remeteu à Jeep CJ-8 Scrambler, que ainda trazia no vidro traseiro um adesivo crítico à Greta Thunberg e alusivo ao uso de óleo diesel como combustível, já é impossível ignorar como uma influência cultural em torno das caminhonetes permanece relevante junto à maior parte dos dieselheads brasileiros. Naturalmente, se por um lado parece conveniente concentrar esforços em alguns utilitários pelo simples fato de poderem ser homologados no Brasil com motores Diesel por motivos como capacidade de carga e passageiros ou tração, também não deixa de ser curioso como um caminhonetão mais bruto pode ser mais adaptável até mesmo para atender a padrões de controle de emissões mais rígidos sem tanto prejuízo ao desempenho e justificando mais facilmente o custo de tal implementação.

Considerando também o que ocorre em outras regiões tão diversas quanto Estados Unidos e Europa, a economia de combustível proporcionada por um motor turbodiesel tem permanecido menos difícil de se justificar de curto a médio prazo em categorias nas quais predominam modelos mais pesados, e também acaba sendo mais fácil encontrar um espaço para integrar às plataformas dos veículos alguns sistemas de controle de emissões cada vez mais massificados como os filtros de material particulado (DPF) ou o catalisador SCR para neutralização de óxidos de nitrogênio (NOx) sem impactar tão significativamente a capacidade de carga ou passageiros. O fato de pick-ups e outros tipos de utilitários serem classificados como "caminhão leve" pelas autoridades competentes nos Estados Unidos, além da menor incidência de impostos em comparação aos automóveis, também proporciona o enquadramento em metas de redução de consumo de combustível CAFE (Corporate Average Fuel Economy) menos rígidas para o fabricante e também regulamentações de emissões diferenciadas que eventualmente impossibilitam um motor "de caminhão" ser homologado num carro que possa apresentar resultados satisfatórios com a instalação. E no tocante à Europa, por mais que usuários de caminhonetes mais antigas para fins recreativos possam não ter o menor desejo de atualizar o conjunto mecânico para driblar restrições à circulação em algumas cidades de acordo com as certificações ambientais e a qualidade do ar, o predomínio de um layout mais tradicional de chassi separado da carroceria com motor longitudinal tanto em modelos antigos quanto nos atuais proporciona uma relativa facilidade para modificações até bastante radicais sem prejudicar a integridade estrutural.

Um antagonismo que a mídia e agências reguladoras tentam fazer entre o Diesel e híbridos baseados na ignição por faísca, embora permaneça mais habitual junto aos veículos leves e tenha no Brasil ainda um viés utópico com relação à viabilidade de recuperar um destaque do etanol junto ao público generalista, também reforça uma idéia das caminhonetes sendo um "refúgio" para os dieselheads mais tradicionais. O atual interesse de consumidores com um perfil mais urbano por utilitários, motivados tanto por uma precariedade da malha viária brasileira quanto pelo desejo de externar um estilo de vida mais ativo e de contato com uma natureza bravia ou um apreço pelas culturas interioranas (caipira/colonial/sertaneja), também fomenta a eventual preferência por algumas categorias de veículos anteriormente tratadas mais como uma despretensiosa ferramenta de trabalho e hoje alçadas a uma condição bastante prestigiosa. Enfim, uma série de fatores estritamente técnicos mantém a hegemonia do Diesel em segmentos com o predomínio de uma concepção mais pesada mundo afora, mas não anula o eventual direcionamento do público generalista para desenvolver uma admiração por caminhonetes, que diga-se de passagem ainda permanecem como ícones de uma cultura dieselhead originalmente fortalecida a partir do sucesso nas aplicações estritamente profissionais.

quarta-feira, 17 de março de 2021

5 motores turbodiesel que poderiam servir à atual geração do Suzuki Jimny Sierra

Um modelo de concepção bastante tradicional, e que até em função disso preserva uma legião de fãs, o Suzuki Jimny chegou a dispor de versões Diesel na geração anterior visando atender especificamente ao mercado europeu. O modelo atual não conta com essa opção, que diga-se de passagem seria ainda mais atrativa no Brasil onde a homologação como jipe asseguraria o direito de usar motor Diesel por tratar-se de um "utilitário", mesmo que o tamanho compacto também agrade ao público urbano que às vezes não faz tanta questão de explorar as aptidões off-road desse verdadeiro ícone japonês. Ao menos 5 motores turbodiesel podem ser exemplificados entre os que serviriam satisfatoriamente à atual geração do Jimny Sierra:

1 - Suzuki E15A: o motor que chegou a ser produzido somente na Índia, onde a demanda pelo Diesel é mais forte que no Japão, a princípio poderia ser o mais facilmente adaptável ao Jimny Sierra. O fato de ter bloco de alumínio e uma faixa de cilindrada mais parelha com o K15B a gasolina de 1.5L usado no modelo já leva a crer que o impacto sobre o peso não seria tão acentuado, além do início da montagem em CKD nas instalações da Maruti Suzuki na Índia que eventualmente poderia ter facilitado a logística para que o motor E15A fosse disponibilizado;

2 - Suzuki E08A: eventualmente esse motor de 2 cilindros e 0.8L que também foi produzido apenas na Índia fosse o mais improvável de ser aplicado, mas estaria longe de ser inservível. Em que pese ter uma cilindrada que já excede o limite de 660cc para enquadramento na classe kei no Japão, e que no Brasil a alíquota de IPI para utilitários mesmo não fazendo distinção por cilindrada já está acima do que incide sobre a faixa de até 1.0L para os carros "populares", a princípio seria mais difícil justificar. No entanto, é inevitável uma comparação com o motor Suzuki R06A de 658cc e 3 cilindros a gasolina que dotado de turbo equipa as versões kei. A princípio, o E08A na configuração com potência de 47cv a 3500 RPM e torque de 125Nm a 2000 RPM ainda pareceria razoável tomando por referência os 64cv a 6000 RPM e 96NM a 3500 RPM do R06A mesmo ambos não sendo páreos para o K15B de 100cv a 6000 RPM e 138Nm a 4400 RPM oferecido nos mercados internacionais. O tamanho diminuto também poderia levar a crer que não dificultasse tanto a eventual acomodação de dispositivos de controle de emissões como o filtro de material particulado (DPF) ou até o reservatório para o fluido-padrão AdBlue/ARLA-32 usado no sistema SCR para controle dos óxidos de nitrogênio (NOx);

3 - Fiat 1.3 Multijet II: outro motor que chegou a equipar diversos modelos da Suzuki tanto na Índia quanto em outros mercados, apresenta como vantagem o fato de ter uma especificação já homologada nas normas Euro-6d TEMP mesmo sem recorrer ao SCR. E não se pode negar que 80cv a 3700 RPM e 200Nm a 1500 RPM estariam de bom tamanho para um modelo dessa categoria;

4 - Renault K9K: esse mesmo motor chegou a equipar exemplares da geração anterior produzidos na Espanha pela extinta Santana Motor. Embora algumas especificações anteriores ainda pudessem ser aplicáveis ao Brasil e outros mercados com normas menos rigorosas que as em vigor na Europa hoje, as mais atuais homologadas na certificação de emissões Euro-6d TEMP já fazem uso do sistema SCR mesmo na faixa de potência e torque mais modesta com 80cv a 4000 RPM e 210 Nm a 1750 RPM, o que a princípio seria problemático em função do espaço que seria necessário para instalar o reservatório de AdBlue mesmo que não seja exatamente impossível;

5 - PSA (atual Stellantis)/Peugeot DV5: derivado do mesmo projeto que originou os motores DV4 de 1.4L que chegou a equipar a geração anterior do Ford EcoSport somente para exportação, o atual DV5 tem porte bastante compacto mas não chegou a ser oferecido em nenhum veículo com comprimento e largura tão pequenos como o Jimny Sierra, e também tem feito uso do SCR mesmo nas especificações mais modestas. Assim como o Renault K9K, pode parecer difícil justificar diante da necessidade desse sistema se voltasse ao mercado europeu, mas como o AdBlue não é inflamável nem armazenado sob pressão é viável moldar um ou mais reservatórios interconectados em formatos que se encaixem mais facilmente aos espaços um tanto exíguos que estiverem disponíveis.

quinta-feira, 11 de março de 2021

Rápida reflexão: até que ponto uma maior aceitação de modernizações na linha de motores 1.0 flex poderia soar como um bom precedente para uma eventual liberação do Diesel?

Não é novidade que o mercado brasileiro ainda concentre grandes volumes de vendas na faixa de 1.0L de cilindrada, motivados principalmente por uma tributação menos obscena em comparação a veículos com motores maiores, a ponto de modelos como o Chevrolet Classic da última remodelação ou o atual Onix Plus terem a venda no país exclusivamente em versões 1.0 flex. Por outro lado, alterações bastante significativas tem ocorrido na oferta de motores para os automóveis ditos "populares" no Brasil, desde a insistência pela configuração com 4 cilindros perdendo espaço para 3 cilindros até uma maior aceitação do turbocompressor até em segmentos historicamente mais conservadores como o dos táxis. E apesar de nem sempre ocorrer uma paridade técnica com similares destinados a mercados estrangeiros, no caso do Classic limitando-se a alterações nas faixas de cilindrada de 1.4L na Argentina e no Uruguai ou 1.6L na China e no Chile enquanto no Onix prevalece a supressão da injeção direta das versões turbo chinesas e o recurso à mesma injeção nos pórticos de válvula usada com aspiração natural, é impossível ignorar o impacto que uma modernização na linha de motores 1.0 flex poderia refletir no tocante à percepção dos consumidores acerca do quão complexo um motor poderia ser sem tornar-se um estorvo.

A tão aclamada injeção direta tornou-se uma faca de dois gumes à medida que ganhou um espaço junto à ignição por faísca, mesmo figurando tal qual o turbo entre os recursos para a eficiência geral alcançar uma maior proximidade com os Diesel, que os haviam massificado e desmistificado anteriormente nos principais mercados internacionais e também em alguns países periféricos onde os custos de aquisição e manutenção são mais críticos. Como nem tudo são flores, vale destacar que a injeção direta favorece a formação de material particulado nos motores de ignição por faísca mesmo com o uso de combustíveis mais voláteis como a gasolina e o etanol, e portanto para manter o enquadramento nas normas cada vez mais rigorosas de emissões é necessário em algumas regiões recorrer a um filtro de material particulado análogo ao DPF amplamente usado nos turbodiesel mais modernos. Outro aspecto a se destacar quanto a diferentes sistemas de combustível nos motores de ignição por faísca de um modo geral para operação com gasolina ou etanol, é quando são adaptados para usar também o gás natural cuja injeção sempre em fase de vapor requer o acréscimo de injetores específicos no coletor de admissão, e no caso de motores com injeção direta ainda é imprescindível usar simultaneamente uma dosagem de um dos combustíveis previstos no projeto do veículo para evitar danos aos injetores originais que ficam diretamente expostos à frente de propagação de chama nas câmaras de combustão.
Outros fatores tão diversos quanto a obsessão do público generalista em torno da potência dos motores, e invariavelmente um motor flex mesmo quando eventualmente ainda não recorra ao turbo já costuma sair-se melhor nesse aspecto que um turbodiesel dentro da mesma faixa de cilindrada, poderiam ser um empecilho tão significativo quanto a necessidade de incorporar à rotina de manutenção os cuidados para assegurar um correto funcionamento dos dispositivos de controle de emissões. Convém salientar que a simples presença do turbo em motores flex mais recentes já requer um maior rigor quanto à observância das especificações do óleo lubrificante por exemplo, e certamente pesou contra uma maior aceitação do downsizing durante outros momentos históricos tanto em função de maiores dificuldades para encontrar insumos de boa qualidade quanto por alguns maus hábitos de operadores anteriormente mais habituados a motores rústicos que suportavam mais facilmente alguns erros que um motor moderno geralmente não tolera. E com os avanços tecnológicos incorporados aos motores turbodiesel mais recentes não estando necessariamente tão escancarados aos olhos do povão até em função das restrições ao uso com base nas capacidades de carga e passageiros ou tração, acabam prevalecendo no imaginário popular motores "de trator" demasiado pesados e de desempenho não tão vigoroso mas rústicos o suficiente para não exigir a manutenção criteriosa que qualquer motor de concepção moderna requer.

Num mercado tão sensível ao custo de aquisição como o é o brasileiro, onde a predominância dos 1.0 é mais uma consequência da política dos carros "populares" que começou a ser delineada por Fernando Collor de Mello na década de '90 que por vantagens técnicas dessa configuração, é natural que algumas evoluções técnicas visando manter o enquadramento na tributação diferenciada não sejam unanimidade. A massificação mais lenta de recursos como o turbo hoje oferecido no Chevrolet Onix Plus, comparada ao que se observou entre os motores Diesel especialmente a partir da 2ª metade da década de '90 junto à maior participação da injeção direta entre os turbodiesel de alta rotação destinados a veículos leves, já é um tanto preocupante à medida que favorece uma imagem da ignição por faísca como mais "à prova de burro" no tocante à manutenção além de permanecer com um custo inicial menor. Enfim, considerando a artificialidade burocrática que favoreceu algumas modernizações no segmento dos motores 1.0 flex e eventualmente se distanciando de algumas prioridades do público generalista e também de operadores comerciais, tudo leva a crer que a maior aceitação observada hoje não seja um precedente tão favorável a uma liberação do Diesel.

sexta-feira, 5 de março de 2021

Ainda faria sentido um V8 a gasolina numa pick-up full-size?

Uma categoria para a qual praticamente não se vê contestações à hegemonia dos motores turbodiesel ao menos em mercados de exportação, as pick-ups full-size de concepção essencialmente americana como a Ram 2500 se destacam pelo tamanho e também pela aptidão ao serviço pesado. No caso específico da Ram, o motor Cummins atualmente oferecido numa configuração de 6.7L e 6 cilindros em linha equipa aproximadamente 75% dos modelos 2500 e 3500, o que também inclui o mercado americano onde está a maior demanda. Naturalmente, considerando a predominância do uso particular/recreativo que hoje é o mais comum no Brasil para veículos dessa categoria, até podia ser tentador aos olhos de uma parte do público tradicional um V8 a gasolina como o HEMI de 6.4L que segue disponível nos Estados Unidos, México e Canadá, mas a própria aura formada em torno de motores turbodiesel como materialização da força bruta é tão relevante quanto o consumo de combustível menos exagerado que similares a gasolina nas mesmas condições operacionais.

Gerações anteriores da Ram ainda chegaram a contar com a opção por motores V10 a gasolina de 8.0L efetivamente destinados a aplicações utilitárias na linha heavy-duty, e posteriormente outro de 8.3L que havia sido originalmente desenvolvido para o Dodge Viper mas também acabou encontrando espaço em algumas versões de proposta mais esportiva da série 1500 num momento em que os modelos maiores já haviam consolidado a preferência pelo turbodiesel Cummins então com 5.9L (popularmente conhecido como "6BT") nas aplicações severas imediatamente acima dos V8 a gasolina. Apesar da homologação em alguns países como caminhão em função do peso bruto total superior a 3500kg mantê-la enquadrada em alíquotas de impostos menos absurdas em proporção à cilindrada do que se observa nos automóveis, e no Brasil resultar na necessidade de carteira de habilitação categoria C para conduzir uma Ram 2500, a opulência frequentemente atribuída aos motores V8 estereotipicamente americanos e por extensão aos V10 hoje enfrenta uma oposição de peso tanto no tocante à racionalidade de um turbodiesel quanto pela melhoria no desempenho ao longo das duas últimas décadas. Motores a gasolina com alta cilindrada até podem parecer razoáveis aos olhos de alguns entusiastas das pick-ups full-size, tanto por dispensarem a complexidade de dispositivos como o SCR e o filtro de material particulado que ganharam espaço nos turbodiesel para atender às normas de emissões mais recentes quanto pela relativa facilidade que podem apresentar para serem adaptados ao uso de combustíveis alternativos como o etanol (apesar do consumo ainda mais exagerado) ou do gás natural, apesar do estigma especialmente em torno do gás como uma gambiarra que ainda comprometeria demasiadamente o desempenho.

Da aptidão ao serviço pesado na lida campeira à capacidade de carga e reboque proporcionando grande facilidade para transportar praticamente tudo o que for necessário para uma estadia confortável na praia durante o verão, as pick-ups full-size atualmente consideradas uma apoteose do American Way of Life mantém uma legião de admiradores mundo afora. Enquanto em alguns mercados de exportação o custo da gasolina pode até não assustar usuários com um perfil muito diferente dos americanos, em outros um V8 já nem faz tanto sentido, tanto pela consolidação da imagem de motores turbodiesel como sinônimo da brutalidade que se deseje externar com um veículo dessa categoria quanto pela falta de incentivos ao uso de combustíveis alternativos que se adaptem melhor à ignição por faísca. Enfim, por mais que seja impossível dissociar a cultura automobilística americana dos motores V8 de alta cilindrada sedentos por gasolina, não deixa de ser no mínimo curioso que uma das categorias de veículos mais frequentemente associadas à imagem de americanidade até destaque a superioridade de um turbodiesel com 6 cilindros.

segunda-feira, 1 de março de 2021

Eletrificação: uma medida elitista sob os auspícios de uma falsa sustentabilidade

Em meio a uma infinidade de transformações que se revelam indissociáveis entre o âmbito econômico e as motivações políticas envolvidas, não há dúvidas que uma maior presença de veículos elétricos ganha um destaque nos anos recentes. Desde fabricantes com uma tradição ainda profundamente enraizada em torno do motor de combustão interna como a Nissan, até alguns players já surgidos em meio à transição para a eletrificação e com uma história mais recente como a Tesla, um aspecto que tem sido constante é a ênfase numa alegada "sustentabilidade" para defender tanto modelos de aspirações generalistas como o Nissan LEAF quanto um modelo cuja proposta é inegavelmente mais ambiciosa como o Tesla Model 3. Mas até que ponto faria algum sentido crer que a eletrificação seja efetivamente capaz de atender às necessidades de usuários com os mais diferentes perfis ao invés de permanecerem como um brinquedo de luxo para quem ou deseja externar uma preocupação com o meio-ambiente ou simplesmente deseja experimentar tecnologias alegadamente inovadoras enquanto ainda oferecem uma diferenciação?
De fato, muitas tecnologias surgiram inicialmente em veículos de luxo antes de se tornarem difundidas em modelos mais generalistas, tanto pela preferência do grande público como o ar condicionado quanto por regulamentações tanto no âmbito de emissões quanto de segurança, e portanto é previsível que haja uma aposta inicialmente mais enfática nesse segmento até em função do alto valor agregado promover a economia de escala que se faz necessária para futuramente alcançar segmentos generalistas. Benefícios fiscais e outras conveniências também atraem uma parte do público-alvo e fomentam expectativas junto a alguns usuários de veículos mais simples que se acabaram encantando pelas alegações quanto a uma teórica "superioridade" do carro elétrico em aspectos que hoje não se limitam à questão das emissões. É importante observar, por outro lado, o quanto podem ser questionados alguns dos principais argumentos repetidos à exaustão em defesa da eletrificação total do transporte, levando em consideração tópicos às vezes subestimados como as dificuldades de ordem técnica e logística no suprimento de energia elétrica e reciclagem de baterias a serem descartadas.

O maior destaque que até a indústria automobilística tem dado à imagem como provedora de "serviços de mobilidade", por mais vaga que tal definição possa soar, também se vê refletida na eletrificação em faixas de tamanho mais modesto abrangendo desde modelos com um porte relativamente convencional como o Mitsubishi i-MIEV derivado do kei-jidosha Mitsubishi i com motor turbo a gasolina de 0.66L restrito ao mercado japonês até outros que precisaram recorrer a outra abordagem para ficarem isentos de algumas normas de segurança como o Renault Twizy homologado como quadriciclo ao invés de ser documentado como um carro. Não se pode ignorar que uma proposta essencialmente urbana atribuída a subcompactos, cujo próprio tamanho já constitui um empecilho à instalação de uma bancada de baterias com capacidade suficiente para eventuais percursos rodoviários sem abdicar de espaço para passageiros e alguma quantidade de bagagem, dificulta a intenção de atender a uma parte ainda muito expressiva do público generalista que não pode se dar ao luxo de ter simultaneamente um modelo tão especializado e outro para trajetos mais longos. E a bem da verdade, por mais que o tamanho até mais contido que o de carros "populares" nacionais possa sugerir um preço menos distante da realidade brasileira, não é o que ocorre na prática, limitando o apelo dos modelos a operadores que podem compensar as deficiências de um carro elétrico recorrendo a outros veículos ainda equipados com um motor de combustão interna.

Considerando eventuais limitações na infra-estrutura como uma quantidade ainda pequena de pontos de recarga expressa acessíveis ao público para atender aos veículos elétricos, é mais realista a hipótese dos híbridos plug-in virem a conquistar uma maior confiança junto a consumidores que nem sempre tenham tanta facilidade para planejar a operação por rotas mais amigáveis a modelos totalmente elétricos. Nesse contexto também chama a atenção como alguns híbridos seriais, cujo motor elétrico é o responsável por toda a tração enquanto o motor de combustão interna é acionado somente como gerador, passaram a ser classificados como "elétricos de autonomia estendida" (EREV - extended-range electric vehicle) para o enquadramento em faixas mais favoráveis tanto no tocante a benefícios fiscais quanto menos restrições à circulação que já são implementadas na Europa e nos Estados Unidos. É o caso do BMW i3 REx que usa um motor a gasolina de 2 cilindros e 0.65L para acionar um gerador on-board, assim já não ficando tão limitado em comparação ao BMW i3 BEV totalmente elétrico e sempre dependente dos pontos de recarga tanto gratuitos quanto pagos ao longo de rotas mais distantes do local onde esteja regularmente baseado.

Também é interessante fazer uma observação quanto a modelos hoje disponibilizados tanto em versão com motor de combustão interna quanto numa elétrica, caso do CaoaChery Tiggo2 que geralmente usa um motor "flex" a gasolina e etanol de 1.5L nas versões montadas no Brasil, embora alguns exemplares puramente elétricos tenham sido trazidos da China. À primeira vista pode parecer "óbvio" classificar os motores flex como uma gambiarra e fazer uma analogia entre a preservação da capacidade de rodar na gasolina com o caso dos híbridos plug-in, tendo em vista algumas condições que dificultam explorar ao máximo os benefícios do etanol em motores de ignição por faísca com injeção sequencial nos pórticos de válvula, mas um eventual aproveitamento de resíduos orgânicos sem valor comercial que podem ser usados tanto para produzir etanol quanto o biometano aplicável a veículos convertidos para gás natural já não justifica uma aposta tão irredutível em veículos elétricos. Considerando somente a facilidade que um motor de combustão interna pode proporcionar ao fechamento dos ciclos do carbono e do nitrogênio ao usar biocombustíveis, não somente etanol e biometano mas também biodiesel e outros substitutivos para o óleo diesel convencional, não seria necessário nem questionar a dependência do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina por usinas termelétricas a carvão mineral, nem o fato das principais reservas brasileiras desse combustível fóssil apresentarem uma expressiva contaminação por enxofre.

Uma aposta na massificação da tração elétrica, que apesar do custo permanecer elevado demais para ser conveniente aos olhos do público generalista fica mais fácil de apresentar numa proposta mais elitizada como a do SUV Jaguar I-Pace, ainda esbarra em aspectos práticos que vão desde a baixa confiabilidade do sistema elétrico nacional até o eventual uso de fontes não-renováveis que chegam a ser mais "sujas" motor de combustão interna. Por mais que alguns usuários possam ter interesses legítimos na busca por eficiência energética ou compensação de emissões, na prática observa-se desde uma aplicação da "Lei de Gérson" até temores quanto a restrições ao direito de ir e vir tendo um peso maior nessa alteração da matriz energética do transporte que um interesse efetivo do público generalista em abdicar totalmente do motor de combustão interna. Enfim, por mais promissora que possa soar num primeiro momento, a eletrificação vem sendo conduzida no mercado automobilístico como uma medida meramente elitista e pautada em falsas premissas de "sustentabilidade" que visam dificultar o acesso a um veículo particular.