sexta-feira, 4 de novembro de 2016

Uma reflexão sobre a proposta de eliminação dos veículos com motor a combustão interna na Alemanha entre 2030 e 2050

Não há dúvidas que uma das notícias mais impactantes do ano foi um projeto de lei em tramitação na Alemanha com o intuito de pôr um fim na produção e venda de veículos com motor a combustão interna naquele país até 2030, com uma posterior restrição à circulação dos mesmos prevista para 2050. Como se não bastasse tratar-se de uma medida consideravelmente drástica, chega a ser uma ironia que tenha partido logo do país reconhecido mundialmente pelo pioneirismo na produção desse tipo de veículos e motores.

Tal proposição não me parece muito viável dentro do cronograma proposto. Seria mais fácil apostar na transição para outros ciclos termodinâmicos que numa efetiva eliminação dos motores a combustão interna. Ainda que evoluções na tecnologia de baterias estejam fazendo com que ressurja um interesse por carros elétricos, questões como a reciclabilidade e a composição química dos eletrólitos são importantes para mensurar o real impacto ambiental desde a produção e operação do veículo até o descarte de componentes em fim de vida útil. E por mais que a Alemanha esteja anos-luz à frente do Brasil no tocante à infraestrutura e tecnologias para energias renováveis, proporcionando um menor risco para a ocorrência de "apagões", gato escaldado tem medo de água fria...

Chama a atenção a força do legado de ícones da engenharia alemã como Felix Wankel, Nikolas August Otto, e naturalmente Rudolf Diesel. Se por um lado os motores rotativos tipo Wankel perderam participação de mercado diante das dificuldades associadas à vedação dos retentores apicais nos rotores triangulares e o alto consumo de óleo lubrificante, por outro os ciclos termodinâmicos Otto e Diesel ainda reinam absolutos nos motores automotivos modernos sendo também populares em outras aplicações que vão desde equipamentos estacionários/industriais até a aviação de pequeno porte. No campo das turbinas a gás, embora operem de acordo com o ciclo Brayton teorizado pelo americano George Brayton, a Alemanha também levou vantagem durante algum tempo ainda durante a II Guerra com o caça Messerschmitt Me 262 Schwalbe, também conhecido como Sturmvogel na versão caça-bombardeiro. Embora a eficiência térmica ainda seja eventualmente posta em xeque, esse tipo de motor consolidou-se na aviação comercial e militar em função da relação peso/potência e da provisão de ar comprimido para acionamento de sistemas pneumáticos, climatização e pressurização de cabine através de sangria nos últimos estágios do compressor, e pode ter alguma ineficiência compensada pela recuperação de energia térmica através de sistemas de cogeração a vapor mais comuns em aplicações estacionárias como grandes usinas de geração de energia elétrica.

Já em aplicações veiculares terrestres, por razões diversas que vão desde a maior saturação de filtros de ar em ambientes com muita poeira até a falta de um consenso na definição de uma fórmula para cálculo da capacidade volumétrica, as turbinas a gás estão longe de ser unanimidade. Um caso particularmente emblemático é o tanque de guerra americano M1 Abrams, originalmente equipado com um motor turboshaft Honeywell AGT1500, com planos para um repotenciamento com motor MTU 12V883 Diesel 2-tempos de 12 cilindros em V que contrariando expectativas ainda tem peso e volume mais contidos e ainda tem uma "assinatura térmica" menos intensa que contribui para dificultar a detecção por radares inimigos. Uma versão do mesmo motor feita sob licença pela empresa americana General Dynamics (GD883) já equipa o tanque israelense Merkava Mk.IV com sucesso.

Por mais que num primeiro momento a leveza frequentemente atribuída às turbinas a gás pareça estar de acordo com as metas de redução de consumo de combustível estipuladas por outros programas, a exemplo do CAFE (Corporate Average Fuel Economy - ou Média Corporativa de Economia de Combustível numa tradução literal) americano e do polêmico Inovar-Auto brasileiro, a grande dissipação de calor que se observa nas temperaturas de gases de escape mais altas em comparação aos motores a pistão já é suficiente para denotar uma desvantagem nesse sentido e ainda representa um maior desafio no tocante ao controle de emissões. Já não é novidade que altas temperaturas oferecem condições propícias para a formação dos óxidos de nitrogênio (NOx), problema também apontado como o calcanhar-de-Aquiles dos motores Diesel devido às altas taxas de compressão necessárias para promover a auto-ignição do combustível, e que ganhou notoriedade com o escândalo protagonizado pela Volkswagen no ano passado.

Outra característica a ser destacada é a menor elasticidade em comparação aos motores dos ciclos Otto e Diesel hoje predominantes no mercado automobilístico mundial. Oscilações nos regimes de rotação inerentes ao anda-e-para do tráfego urbano e à interrupção da transmissão da potência do motor quando a embreagem é acionada num veículo com câmbio manual não são muito toleradas pelas turbinas a gás, fazendo com que se adaptem melhor a operações que permitam uma velocidade constante como é o caso da aviação e de grupos geradores. A bem da verdade, caso seja implementado algum recurso para melhorar a eficiência geral, não chega a ser totalmente inviável recorrer a microturbinas, que podem ser otimizadas para geração on-board de eletricidade nos automóveis híbridos, com destaque para os chamados "veículos elétricos de autonomia estendida" (EREV - Extended Range Electric Vehicle) como o BMW i3 atualmente oferecido com um motor do ciclo Otto de 2 cilindros e 650cc movido a gasolina. Também é conveniente destacar a adaptabilidade do ciclo Brayton ao uso de praticamente qualquer combustível, não apenas o querosene de aviação (Jet-A1/JP8) mas também óleo diesel convencional e outros óleos combustíveis pesados, gasolina sem chumbo, etanol e combustíveis gasosos em geral, até mesmo o hidrogênio. Resta esperar para avaliar cenários futuros do mercado de recursos energéticos para delimitar as opções que estarão mais facilmente acessíveis, mas de qualquer maneira ainda é difícil que a eletricidade venha a monopolizar a propulsão automotiva num período relativamente curto diante dos 130 anos de evolução já decorridos.
É até previsível que qualquer movimento contrário a uma maior participação de mercado para os sistemas de tração elétricos se torne uma batalha perdida, porém ainda soa precipitado estabelecer um cronograma para eliminação dos motores a combustão interna. Promover um uso racional de recursos energéticos permanece como a alternativa mais realista e, por mais que a Alemanha já tenha provado ser capaz de mobilizações tanto para causas nobres quanto para as mais espúrias, fica difícil crer que nenhum automóvel com motor a combustão interna vá trafegar pela terra do sauerkraut a partir de 2050...

Um comentário:

  1. Essa é mais uma daquelas ideias mirabolantes de Bruxelas para enterrar de vez a Europa.

    ResponderExcluir

Seja bem-vindo e entre na conversa. Por favor, comente apenas em português, espanhol ou inglês.

Welcome, and get into the talk. Please, comment only either in Portuguese, Spanish or English.


- - LEIA ANTES DE COMENTAR / READ BEFORE COMMENT - -

Nem sempre é viável manter as relações de marcha originais após converter um veículo para Diesel, em função dos regimes de rotação diferenciados. Portanto, uma alteração das relações de diferencial ou até a substituição do câmbio podem ser essenciais para manter um desempenho adequado a todas as condições de uso e a economia de combustível.

It's not always viable to retain the stock gear ratios after converting a vehicle to Diesel power, due to different revving patterns. Therefore, some differential ratio or even an entire transmission swap might eventually be essential to enjoy a suitable performance in all driving conditions and the fuel savings.

Mais informação sobre relações de marcha / more info about gear ratios
http://dzulnutz.blogspot.com/2016/03/relacao-de-marcha-refletindo-sobre.html