quarta-feira, 26 de março de 2025

Alteração no teor de etanol adicionado à gasolina no Brasil: ainda mais prejudicial ao turismo regional

Numa daquelas medidas politiqueiras sem nenhum embasamento técnico realista, o aumento na mistura obrigatória de etanol anidro à gasolina no Brasil dos atuais 27% (E27) para 30% (E30) tem sido tratado por uma parte chapa-branca da mídia como uma medida que possa ser benéfica, sob uma falsa alegação de "sustentabilidade" pelo etanol ter as emissões de dióxido de carbono (CO²) totalmente neutralizadas durante o crescimento dos cultivares usados na produção desse biocombustível, e também a expectativa por uma redução do preço por litro da gasolina no varejo. Pelo visto, os defensores dessa infeliz medida esquecem que o etanol também acaba sendo cotado em dólar por ser uma commodity, tal qual o açúcar que também é produzido majoritariamente a partir da cana-de-açúcar no caso do Brasil e o milho que é o principal insumo para a produção de etanol nos Estados Unidos mas já usado na produção de etanol no Brasil com destaque para Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e em menor proporção no Paraná e até em São Paulo e Alagoas. Instituições outrora respeitadas como o Instituto Mauá de Tecnologia até anunciaram resultados de testes preliminares com os quais endossam esse incremento na proporção do etanol na gasolina brasileira, o que é questionável tanto pela metodologia confusa quanto pela falta de um maior rigor quanto a efeitos potencialmente nocivos a longo prazo em motores sem preparação para suportar teores de etanol muito além de 5 a 15% que costumam ser mais comuns em outros países.

No caso específico do Brasil, onde a discrepância no conteúdo de etanol na gasolina tem historicamente sido controverso também pelas dificuldades em adaptar carros importados às condições locais, apesar da ascensão da injeção eletrônica ao longo das últimas 3 décadas e que já alcançou até as motocicletas dar a entender que uma capacidade de correção em tempo real da mistura ar/combustível e do avanço da ignição de acordo com a velocidade de propagação de chama de diferentes especificações da gasolina, e causado temor a alguns turistas estrangeiros que viajam rumo ao Brasil com veículos próprios. Além do mais, em testes de homologação que costumam ser conduzidos pela Cetesb para aprovação de veículos novos à venda no Brasil e homologação do consumo de combustível junto ao Inmetro, ainda é utilizada gasolina com somente 22% de etanol (E22) já impossível de encontrar nos postos brasileiros há mais de 20 anos, e portanto sem condizer com a realidade tendo em vista que até a gasolina Podium disponível só em alguns postos de bandeira BR/Petrobras foi a única a permanecer com o também demasiadamente elevado teor de 25% de etanol (E25) e preços estratosféricos. Convém recordar que o etanol tem menor poder calorífico (quantidade de energia por litro) que a gasolina, de modo que um aumento na mistura à gasolina vai naturalmente resultar em aumento do consumo de combustível, e portanto a previsão de um preço menor passe longe de proporcionar uma redução efetiva em despesas com o combustível durante um mesmo trajeto para o qual a gasolina brasileira ainda com 27% de etanol já é problemática.

Sendo também comum a presença de turistas estrangeiros no Brasil, principalmente durante o verão, já é frequente alguns veículos de residentes no exterior apresentarem inconsistências no desempenho em função dos ajustes a serem feitos pela injeção e ignição eletrônicas em motores a gasolina no intuito de proteger o motor contra maiores danos na falta de mapeamentos de injeção e ignição que permitam ao motor reconhecer especificamente alterações no teor de etanol, mesmo que as tecnologias mais recentes da injeção eletrônica com sensores de oxigênio (sonda Lambda) tanto sequencial no coletor de admissão como a injeção direta hoje muito usada em motores turbo a exemplo do Ecoboost da Ford F-150 Raptor seja basicamente a mesma que viabilizou os carros flex hoje à venda principalmente no Brasil. Valendo lembrar que o teor excessivo de etanol adicionado à gasolina brasileira fomenta um descrédito e até uma antipatia ao uso direto do etanol hidratado puro como combustível nos veículos flex, mesmo na safra da cana que é quando o preço por litro do etanol no varejo fica mais convidativo também nas regiões onde falta uma produção mais expressiva desse biocombustível, além da principal temporada turística durante o verão com uma presença mais significativa de turistas estrangeiros rumo ao litoral brasileiro coincidir com a safra da cana que vai de novembro a março, seria até mais lógico que o teor de etanol na gasolina fosse menor, e uma maior parte da produção do etanol direcionada ao hidratado para uso direto nos flex, o que seria vantajoso para todos e poderia ser um primeiro passo para recuperar uma credibilidade que o etanol perdeu a partir da safra '89-'90 quando houve um maior direcionamento da cana para a produção do açúcar devido às cotações mais favoráveis para exportação.

Enquanto motores a gasolina e por extensão os flex vinham sendo apontados como mais simples que os turbodiesel modernos, sobretudo pela maior simplicidade nos sistemas de pós-tratamento dos gases de escape que também podem apresentar incompatibilidades com altos teores de enxofre na gasolina e no óleo diesel convencional, e até especificamente com o biodiesel no caso de motores Diesel com filtro de material particulado (DPF) e o EGR que causaram muitos problemas para alguns brasileiros que foram com veículos modernos de motor Diesel em países vizinhos com uma regulamentação mais leniente de emissões, o Brasil desgovernado corre o risco de ter escancarada a condição de republiqueta de bananas com o teor de etanol de 30% sendo implementado na gasolina. Alguns medíocres que se acomodaram diante da ascensão dos carros flex no Brasil, lembrando que permanecem as restrições ao uso de motor Diesel em veículos leves e até o gás natural está mais difícil de integrar a alguns motores flex modernos por causa da ascensão da injeção direta em meio ao downsizing, e mesmo o Brasil ainda sendo o maior produtor de automóveis e utilitários leves na América do Sul a "diplomacia do etanol" já foi provada um fracasso em outras ocasiões. Enfim, além de ser problemática para quem opta por um carro importado, e em proporção ainda para quem por estrita necessidade usa um carro "velho" sem ser flex ou uma moto, a alteração do teor de etanol à gasolina tem tudo para ser um duro golpe contra o turismo regional.

sexta-feira, 21 de março de 2025

Uma observação sobre o Nissan Patrol Y61 e o downsizing

Com a produção iniciada em '97 no Japão e terminada somente em 2023 na África do Sul, certamente o Nissan Patrol da geração Y61 ainda pode ser creditado como um dos mais importantes veículos 4X4 da história. Pouco conhecido no Brasil, apesar de aparecer frequentemente no litoral brasileiro com turistas estrangeiros no verão, chama a atenção pela linha de motores oferecida em diferentes mercados onde foi comercializado regularmente, priorizando motores de alta cilindrada a gasolina enquanto o downsizing já ganhava relevância no Diesel. Da geração anterior, permaneceu o TB42 a gasolina de 6 cilindros em linha e 4.2L com 12 válvulas e comando no bloco enquanto o RB30 de 3.0L também de 6 cilindros em linha mas com comando de válvulas no cabeçote saía de cena, e inicialmente as opções Diesel foram o RD28 de 6 cilindros em linha e 2.8L com comando de válvulas no cabeçote em uma versão turbo com gerenciamento eletrônico e o TD42 que a grosso modo era praticamente uma versão "misto-quente" do TB42 a gasolina mas apesar do nome TD levar a crer que sempre tivesse turbo também contava com uma versão atmosférica que seguia em regiões onde normas de emissões mais lenientes o permitiam e a simplicidade associada à ausência do turbo era apreciada. Com a consolidação do motor ZD30 de 3.0L e 4 cilindros sempre com turbo e injeção eletrônica e 16 válvuas com comando duplo no cabeçote a partir do ano 2000 com injeção eletrônica por bomba rotativa até passar ao sistema common-rail em 2007 em alguns mercados onde motores turbodiesel predominavam, cabe abordar perspectivas eventualmente divergentes sobre o downsizing.

Por mais bizarro que possa parecer o motor RD28ETi1 que foi usado principalmente na Europa ainda ter usado cabeçote de fluxo simples, enquanto o TD42 e o TD42Ti mesmo sendo "varetados" já tinham cabeçote de fluxo cruzado, a consolidação do turbo numa faixa de cilindrada mais modesta já deixava clara a relevância que o downsizing tinha em algumas regiões onde a incidência de impostos atrelada à cilindrada era especialmente crítica, e possivelmente uma versão atmosférica do motor menor ficasse insuficiente para proporcionar um desempenho aproveitável. Naturalmente, pelos motores Diesel terem a característica de operar com uma maior proporção de ar pelo volume de combustível injetado, o turbo ser mais favorecido em comparação ao que se poderia observar nos motores a gasolina até seria bastante previsível, e tanto o RD28 quanto o TD42 contarem com injeção indireta através de pré-câmaras parecia irrelevante, ao contrário do que se pode considerar quanto a aplicações do turbo em motores de ignição por faísca como o TB42 e o TB45 que passava a 4.5L ou o TB48 que além de crescer para 4.8L recebia comando de válvulas duplo no cabeçote e 24 válvulas para os quais qualquer implementação de indução forçada iria requerer um enriquecimento da mistura ar/combustível numa época que a injeção direta em motores a gasolina era raridade. Já no caso do ZD30, se por um lado a injeção direta pode desfavorecer o uso de óleo diesel com um baixo índice de cetano que é o principal parâmetro usado para mensurar a propagação de chama nas câmaras de combustão em motores Diesel e desencorajar experiências com o uso direto de óleos vegetais brutos como combustível alternativo, por outro podia facilitar as partidas a frio, e a ascensão da injeção direta nos motores turbodiesel leves por volta do ano 2000 costuma ser creditada por melhorias no torque.

Enquanto o enquadramento do motor ZD30 no conceito do downsizing é incontestável em comparação ao TD42 tanto atmosférico quanto turbo, pode ser mais questionável com relação ao RD28 mesmo que a menor quantidade de cilindros nesse caso seja suficiente para proporcionar uma configuração bastante compacta ao ZD30, considerando o aumento de míseros 127cc ou por volta de 4,5% na cilindrada dos 2826cc do RD para os 2953cc do ZD já contrariando a percepção que o downsizing esteja mais atrelado a uma redução da cilindrada em valores absolutos. Naturalmente uma concepção mais moderna levando em consideração o duplo comando de válvulas no cabeçote e especialmente a injeção direta, ainda que o sistema common-rail tenha demorado um pouco a ser consolidado, dá a entender que algumas premissas do downsizing estavam efetivamente presentes no projeto, bem como a menor quantidade de cilindros e a influência que um motor apto a ser instalado em posição mais recuada com relação ao eixo dianteiro influencie na dirigibilidade tanto em trechos pavimentados quanto em terrenos mais bravios nos quais o Nissan Patrol Y61 se destacava, de modo que o aumento na cilindrada do ZD com relação ao RD ainda ser proporcionalmente menor que a diminuição de 1216cc ou aproximadamente 29% com referência aos 4169cc do "arcaico" TD42. Enfim, certamente o Nissan Patrol Y61 proporciona condições equilibradas para analisar diferentes perspectivas sobre o downsizing, considerando tanto uma concepção compacta do motor ZD30 perante o RD28 quanto uma diminuição da cilindrada em valores absolutos diante do TD42, ainda que possam haver interpretações divergentes pelo RD28 ter uma cilindrada menor.

quinta-feira, 13 de março de 2025

Mazda: errou em subestimar possibilidades para o Diesel no mercado americano?

Uma fabricante famosa pela implementação de soluções que às vezes podem parecer pouco ortodoxas, a Mazda gerou uma imensa expectativa nos Estados Unidos quando a 3ª geração do Mazda 6 começou a ser apresentada ainda em 2012 no Salão Internacional do Automóvel de Moscou, e um dos destaques foi o motor SkyActiv-D turbodiesel de 2.2L e 4 cilindros que foi oferecido em algumas regiões como opção aos SkyActiv-G a gasolina entre 2.0L e 2.5L de acordo com as alíquotas de impostos aplicáveis em cada país onde o modelo é ou foi vendido de forma oficial. Sendo a primeira geração do Mazda 6 a deixar de contar com a opção por um motor V6 a gasolina, cabendo a uma versão turbo do SkyActiv-G de 2.5L a função de ser uma opção mais prestigiosa, é impossível deixar de fazer um paralelo com o contexto que fez motores turbodiesel com apenas 4 cilindros serem alçados a tal condição nas caminhonetes médias no Brasil à medida que os V6 a gasolina passavam a ser desfavorecidos, além do mais que já em 2013 a primeira apresentação de uma versão turbodiesel do Mazda 6 de 3ª geração para os Estados Unidos foi com uma participação no campeonato Grand-Am Rolex Sports Car Series, lembrando que naturalmente a questão das normas de emissões aplicáveis a veículos homologados para uso em vias públicas torna-se menos relevante com relação ao uso exclusivo em competições em circuitos fechados ao tráfego geral. A expectativa pela introdução de um motor turbodiesel para o Mazda 6 de especificação americana foi deixada de lado com o cancelamento dos planos em 2014, sob alegação de dificuldades na homologação pelas normas de emissões Tier 2 que estavam em vigor naquela época, embora um SUV da Mazda tenha contado com a opção por esse mesmo motor apenas em 2019 numa versão homologada de acordo com as normas Tier 3 que entraram em vigor em 2017.

Certamente uma desconfiança em torno dos motores Diesel causada pela deflagração do escândalo que ficou conhecido como Dieselgate em 2015, envolvendo procedimentos irregulares na homologação de versões turbodiesel de alguns modelos da Volkswagen e da Audi, também acabaria levando a crer que o mercado americano sofreria com restrições ainda mais críticas à oferta desse tipo de motor em veículos leves, além das próprias regulamentações de emissões nos Estados Unidos historicamente desfavorávels ao Diesel a ponto de terem um desempenho menos vigoroso para um mesmo motor em comparação às versões de especificação européia que acabam sendo oferecidas também em outras regiões. Pela escala de produção e a logística para reposição de peças que se fizesse necessária visando atender à demanda eventualmente reprimida por motores turbodiesel, antes mesmo da Mazda descontinuar o 6 nos Estados Unidos em 2022 a favor de uma linha mais concentrada em SUVs, era até razoável recorrer a uma única opção de motor turbodiesel para oferecer a uma parte do público que ficou muito concentrada nas mãos da Volkswagen/Audi ou da Mercedes-Benz e da BMW, tendo em vista que essa mesma estratégia já era implementada pelas fabricantes premium alemãs considerando tanto o efeito das normas de emissões sobre o desempenho quanto o mercado americano ser livre do uso da cilindrada como parâmetro para as alíquotas de impostos sobre os automóveis. Enfim, mesmo com a expectativa por evitar o uso de alguns dispositivos de controle de emissões como o SCR ao menos durante a vigência das normas EPA Tier 2 tenha sido ofuscada pelo Dieselgate, e a estratégia de recorrer à variação de fase do duplo comando de válvulas para proporcionar efeito análogo ao de um EGR não-refrigerado de baixa pressão também ser pouco aproveitada, a Mazda errou em subestimar oportunidades para o Diesel nos Estados Unidos.

sexta-feira, 7 de março de 2025

Híbridos em série: poderiam eventualmente justificar um uso de turbinas a gás na propulsão automotiva?

Em meio a uma injustificável demonização que vem sendo promovida contra os motores de combustão interna de um modo geral, mas ainda com uma maior intensidade contra o Diesel a ponto de modelos como o Nissan X-Trail ter perdido a opção pelos motores turbodiesel na 4ª geração enquanto a opção híbrida tem um sistema de propulsão mais semelhante ao de algumas locomotivas e navios valendo-se do motor de combustão interna somente para acionar um gerador a bordo enquanto motores elétricos tracionam as rodas, o regime de operação em rotação constante mais característico de equipamentos estacionários e que também é observado em motores aeronáuticos fomenta questionamentos quanto a uma possibilidade de recorrer a turbinas a gás para o acionamento do gerador. Experiências anteriores com o uso de turbinas a gás para tração direta já chegaram a ser testados, tanto em protótipos voltados a um uso mais normal quanto em competições esportivas, embora tenha sido demonstrada uma inaptidão aos regimes de rotação mais intermitentes que os motores convencionais tanto de ignição por faísca quanto Diesel podem operar com mais desenvoltura. Naturalmente algumas condições mais específicas das turbinas a gás podem dificultar a implementação, principalmente o gerenciamento térmico tendo em vista as temperaturas dos gases de escape costumeiramente mais extremas efetivamente inviabilizando o recurso à recirculação de gases de escape através de um sistema EGR para diminuir a formação dos óxidos de nitrogênio (NOx), e também a integração com outros sistemas embarcados substancialmente diferentes entre um automóvel e uma aeronave ou até um tanque de guerra.
Embora uma turbina a gás, apesar do nome sugerir que funcionasse só com combustíveis gasosos, opere com qualquer combustível que possa ser vaporizado abrangendo desde gasolina e etanol até óleo diesel e substitutivos tão diversos quanto o biodiesel ou óleos vegetais, passando obviamente pelo querosene de aviação que também acaba sendo muito utilizado em veículos e equipamentos militares com motor Diesel para simplificação da logística em campos de batalha, o gerenciamento térmico e implementação de métodos para controle de emissões tendem a ficar demasiado complexos no espaço mais restrito que um automóvel vá disponibilizar comparado a um avião ou um grande navio. Proporcionalmente, ficaria mais adequado a aplicações de porte maior que o de um carro ou SUV de proposta generalista, mesmo considerando eventualmente até um uso de ar sangrado do compressor para um sistema de climatização por ciclo de ar como o de grandes aviões comerciais em vez do sistema de ar condicionado por ciclo de vapor normalmente usado em automóveis. Enfim, mesmo que uma aparente simplicidade atribuída às turbinas a gás pudesse as favorecer também no tocante à manutenção devido a uma menor quantidade de peças móveis, especialmente se fossem usados compressores centrífugos por serem mais simples e terem semelhança com o que se vê nos turbocompressores já massificados tanto em motores do ciclo Otto, especificidades de cada tipo de motor podem fazer com que uma percebida vantagem do menor peso e volume de turbinas a gás poderia ser anulado por uma parafernália de controle de emissões ainda mais complexa que a já observada em automóveis e utilitários.